Introdução
A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) surge com intuito de dar resposta às necessidades de cuidados de saúde, decorrentes da dependência no autocuidado (Ministério da Saúde, 2004). De facto, numa população sucessivamente mais envelhecida como é o caso da portuguesa, faz sentido uma resposta neste âmbito. A verdade é que sem respostas como as providenciadas pelas diversas tipologias de unidades da RNCCI, a pessoa dependente poderá ficar numa situação de vulnerabilidade, ou muitas vezes, dependente da sua família.
Dentro da RNCCI, destaca-se a Unidade de Média Duração e Reabilitação (UMDR), sendo esta uma “unidade de internamento, com espaço físico próprio, articulada com o hospital de agudos para a prestação de cuidados clínicos, de reabilitação e de apoio psicossocial, por situação clínica decorrente de recuperação de um processo agudo ou descompensação de processo patológico crónico, a pessoas com perda transitória de autonomia potencialmente recuperável” (Ministério da Saúde, 2004, pág. 8). Por esta definição, pode-se interpretar UMDR enquanto resposta intermediária entre os cuidados hospitalares e os cuidados na comunidade. De facto, é precisamente esta interpretação que dá o impulso no sentido de aplicar o Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar (MDAIF) de Figueiredo (2012) aos cuidados continuados de média duração e reabilitação e, assim, facilitar a continuidade de cuidados.
Efetivamente, várias vezes, são os familiares que se tornam cuidadores de um membro da família dependente, sendo que o presente estudo pretende descrever a avaliação e intervenção familiar, quando a família é parceira dos cuidados de enfermagem. Neste âmbito, o MDAIF (Figueiredo, 2012), entre os vários modelos de avaliação familiar, destaca-se ao contribuir simultaneamente para a avaliação e intervenção familiar, concretamente na sua matriz operativa, sendo, por isso, imprescindível o seu recurso no presente estudo.
Enquadramento/fundamentação teórica
O MDAIF (Figueiredo, 2012) apresenta como referencial epistemológico o pensamento sistémico, que integra, entre outras, a Teoria Geral dos Sistemas, Teoria da Comunicação Humana e a Cibernética. Enquanto referencial teórico e operativo de enfermagem de saúde familiar (Correia et. al, 2021), reporta-se à relação entre os elementos da família que evoluem numa interação recíproca. Apresenta como conceitos centrais: Família, Saúde Familiar, Ambiente Familiar e Cuidados de Enfermagem à Família (Figueiredo, 2012). Apesar de incluir os focos de enfermagem propostos pela Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), interpreta-os à luz do pensamento sistémico (Correia, et al., 2021).
O MDAIF constitui-se um ótimo norteador da prática do enfermeiro, uma vez que divide a avaliação familiar em três grandes dimensões (estrutural, de desenvolvimento e funcional) e, por isso, possui estrutura operativa que possibilita a interligação entre as etapas do processo de enfermagem (Correia et al., 2021). A matriz operativa deste referencial “pretende estabelecer uma estrutura organizativa para as ligações operacionais que conferem o elemento da testabilidade” (Figueiredo, 2012, pág. 103).
De cariz dinâmico e flexível, permite a mobilização dos seus componentes nos diversos níveis de atuação do enfermeiro. Ou seja, é passível de ser utilizado num contexto que não perspetiva a família enquanto unidade de cuidados, mas sim como recurso/contexto. A primeira dimensão avaliativa do MDAIF é a dimensão estrutural, a mesma debruça-se sobre a composição familiar, os vínculos entre os membros da família e, desta, com outros subsistemas e o seu contexto ambiental (Figueiredo, 2012). Dos instrumentos de avaliação familiar utilizados nesta dimensão realça-se o genograma, ecomapa e Escala de Graffar adaptada. Passando à dimensão do desenvolvimento, segundo Figueiredo (2012), esta foca-se nos fenómenos associados ao crescimento familiar que obriga ao reconhecimento do ciclo vital familiar, mas também à consideração da especificidade e exclusividade de cada família.
