Introdução
A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) está relacionada com a aterosclerose sistémica nas artérias distais ao arco da aorta e estas lesões ateroscleróticas conduzem a um risco acrescido de desenvolvimento de múltiplas alterações patológicas como rutura focal, ulceração ou erosão, hemorragia, trombose ou dilatação aneurismática (Morbi & Shearman, 2015).
O impacto desta patologia em Portugal foi analisado entre 2009 e 2014 (Moutinho et al., 2016) verificando-se que a DAOP foi responsável por 27.684 internamentos em pessoas adultas e por 26,7% do total de internamentos por patologia vascular (exclui patologia cardíaca e cerebral). Além destes aspetos, os autores constataram que cerca de 97,6% correspondiam a doença aórtica e dos membros inferiores e as comorbilidades associadas mais frequentes foram a hipertensão arterial e a diabetes.
Uma das principais complicações da DAOP é oclusão arterial que afeta maioritariamente os membros inferiores. Guest, Marshall & Stansby (2018) acrescentam também que 80% das amputações estão relacionadas com o tratamento de complicações associadas à DAOP. Também Spyrou & Lowe (2021) acrescentam que no Reino Unido a DAOP afeta mais de 20% dos adultos com mais de 70 anos e que anualmente conduzem a cerca de 5000 amputações major. Portanto, apesar de a cirurgia de revascularização apresentar uma vasta oferta materiais protésicos e tenha inovadas técnicas de bypass para restabelecer a circulação, sobretudo nos membros inferiores, o número de pessoas com DAOP sujeitas a amputação continua a representar uma realidade preocupante.
Também Steinberg, Gottlieb, Siev-Ner & Plotnik (2018) apontam que a incidência das amputações na Europa, América do Norte e no Este da Ásia está relacionada com a idade superior aos 65 anos e, a causa dessas amputações está relacionada com eventos traumáticos, complicações resultantes de doenças progressivas onde se inclui a DAOP e diabetes, e a tratamentos para salvar a vida da pessoa. Acrescentam também que as amputações transfemorais e transtibiais são as que apresentam taxas de morbilidade e de mortalidade mais altas.
O próprio processo de amputação pode acarretar outras complicações e conduzir a novas amputações no mesmo membro ou no membro contralateral. Uma das estratégias que contribui severamente para a prevenção destas complicações prende-se com a reabilitação precoce da pessoa e do envolvimento da equipe multidisciplinar (Santos et al., 2018), onde os enfermeiros de reabilitação representam um papel importante.
Entre as intervenções de enfermagem mais comumente descritas no pós-operatório imediato destas pessoas, salienta-se a mobilização precoce do coto, o controlo do edema, o controlo da dor fantasma, o trabalho de fortalecimento da musculatura do membro residual e, sobretudo dos restantes membros para promover a mobilidade e a independência funcional, a capacidade de marcha o mais rapidamente possível, bem como a aplicação precoce de ligadura (Spyrou & Lowe, 2021; Attalla & El- Sayad, 2020; Falso et al., 2019; Webster et al., 2019; Smith et al., 2016). No entanto, a reabilitação da pessoa com amputação tem início na fase pré-operatória, tem continuidade na fase pós-operatória imediata e, posteriormente encontram-se as fases de reabilitação pré-protésica e pós-protésica (Webster et al., 2019; Santos et al., 2018; Neves, 2017).
Muitos dos trabalhos recentes procuram encontrar guidelines que promovam um conjunto de intervenções de reabilitação mais uniformizada junto destas pessoas e que contemplem os aspetos essenciais para garantir que a recuperação seja o mais eficaz possível. No entanto, a evidência mostra que estas pessoas que foram submetidas a amputação major por DAOP, apresentam um conjunto de comorbilidade e de limitações que não se identificam em pessoas com amputação traumática, além de que as taxas de independência funcional que são expetáveis, são inferiores, comparativamente às outras pessoas sem DAOP (Spyrou & Lowe, 2021; Smith et al., 2016). Também é comum constatar que muitas das pessoas com DAOP quando são amputadas já possuem muitas patologias associadas que prejudicam o processo de reabilitação nomeadamente a diabetes, a doença renal crónica (em processo de diálise), a presença de DPOC (doença pulmonar obstrutiva crónica) e de patologia cardíaca (André, 2018). Fatos estes que podem levar a que o fisiatra considere que a pessoa não reúna critérios de protetização. O que para o trabalho de um enfermeiro de reabilitação não só não limita a sua intervenção como acrescem desafios que implicam um maior investimento, sobretudo se essa pessoa já se encontra biamputada (Carvalho, 2003).
