Introdução
As famílias com filhos com deficiência enfrentam exigências e desafios peculiares, que podem condicionar as suas relações, dinâmica e funcionamento familiar, traduzindo-se num elevado impacto na saúde familiar e individual. Trata-se de uma área pouco estudada, que necessita de um maior aprofundamento e atenção por parte da comunidade científica (Oliveira & Poletto, 2015).
A maioria dos estudos dedica-se a famílias com crianças com deficiência, existindo escassa produção científica no que toca a famílias com filhos adultos com deficiência. Nos poucos estudos existentes os resultados são inconsistentes, não possibilitando consensos ou a generalização de conclusões, o que dificulta a atenção e a abordagem a estas famílias (Silva & Dessen, 2014).
A literatura destaca o impacto que o nascimento de uma criança com deficiência representa numa família, mas também reconhece que esta situação poderá ser definitiva e acompanhar a família ao longo dos tempos, sendo crucial estudar continuamente estas famílias, não se limitando à infância, dado que se assiste a um aumento da esperança média de vida (Oliveira & Poleto, 2015). A entrada do filho com deficiência na fase adulta e as transições com as quais a família se depara ao longo do ciclo vital, a par com a deficiência, representam enormes desafios e apresentam especificidades, que podem fragilizar a esfera familiar (Londero et al., 2021; Pereira, 2018).
A deficiência, ao longo dos tempos, associa-se a uma certa invisibilidade com uma diversidade de modelos de análise e compreensão sobre o tema, que se repercutem na construção atual da identidade das pessoas com deficiência e, também, nas respostas institucionais e políticas sociais existentes (Moreira, 2019).
Quanto ao tipo de deficiência (deficiência física, deficiência sensorial e deficiência intelectual), de acordo com a classificação proposta por Dias & Oliveira (2013), a deficiência sensorial (visual e auditiva) é a mais prevalente (Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), 2021; Associação de Surdos do Porto (ASP), 2021).
Ramos (2019) propõe uma reflexão sobre a deficiência tendo por base o conhecimento científico, a opinião dos cidadãos com deficiência, dos profissionais envolvidos, dos contextos culturais e da visão inclusiva e da política. Segundo Pinto et al. (2014), é imprescindível a sensibilização dos profissionais de saúde no que respeita às dificuldades dos familiares ao lidarem com as condições especiais impostas pela deficiência, devendo contribuir com os seus conhecimentos e práticas, no sentido de capacitar e auxiliar estas famílias a enfrentar as limitações e as adversidades.
De acordo com Ramos (2019) as famílias com filho adulto com deficiência, encontram-se numa situação vulnerável, dado que integram um grupo minoritário, o que sustenta a importância da informação, formação e desenvolvimento de competências, estratégias e políticas com vista ao apoio das mesmas. Aponta a necessidade de melhorar as competências parentais e familiares, com vista a enfrentarem as situações emocionais e de stresse associadas.
Face ao exposto, revela-se fundamental que o enfermeiro procure compreender o funcionamento familiar das famílias com filho adulto com deficiência e os fatores que o influenciam, reconhecendo que esta condição tem implicações não só na própria pessoa, mas em todo o sistema familiar.
O presente estudo teve como objetivos: caraterizar as famílias com filho adulto (maior de 18 anos) com deficiência no que diz respeito à idade, sexo, tipo de deficiência e tipo de família e compreender o funcionamento familiar das mesmas, determinando possíveis relações entre as variáveis independentes e o funcionamento familiar.
Enquadramento /fundamentação teórica
Estão patentes várias representações individuais e coletivas de crenças e atitudes referentes à deficiência e à pessoa com deficiência, que influenciam comportamentos, práticas, conceções, estratégias e políticas adotadas pela sociedade na inclusão da pessoa com deficiência, que podem promover o acolhimento e inclusão da pessoa com deficiência e sua família ou, pelo contrário, favorecer a discriminação, a violência e a exclusão (Ramos, 2019).
Ramos (2019) enumera a desvalorização das pessoas com deficiência pela sociedade, a diversidade de representações atribuídas a este conceito, os diversos tipos de deficiência existentes, a complexidade dos fatores individuais e coletivos associados como obstáculos ao desenvolvimento de estratégias e políticas coordenadas, bem como de apoios e estruturas adaptadas à deficiência. Também Pinho & Ramos (2019) constatam as baixas expectativas da sociedade face às pessoas com deficiência, que limitam a sua integração social, educacional e profissional e contribuem para acentuar as incapacidades que as afetam.