A terceira e última dimensão avaliativa do MDAIF, a dimensão funcional foca-se nas interações familiares que permitem no seu cerne a evolução conjunta, num contexto de complementaridade (Figueiredo, 2012). A escala de Readaptação Social de Holmes e Rahe, escala de FACES II e APGAR Familiar de Smilkstein são instrumentos aos quais faz sentido recorrer-se durante a avaliação desta dimensão.
Como concretização das intervenções que pretendem dar respostas às necessidades da família em cuidados de enfermagem, as psicoterapias de enfoque narrativo integram ferramentas essenciais na promoção da capacitação das famílias. Estas baseiam-se no princípio construtivista, já que partem do princípio de que a realidade, tal como se conhece, resulta da construção social obtida através da linguagem e diálogos estabelecidos (Cesar & Costa, 2018). As abordagens narrativas promovem a mudança no funcionamento da família através da perturbação das narrativas dominantes sobre o problema e da construção de novas histórias, ou narrativas alternativas, para significar os eventos de vida (Cesar & Costa, 2018). Importa compreender dois conceitos cruciais desta abordagem: narrativa dominante e narrativa alternativa. A primeira, narrativa dominante, é aquela que suporta o problema, sendo que embora a forma da narrativa possa variar conforme a situação da família, o conteúdo é invariavelmente o mesmo, sendo que este aspeto inviabiliza percursos alternativos, por exemplo, na depressão, a narrativa é restrita ao tema da tristeza, já numa família a narrativa é restrita a um determinado aspeto do funcionamento da família (Dias, 2011). A segunda, narrativa alternativa, utiliza elementos da narrativa dominante, mas acrescenta-lhes novas experiências, temas ou interações, conferindo assim um sentido de possível solução ao problema verbalizado pela família (Lion, 2017).
As narrativas acompanham as alterações no sistema, isto significa que sendo adequadas a um tempo e contexto específico, as narrativas devem transformar- se (Feixas et. al., 2016). Habitualmente, as famílias percecionam como um problema, quando determinada narrativa se torna central e anula aspetos importante da identidade do sistema familiar. A “narrativa problema” (White, 2007 cit. in Sequeira & Alarcão, 2013) supostamente tem como objetivos principais dar sentido e solucionar um problema, contudo, em alguns momentos, passa a regular o sistema familiar, a definir papéis, formatos de interação (Sequeira & Alarcão, 2013).
A utilização das psicoterapias de enfoque narrativo por parte dos enfermeiros, possibilita o diálogo sobre a solução em detrimento do problema, em consonância com os pressupostos do MDAIF (Figueiredo, 2012). Dá-se uma centralidade às nas forças e recursos das famílias. Para além disso, baseiam-se na crença que as famílias reúnem a capacidade para resolver os seus problemas, simplesmente, por vezes, são confrontadas com problemas que tendem a ocultar aspetos relevantes da identidade familiar e, por isso, aparentemente não são resolvíveis.
Metodologia
Estudo de caso, descritivo e exploratório. O caso refere-se a uma família com um membro em contexto de cuidados continuados. Ou seja, o contexto não prevê a família enquanto foco de cuidados, mas sim, como parceira. Posto isto, objetiva-se identificar diagnósticos e intervenções dirigidas à família, no sentido de obter ganhos em saúde para a pessoa, tendo a família como parceira de cuidados.
Enquanto referencial teórico e operativo, utilizou-se o MDAIF. Desta maneira, pode-se considerar que se procura ultimamente demonstrar a aplicabilidade do MDAIF a outros contextos além dos cuidados de saúde primários.
Para a colheita de dados recorreu-se à análise documental dos registos do processo clínico e às entrevistas, efetuadas à pessoa em situação de internamento, à filha e ao genro. Tanto a colheita, como as entrevistas foram realizadas durante a permanência da utente na UMDR, ou seja, de março a abril de 2021. As entrevistas aos membros da família foram realizadas via presencial, aquando das visitas semanais.