Tendo em consideração a importância do contributo da enfermagem de reabilitação no cuidado da pessoa com amputação e face à inexistência de uma caraterização detalhada das necessidades e cuidados de enfermagem de reabilitação prestados às pessoas com amputação de etiologia vascular, definiu-se como objetivo principal para este estudo: caraterizar o processo de reabilitação pós-cirúrgicos e avaliar os seus determinantes, em pessoas com amputação major do membro inferior, de etiologia vascular. Para tal, desconstruiu-se este objetivo principal em objetivos mais específicos: conhecer quais os dados sociodemográficos predominantes neste grupo de pessoas, analisar quais os diagnósticos médicos que se encontram mais frequentemente associados à presença de DAOP, conhecer o número de pessoas que regressam a casa e quais os aspetos que facilitam ou dificultam processo de adaptação ao domicílio, conhecer o número de pessoas que realiza reabilitação pós-operatória no internamento e após a alta; quais os níveis de independência funcional atingidos em diferentes momentos do pós-operatório, identificar o número de pessoas que atingiu o processo de protetização.
Enquadramento/fundamentação teórica
A ocorrência de amputações de etiologia vascular parece ser mais elevada em homens com idade superior a 65 anos com DAOP, embora esta faixa etária possa oscilar mais ou menos 5 anos dependendo dos países em que é analisada (Jodie & Lowe, 2021; Webster et al., 2019; Steinberg et al., 2018). A gravidade desta patologia manifesta-se através de um aumento da morbilidade e mortalidade cardiovascular destes indivíduos em relação à restante população (Steinberg et al., 2018; Morbi & Shearman, 2015).
Além da elevada incidência da DAOP e da elevada prevalência de pessoas com DAOP que anteriormente foram referidas, as singularidades desta população não se encontram bem estudadas em Portugal. Entre os poucos estudos que foram desenvolvidos junto das pessoas com amputação de etiologia vascular destaca-se o estudo de André (2016) que analisou a capacidade funcional e o perfil de autocuidado. Este autor verificou que os indivíduos eram maioritariamente do género masculino (64%) com idade média de 66,6 anos, com antecedentes pessoais de DAOP (76%), diabetes (74%) e hipertensão (70%). Cerca de 86% desses sujeitos possuíam necessidade de recorrer ao cônjuge ou aos filhos na satisfação do seu autocuidado. André (2016) constatou que em 42% dos casos foram realizadas amputações de dedos, 20% transmetatársicas, 14% infracondilianas e 24% supracondilianas. Também concluiu que os intervenientes apresentaram melhoria da sua capacidade funcional um mês após a alta. As atividades básicas de vida diária identificadas com maior nível de comprometimento na fase da alta hospitalar foram: tomar banho, vestir-se, subir e descer escadas, deslocar-se e ir à casa de banho. Na avaliação que decorreu um mês após a alta, atividades como tomar banho, andar/marcha ou deslocar-se e subir e descer escadas foram as que evidenciaram um nível mais elevado de dependência.
Quanto aos estudos da eficácia da reabilitação junto das pessoas com amputação, existem vários estudos que apresentam resultados ao nível da melhoria da independência, da prevenção de complicações e da qualidade de vida da pessoa, mas não diferenciem a etiologia da amputação (Attalla & El- Sayad, 2020; Falso et al., 2019; Webster et al., 2019; Santos et al., 2018; Branco, Santos & Luz, 2017; Neves, 2017;).