Neste sentido, a carência de informação e a escassez de apoios são fatores que contribuem para acentuar a vulnerabilidade e o isolamento das pessoas com deficiência e suas famílias. Pinto (2019) destaca que, apesar do esforço a que se tem assistido nos últimos anos, é evidente uma escassez de respostas sociais para a população adulta com deficiência, remetendo para a família a responsabilidade, quase total, dos cuidados a estas pessoas.
Embora o significado atribuído à deficiência tenha sofrido alterações significativas, sendo atualmente mais aceite e compreendido na comunidade, a pessoa com deficiência, independentemente da sua causa ou tipo, representa um grupo com características e necessidades peculiares, que envolvem o sistema familiar no seu todo. A deficiência acarreta mudanças consideráveis na estrutura familiar, que precisa de se reorganizar e adaptar (Lara & Pinos, 2017).
Neste sentido, a deficiência congénita ou adquirida gera uma crise no sistema familiar, afetando toda a dinâmica familiar e função familiar, bem como as perspetivas para o futuro, exigindo reconstrução dos papéis, na estrutura e estilo de vida familiar (Londero et al., 2021). A família pode encarar a deficiência do filho como uma oportunidade de crescimento, união e fortalecimento das relações familiares ou como um risco para o desenvolvimento dos outros membros da família e interferir nas suas relações de modo negativo (Alves & Serralha, 2019).
O papel que a família desempenha é um fator determinante para a inclusão da pessoa com deficiência e a desvalorização da importância da dinâmica familiar pode comprometer a inserção desse elemento na sociedade, sendo a família a âncora na busca de soluções (Cedeño et al., 2020).
Salienta-se a importância da dinâmica familiar, na sua visão sistémica, sendo que a qualidade de vida da família que integra um filho com deficiência está correlacionada com a estrutura familiar, com os padrões comunicacionais, interação familiar, bem como a hierarquia patente nessa relação (Tomaz et al., 2019).
O apoio prestado pela família pode ser de diferentes tipos como apoio emocional através da expressão de preocupação, interesse, empatia e afeto e apoio instrumental, dedicando tempo, providenciando os recursos materiais necessários e disponibilidade para a resolução dos problemas (Cedeño et al., 2020). Também o apoio social da família alargada e amigos e dos profissionais de saúde contribuem para uma melhoria na qualidade de vida familiar (Londero et al., 2021).
Existem três fatores essenciais que afetam a dinâmica familiar, e são vistos como moduladores do funcionamento e na capacitação da família para a adaptação nas diferentes situações, designadamente: os recursos disponíveis, as competências comunicacionais e a sobrecarga de dificuldades (Tomaz et al., 2019). A adaptação da família com um filho deficiente é um processo contínuo, complexo e inacabado, uma vez que o desenvolvimento do filho as necessidades e contextos implicam adaptações constantes (Tomaz et al., 2019).
A família com filho com deficiência tende, muitas vezes, à superproteção desse membro que pode ser prejudicial ao seu desenvolvimento, suprimindo a autonomia do filho (Oliveira & Poletto, 2015).
Para Santos & Oliveira (2015), o modo como cada família ultrapassa os momentos de crise decorrentes da deficiência está relacionado com os seus recursos e com o grau de restrição da deficiência. É importante que a família reconheça as suas forças e potencialidades e que una esforços para utilizar os recursos e estratégias ao seu alcance, de forma a enfrentar as crises e as dificuldades com que são confrontados. A resiliência e as estratégias de coping assumem uma grande importância neste contexto, sendo essenciais para um funcionamento familiar saudável.
Os pais enfrentam ao longo de toda a vida as preocupações com o filho com deficiência, relacionadas com as incertezas do futuro associadas ao seu próprio envelhecimento e estado de saúde, assim como ao futuro dos filhos, dada a oferta de serviços escassa, designadamente de instituições que cuidem das pessoas com deficiência à medida que envelhecem e as listas de espera que podem ser longas (Robinson et al., 2018). Revelam ainda, que essa preocupação tem sido intensificada, uma vez que o avanço da medicina contribuiu para o aumento da esperança média de vida das pessoas com deficiência.