Todos os membros da família foram devidamente informados do intuito do estudo, sendo sempre salvaguardada a sua privacidade. Para isso, atribuiu-se aleatoriamente letras do alfabeto a cada membro da família, bem como a família como um todo (Família N). Em suma, foram considerados todos os princípios éticos, tendo o diretor técnico e administrador validado este aspeto, uma vez que não existe comissão de ética no hospitalPara uma melhor compreensão dos resultados obtidos, subdividiu-se a apresentação dos mesmos segundo o diagrama representativo do MDAIF (Figura 1). Salienta-se que apenas se avaliaram as dimensões avaliativas adequadas à família N. Tal como preconizado na matriz operativa, aos enfermeiros compete a tomada de decisão relativamente à adequação e priorização das seguintes áreas de atenção (Figueiredo, 2012).
Resultados
Composição familiar
A família N., do tipo família alargada, é constituída pela Sra. M de 85 anos, pela sua filha Sr. E de 60 anos e pelo seu genro Sr. A de 63 anos. A Sra. M. com diagnóstico clínico de pneumonia por SARS- COV2 em janeiro 2021 esteve internada na UMDR de um Hospital da zona norte do país, durante 6 semanas para reabilitação motora e funcional. Tem como antecedentes: Hipertensão; Nefropatia hipertensiva; Doença renal crónica; Dislipidemia; Obstipação crónica; Bradicardia sinusal (pacemaker); Fibrilhação auricular paroxística e Acidente vascular cerebral em agosto de 2020, sendo dependente em grau moderado no autocuidado higiene e gestão do regime terapêutico desde então e tem como prestadora de cuidados a sua filha, a Sra. E. Neste novo internamento a Sra. M apresentava também dependência em grau moderado para autocuidado vestuário, ir ao sanitário, andar, autovigilância (Escala de Barthel de 51 pontos).
O seu genro, Sr. A, sofreu uma septicemia em 2017 ficando dependente em grau reduzido (Escala de Barthel=84 pontos) no autocuidado: higiene e ir ao sanitário, sendo também a Sra. E a sua cuidadora. Após este evento, o casal adaptou o edifício residencial, estando o mesmo totalmente preparado para receber novamente a Sra. M.
A Sra. E refere sentir-se confortável no papel de cuidadora do marido desde 2017 e da mãe desde agosto de 2020, referindo que o regresso da mãe a casa a levará a reajustar as rotinas mais uma vez, diz mesmo “espero estar à altura, às vezes não é fácil ter duas pessoas dependentes de nós”.
Apresenta-se em seguida o genograma da família N, assim como a psicofigura de Mitchel, que permitiu explorar os laços emocionais existentes na família, compreendendo a perceção da Sra. M das interações familiares e entender se existem, por exemplo, situações de conflito entre membros que influenciem quer negativamente, como positivamente a recuperação.
Família extensa
O contacto com a família extensa é realizado diariamente via telefone com os objetivos principais de companhia social, apoio emocional, guia cognitivo e conselhos.
Sistemas mais amplos
Neste âmbito, recorreu-se ao ecomapa que, segundo Figueiredo (2012), fornece uma imagem visual dos contatos da família com os sistemas mais amplos, permitindo, assim, enfatizar as relações sistémicas dos indivíduos e os seus ambientes. Neste caso, é importante até porque a rede social da família é pequena, logo potencialmente menos efetiva que uma rede média face a uma situação de crise. Esta realidade pode afetar a recuperação da Sr.ª M, uma vez que a Sra. E é prestadora de cuidados de dois membros da família, por isso, poderia sofrer exaustão e ter necessidade de recorrer a rede de apoio. No caso do ecomapa, os dados considerados foram colhidos junto de cada membro da família.