Nesta área do conhecimento, identificam-se alguns estudos que apontam alguns fatores que condicionam o nível de independência funcional, como o estudo de Manickum, Ramklassa & Madiba (2019), que concluíram que as pessoas com amputação do membro inferior, com amputação transtibial, alcançam um resultado funcional melhor após a reabilitação, em comparação com as amputações transfemorais. Outro estudo, aponta para a condicionante da mortalidade elevada nas pessoas com mais de 80 anos (20%), com amputação de etiologia diversa (onde se incluem pessoas com DAOP), num grupo de 557 pessoas octogenárias, evidenciando aspetos relativos ao regresso a casa, em que 50% dos sobreviventes regressaram a casa, sendo 40% encaminhados para a reabilitação hospitalar e 10% para instituições (Varino et al., 2017).
Um estudo randomizado com o objetivo de estabelecer um programa de exercícios e de educação a pessoas com amputação de membros inferiores, por DAOP, no domicílio, provou ser mais eficaz do que o normal tratamento na melhoria da função, mobilidade e qualidade de vida (Godlwan, Stewart & Musenge, 2020).
Outros trabalhos têm vindo a desenvolver diretrizes de modo a estabelecer guidelines para recolher as melhores evidências acerca da reabilitação da pessoa amputada , para que os profissionais de saúde os implementem de forma a fomentar o potencial máximo de recuperação destes indivíduos (Spyrou & Lowe, 2021; Falso et al., 2019; Webster et al., 2019; Steinberg et al., 2018; Santos et al., 2018; Smith et al., 2016).
Apesar das particularidades que se possam identificar nas intervenções de reabilitação junto da pessoa com etiologia vascular serem de extrema importância, os estudos evidenciam que na generalidade dos casos das pessoas com amputação a inclusão precoce (pós-operatório imediato) num programa de reabilitação evidenciam um aumento nas taxas de sucesso da protetização destas pessoas como Neves (2017) demonstra na sua revisão de literatura. Concluiu também que os programas de reabilitação contribuem para a melhoria da função física, sendo que as pessoas submetidas a reabilitação no pós-operatório imediato apresentaram maior taxa de sobrevivência e maior probabilidade de adquirir prótese do membro inferior, durante o primeiro ano após a amputação.
Também AlSofyani, AlHarthi, Farahat & Abuznadah (2016), concluíram que a dependência total e o desempenho funcional foram significativamente melhores após a implementação de um programa de reabilitação física para pessoas com grandes amputações dos membros inferiores, entre 2007 e 2012. Apenas um terço das pessoas amputadas (32,2%) beneficiou de programas de reabilitação, sendo que 20,7% completaram menos de 50% das sessões planeadas e 62,1% estiveram presentes em mais de 80% das sessões.
As diretrizes que ressaltam destes estudos focam um processo de reabilitação que deve ser multidisciplinar, compreende diferentes etapas: fase pré-operatória, pós-operatória, fase pré-protésica e fase pós-protésica. As fases iniciais possuem os cuidados acrescidos das prevenções de complicações associadas à cirurgia de amputação, como a prevenção da anquilose na articulação próxima do coto, diminuição do edema, controlo da dor fantasma, prevenção e redução de contraturas, entre outras possíveis complicações (Gailey et al. 2020; Falso et al., 2019; Webster et al., 2019; Smith et al., 2016).
Existem alguns dados acerca da população portuguesa publicados, contudo ainda permanece uma grande lacuna no conhecimento relativamente às pessoas com amputação de etiologia vascular, nomeadamente, acerca: das comorbilidades que possuem e que afetam diretamente a reabilitação, o tempo de internamento até à alta, a taxa de pessoas que realiza reabilitação no internamento e após a alta, a taxa de complicações decorrentes da amputação, que muitas vezes limitam o processo de reabilitação. Conhecer como se processa o regresso a casa e quem dá suporte e estes indivíduos, que alterações necessitam fazer no domicílio e qual a dificuldade percecionada no processo de adaptação à sua nova condição física, é importante para se promover um regresso a casa seguro. Compreender a evolução do processo de independência funcional, as taxas de protetização que atingem, são outros aspetos que não se encontram descritos e que ajudam a estabelecer metas alcançáveis. Assim, face à importância do contributo da enfermagem de reabilitação no cuidado da pessoa com amputação e face à inexistência da caraterização desta população e do processo de reabilitação, emerge como ponto de partida a preocupação com a realidade dos cuidados de reabilitação prestados às pessoas com amputação de etiologia vascular.