Para além disso, a partir de determinada fase da vida os pais deixam de conseguir cuidar dos filhos e tornam-se os filhos os cuidadores dos pais, existindo uma inversão de papéis. Mas no caso de existir um filho com deficiência, essa situação é pouco provável. Neste contexto, Oliveira & Poletto (2015) relatam a preocupação dos pais face ao futuro do filho com deficiência, que temem a possibilidade de serem afetados por doenças, pelo envelhecimento e pela própria morte, receando igualmente a sobrecarga atribuída aos filhos sem deficiência, sobre os quais recaem algumas responsabilidades.
Os profissionais de saúde devem considerar as necessidades de intervenção em todos os membros da família, dado que tal contribui positivamente para a perceção e a experiência dos pais em relação à qualidade de vida familiar, melhorando também a satisfação com a parentalidade e com as interações familiares (Londero et al., 2021). As famílias com baixos níveis socioeconômicos e de escolaridade apresentam maior vulnerabilidade, prejudicando a qualidade de vida, baixa autoestima e níveis baixos do funcionamento familiar (Londero et al., 2021).
Para além de outras caraterísticas importantes da família, avaliar o funcionamento familiar permite perceber de que forma a esfera familiar representa um foco de suporte e apoio para o indivíduo ou, se pelo contrário, a mesma se constitui como uma fonte de stresse (Costa, 2018). A importância de estudar o funcionamento familiar prende-se com a influência que este conceito assume não só na saúde familiar, mas também na saúde individual.
Olson e colaboradores desenvolveram o Modelo Circumplexo, explicativo do funcionamento familiar, que constitui a base teórica da FACES (Escala de Avaliação da Adaptabilidade e Coesão Familiar) e descreve diferentes tipos de famílias (Olson et al., 1979). Olson (2011) reforça a utilidade deste modelo, uma vez que é baseado na família enquanto sistema, integrando três dimensões: a coesão familiar, a flexibilidade familiar e a comunicação.
Olson & Gorall (2006) referem-se à coesão familiar como a relação emocional existente entre os membros da família. Alguns dos aspetos utilizados para avaliar a coesão familiar são: ligação emocional, limites, tempo, espaço, amigos, tomada de decisão, interesses e recreação, tendo como foco a coesão versus união da família (Olson, 2000). A coesão familiar é distribuída em quatro níveis, dois níveis centrais ou equilibrados (separada e coesa) e dois níveis extremos ou desequilibrados (desmembrada ou emaranhada). As famílias que têm níveis equilibrados de coesão são famílias em que os elementos são próximos uns dos outros, sem serem dependentes, são superlativos e contam uns com os outros na resolução de problemas, têm rituais e atividades conjuntas, mas mantêm a sua autonomia (Olson, 2000).
No que diz respeito à flexibilidade, Olson & Gorall (2006) descrevem-na como a capacidade de liderança e organização de papéis, regras e negociações que caracterizam a família. À semelhança do que acontece na dimensão da coesão familiar, Olson (2011) considera quatro níveis de flexibilidade familiar, sendo que dois deles são considerados equilibrados (estruturada e flexível) e os restantes dois são desequilibrados (rígida e caótica). As famílias flexíveis têm capacidade para promover mudanças, uma liderança democrática, onde os papéis se encontram definidos e as regras são firmes e vão sofrendo alterações ao longo do ciclo vital (Olson & Gorall, 2003).
Quanto à comunicação, surge como uma competência facilitadora do funcionamento familiar, uma vez que ajuda as famílias a ajustarem os seus níveis de coesão e de flexibilidade e engloba a capacidade de escuta, diálogo, autorrevelação, clareza, respeito e consideração (Olson, 2011).
O Modelo Circumplexo assenta no pressuposto de que níveis de coesão e flexibilidade equilibrados conduzem a funcionamentos familiares mais saudáveis, enquanto que níveis de coesão e flexibilidade desequilibrados se encontram associados a funcionamentos familiares problemáticos (Olson & Gorall, 2006).