Classe social
De modo a enunciar a classe social da família, recorreu- se à Escala de Graffar Adaptada, sendo que pelo score obtido, atribuiu-se a classe média baixa. Os dados que a Escala de Graffar fornece são relevantes na medida em que podem se relacionar com o nível da literacia em saúde e também ao acesso, por exemplo, a serviços de saúde. Contudo, por si só, não permitem a nomeação de nenhum diagnóstico.
Áreas de atenção da Dimensão estrutural
No caso da dimensão estrutural, além dos dados avaliativos, foram avaliadas as seguintes áreas de atenção: rendimento familiar, edifício residencial, precaução de segurança e abastecimento de água.
Os dados colhidos nesta dimensão permitiram elencar forças na família, ou seja, aspetos que potencialmente ajudaram ou ajudarão a família a atravessar momentos de transição e facilitam a auto- regulação. As forças são o rendimento familiar não insuficiente e o edifício residencial seguro. O rendimento familiar influência diretamente a aquisição de medicamentos e equipamentos de saúde, tendo repercussão direta na gestão dos regimes terapêuticos, designadamente da Sra. M.
Quanto ao edifício residencial, destaca-se que dada a impossibilidade da visita domiciliar, não se pode ajuizar sobre este foco. Apenas pela entrevista da Sra. M e Sra. E, a hipótese diagnóstica seria edifício residencial não negligenciado. A avaliação deste parâmetro é importante na medida em que oferece dados sobre as condições de habitabilidade, que podem interferir com a sua saúde e recuperação da doença.
Para além destas, a precaução de segurança demonstrada e o abastecimento de água adequado também são identificadas como forças da família, ou seja, são fatores facilitadores para a plenitude e saúde familiar. De facto, colher dados sobre a precaução de segurança é particularmente importante no contexto dos cuidados continuados, já que, e neste caso em específico, permitiu compreender que não existem barreiras arquitetónicas. A família possuiu uma casa térrea, o quarto da Sra. M tem casa de banho equipada com base de chuveiro e cadeira sanitária. Por sua vez, o abastecimento de água é relevante, pois, leva a evidenciar ou não a salubridade da água.
Áreas de atenção da Dimensão do desenvolvimento.
Nesta dimensão, tal como anteriormente, apenas se consideraram as áreas de atenção e respetivas dimensões avaliativas, tendo como alvo de cuidados a Sra. M e a família como contexto ou parceira de cuidados. Assim sendo, avaliou-se o papel parental na perspetiva que se continua a desenvolver funções do mesmo. Neste caso em específico, a sua avaliação permite anteceder situações de inversão de papéis advindas da horizontalidade da relação adulto-adulto nesta fase do ciclo vital, geradoras de não consenso, conflito e saturação.
Papel parental
Nesta área de atenção identificaram-se exclusivamente forças, ou seja, o papel parental adequado. Os dados avaliativos contemplam a redefinição das relações com os filhos, neste caso, filha, Sra. E, visto que a Sra. M é autónoma, ou seja, tem a capacidade de tomada de decisão e cozinhava e pretende continuar a cozinhar, nem que seja o almoço de domingo, para a família. De facto, uma vez que pela idade da Sra. M e por estar dependente da sua filha, haveria o risco de existir uma inversão de papéis, caso a Sra. E não promovesse a autonomia da sua mãe, não lhe reconhecesse competência cognitiva para tomar decisões. Quanto aos restantes filhos, a Sra. M mantém de facto uma relação de grande proximidade com cada um deles, recorrendo aos mesmos e aos netos e bisnetos, de modo frequente, enquanto fonte de suporte emocional, principalmente.
Áreas de atenção da Dimensão funcional
Nesta dimensão, considerou-se relevante colher dados nas duas áreas de atenção contempladas pelo MDAIF: papel de prestador de cuidados e processo familiar.