Metodologia
Este estudo possui um desenho de investigação quantitativo, exploratório, descritivo e retrospetivo.
A amostra foi constituída a partir da população de pessoas amputadas num serviço de cirurgia vascular de um hospital central de Portugal entre 26/03/2019 e 31/08/2019, acompanhadas em ambulatório (com um follow-up mínimo de um mês após a amputação até 36 meses de pós-operatório). Como critérios de inclusão foi estabelecido que seriam incluídas todas as pessoas com mais de 18 anos, amputadas, de etiologia vascular, que tivessem capacidade de ler e escrever, ou que tivessem acompanhamento de alguma pessoa que tivesse estado presente em todo o processo de doença e pudesse colaborar no processo de preenchimento do questionário. Foram excluídas as pessoas com amputação sem DAOP, com limitações cognitivas que impedissem de responder ao questionário ou que não consentissem a realização do mesmo. A recolha da amostra foi efetuada através da identificação presencial das pessoas, tratando-se de uma amostragem não probabilística, acidental (estando condicionada aos momentos em que os utentes de deslocavam aos hospitais de referência no contexto de acompanhamento médico por fisiatras).
Foi realizado um questionário que incluía a avaliação de dados sociodemográficos (idade, género, habilitações literárias, situação laboral e o rendimento mensal), clínicos (antecedentes pessoais, diagnóstico que levou à amputação, nível da amputação, existência de amputações prévias, complicações após a amputação, tempo de internamento), o processo de adaptação ao domicílio (cuidadores informais, destino após alta, necessidade de adaptações no domicílio, dificuldades no regresso a casa) e a análise do processo de reabilitação (sessões de reabilitação durante e após o internamento, estratégias de deslocação no momento da alta, aos 6, 12 e 24 meses) das pessoas com amputação major de um serviço de cirurgia vascular e o Índice de Independência Funcional (Índice de Barthel) das pessoas com amputação major desse serviço (na alta e no momento em que realizaram o questionário que foi bastante variável ao longo do tempo).
O Índice de Barthel encontra-se validado para a população portuguesa, este instrumento permite que seja preenchido através da observação direta, de registos clínicos ou ainda ser auto ministrada. O estudo das propriedades psicométricas demostrou que o instrumento apresenta um nível de fidelidade elevado (alfa de Cronbach de 0,96) (Araújo et al., 2007 cit. in Apóstolo, 2012). O Índice de Barthel varia entre 0-100 (com intervalos de 5 pontos), sendo a pontuação mínima de 0 e que representa o nível de máxima dependência para todas as atividades de vida diárias, enquanto a pontuação máxima de 100 carateriza a independência total em todas as atividades de vida diárias da pessoa que forma avaliadas.
Relativamente à estatística descritiva utilizaram-se frequências absolutas, medidas de tendência central e de dispersão. Na estatística inferencial foram utilizados testes não paramétricos (teste Qui-quadrado; correlação de Spearmann; teste U de Mann-Whitney), através do Internacional Business Machines Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics), versão 23. Todas as análises foram efetuadas recorrendo a níveis de significância de 0,05. A amostra foi analisada no seu conjunto e através da formação de vários grupos em função do que se pretendeu analisar. Índice de Barthel foi relacionado com alguns dos dados mais relevantes como a idade, os dados clínicos (nível de amputação e principais complicações) e os dados de reabilitação (número de sessões após a alta).
Na realização desta investigação foi respeitada a confidencialidade dos dados colhidos, bem como a privacidade dos mesmos, após o consentimento informado e esclarecido dos participantes. O estudo obteve autorização das Comissões de Ética e Conselhos de Administração dos hospitais da região centro envolvidos (249-PCA).
Resultados
Dos 40 elementos da amostra, 80% eram indivíduos do sexo masculino, com uma idade média de 70 anos, apresentando reduzidas habilitações literárias e baixos rendimentos e 8 pessoas desenvolviam atividade laboral. Após a amputação, 5% das pessoas voltaram a trabalhar na mesma profissão.
