Introdução
Atualmente com o aumento da esperança média de vida, devido à melhoria das condições de higiene e dos cuidados de saúde prestados no último século, assiste- se ao envelhecimento da população, que se associa a um acréscimo da prevalência das doenças crónicas, conduzindo a uma sobrelotação dos serviços de urgência e à solicitação crescente do número de camas hospitalares (Delerue & Correia, 2018).
A Hospitalização Domiciliária (HD) centra-se no doente, procurando ganhos em eficiência e em qualidade, redução de complicações e obtendo níveis de maior humanização e satisfação dos utentes e seus familiares (DGS, 2018).
Sendo a HD composta por uma equipa multidisciplinar, pretendemos descortinar o papel do enfermeiro na HD, explorando as terapêuticas de enfermagem à pessoa em HD, percebendo de que forma estas intervenções são facilitadoras do processo de transição/doença. Assim seno, é objetivo deste estudo compreender o processo de transição saúde/doença da pessoa em HD.
Enquadramento/fundamentação teórica
Durante o percurso de vida as pessoas deparam-se com diversas alterações, com impacto individual e familiar, iniciando processos de transição (Meleis, Sawyer, Messias, & Schumacher, 2000). As transições de saúde/doença estão associadas a alteração e incerteza do processo de vida e a sua resposta terapêutica, devido a impressibilidade dos factos e dos acontecimentos, interferindo na vivência quotidiana da família (Mendes, 2020).
A transição é assumida como área de atenção dos enfermeiros quando interfere com a saúde, ou quando
as respostas à transição são manifestadas através de comportamentos relacionados com a saúde. Neste sentido, o enfermeiro assiste as pessoas nos processos de transições que ocorrem ao longo do ciclo vital (Meleis, 2007), ajudando a pessoa a desenvolver competências e habilidades para que a transição ocorra com sucesso (Meleis, Sawyer, Messias, & Schumacher, 2000).
“Devido às melhorias das condições higiene e sanitárias, e dos cuidados de saúde prestados no último século, assiste-se a um aumento da esperança média de vida. Consequentemente assiste-se igualmente ao envelhecimento da população, que se associa também a um acréscimo da prevalência das doenças crónicas, o que representa neste momento um problema transversal aos sistemas de saúde do mundo ocidental, conduzindo a uma sobrelotação dos serviços de urgência e a solicitação crescente do número de camas hospitalares” (Delerue & Correia, 2018).
As Unidades de Hospitalização Domiciliária foram criadas como modelo de assistência hospitalar pra- ticado no domicílio por um período transitório em alternativa ao internamento hospitalar convencional (Voudris & Silver, 2018). Em Portugal o início das UHD foi em 2015 no Hospital Garcia da Horta (Cunha, Escarigo, Correia, Nortadas, Azevedo, & Beirão, 2017). A HD permite que o doente receba cuidados na sua própria casa, iguais em qualidade e quantidade aos prestados no hospital, reunindo assim os critérios clínicos, sociais e geográficos, e sempre de acordo com a vontade do doente e da sua família (Cotta, Suárez- Varela, González, Filho, Real, & Ricós, 2001).
Este tipo de modelo de assistência hospitalar apresenta algumas vantagens que são transversais ao doente, à sua família e ao hospital (Fernández-Miera,2009). Desta forma, proporciona aos doentes, familiares ou cuidadores melhor atenção, participação e responsabilidade; melhor qualidade de vida e bem- estar, assistência personalizada, oportunidade de educação para saúde e menor risco de iatrogenia. A nível hospitalar, maior rentabilidade dos recursos disponíveis, maior rotação e disponibilidades de camas, redução do período de internamento; no sistema nacional de saúde, aumenta a eficácia e eficiência mediante assistência mais humanizada e uso mais eficaz dos recursos (Mariano, et al., 2021).