Papel de prestador de cuidados
A Sra. E, é prestadora de cuidados de dois membros da família. Ou seja, é cuidadora do seu marido, Sr. A, de 63 anos de idade, após uma septicemia em 2017, sendo o mesmo dependente em grau leve no autocuidado: higiene, vestuário e ir ao sanitário. O Sr. A apresenta coletor urinário, anda com canadianas e recorre a cadeira sanita durante os cuidados de higiene. Também já era anteriormente cuidadora da sua mãe, Sra. M, que tem 85 anos de idade, vários antecedentes pessoais dos quais se destacam a hipertensão arterial, doença renal crónica e bradicardia sinusal (pacemaker), e que, segundo o Índice de Barthel, no momento de entrada é dependente em grau moderado no autocuidado: higiene, vestuário, ir ao sanitário, andar, gestão do regime terapêutico e autovigilância. Acrescenta-se que previamente à situação de internamento, a dependência já era uma realidade, sendo que a Sra. M já recorria à cadeira sanitária durante o banho, a filha já geria o seu regime terapêutico e autovigilância.
Dadas as novas necessidades, nomeadamente no que concerne ao autocuidado: vestuário, ir ao sanitário e andar, emergiu a necessidade de avaliar a capacidade da Sra. E, para assumir as novas tarefas inerentes à prestação de cuidados da Sra. M. A avaliação permite detetar precocemente as necessidades psicológicas, e ocupacionais e, numa perspetiva preventiva, intervir face às principais dificuldades. Apesar da Sra. E já anteriormente ter sido cuidadora do marido e da mãe, importa avaliar a capacidade da prestadora de cuidados no momento atual, de modo a perceber-se se pode cuidar eficazmente da Sra. M (e do Sr. A).
Assim, quanto ao conhecimento do papel, compreendeu-se que a Sra. E tinha o conhecimento necessário, já que as novas necessidades da mãe são similares às do marido, pelo menos em termos de técnica, visto que as necessidades são individuais e únicas para cada pessoa. Quanto aos comportamentos de adesão, verifica-se, entre outros aspetos, que estimula a independência, promove a higiene/vestuário adequada e assiste na autovigilância, sendo estes comportamentos que pretende manter após o regresso do Sra. M. ao domicílio.
Ainda que no âmbito do consenso, saturação e conflito de papel não tenham sido identificadas necessidades de cuidados, compreendendo a realidade da saturação do papel de prestador de cuidados, considerou-se relevante aprofundar a área de atenção. Assim sendo, aplicou-se alguns instrumentos de avaliação do cuidador familiar como a CADI, CAMI, CASI e Escala de Sobrecarga do Cuidador, cujos dados influíram apenas para o suporte da força: Saturação do papel não.
Processo familiar
Nas dimensões operativas da área de atenção processo familiar, nomeadamente Coping familiar, Interação de Papéis e Relação Dinâmica verificou-se não existir necessidade de cuidados e, por isso, áreas consideradas como forças da família.
No âmbito da comunicação familiar, constatou-se que ao nível da comunicação emocional os membros não estavam satisfeitos relativamente ao modo de expressão dos sentimentos, assim como o impacto que os sentimentos de cada um têm na família não é percecionado como favorável.
Deste modo, identificou-se o diagnóstico de enfermagem: Processo Familiar disfuncional manifestado por Comunicação Familiar Não Eficaz e relacionado com a Comunicação Emocional Não Favorável. O objetivo da intervenção centrou-se na melhoria a comunicação familiar, sendo desenvolvidas as seguintes intervenções, que constam na matriz operativa do Modelo: promover a comunicação expressiva das emoções; promover o envolvimento da família, otimizar a comunicação na família; planear rituais na família e otimizar padrão de assertividade. As ações que concretizaram estas intervenções, visaram a promoção da mudança através da coconstrução de narrativas alternativas, que possibilitassem a criação de novas histórias e novas realidades.