Javadian (2011) comparou a adaptabilidade e a coesão em famílias com e sem crianças com deficiência, que revelou que nas famílias nas quais o filho tem deficiência os níveis de coesão são superiores e os da adaptabilidade são semelhantes, o que pode ser explicado pelo relacionamento estável que surge habitualmente entre os pais e o filho com deficiência.
Por sua vez, Dodd et al. (2009) encontraram semelhanças no funcionamento familiar e o envolvimento com o lazer da família entre famílias tradicionais e famílias com crianças com deficiência.
A saúde familiar assenta “na capacidade da família para criar estratégias que permitam a sua funcionalidade, mantendo a organização, produzindo mudanças estruturais e responder às necessidades individuais dos seus membros” (Ferreira et al., 2020, p.9).
Para isso, têm contribuído diversas teorias e investigações na área da intervenção familiar que enfatizam a família enquanto objeto de estudo. Perante a importância que se atribui atualmente à família, é imperativo que os profissionais de saúde compreendam a sua especificidade e a incluam como objeto do seu estudo, desenvolvendo as competências necessárias para envolver a rede familiar na sua prática diária de cuidados.
Metodologia
Trata-se de um estudo de natureza quantitativa, descritivo, transversal e correlacional. Constituíram a amostra famílias com filho adulto (maior de 18 anos,) com deficiência que frequentam uma Instituição Pública de Solidariedade Social da região centro. A amostra foi selecionada recorrendo a um método não probabilístico por conveniência. Foram incluídos no estudo progenitores com mais de 18 anos que tinham um filho adulto com deficiência (maior de 18 anos), num total de quarenta famílias, que aceitaram participar no estudo de forma livre e esclarecida.
Para recolha de dados optou-se por um questionário de autopreenchimento. Foi realizado pré-teste a cinco famílias. Depois de efetuadas as alterações sugeridas, resultou o instrumento de recolha de dados final, apresentado em quatro partes. A primeira parte constituída por questões de caraterização sociodemográfica do filho adulto com deficiência; a segunda por questões sobre o tipo de deficiência do filho adulto com deficiência; a terceira sobre o tipo de família do filho adulto com deficiência e a quarta parte com a avaliação do funcionamento familiar da família com filho adulto com deficiência.
O funcionamento familiar foi avaliado com recurso à escala FACES IV, traduzida e validada para a população portuguesa por Sequeira et al. (2015), e foi utilizada após a autorização destes autores. Esta escala é constituída por 62 itens, sendo 42 distribuídos em duas subescalas equilibradas (coesão e flexibilidade) e em quatro subescalas desequilibradas (desmembrada, emaranhada, rígida e caótica), cada qual com 7 itens. O instrumento inclui também as subescalas de comunicação e de satisfação, cada uma com dez itens. A recolha dos dados decorreu no período de agosto de 2020 e março de 2021.
Este estudo obteve o parecer favorável da Comissão de Ética. Com vista ao cumprimento de todos os procedimentos éticos, foi ainda solicitado aos participantes a assinatura do consentimento informado, livre e esclarecido, realizado em duplicado.
O tratamento estatístico dos dados foi processado através do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 28.0. Foi efetuada uma análise descritiva, recorrendo a medidas de tendência central como a média, a moda e a mediana e a medidas de dispersão tais como o desvio-padrão e variância. No que diz respeito à análise inferencial, foram utilizados os testes não paramétricos (U de Mann-Whitney e o Kruskal-Wallis). Esta decisão prendeu-se com o facto de não estarem reunidas as condições de aplicabilidade dos testes paramétricos, nomeadamente a normalidade da distribuição amostral. Quanto ao nível de significância (𝜌), neste estudo, foi considerado um 𝜌<0,05.
Com o intuito de se conseguirem resultados mais precisos e tendo em conta que a FACES IV permite o cálculo das pontuações por subescalas e o cálculo dos rácios da coesão, flexibilidade e circumplexo total, realizou-se a inferência estatística tendo em conta tanto as pontuações das subescalas da FACES IV como os rácios.
Resultados
Relativamente à amostra utilizada, que consiste em 40 famílias, a distribuição da amostra segundo o filho adulto com deficiência, está dividida de igual número pelo sexo, localizando-se na faixa etária entre os 18 e os 61 anos, sendo mais representativa (37,5%) as idades 31-45 anos, e a média é de 38,68 anos (DP= 11,36).
