Introdução
A contenção física define-se pela “restrição dos movimentos da pessoa doente, em situações de agitação psicomotora, confusão mental ou agressividade/violência em relação a si próprio e/ou a outros” (Direção Geral de Saúde (DGS), 2007, p. 2), sendo utilizada nos serviços de psiquiatria, sobretudo com vista à contenção de comportamentos auto ou heteroagressivos. Apesar de ser uma prática controversa, é aplicada um pouco por todo o mundo industrializado, com taxas de prevalência muito variáveis, que se estimam entre os 3 e os 50%, acreditando-se que estes números possam ser ainda superiores (Huf, Coutinho,Ferreira, Ferreira, Mello & Adams, 2011).
Em Portugal não se encontram estudos de prevalência desta prática, mas sabe-se que o recurso à técnica de contenção física comporta importantes riscos, nomeadamente físicos e psicológicos (Entidade Reguladora da Saúde [ERS], 2015). No que diz respeito aos primeiros, de acordo com Mohr, Peti e Mohr (2003), pessoas contidas podem apresentar lesões físicas decorrentes do processo de contenção, podento também apresentar risco aumentado de desidratação, asfixia, aspiração, depressão respiratória, trombose, hipertensão arterial, arritmias, incontinência, agressão por outros utentes e até mesmo morte. Já em termos psicológicos, não de menor importância, destacam-se sentimentos de medo, raiva e ansiedade, bem como pensamentos intrusivos, pesadelos recorrentes, comportamentos de evitamento e respostas de sobressalto e desconfiança relativamente a profissionais de saúde, que foram observados anos depois, em pessoas submetidas a este procedimento (Steinert, Birk, Flammer & Bergk, 2013; Mohr, Peti & Mohr, 2003).
Em 2007, foi emitida uma circular normativa pela DGS, que permitiu enquadrar, pela primeira vez em Portugal, o procedimento técnico de contenção física de um utente e o mesmo foi revogado pela orientação n.º 021/2011 da DGS, tendo este último, um caráter orientador.
Estes documentos referem que, a utilização de medidas de contenção deve ser entendida pelos profissionais de saúde como um procedimento incidente para a segurança do utente, uma vez que tem um impacto importante na liberdade, autodeterminação e dignidade de cada utente, devendo ser considerada como último recurso, depois de esgotadas as medidas alternativas.
Esta orientação estabelece que os doentes são elegíveis para a colocação de medidas de contenção quando manifestem comportamentos que o coloquem a si ou à sua envolvente em risco de sofrer danos; recusem tratamento compulsivo, nos termos legais; ou recusem tratamento vital, urgente; devendo o profissional de saúde desencadear as medidas de contenção necessárias durante a prestação de cuidados e comunicar a situação à equipa de saúde (DGS, 2011).
Em todas as circunstâncias deve prevalecer o princípio de cuidar do doente com a menor restrição possível, e pelo menor tempo possível, salvaguardando-se sempre as especificidades de cada doente sujeito à técnica (DGS, 2011).
Importa ainda que todos os profissionais recebam formação, tanto na sua admissão como, no máximo, a cada 3 anos, sobre técnicas de prevenção da contenção, técnicas de contenção, aplicação correta de instrumentos de contenção e como cuidar do doente que se encontra em contenção (DGS, 2011). No que se refere às medidas alternativas ou de prevenção, a DGS (2011), destaca alguns exemplos, não excluindo outras opções. Entre estes, realça a importância da presença e acompanhamento individual por profissionais de saúde, que proporcionem ao doente a libertação de tensões e hostilidade, recorrendo à palavra ou outras formas de expressão, consoante o contexto. Menciona ainda a contenção verbal, com sinceridade, calma e firmeza; a modificação do contexto, procurando oferecer ao doente um ambiente calmo e seguro; o recurso à inclusão ou exclusão de alguma pessoa significativa para o doente; o convite e organização de atividades e tarefas minimamente compatíveis com a condição do doente; e o tratamento farmacológico. Depreende-se que para a aplicabilidade destas medidas seja necessária a existência de profissionais em número adequado.