Metodologia
Estudo de investigação qualitativo e descritivo, com recurso à realização de um focus group como estratégia de recolha de dados. Os participantes foram selecionados através de uma técnica de amostragem de conveniência e de forma intencional, composta por cinco enfermeiros especialistas a exercer funções em unidades de HD distintas da região norte e centro de Portugal. Na seleção dos participantes foi considerado como critério de inclusão ser enfermeiro especialista a exercer funções numa unidade de HD. A recolha de dados decorreu em setembro de 2020. O guião do focus group foi constituído por questões abertas de forma a facilitar a expressão livre dos participantes. Foi realizada gravação áudio de 50 minutos do focus group, posteriormente transcrito verbatim num documento de texto com recurso ao software MicrosoftWord e realizada uma codificação dos participantes (sujeito E1, sujeito E2...) de forma a garantir o anonimato. Foi realizada análise de conteúdo com categorização à posteriori de acordo com Bardin (2015).
Os enfermeiros não apresentaram objeções às questões abordadas e a condução do guião traduziu flexibilidade, criatividade, fluindo naturalmente entre os intervenientes. Os procedimentos éticos foram garantidos, sendo previamente fornecida toda a informação acerca do estudo. Foi também garantida a confidencialidade da informação e o anonimato dos participantes sendo fornecido um termo de consentimento informado, assegurando-se a participação livre e esclarecida a cada participante. O estudo teve parecer favorável da Comissão de ética (Parecer 019/2020).
Resultados e discussão
Os participantes no focus group são cinco enfermeiros, sendo que três (60%) são do género feminino. A idade dos participantes varia entre os 36 e 52 anos, com uma média de idades de 44,6 (±7,08) anos. O tempo de exercício da atividade profissional varia entre os 12 e os 30 anos, com uma média de 22,6 (±7,89) anos. Todos os participantes exercem funções em HD, e integraram as equipas instaladoras destas unidades nas instituições onde exercem funções, sendo que três (60%) dos enfermeiros que participaram no estudo exercem funções de enfermeiro coordenador. Todos possuem o título de enfermeiro especialista, dois (40%) em enfermagem médico-cirúrgica, dois (40%) em enfermagem de reabilitação e um (20%) em enfermagem comunitária. Três (60%) dos participantes possuem o grau de mestre e um (20%) dos participantes encontra-se a frequentar o doutoramento.
Da análise dos resultados obtidos, emergiram quatro categorias baseadas na temática das intervenções de enfermagem em clientes hospitalizados no seu domicílio: Critérios de admissão na HD, Benefícios da HD, Dificuldades na implementação de HD e Intervenções de Enfermagem.
Relativamente aos critérios de admissão na HD estes dividem-se claramente em duas subcategorias, a área médica e a área cirúrgica. Embora a DGS (2018) tenha já definido a tipologia de clientes bem como as patologias elegíveis para a HD, foi de salientar, que do foro médico os participantes referem:
“temos tido desde insuficiências cardíacas” (E2). “pneumonias, insuficiências respiratórias”(E4). “pielonefrites, as celulites, erisipelas” (E5).
Os doentes do foro cirúrgico têm uma casuística cada vez maior.
“doentes com colangites e colecistites” (E1). “área da urologia, pielonefrites e prostatites” (E3). “ortopédicos também temos tido” (E2). “osteomielites, espondilodiscites” (E1).
Todas estas situações vêm de acordo com as patologias elegíveis para a HD: patologia infeciosa aguda que requeira tratamento antibiótico parentérico ou patologia crónica agudizada controlável no domicílio (DGS, 2018).
No que concerne aos benefícios da HD, durante a realização do focus group os participantes referiram como relevante a gestão de camas disponíveis, a proximidade com as reais necessidades do cliente e um cuidado personalizado, potenciando a eficácia da gestão do regime terapêutico e a qualidade de cuidados, que se traduz na satisfação do cliente.
A HD implica o consentimento esclarecido por parte do cliente e pode realizar-se por duas vertentes. Uma consiste em direcionar os clientes do serviço de urgência/comunidade diretamente para a HD, e outra visa diminuir o tempo de internamento convencional após a estabilização clínica. O intuito é prestar cuidados de saúde com rigor clínico a quem necessitar de cuidados hospitalares e possa prescindir do espaço físico hospitalar. “doentes só vão para casa com o seu consentimento livre e esclarecido” (E5). “nem sequer chegam a ficar internados, vão logo diretamente para casa connosco” (E5). “ora referenciados pelos médicos de família ora referenciados também pela consulta que nós temos de cardiologia” (E4). “saímos da cabeceira para passar a andar realmente no domicílio do doente” (E5).