Dos 40 filhos, 19 apresentam mais do que um tipo de deficiência (física, visual, auditiva e/ou intelectual) e 17 do tipo intelectual, sendo que 42,5% provêm de famílias nucleares e 40% de monoparentais.
No estudo do funcionamento familiar, as subescalas equilibradas [coesão (26,63) e flexibilidade (23,27)] assumiram valores médios mais representativos do que as subescalas desequilibradas [desmembrada (16,33), emaranhada (19,53), rígida (19,75) e caótica (16,68)]. Esta caraterização pode ser analisada na tabela abaixo (tabela 1).
Subescalas da FACES IV | Xmín | Xmáx | 𝑿̅ | DP | Amplitude |
Coesão | 13 | 35 | 26,63 | 5,44 | 22 |
Flexibilidade | 13 | 32 | 23,75 | 4,83 | 19 |
Desmembrada | 7 | 28 | 16,68 | 5,23 | 21 |
Emaranhada | 13 | 28 | 19,53 | 3,36 | 15 |
Rígida | 12 | 28 | 19,75 | 4,04 | 16 |
Caótica | 7 | 28 | 16,33 | 5,18 | 21 |
Comunicação | 10 | 45 | 35,55 | 8,12 | 35 |
Satisfação | 10 | 45 | 33,18 | 8,78 | 35 |
No que diz respeito às subescalas da comunicação e satisfação, a média relativa às pontuações foi de 35,55 e 33,18, respetivamente.
No tratamento dos dados, procedeu-se à conversão das pontuações brutas, referentes a cada subescala da FACES IV para os respetivos valores percentuais, através da utilização das tabelas de conversão complementares à mesma, e surgiram dados que permitiram a atribuição de um nível a cada subescala. Esta determinação permite perceber que nas subescalas equilibradas os níveis correspondentes tendem a ser intermédios ou elevados, ao contrário das desequilibradas.
Desses dados destaca-se um nível muito elevado de coesão (32,5%), um nível intermédio de flexibilidade (50%), nível alto para a comunicação (55%), nível muito baixo para a desmembrada (57,5%), nível baixo nas emaranhadas (60%) e rígida (62,5%), nível muito baixo para a caótica (65%) e, por fim, nível baixo de satisfação (32,5%), sendo que este último se aproxima do valor alto com 30%.
Na distribuição do funcionamento familiar por rácios da FACES IV, a dimensão que maior valor obteve foi a coesão. No entanto, o facto de observar-se média de rácios superiores a 1, o que nos indica uma tendência para um funcionamento familiar equilibrado para esta amostra.
Para melhor compreensão do funcionamento familiar das famílias com filho adulto com deficiência, apresentam-se agora os resultados relativos à análise inferencial. De modo a estabelecer a relação entre as variáveis independentes (idade e sexo do filho adulto com deficiência, tipo de deficiência do filho adulto com deficiência e tipo de família do filho adulto com deficiência) e o funcionamento familiar das famílias com filho adulto com deficiência utilizaram-se os testes: U de Mann-Whitney (U) e o de Kruskal-Wallis (𝜘2), cujos resultados se apresentam na tabela que se segue (tabela 2).
Subescalas da FACES IV | Sexo | U | 𝝆 | |
Masculino | Feminino | |||
𝑿̅ (DP) | 𝑿̅ (DP) | |||
Coesão | 24,40 (5,91) | 28,85 (3,92) | 105,500 | 0,010 |
Flexibilidade | 22,25 (5,76) | 25,25 (3,18) | 139,000 | 0,098 |
Desmembrada | 18,65 (6,17) | 14,70 (3,15) | 126,500 | 0,046 |
Emaranhada | 19,70 (3,77) | 19,35 (2,98) | 197,500 | 0,946 |
Rígida | 19,45 (4,55) | 20,05 (3,56) | 170,000 | 0,412 |
Caótica | 18,60 (5,73) | 14,05 (3,38) | 114,000 | 0,020 |
Comunicação | 32,60 (9,99) | 38,50 (4,12) | 121,000 | 0,032 |
Satisfação | 30,20 (10,42) | 36,15 (5,56) | 139,500 | 0,100 |
Referente às diferenças entre o sexo do filho adulto com deficiência nas subescalas da FACES IV, verifica-se uma diferença estatisticamente significativa na coesão (𝜌=0,010), onde se comprova uma média superior nas famílias com filho adulto com deficiência do sexo feminino. Também nas subescalas desmembrada e caótica observa-se uma diferença estatisticamente significativa (𝜌=0,046 e 𝜌=0,020), com uma média superior nas famílias com filho adulto com deficiência do sexo masculino. No que diz respeito à comunicação, também existem diferenças estatisticamente significativas (𝜌=0,032), sendo as famílias com filho adulto com deficiência do sexo feminino as que revelam resultados mais favoráveis nesta subescala. Assim, verifica-se a existência de uma associação entre o sexo do filho adulto com deficiência e as subescalas coesão, desmembrada, caótica e comunicação.