Discussão
A Sra. M estava desmotivada para a recuperação, contribuindo para isso a comunicação entre si e a Sra. E, prejudicada desde o seu internamento motivado pela infeção por SARS-COV2. As pessoas sujeitas a internamento, nessas condições, apresentam geralmente fadiga, falta de esperança, insegurança e negação, sendo imprescindível a intervenção do enfermeiro na transição saúde-doença enquanto facilitador (Rosas Rodrigues et. al., 2021). Neste caso, outras vivências preocupavam a utente, nomeadamente a comunicação entre a sua filha e o genro, assim como a dinâmica familiar em geral.
A comunicação familiar determina um modelo de interação entre os seus membros (Fiorini & Guisso, 2016). Também é referida a importância da capacidade de metacomunicação da família para uma dinâmica relacional saudável (Boechat et al., 2015).
Após a implementação das intervenções na área da comunicação familiar, nomeadamente a técnica das abordagens narrativas, observou-se inequivocamente a potencialidade de adesão ao regime de reabilitação. Esta foi demonstrada através da maior volição, disponibilidade, consciencialização e melhoria do humor, sendo este fator importantíssimo na passagem da dependência em grau moderado para a dependência em grau leve da Sra. M.
Este paradigma de olhar sobre a família abriu novas perspetivas para uma abordagem de intervenção que deixa de estar centrada nos problemas individuais, fraquezas ou limitações, mas sim nos processos relacionais e nas suas competências (Alves & Carvalho, 2018). As histórias não possuem sentido em si mesmas, mas sustentam significado através dos relacionamentos (Martins & Arantes, 2018). Dá-se relevância assim aos significados e à coconstrução de mudanças, pois “Essa forma de ver possibilita desmistificar a concepção de que o sintoma deve ser removido, e a conduta sintomática então passa a ser vista como uma pista do que precisa ser reorganizado, revisto ou aprendido” (Cordeiro, 2019, p. 11).
Conclusão
Após a avaliação aprofundada e respetiva intervenção, pode-se afirmar que a utilização do MDAIF em contextos diferentes dos cuidados de saúde primários é uma ferramenta essencial para os enfermeiros, não só porque facilita a continuidade de cuidados através da compreensão do sistema familiar e do processo de enfermagem resultante, como também alavanca a qualidade dos mesmos. Para além disso, intensifica a visão holística tão característica e necessária à área de saúde.
Deste modo, é evidente que as intervenções dirigidas à família presentes no plano de cuidados foram bem-sucedidas. De facto, permitiram melhorar a necessidade prioritária da utente, ou seja, através do MDAIF conseguiu-se obter de ganhos em saúde para a pessoa e, por consequência, para a sua família, que foi parceira de cuidados. Em adição, a pesquisa e os seus resultados permitem aos demais profissionais perceber que existem inúmeros benefícios, em conjugar e adaptar diferentes modelos teóricos.
O trabalho realizado ocorreu num período atípico para a humanidade criado pela pandemia de COVID -19, este facto tornou a elaboração do mesmo mais desafiante, pela limitação de contactos e ainda pela incerteza e cansaço geral. Apesar da implicação positiva identificada gostaríamos que no futuro se continuasse a confirmar e desenvolver através de mais estudos de casos e mais investigação, nomeadamente em serviços de internamento diferenciados.
Agradecimentos
Um agradecimento à Escola Superior de Enfermagem do Porto e aos seus docentes que sempre impeliram os seus alunos no sentido da investigação e facultaram todos os materiais que facilitassem o processo.
Um agradecimento à Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Familiar (SPESF) que possibilitou, no âmbito do 3º Congresso Internacional de Enfermagem de Saúde Familiar, 2º Congresso Ibérico de Saúde Familiar e 1º Encontro Luso Brasileiro de Enfermagem de Família e Comunidade, a partilha em formato de comunicação oral do presente estudo e motivou ao investimento na sua publicação.
Um agradecimento ao Hospital de Lousada que não hesitou em abrir portas à realização do presente estudo.
E, por fim, um agradecimento especial aos profissionais da Unidade de Cuidados Continuados Média Duração e Reabilitação Lousada.