De acordo com as diretrizes do SNS, a HD torna mais eficientes os meios disponíveis e aumenta o bem-estar do cliente e da família. Aponta para o aumento de disponibilidade de camas em internamento convencional e ainda para a redução das complicações associadas a este como a infeção cruzada, quedas e delirium. “acabamos por ir diminuindo a lotação a nível do internamento convencional” (E5). “no fundo retirar doentes e permitir que essas camas sejam ocupadas por doentes que necessitem mesmo de ficar no hospital” (E3). “vantagens que nós estávamos à espera, diminuição dos riscos de queda, diminuição das úlceras de pressão” (E5). “doentes que ficam confusos em meio hospitalar e que nas suas casas, no seu meio acabam por estar muito mais orientados, muito mais colaborantes” (E5). “a melhoria do estado confusional dos doentes após irem para o seu domicílio. O facto de terem menos ruído, menos luminosidade, conhecerem o espaço circundante” (E1). “tudo nos leva a querer que em termos de infeções adquiridas no meio hospitalar diminuem também drasticamente” (E3). A doença condiciona a forma como cada indivíduo e a sua família se comporta, é o seu foco de atenção e preocupação (Mendes, 2020).A atuação de enfermagem passa por observar e avaliar as várias individualidades, no intuito de estabelecer diagnósticos e respetivo plano de atuação. “é muito mais fácil compreendermos no seu meio” (E5). “porque nós estamos junto do doente, nós conseguimos perceber coisas tão simples” (E2,) “as modificações são ali naquele momento junto da pessoa dos seus e daqueles que vão prestando os cuidados e das condições que eles têm” (E5).
A relação entre a família e os profissionais de saúde é o núcleo dos cuidados centrados no binómio doente/família, considerando a família como parceira no fornecimento de cuidados de saúde. Por este motivo, é importante perceber as reais necessidades do doente e família a viver este processo de transição (Mendes , 2020). “a responsabilização que se dá à família, ao cuidador” (E2). “trabalhar com a família de forma a habilitar o doente para as suas atividades de vida diária” (E3). “fazemos sempre o ajuste com a família” (E1). “nós sabemos que esta família vai colaborar” (E5).
A HD permite a observação do cliente e família no seu ambiente, a identificação das efetivas necessidades. O plano de atuação é dirigido e atende à realidade deste binómio, potenciando o seu bem-estar. Desta forma, facilita a reformulação de identidade e mudança de comportamentos, podendo evitar recidivas da doença.
É um cuidar personalizado, promovendo um processo dinâmico, um projeto de saúde individualizado, onde os vetores de ação são quer o indivíduo no seu todo como um ser biopsicossocial, quer a sua família. “ali os dados estão em toda a casa” (E5). “quando a equipe se desloca ao local, acaba por ter uma realidade muitas vezes diferente daquilo que nós estávamos a espera” (E3). “a diferença que existe entre o internamento convencional e a hospitalização domiciliária, é sermos o mais ajustados à realidade dos nossos doentes.” (E2). “estarmos presentes e de percebermos a envolvência até percebemos se o cuidador é capaz de o fazer ou se pelo menos existe um cuidador” (E1).
A satisfação é um conceito essencialmente subjetivo, influenciado por fatores psicossociais como as expectativas e a interação com os profissionais (Esperidião & Trad, 2006). O cliente e a família são o centro do processo, desta forma é relevante a sua satisfação. Um processo terapêutico positivo é facilitador para o alcance dos resultados esperados. A qualidade de cuidados relaciona-se de forma direta com a satisfação do doente e família (Mendes, Mantovani, Gemito, & Lopes, 2013). “grande satisfação que os doentes demonstram e os seus familiares” (E5). “nós notamos pelos agradecimentos que nos fazem por todo o reconhecimento” (E5). “conseguimos perceber a diferença que fazemos na vida das pessoas” (E5).