Contudo, apesar das orientações emitidas, prevê-se em Portugal, tendo por base a experiência profissional dos investigadores, taxas ainda elevadas de contenção física, à semelhança do que acontece em outros países, como o Reino Unido (Perkins, Prosser, Riley & Whittington, 2012), ou Austrália (Muir-Cochrane, Baird & MacCann, 2015). De acordo com os estudos realizados nesses países, o principal motivo para a relutância na eliminação destas práticas prende-se com a perceção por parte das equipas de enfermagem, de índices de eficácia baixos das medidas alternativas. A hipótese em estudo é que se os serviços de psiquiatria fossem reforçados com elementos da equipa de enfermagem, tornar-se-ia possível um acompanhamento mais próximo da pessoa doente e, consequentemente, mais eficaz na redução do recurso às medidas de contenção física. Num estudo realizado por Magnowski e Cleveland (2019), que teve por objetivo identificar o impacto da intervenção “milieu nurse-client” nas taxas mensais de contenção física numa unidade psiquiátrica, comparativamente aos procedimentos e gestão tradicional dessa mesma unidade (Magnowski & Cleveland, 2019), constatou-se que a permanência contínua de um enfermeiro junto ao utente em contenção, intervindo psicoeducativamente, leva a uma redução muito significativa do tempo de contenção. Contudo, existem também alguns estudos, ainda que antigos (Saloff & Turner, 1981; Phillips & Nasr, 1983 citados por Morrison & Lehane, 1995), que reportam que um maior número de profissionais podem levar à hiperestimulação dos utentes e a maior taxas de isolamento e contenção física.
Sem dúvida que o fenómeno estudado apresenta um caratér multifatorial, sendo que para além do número de enfermeiros, importa considerar o rácio enfermeiro/enfermeira, a formação e experiência dos mesmos. Ainda assim, o rácio enfermeiro-utente é o fator mais difícil de estudar. Deste modo, a presente revisão sistemática teve como objetivo analisar a influência do rácio enfermeiro-utente, em unidades de cuidados de psiquiatria, no recurso à contenção física e isolamento dos utentes.
Procedimentos metodológicos de revisão
Realizou-se uma revisão sistemática de acordo com as orientações do Joanna Brigs Institute (Aromataris & Munn, 2020). Foram definidos e aplicados critérios de seleção segundo a metodologia PICOD. Participantes: Doentes internados em serviços de psiquiatria; Intervenção: rácio enfermeiro-doente (associado ou não a outra intervenção); Comparações: cuidados standard (isto é, sem ou antes da intervenção); Outcomes: taxa de recurso à contenção física (outcome primário, já que acarreta mais riscos para a pessoa) e de recurso ao isolamento (outcome secundário, para o qual parece existir mais informação); desenho: estudos observacionais e pré pós intervenção. Dado o tópico em estudo, a existência de estudos experimentais é pouco plausível.
A estratégia de pesquisa apenas incluiu estudos publicados. Foi utilizada uma estratégia de pesquisa em três passos. Inicialmente foi realizada uma pesquisa naturalista limitada à base de dados PubMed, seguindo-se uma análise de palavras de texto nos títulos, resumos e dos descritores indexados (Medical Subject Heading). Houve então necessidade de aprimorar a estratégia de pesquisa para reduzir o imenso número de artigos indicados. Entre as principais mudanças, restringiu-se o aparecimento das palavras-chave ao título e resumo, e foram incluídos apenas três componentes do PICOD, designadamente os Participantes, a Intervenção, e o Outcome. Utilizaram-se os operadores boleanos “OR” e “AND, bem como o filtro [Title/Abstract] e a truncatura “*” em alguns termos. Posteriormente foi realizada uma segunda pesquisa usando todas as palavras-chave e descritores identificados, em todas as bases de dados incluídas (Tabela 1). Por fim, foram analisadas as referências bibliográficas de todos os artigos identificados para identificar estudos adicionais. Foram considerados para inclusão nesta revisão estudos escritos em inglês, espanhol, francês e português. A estratégia de pesquisa por base de dados abrangeu o período até 10 de Dezembro de 2020. Na tabela 1, são apresentadas as estratégias de pesquisa utilizadas nas bases de dados, bem como o número de artigos identificado.
a. Inclui: CINAHL Complete, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Library, Information Science & Technology Abstracts, MedicLatina; Excluíu-se a “MEDLINE Complete” por já ter sido pesquisada na PubMed.
A seleção de artigos foi efetuada por dois investigadores, de forma independente, começando pela seriação através do título, seguido de resumo e posteriormente do artigo integral. Foram registados os motivos de exclusão, com esquematização por Fluxo PRISMA-P (Moher et al., 2015). Os artigos selecionados foram submetidos a avaliação da qualidade metodológica por dois autores independentes, usando a grelha proposta pela colaboração JBI para estudos transversais (uma vez que os estudos incluídos se compõem por observações transversais em análises sequenciais no tempo) (Moola et al, 2020). Definiu-se previamente que os artigos que não obedecessem a pelo menos 50% dos critérios, seriam excluídos da meta-análise, mas seriam incluídos na síntese narrativa.