Da análise das diferenças entre as faixas etárias do filho adulto com deficiência nas subescalas da FACES IV, apenas se verificaram diferenças estatisticamente significativas para a subescala emaranhada (𝜌=0,011), onde pontuaram mais as famílias com filho adulto com deficiência com idade igual ou inferior a 30 anos.
Quanto às diferenças entre o tipo de família do filho adulto com deficiência nas subescalas da FACES IV, não existem diferenças estatisticamente significativas.
As diferenças entre o sexo do filho adulto com deficiência nos rácios da FACES IV, permitem averiguar a existência de diferenças estatisticamente significativas nos rácios da coesão (𝜌=0,006), flexibilidade (𝜌=0,015) e circumplexo total (𝜌=0,009), sendo que as famílias com filho adulto com deficiência do sexo feminino apresentam médias mais elevadas quando comparado com as famílias com filho adulto com deficiência do sexo masculino.
Relativamente às diferenças entre as faixas etárias do filho adulto com deficiência nos rácios da FACES IV, não se registam diferenças estatisticamente significativas (𝜌>0,05).
No que diz respeito à relação entre as variáveis independentes e os rácios da FACES IV, observa-se a existência de diferenças estatisticamente significativas nos rácios da coesão (𝜌=0,006), flexibilidade (𝜌=0,015) e circumplexo total (𝜌=0,009), sendo que as famílias com filho adulto com deficiência do sexo feminino apresentam médias mais elevadas quando comparado com as famílias com filho adulto com deficiência do sexo masculino.
Discussão
Relativamente à idade da amostra estudada, a sua amplitude mostra uma tendência para o aumento da esperança média de vida, podendo este facto estar relacionado com o contributo da medicina para o aumento da esperança média de vida das pessoas com deficiência (Oliveira & Poleto, 2015). Este retrato social implicará respostas sociais adequadas no futuro, como refere Moreira (2019).
Contrariamente aos resultados obtidos na amostra, na qual não se identificou nenhum caso com deficiência sensorial (visual e auditiva), a nível nacional e mundial os estudos apontam para uma maior prevalência desta deficiência (ACAPO, 2021; ASP, 2021).
No que diz respeito ao funcionamento familiar, este estudo encontra-se em consonância com o realizado por Javadian (2011) que destaca uma relação entre o equilíbrio e a existência de filhos com deficiência. Também Olson and Gorall (2006), no Modelo Circumplexo, afirmam que níveis de coesão e flexibilidade equilibrados conduzem a funcionamentos familiares mais saudáveis.
Estudos apontam para dinâmicas familiares de adaptação quando existem alterações de forma a encontrar um equilíbrio, e conduzir a um nível de funcionamento familiar mais saudável. Embora a existência de um filho com deficiência possa ser exemplo disso (Silva & Dessen, 2014), vários autores reconhecem o elevado nível de stress que afeta este tipo de famílias e a necessidade de haver reorganização familiar aquando da colocação de problemas, como forma de as tornar mais coesas (Lara & Pinos, 2017).
A comunicação e a satisfação apresentam pontuações mais elevadas comparativamente com as restantes subescalas, o que é previsível tendo em conta que nestas subescalas o número de questões é superior, o que se traduz numa possibilidade de pontuações máximas mais elevadas. A comunicação é o elemento facilitador do funcionamento do sistema familiar e determinantes nas relações entre os membros e o meio social (Costa, 2018). De acordo com Lara & Pinos (2017), estas famílias apresentam competências superiores de deteção de risco e necessidades, procura de recursos, adaptabilidade e flexibilidade, empatia e paciência.