Relativamente aos dados clínicos, além da DAOP as pessoas apresentavam várias patologias, nomeadamente: a hipertensão arterial (HTA), a doença cardíaca, a diabetes, a dislipidemia, os antecedentes de hábitos tabágicos e isquémia. Como diagnósticos que conduziram à amputação, é comum que mais do que um esteja presente e destaca-se a isquémia e a infeção (Tabela 1).
n | % | |
---|---|---|
Antecedentes Pessoais* | ||
DAOP | 40 | 100,0 |
HTA | 34 | 85,0 |
Doença Cardíaca | 25 | 62,5 |
Diabetes | 24 | 60,0 |
Dislipidemia | 24 | 60,0 |
Cessação Tabágica | 21 | 52,5 |
Isquémia | 15 | 37,5 |
IRC | 9 | 22,5 |
DPOC | 8 | 20,0 |
Fumador | 4 | 10,0 |
Neoplasia | 4 | 10,0 |
AVC | 4 | 10,0 |
Diagnóstico relacionado com amputação* | ||
Isquémia dos Membros Inferiores | 29 | 72,5 |
Infeção | 18 | 45,0 |
Necrose | 7 | 17,5 |
Oclusão de Bypass | 4 | 10,0 |
* Variável com múltipla escolha
O nível da última amputação major, em 60% dos casos foi realizado a nível supracondiliano. Para 47,5% dos elementos da amostra já tinha sido realizada uma amputação prévia no mesmo membro inferior. O internamento pós-operatório durou cerca de 8,98 dias (DP=7,46).
Quanto ao processo de reabilitação pós-operatória, os dados permitiram constatar que 92,5% dos participantes realizaram reabilitação após cirurgia com os enfermeiros de reabilitação. Verificou-se ainda que 76,9% dos indivíduos realizaram reabilitação após a alta, maioritariamente com fisioterapeutas (58,6%).
Relativamente aos dados sobre protetização, 15% (n=6) possuíam prótese. Contudo, 62,5% do total dos indivíduos (n=40) estavam a aguardar a entrega da mesma. Como um dos elementos recebeu a prótese no dia do questionário, foi comparado o início do uso da prótese após a intervenção cirúrgica, apenas em 5 pessoas, o qual oscilou entre os 6 e os 26 meses, com uma média de 16,33 meses (DP=9,50), com o tempo médio efetivo do uso da prótese de 1,67 meses (DP=2,16) (Tabela 2).
Acerca dos dados relacionados com a independência funcional, a avaliação do Índice de Barthel entre o momento da alta e o primeiro ano após a data da cirurgia, passou de um valor médio de 42,88 (n=40; DP=21,89) para 71,67 (n=15; DP=22,73). Também se verificou que o índice de Barthel aumentou gradualmente com o passar do tempo após a cirurgia (entre 1 e 5 meses: M=62,50; DP=23,40; entre 6 e11 meses: M=77,35; DP=15,62; entre 12 e 23 meses: M=78,75; DP=15,53). A dimensão da mobilidade apresentou um aumento gradual contínuo na independência funcional, com um índice médio de 6,67 (DP= 4,44) no primeiro grupo (1-5 meses) e terminando com 13,33 (DP= 2,89) no grupo entre 12 e 23 meses.
Acerca do processo de adaptação ao domicílio, verificou-se que as pessoas com amputação necessitaram de cuidadores após o internamento, sendo os cônjuges (60%) e os filhos (52,5%), os cuidadores mais referidos. Após alta, 65% das pessoas regressaram ao seu próprio domicílio, destas cerca de
72,5% tiveram de proceder a adaptações no domicílio.
As dificuldades percecionadas pelas pessoas no regresso a casa foram avaliadas numa escala tipo Likert , apresentaram um valor médio de 3,48. Estas tiveram mais impacto nos cuidados de higiene (75%), nas transferências (57,5%) e no uso do sanitário (45%). Para ultrapassar essas dificuldades, os familiares ou os cônjuges (70%), os enfermeiros do centro de saúde (25%), os enfermeiros de reabilitação (10%), ou os enfermeiros do hospital (10%) foram os principais sujeitos a quem estas pessoas solicitaram ajuda.