A extração de dados foi realizada por dois autores, de forma independente, utilizando uma grelha pré- definida. Foram recolhidos os seguintes dados: autores, ano de publicação, país, tipo de estudo, características da amostra (número de observações e de doentes), contexto (tipo e dimensão da unidade de cuidados/hospital), período do estudo, objetivo principal e secundários do estudo e características da intervenção (quando aplicável), síntese dos resultados e conclusões. O presente artigo inclui uma tabela resumo dos estudos, com os dados acima descritos e uma descrição narrativa/sumária/descritiva de cada estudo. Não foi possível realizar meta-análise. Como se trata de um estudo de cariz secundário, que usa dados já publicados, e realizado em contexto de formação, não foi realizado nenhum pedido de autorização a comissão de ética de nenhuma instituição hospitalar/ de prestação de cuidados.
Resultados
Tal como apresentado na Figura 1, a pesquisa identificou 1392 estudos potencialmente relevantes através de bases de dados e 5 adicionais, identificados através da bibliografia de artigos incluídos. Após a remoção de duplicados ficaram 1208 artigos que foram rastreados por título e resumo, o que permitiu reduzir para 9 artigos. Estes 9 artigos, em texto completo,
foram analisados detalhadamente, excluindo-se 5 devido aos critérios de exclusão: 1 qualitativo (McKeown et al., 2019), 1 em alemão (Nienaber et al., 2018), 1 por publicação duplicada (Morrison, 1995) e dois por não analisarem influência do rácio (Allen, Fetzer & Cummings, 2020; Magnowski & Cleveland, 2019). Assim, incluíram-se 4 artigos na revisão qualitativa. Devido à disparidade dos métodos e outcomes utilizados, não foi possível realizar meta- análise. Os resultados do consenso da qualidade metodológica podem ser observados na figura 1. Obteve-se uma concordância de 87,75% entre os dois revisores na apreciação da qualidade.
Os estudos incluídos foram publicados entre 1990 e 2012. Dois estudos incluíram apenas uma única unidade de cuidados (de agudos), um estudo incluiu um hospital psiquiátrico (e todas as suas unidades de cuidados) como contexto de intervenção, e um artigo foi multicêntrico (32 unidades de agudos). Dois estudos colheram os dados de forma retrospetiva e dois de forma prospetiva (embora num deles esse facto não seja claramente identificado (Donat, 2002), com períodos de observação entre 18 (n=1) e 24 meses (n=3). Num dos estudos (Donat, 2002), foi implementada uma melhoria progressiva dos rácios enfermeiro-utente na unidade hospitalar, tendo sido também este o único estudo em que o rácio foi considerado, e não apenas o número de enfermeiros/profissionais, como foi feito nos restantes.
O tamanho das amostras incluídas nesta revisão não é reportado de forma uniforme, com estudos a reportar o número de contenções/isolamentos e número de turnos observados. Dois estudos reportam apenas o isolamento dos doentes e mais recentes reportam quer o isolamento quer a contenção física.
Da avaliação crítica dos estudos, apresenta-se na Tabela 2 o resumo dos principais resultados. Os
estudos de Morrison (1990), e de Morrisson e Lehane (1995), foram realizados há mais de um quarto de século, pela mesma equipa de investigadores e com apenas uma unidade de cuidados como amostra. Em ambos os estudos as análises realizadas foram univariadas, apesar de terem? estudado a influência de outros fatores para além do número de enfermeiros. Os estudos apresentam conclusões díspares, sendo que o segundo estudo, mais robusto em termos metodológicos e de mais fácil compreensão, aponta no sentido de que um maior número de enfermeiros conduz a um menor número de isolamentos (Tabela 2). O Estudo de Donat (2002), realizado num Hospital Psiquiátrico Público na Virgínia, Estados Unidos da América, na sequência da implementação de programa gradual de melhoria dos rácios (diminuição do número de camas e aumento de número de profissionais) é o que de forma mais fácil e gráfica traduz o efeito desta melhoria de rácio (ver Figura 2 do respetivo artigo).