Em suma, este tipo de famílias apresenta níveis de funcionamento familiar equilibrados, com médias superiores a um para todos os rácios e uma correlação positiva para as famílias com filhas, semelhante ao que Dodd et al. (2009) demonstraram no funcionamento familiar com as famílias com filhos sem deficiência, coexistindo relatos de aspetos positivos e negativos do funcionamento familiar, predominando os aspetos positivos (Silva & Dessen, 2014). Os filhos do sexo feminino influenciam positivamente a coesão e a comunicação e os do sexo masculino as subescalas desmembradas e caótica. Compreende-se com o facto de as mulheres serem, habitualmente, mais facilitadoras da comunicação que os homens, e porque a comunicação permite o ajustamento de níveis de coesão e flexibilidade equilibradas (Olson, 2011).
Os filhos com idade igual ou superior a 30 anos relacionam-se com médias superiores na subescala emaranhada. A presença de deficiência física no filho influencia o aumento da pontuação da subescala emaranhada (Silva & Dessen, 2014).
Em relação aos rácios de coesão, flexibilidade e circumplexo total da amostra em estudo, o facto de as suas médias serem superiores a um permitiu-nos tirar conclusões mais globais acerca do funcionamento familiar destas famílias, tendo sido evidente que a maioria das famílias em estudo apresenta um funcionamento familiar equilibrado, tal como preconizado por Olson (2011).
De acordo com Lara & Pinos (2017) as famílias com filho com deficiência apresentam não só aspetos negativos, mas também inúmeros pontos fortes como competências superiores na deteção de necessidades e riscos, procura de recursos, adaptabilidade e flexibilidade, empatia e paciência.
Conclusão
A deficiência de um filho pode traduzir-se de diversas formas no seio familiar, podendo interferir ao nível do seu funcionamento, seja positiva ou negativamente, enfrentando ainda as crises e transições comuns às restantes famílias.
Este estudo permitiu-nos perceber que as famílias com filho adulto com deficiência apresentam um funcionamento familiar equilibrado, uma vez que os rácios relativos à escala de FACES IV são, em média, superiores a um e as pontuações das subescalas equilibradas são elevadas, enquanto as das subescalas desequilibradas são baixas. Para além disso, também as pontuações referentes à comunicação se revelaram adequadas. Quanto à satisfação, as pontuações médias foram semelhantes às da comunicação, embora a maioria das famílias tenha revelado níveis baixos de satisfação.
Os dados obtidos demonstraram que o facto de se ter um filho com deficiência do sexo feminino influencia positivamente, tanto as subescalas coesão e comunicação, como os rácios avaliados pela FACES IV. Já no que diz respeito às famílias com filho adulto com deficiência do sexo masculino, existe uma associação com as subescalas desmembrada e caótica, comprovada pelas médias mais elevadas nas mesmas.
Tendo em conta os resultados obtidos no presente estudo, propõe-se o envolvimento da equipa multidisciplinar na abordagem do filho adulto com deficiência e sua família, com vista à capacitação destas famílias para o desempenho de um papel ativo na sua saúde. Revela-se essencial uma abordagem que reconheça as fragilidades e que potencialize as aptidões e competências destas famílias, orientada para a promoção de um funcionamento familiar saudável.
O enfermeiro especialista em enfermagem comunitária, na área de saúde familiar, assume um papel preponderante perante a saúde destas famílias, dado que apresenta um contacto próximo com as mesmas ao longo do ciclo vital que lhe permite antever, prevenir e identificar problemas no seio familiar, bem como, mobilizar os seus próprios recursos internos e externos. Como limitações do estudo, apontam-se o tamanho amostral reduzido e a técnica de seleção da amostra, as quais comprometem a representatividade das famílias com filho adulto com deficiência.
Destaca-se a necessidade de desenvolver investigações que contribuam para uma melhor compreensão desta problemática, nomeadamente, estudos que adotem uma abordagem comparativa entre o funcionamento familiar das famílias com filho adulto com deficiência e sem deficiência. Propõe-se ainda que a avaliação do Funcionamento Familiar inclua a participação dos vários elementos da família.