Em questão aberta, os inquiridos puderam expressar as suas sugestões de melhoria, relativamente aos cuidados de reabilitação para diminuir as dificuldades no regresso a casa e fomentar a sua adaptação. As sugestões de melhoria foram então categorizadas em: treinos do uso do sanitário (35%) e das transferências (27,5%), realização de visitas domiciliárias para orientação (12,5%), entrega de folhetos (10%) e treino dos familiares nos autocuidados (32,5%).
Quanto aos fatores determinantes do processo de
reabilitação, pesquisou-se a relação entre o rendimento mensal e a realização de adaptações no domicílio, verificando-se que as pessoas com rendimento superior a 500€ foram as que realizaram mais alterações nas bases do chuveiro (p=0,019).
A análise da relação entre a independência funcional, os dados sociodemográficos, a evolução clínica, o processo de reabilitação e de adaptação permitiu perceber que quanto maior foi a idade, menor foi a independência nos autocuidados, tanto no momento da alta (rs=-0,45; p=0,004), como no momento em que foi realizado o questionário (rs=-0,32; p=0,046). Por outro lado, constatou-se que quanto maior foi o tempo de internamento após a cirurgia, maior foi o Índice de Barthel atingido no momento da alta (rs=0,36; p=0,023). Verificou-se ainda que quanto maior foi o tempo decorrido desde a realização da cirurgia, maior foi a independência funcional atingida pela pessoa (rs=0,32; p=0,044) (Tabela 3).
É também de salientar que quanto maior foi o nível de independência funcional no momento da alta, menor foi o nível de dificuldade sentido no regresso ao domicílio (rs=-0,339; p=0,032). Relativamente à existência de amputações prévias, a ocorrência de
complicações operatórias e a realização de adaptações no domicílio, não se verificaram relações estatisticamente significativas com o índice de Barthel (p>0,05).
Discussão
Neste estudo além dos dados sociodemográficos que vão de encontro a outros estudos realizados na população portuguesa, salienta-se a baixo nível de rendimentos que condiciona a adoção de adaptações e recurso a ajudas técnicas que facilitem a adaptação destes indivíduos ao domicílio (André, 2018; Neves, 2017). Compreender estes aspetos e compreender as características da pessoa que se cuida, leva o enfermeiro de reabilitação a sugerir medidas e estratégias que estejam ao alcance da pessoa ou, no caso de limitações que justifiquem, solicitar a intervenção outros profissionais para colaborar na identificação de instituições que facultem estes meios.
Ao analisar a relação entre a independência funcional, a idade, a dificuldade no regresso a casa, o nível de amputação e a adaptação do domicílio, verificou-se que quanto maior foi a idade da pessoa no momento da alta, menor foi o nível de independência atingido nos autocuidados, tanto no momento da alta, como no momento em que foi realizado o questionário. Esta relação era previsível na medida em que as pessoas que constituíram esta amostra eram maioritariamente idosas e o processo de envelhecimento associado às várias comorbilidades e patologias associadas à DAOP, terão reduzido a sua capacidade para atingir níveis mais elevados na sua independência funcional (André, 2016; Smith et al., 2016; Carvalho, 2003).
As diretrizes clínicas para reabilitação no pré e pós-operatório de adultos com amputação de membros inferiores apresentadas por Smith et al. (2016), consideram através da evidência de vários estudos que é importante para o profissional de reabilitação ter conhecimento dos fatores que influenciam o resultado da reabilitação, entre estes aspetos salientam: o aumento da idade como prognóstica de um baixo nível de função, o estado geral de saúde, a função cognitiva e psicomotora, a função cardíaca, as pessoas com doença renal em programa de diálise, as pessoas com DAOP, diabetes, presença de comportamentos aditivos que prejudiquem a cicatrização do coto (ex.: tabagismo), a amputação transtibial que apresenta maior sucesso de protetização face à amputação transfemoral, a capacidade da pessoa em usar os auxiliares de marcha, entre outros fatores. Estes aspetos são identificados no processo de reabilitação e sugerem um manancial de recomendações que vão de encontro à adaptação da reabilitação a cada uma destas particularidades da pessoa e que tornam o planeamento da sua reabilitação tão personalizado, apesar das orientações gerais para todas as pessoas amputadas.