Por fim, o estudo mais recente (Boewers & Crowder, 2012), é o mais robusto em termos metodológicos e de análises estatísticas, que possui maior amostra (multicêntrica), sendo também aquele que analisa mais fatores e mais outcomes.
a. Este estudo teve ainda a publicação de uma carta ao editor, cujos dados complementam a informação facultada no artigo principal, (Morrison, 1995).
Discussão
Com este estudo pretendeu-se analisar a relação entre o rácio enfermeiro-utente e o recurso à contenção física e isolamento em unidades de cuidados de psiquiatria, prática que se visa diminuir, com consequente impacto positivo nos padrões de qualidade dos cuidados de enfermagem especializados. Na revisão sistemática realizada identificaram-se quatro estudos, sendo que em dois deles a associação foi positiva e nos outros dois foi negativa, o que sublinha a complexidade do fenómeno em estudo.
Por outro lado, todos os estudos incluídos nesta revisão analisam outros fatores que podem influenciar o maior ou menor recurso a estas medidas de proteção, destacando-se a sua interligação. É razoável esperar que apenas aumentar o rácio enfermeiro- utente não é suficiente para mudar de forma sistemática esta prática. Independentemente das conclusões dos estudos relativamente ao rácio/número de enfermeiros, todos os autores sublinham que esta é uma condição essencial e a promover, mas que de forma isolada não bastará. Já no estudo de 1990, Morrison considerou que olhar apenas para a relação entre rácio e taxas de isolamento é uma sobresimplificação do fénomeno. Este autor identificou outros dois grandes fatores independentes deste: a severidade da doença do utente, e a fase do dia/noite. Em relação a este último aspeto, este e outros autores observaram que a maior taxa de isolamento e contenção física ocorre quando o número de enfermeiros é mais elevado ou coincidem com os perídos em que os enfermeiros possuem mais rotinas a realizar, como as rondas de medicação, mudanças de turno, preparação e distribuição das refeições. Os níveis de ruído e estimulação sensorial nas enfermarias parecem ser um fator desencadeante, nomeadamente em horários de visitas ou após as mesmas, ou quando os utentes regressam às enfermarias após atividades ocupacionais (Lan et al., 2017).
Outra explicação para a associação positiva entre estas medidas e número de enfermeiros “qualificados” (relembrem-se as diferentes categorias profissionais) é o facto de estes últimos terem maior probabilidade de procurar estabelecer uma relação de maior interação com utentes mais agitados ou descompesados. São estes enfermeiros mais experientes ou mais especializados que têm maior probabilidade de recusar pedidos de utentes (provocando assim raiva), ou que são mais propensos a instrui-los a cumprir as regras da enfermaria ou a prestar assistência relacionada com o autocuidado. Finalmente, auxiliares de enfermagem ou profissionais menos habilitados (por exemplo subcontratados), quando confrontados com um utente agitado, exigente e ameaçador, irão com maior probabilidade encaminhar a disputa para um enfermeiro mais qualificado/experiente, em vez de confrontar o utente ou estabelecer ele próprio os limites (Bowers & Crowder, 2012). Esta interpretação é consentânea com as observações verificadas para outros outcomes. Por exemplo, verificou-se que com enfermeiros mais qualificados se registaram taxas mais baixas de auflagelação, recusa de medicamentos, intoxicação alcoólica, e de administração de medicamentos pro re nata. Estes quatro itens podem sugerir que os enfermeiros qualificados são eficazes na redução de certos tipos de angústia dos pacientes através da sua disponibilidade (Bowers & Crowder, 2012). Assim, os resultados de estudos com associação negativa, de forma alguma podem servir de base para reduções nos níveis de pessoal de enfermagem qualificado, já que esta seguramente afetaria negativamente a avaliação, a prestação de informação, a atividade terapêutica e os cuidados físicos, nenhum dos quais foi medido nos estudos incluídos na revisão. Além disso, é necessário que haja um número suficiente de enfermeiros disponíveis para supervisionar os utentes em segurança, ministrar os tratamentos prescritos e tratar e melhorar incidentes mais graves quando estes ocorrem (Bowers & Crowder, 2012). Estes resultados são suportados por outros estudos, nomeadamente qualitativos (McKeown et al., 2019) e revisões de eficácia de intervenções educacionais (Lan et al., 2017).