A norma 020/2018 da DGS (2018) refere que as visitas ao domicílio devem ser programadas de acordo com a individualidade do cliente e referencia que nas primeiras 24horas e na data da alta a visita deve ser multidisciplinar. Os enfermeiros deixam claro que os ensinos efetuados na primeira visita são de extrema relevância para que o cliente se mantenha em cuidados domiciliários e que nas primeiras 24horas são necessárias pelo menos duas visitas ao domicílio. “de manhã temos uma visita com médico e enfermeiro, e à tarde estamos sozinhos” (E2). “na admissão do doente, precisamos de normalmente quase de hora e meia. A equipe de tarde volta lá para reforçar todos os ensinos que iniciamos de manhã porque é muita informação” (E3).
“as visitas efetuadas no turno da tarde são de extrema importância” (E1). “no dia da entrada, independentemente da hora, nem que seja às dez, onze da noite o enfermeiro faz acolhimento nesse dia” (E1).
“poderá refletir na diminuição do número de ativações e número de retornos dos doentes para o hospital” (E1). As instituições são responsáveis por providenciar os meios e recursos necessários aos profissionais de modo a permitir o exercício de funções de forma eficiente e efetiva (Ribeiro, 2013).
“Nós damos uma hora para cada doente, ou seja, dessa hora 45 minutos é para avaliar o doente, 15 minutos é para fazer a deslocação” (E3).
“temos uma equipa de seis enfermeiros no terreno” (E3).
O número de horas de cuidados necessários é referenciado pelos enfermeiros como o tempo. A gestão dirigida para os cuidados prende-se com o estabelecer de uma correta atribuição de enfermeiros dirigida a melhores resultados para os doentes (ICN, 2007). Ao analisar o discurso dos enfermeiros percebe- se que os cuidados prestados no domicílio, rentabilizam o número de minutos disponibilizados a cada cliente. A interação ocorre num espaço físico dedicado exclusivamente ao cliente, a atenção do profissional é dirigida de forma individualizada e não existem interrupções neste processo. Emerge o conceito atual de tempo de qualidade.
“temos que fazer uma gestão muito apertada, digamos assim, de todo o tempo para tornar esse tempo efetivo e de qualidade” (E3).
“o tempo que se passa é efetivamente um tempo melhor, um tempo em que o doente ganha mais” (E5). “nós estamos 100% disponíveis para esse doente”
(E2).
“o mais importante é a qualidade desse tempo” (E2). A Organização Mundial de Saúde refere que a toma de medicação, o cumprimento da dieta e a alteração de hábitos e estilos de vida, de acordo com as recomendações dos profissionais de saúde, definem a adesão ao regime terapêutico (WHO, 2003).
A confiança nos enfermeiros prestadores de cuidados, o ajuste à realidade do cliente, o esclarecer de dúvidas e a compreensão dos processos de transição são parâmetros facilitadores para a gestão do regime terapêutico e para o alcance dos resultados esperados (Mota, 2011). Os enfermeiros referem ter eficácia na gestão do regime terapêutico. “aspetos que é transversal a quase todos os doentes e é muito importante na hora da alta que é a reconciliação da medicação” (E2). “reconciliação terapêutica, que é feita logo no momento da entrada pela equipa médica e/ou pelo enfermeiro” (E1).
“nós fazemos a gestão e eles fazem a administração” (E2).
No que se refere às dificuldades na implementação de HD, estas podem ser de natureza organizacional ou associadas à prática clínica. Quanto a aspetos da prática clínica, a complexidade do regime medicamentoso é um fator essencial no processo da continuidade dos cuidados. “vancomicina penso que também que é o calcanhar de Aquiles de quase todos por a agressividade em cateter venoso periférico” (E2). “flebites porque realmente são extremamente agressivos e por norma de fazem tratamentos prolongados” (E2). Um estudo efetuado no Canadá apresenta a continuidade de cuidados como o principal valor da medicina de família, aumentando a satisfação do enfermeiro bem como a relação médico/doente (Delva, Kerr, & Schultz, 2011). Desta forma foi referido que a necessidade de estabelecer um elo de ligação protocolar na relação da equipa interdisciplinar.
“mas ainda são áreas (…) que vamos avançar porque é necessário protocolar com a dita especialidade (…)”
(E1).