No processo de regresso a casa, os cuidadores informais foram os cônjuges (60%) e os filhos (52,5%), de forma isolada ou em conjunto. Estes foram os principais envolvidos no processo de assegurar o regresso a casa das pessoas amputadas, bem como no apoio nos autocuidados e na adaptação das mesmas à sua nova condição física. André (2016) também constatou que cerca de 86% destes sujeitos com amputação possuem necessidade de recorrer ao cônjuge ou aos filhos na satisfação do seu autocuidado. No processo de reabilitação a inclusão da família ou das pessoas significativas reduzem o stress do prestador de cuidados informal e permite que este consiga dar o suporte que a pessoa necessita potenciando a sua autonomia e não a sua dependência (Smith et al., 2016). Esta foi uma das sugestões de melhoria apresentadas pelas pessoas apresentadas neste estudo e que outros trabalhos também focam a importância. Também na revisão sistemática desenvolvida por Steinberg et al. (2018) concluíram que a implementação de programas de reabilitação em pessoas com amputação e o envolvimento dos seus cuidadores, constituem estratégias para diminuir o elevado risco de queda destes indivíduos.
As pessoas com amputação evidenciaram que as dificuldades sentidas se prendem essencialmente com os autocuidados relativos à marcha e aos cuidados de higiene e de uso do sanitário. As dificuldades percecionadas pela pessoa em relação ao regresso a casa estiveram, na sua maioria, relacionadas com os autocuidados, o que se compreende face às principais alterações que foram desenvolvidas no domicílio. De igual modo, André (2016) verificou que as AVD’s que se encontravam mais comprometidas na pessoa amputada, no momento da alta, foram: tomar banho, vestir-se, transferir-se da cama para a cadeira, subir e descer as escadas, deambular ou realizar marcha e o uso da casa de banho.
Alguns dos pontos de boa prática apresentados por Smith et al. (2016) para minimizar o impacto do regresso ao domicílio indicavam o recurso a folhetos com informação para as pessoas e cuidadores como complemento aos ensinos no internamento e a existência de um plano de exercícios para a pessoa realizar no domicílio após alta, bem como um resumo do processo de reabilitação para que este possa ter continuidade, o reforço dos ensinos acerca da prevenção da queda e do risco de edema do coto, além de outras orientações específicas que sejam consideradas pertinentes para a pessoa. Neste trabalho, os utentes também evidenciaram a necessidade de informação em suporte de papel para ajudar a interiorizar os ensinos de reabilitação realizados que deve ser estendida à família para atempadamente compreenderem as necessidades que a pessoa amputada irá sentir quando regressar a casa.
Nesta amostra, a dimensão relacionada com a mobilidade, apresentou um aumento gradual e crescente na independência funcional (de 3,1 para 13,3). Este desenvolvimento da mobilidade é um dos objetivos desejados pela reabilitação e traduz a melhoria da autonomia física da pessoa no processo de mobilização e a expressão da capacitação destas pessoas. Manickum et al. (2019), no estudo com pessoas com amputação do membro inferior, concluíram que a diminuição da mobilidade afeta negativamente o desempenho das suas atividades da vida diária e, portanto, a reintegração na sociedade, além de verificarem que as pessoas com amputação transtibial através da reabilitação obtiveram um melhor resultado funcional comparativamente com as pessoas com as pessoas com amputações transfemorais.
O início precoce da reabilitação, se possível ainda no pré-operatório, através da realização de cinesioterapia respiratória e da mobilização e fortalecimento muscular dos restantes membros, traz grandes benefícios na recuperação da capacidade da marcha (Falso et al., 2019; Webster et al., 2019). Do mesmo modo, a existência de planos de intervenção de reabilitação nas equipas e os projetos de melhoria e formação contínua entre os enfermeiros de reabilitação potenciam o conhecimento sobre as melhores práticas baseadas na evidência e suportam a tomada da decisão no momento da proposta do plano de exercícios e de intervenções que serão negociados com a pessoa, após a amputação (Falso et al., 2019; Smith et al., 2016).