Importa salientar, neste âmbito, dois estudos recentes que, embora tendo sido excluídos da revisão, pelo facto de não estudarem o aumento ou diminuição do número de enfermeiros, tornam claro o valor da disponibilidade dos mesmos. Nestes dois estudos (Allen, Fetzer & Cummings, 2020; Magnowski & Cleveland, 2019), o fator estudado foi a frequência da vigilância ao utente em restrição, sem alterar o número de enfermeiros habitualmente escalados por turno. Allen, Fetzer e Cummings (2020), desenvolveram um estudo num hospital americano, com 168 camas de agudos (6 serviços de adultos, 1 de crianças, e 1 de adolescentes), durante 4 anos, dividido em 3 partes. Os autores testaram a redução do tempo de vigilância presencial dos utentes em contenção protocolarizado: de a cada 1 hora, para a cada 30 minutos, e posteriormente para presença constante de 1 enfermeiro junto ao utente. Os resultados globais evidenciaram uma redução estatisticamente significativa de 30% na duração média dos episósios de contenção física, que foi muito mais pronunciada em crianças e adolescentes, com uma redução média de 67%.
No outro estudo, realizado por Magnowski & Cleveland (2019), também nos Estados Unidos, mas numa unidade de 20 camas de crianças e adolescentes, os resultados foram semelhantes. A intervenção, designada por “milieu nurse-client”, consistiu na exigência de alocação de 3 enfermeiros quando a ocupação da enfermaria era de 17 ou mais utentes, sendo que dois desses deveriam ser “registered nurses” para cumprir o papel de “milieu nurse”. Este enfermeiro “milieu” ficava em permanência com a criança/adolescente em contenção, enquanto os outros ficavam a desempenhar as restantes tarefas necessárias aos outros utentes. O enfermeiro “milieu” colocava em prática terapia cognitiva e através da presença procurava assegurar um ambiente estruturado, seguro, consistente, e empático. Verificou-se uma redução estatisticamente significativa das taxas de utentes contidos (de 15.3% para 2.1%) e do número de episódios de contenção (de 211 para 19) face ao período de controlo. Para além disso, nas situações em que o recurso à contenção física foi necessário, verificou-se uma importante redução do tempo em que os utentes permaneciam nessas condições, com uma redução total de 2482 minutos para 151 (Magnowski & Cleveland, 2019).
Os autores de ambos os estudos supramencionados referem que o maior desafio à implementação das mudanças práticas foi a preocupação dos profissionais pelo não aumento do rácio e a não existência de um número suficiente de “registered nurses” para apoiar a exigência de permanência de 1:1 com todos os utentes contidos. No entanto, estes aprenderam rapidamente a ajustar o seu volume de trabalho e a colaborar uns com os outros durante situações de emergência que exigiam o uso de conteção. Aliás, numa comparação ao número de horas que os enfermeiros passavam em média junto aos utentes, antes e nos dois anos após o estudo de Allen, Fetzer e Cummings (2019), verificou- se que permaneceram essencialmente inalteradas (-0,01%).
Conclusão
Esta revisão possui pontos fortes e limitações. Incluíram-se as principais bases de dados internacionais na área médica, mas outras poderiam ter sido incluídas. Além do referido, não foi incorporada a análise aos resumos submetidos ao “WPA World Congress of Psychiatry” (i.e. literatura cinzenta), tal como tinha sido planeado. Não foi possível realizar uma síntese quantitativa dos resultados dadas as diferenças metodológicas, nomeadamente na forma de avaliar os outcomes. Salienta-se ainda o facto de dois estudos já terem sido publicados há vários anos e referentes a apenas uma unidade de cuidados, num mesmo país. Atente-se também às especificidades contextuais, nomeadamente às características profissionais dos enfermeiros, que em outros países incluem, por exemplo, os assistentes de enfermagem.
A interpretação dos resultados de cada estudo e sua generalização deve por isso ser cautelosamente realizada. Torna-se evidente que são necessários mais estudo neste âmbito. No nosso país, concretamente, tem-se verificado que a dotação de enfermagem na área da psiquiatria tem merecido bastante menos atenção do que as outras áreas, uma secundarização com paralelo na atenção à saúde mental em geral, na nossa sociedade.
Apesar de as conclusões dos estudos identificados serem díspares, o aumento do rácio enfermeiro-utente parece estar associado a uma diminuição da taxa e duração da contenção física e isolamento em serviços de psiquiatria, sobretudo quando considerados outros fatores associados. São necessários mais estudos para possibilitar conclusões mais claras. Para tal, seria útil a consensualização, por parte das instituições competentes, de um conjunto mínimo de dados a reportar de forma homogénea neste tipo de estudos.