“estamos a tentar os cirúrgicos (...) numa fase de tentar aumentar a nossa unidade com maior número de camas e fazer protocolos com a cirurgia (…) mas ainda não há uma cultura, muito, até porque, existe um bocadinho de resistência por parte de médicos” (E2).
Neste estudo, as intervenções de enfermagem dividem-se em duas subcategorias, autónomas e interdependentes. As intervenções autónomas de enfermagem, englobam as ações realizadas pelos enfermeiros, sob sua única e exclusiva iniciativa e responsabilidade, assentando em contributos da investigação em enfermagem.
“nós temos seis focos de enfermagem (...) autónomos. É a gestão do regime terapêutico, a queda, a úlcera de pressão, infeção, prestador de cuidados e o autocuidado” (E3).
As intervenções autónomas de enfermagem identificadas direcionam-se para o autocuidado, capacitação da pessoa e literacia em saúde. O Internacional Council of Nurses (ICN, 2011) define autocuidado como uma atividade executada pelo próprio. Tomar conta do necessário para se manter, manter-se operacional e lidar com as necessidades individuais básicas e íntimas e as atividades de vida diária. Por sua vez, quando a condição humana ou o ambiente envolvente se alteram, particularmente em situações de doença crónica, a capacidade de autocuidado do indivíduo encontra-se comprometida e este torna-se incapaz de cuidar de si próprio, necessitando de agentes de autocuidado (Queirós, Vidinha, & Fialho, 2014).
“estamos com um projeto que é perceber quais são as condicionantes que os doentes têm em casa ao nível do sanitário para o autocuidado do uso sanitário para perceber aqui o que é que nós podemos modificar” (E5). “conseguimos retirar tapetes, perceber se é preciso colocar algum tipo de dispositivo nas casas de banhos e nos corredores para evitar essas mesmas quedas” (E2).
“estamos em casa e está o familiar a cozinhar e conseguimos de uma forma muito efetiva e assertiva (...) conseguir orientar e instruir relativamente por exemplo (...) à alimentação (...) os alimentos que devem ser utilizados, ter a perceção real do que o doente faz” (E2).
O enfermeiro deve respeitar o princípio de que o cliente é responsável pela sua saúde e pela execução de atividades que respondam às suas necessidades de autocuidado, só assim promove a sua autonomia e independência.
“conseguimos com pequenas coisas modificar esse meio e torná-los assim, às vezes com pequenas modificações mais independentes dentro das suas dependências” (E5). De acordo com Queirós, Vidinha, & Fialho (2014) torna-se fundamental a intervenção de enfermagem quando as dificuldades são maiores que a capacidade que a pessoa tem para as realizar.
“eles nunca tinham manuseado a PEG. Ou seja, eu tive (…) a tentar instruir aquela senhora, a ensinar e a treinar, aquela e a tentar envolver o cuidador (...) ele era um jovem tinha 40 anos. Ao final do segundo dia ele já conseguia segurar, na PEG para se alimentar, e ao fim de menos de uma semana já ele fazia a autoadministração da alimentação” (E2). A promoção do autocuidado engloba todo um conjunto de intervenções que permitem a capacitação da pessoa para desempenhar, autonomamente, as atividades fundamentais à manutenção da vida, da saúde e do bem-estar. “a capacitação quer do doente quer do familiar em todas as vertentes” (E2). “o empoderamento quer da pessoa quer do seu familiar cuidador” (E5). "capacitarmos o doente para no desenvolvimento do seu processo de doença, estamos a promover uma transição para a sua saúde” (E1). A capacitação para a máxima autonomia da pessoa nos seus autocuidados torna-se fulcral, pelo que as intervenções de enfermagem devem centrar-se na informação e treino da capacidade da pessoa dependente no sentido da execução das atividades de autocuidado (Ribeiro, Pinto, & Regadas, 2014).
“as intervenções entram sobretudo (...) no educar e instruir (...) no treinar, de forma a que nós possamos dar conhecimento e dar capacitação para (...) a resolução destes” (E3). “doentes que vêm com intervenções do tipo executar e observar passa para o ensinar, treinar, o instruir (...) é uma área de enfermagem onde nós mais queremos desenvolver” (E5). A promoção da literacia em saúde está relacionada com o desenvolvimento das capacidades pessoais do cliente e seu cuidador. Esta área constitui, uma estratégia que permite aumentar o controlo das pessoas sobre a sua saúde, bem como a sua capacidade para procurarem informação e assumirem responsabilidades (DGS, 2019).“conseguimos promover, a literacia em saúde não só do doente, mas também do cuidador, sobretudo do cuidador” (E3).