Também se verificou que quanto maior foi o tempo pós-operatório, maior foi a independência funcional da pessoa. Por outro lado, quanto maior foi o nível de independência funcional no momento da alta, menor foi o nível de dificuldade assinalado no regresso ao domicílio. Contudo, não se verificaram relações estatisticamente significativas entre o Índice de Barthel e a realização de adaptações no domicílio, ao contrário do que seria esperado, já que as pessoas que realizaram as alterações no seu domicílio pretendiam promover a sua independência. Este aspeto pode ser explicado pelo facto de muitas das alterações realizadas não se encontrarem concluídas no momento em que a pessoa chegou ao domicílio, e os dados recolhidos implicaram a descrição de factos longínquos, e as respostas poderem ter sido enviesadas.
Conclusão
Neste estudo surgiram algumas limitações que dificultaram a análise dos dados, como a heterogeneidade da amostra, com grande disparidade entre os períodos pós-operatórios; o tamanho reduzido da amostra face à grande quantidade de dados que foram reunidos; e, a análise dos dados através da construção de subgrupos da amostra. Como estratégia para superar estas limitações, sugere-se o acompanhamento de um conjunto mais vasto de pessoas num período de tempo mais controlado, evitando análises retrospetivas e permitindo realizar outras avaliações em etapas programadas do pós-operatório.
Através deste trabalho pretende-se evidenciar que a pessoa com amputação de etiologia vascular possui normalmente um conjunto de comorbilidades e um potencial de recuperação diferente das pessoas com amputação de outra origem. Deste modo, o processo de reabilitação destas pessoas deve ser iniciado o mais precoce possível, preferencialmente no pré-operatório. No pós-operatório, os enfermeiros de reabilitação devem estar capacitados com conhecimentos que permitam o ajuste de um plano de intervenção para a pessoa amputada ou a construção de um planeamento de objetivos e intervenções realista que foque os principais autocuidados aqui salientados: os autocuidados de higiene, as transferências e o uso do sanitário. Face ao que foi referido, sugere-se a formação contínua destes profissionais de modo a desenvolverem protocolos de intervenção com o intuito de construírem uma linha de pensamento que foque os principais aspetos a trabalhar junto destas pessoas, usando as técnicas baseadas na evidência do conhecimento científico e assim potenciar os resultados. Contudo, o recurso a todos estes protocolos e feixes de intervenções implicam que o enfermeiro de reabilitação esteja bem ciente da complexidade dos fatores que envolvem a pessoa, a família em que está inserida e o meio em que vive para dar uma resposta eficaz, ajustando todo o conhecimento que possui.
O envolvimento da família ou das pessoas significativas no processo de reabilitação ainda durante o internamento revelou ser de extrema importância para facilitar o regresso a casa da pessoa, já que são estes os cuidadores informais a que a pessoa mais recorre aquando do seu regresso a casa. A existência de informação em papel para incrementar os ensinos também foi uma orientação que emergiu através deste estudo. As estratégias para as dificuldades e o hiato de informação que possa existir nas primeiras semanas após o regresso a casa, merecem ser objeto de investigação por parte dos enfermeiros de reabilitação. Uma das possibilidades passa pela existência de um contacto telefónico que permita o esclarecimento de dúvidas no período próximo ao regresso a casa, pelo que seria interessante analisar se as consultas de enfermagem de reabilitação por telefone nesta situação são eficientes, à semelhança do que já se faz com sucesso noutros contextos dos cuidados de enfermagem.
As orientações sobre a correção de barreiras arquitetónicas nos domicílios e os conhecimentos sobre as ajudas técnicas são outro aspeto importante que os enfermeiros devem desenvolver para ajustar os recursos e as estratégias às necessidades da pessoa.
Com este artigo, pretendeu-se evidenciar algumas das caraterísticas dos cuidados de enfermagem de reabilitação à pessoa com amputação de etiologia vascular que difere do processo de reabilitação de pessoas com amputação associada a outra etiologia. Os desafios das limitações associadas à idade, às patologias associadas, à frequente presença de outras amputações do membro contralateral, implicam que o enfermeiro de reabilitação compreenda e ajude a pessoa a estabelecer metas realistas, onde a protetização pode não ser o objetivo final. Este aspeto não só não minimiza o trabalho do enfermeiro de reabilitação, como acresce nos desafios para tornar a pessoa o mais independente possível e capaz de regressar ao domicílio e à sua comunidade.