A intervenção dos enfermeiros na capacitação dos clientes para a determinação do seu projeto de saúde, deve tomar em consideração os processos informais de aprendizagem de competências de literacia em saúde.
Melhorar a literacia em saúde, permite habilitar as pessoas para assumirem responsabilidades pelos seus comportamentos e pela autogestão da sua saúde para uma melhor qualidade de vida e aquisição de ganhos em saúde (Costa, Reis, Souza, & Luengo, 2014).
“eu digo sempre aos meus colegas que temos que deixar um paradigma que é o de executar para passar ao paradigma de ensino e treino do cuidador, para promover esta literacia, para promover o máximo de conhecimento nessa na área da saúde” (E3, setembro, 2020).
As intervenções interdependentes de enfermagem são realizadas pelos enfermeiros em articulação com outros profissionais da equipa multidisciplinar de acordo com planos de ação previamente definidos com o objetivo principal de melhorar o bem-estar do cliente. “as intervenções independentes são tão ou mais importantes” (E5, setembro, 2020) “é importante referir a interdisciplinaridade que existe entre todos nós. Médico, enfermeiro, assistente social, nutricionista a própria assistente técnica ou administrativa” (E3, setembro, 2020).
Existe ainda uma complementaridade com outras profissões, sendo o enfermeiro quem está mais vezes na presença da realidade do doente e quem notifica as necessidades detetadas, procurando uma solução em conjunto. “temos muita colaboração da farmácia, dos nossos farmacêuticos (…) das infeciosas e, portanto, também nos dão muitas vezes alternativas ao antibiótico que estando o doente a fazer não pode ir para casa e mudando este antibiótico ele pode ir para casa, acaba por ser realmente uma parceria muito próxima e que tem resultado muito bem” (E5, setembro, 2020).
Conclusão
Da análise dos resultados foram identificadas quatro categorias: Critérios de admissão na HD, Benefícios da HD, Dificuldades na implementação da HD e Intervenções de Enfermagem que ilustram a visão dos participantes no estudo.
Aos enfermeiros cabe o papel de ajudar a desenvolver respostas adequadas à pessoa e seu cuidador. Desta forma, as terapêuticas de enfermagem centradas na promoção do autocuidado, na capacitação da pessoa/cuidador com recurso ao ensino personalizado, na eficácia da gestão do regime terapêutico, na prevenção de quedas e na formação/literacia em saúde, têm um papel facilitador na transição no processo saúde/doença.
No final deste percurso, pensamos ter dado resposta aos nossos objetivos. Identificamos as terapêuticas de enfermagem em HD e de que forma são facilitadoras do processo de transição saúde/doença.
Embora seja de fácil perceção todas as vantagens proporcionadas pela HD, podemos perceber ainda que existem algumas dificuldades de implementação de projetos nesta área, como a complexidade do regime medicamentoso e sua implementação na continuidade dos cuidados, ligado também à falta de protocolos de atuação principalmente com algumas especialidades cirúrgicas.
Existem ainda algumas limitações referentes a este estudo. Idealmente o focus group deveria ser realizado pelo menos por seis participantes. Tal não foi possível, pois houve algumas equipes de Instituições que por diversas razões não conseguiram participar. Mas o fato dos participantes serem enfermeiros com muita experiência e membros fundadores das unidades de hospitalização domiciliária das suas instituições forneceu-nos informação bastante adequada.
Tendo em conta que a realidade da HD a nível nacional se encontra em crescimento, torna-se benéfica a realização de estudos com vista à produção de conhecimento científico nesta área, pois só assim a enfermagem crescerá enquanto disciplina de conhecimento. Sugerimos um estudo mais aprofundado apenas sobre as intervenções autónomas de Enfermagem, de forma a servir de base a estudos que desenvolvam o perfil de competências do enfermeiro em HD.