Introdução
A qualidade de vida das pessoas idosas sofre um grande impacto com a existência de quedas, estas podem afetar a capacidade funcional, levar a hospitalização ou, até mesmo, à institucionalização (Fonseca et al., 2020).
Estima-se que 30% da população geriátrica cai pelo menos uma vez por ano e que as quedas em idosos são responsáveis por 5% dos internamentos em unidades hospitalares (Coelho et al., 2022).
A queda da própria altura é a principal causa para a existência de lesões físicas, nomeadamente as fraturas proximais do fémur (FPF) (Rezende et al., 2021).
Estas constituem um problema grave de saúde pública, dado que se prevê um aumento significativo de casos em todo o mundo, face ao envelhecimento da população (Coelho et al., 2022; Rezende et al., 2021).
A diminuição da densidade óssea, a deterioração da função neuromuscular e a redução da capacidade funcional contribuem para o aumento do risco de fraturas ósseas nos idosos (Saletti-Cuesta et al., 2018).
As FPF são eventos complexos e traumáticos que conduzem ao declínio funcional, deterioração da capacidade de andar, aumento da morbilidade e mortalidade e maior utilização e custos dos recursos de saúde (Amarilla-Donoso et al., 2020; Saletti-Cuesta et al., 2018).
Este tipo de fraturas contribui para o aumento de internamentos hospitalares, representando metade do número de internamentos de idosos em serviços de ortopedia e tendo como tratamento de eleição o procedimento cirúrgico (Silva et al., 2018).
A maioria dos idosos com FPF quando tem alta hospitalar apresenta compromisso nas atividades de vida diária, necessitando de apoio de um cuidador
(Guilcher et al., 2021). Atualmente, as alterações no sistema de saúde português e o envelhecimento da população, conduziram a um aumento da necessidade de cuidadores familiares, pelo que, estes têm vindo a ser reconhecidos como um elemento-chave na prestação de cuidados aos idosos.
Considerando a problemática da preparação do familiar cuidador (FC) para o regresso a casa da pessoa idosa com FPF, tornou-se relevante conhecer a perceção dos enfermeiros sobre esta mesma temática. Assim, este estudo teve os seguintes objetivos:
Conhecer a forma como os enfermeiros identificam os FC da pessoa idosa com FPF; Analisar a perceção dos enfermeiros acerca da avaliação do potencial dos FC para cuidar e identificar o processo de preparação do FC para o regresso a casa.
Enquadramento / fundamentação teórica
Podemos definir FC como alguém que fornece ajuda prática e/ou emocional, de forma regular e não remunerada a outro membro da família (Saletti-Cuesta et al., 2018).
Os FC ao serem incluídos nos cuidados de enfermagem influenciam positivamente a recuperação funcional dos idosos com FPF no período pós-operatório (Asif et al., 2020).
De facto, quando está prevista a transição dos idosos com FPF do hospital para o domicílio, existindo um FC, o idoso pode regressar a casa mais precocemente. Os FC podem contribuir para o envolvimento do utente no planeamento da alta, apoiando e supervisionando o mesmo (Lima et al., 2022).
Dada a importância dos FC, torna-se crucial identificar, intervir e incluí-los no ciclo do cuidar, pois além do referido anteriormente, a literatura mostra que prestar cuidados pode ter um enorme impacto na vida dos FC devido à sobrecarga e outras mudanças significativas na sua vida, bem como uma série de desafios (Ariza-Vega et al., 2019).
Especificamente, os FC de pessoas com fratura da anca expressaram dificuldades em se adaptar ao seu novo papel, na gestão do stress, da sobrecarga, do desconhecido, a aceder a informações adequadas e na compreensão do processo de planeamento da alta (Asif et al., 2020; Saletti-Cuesta et al., 2018).
Guilcher et al. (2021) também identificaram a existência de diferentes expectativas quanto aos papéis do FC: vários FC queriam ter uma maior participação no processo de tomada de decisão, mas muitas vezes sentiram-se excluídos; outros expressaram stress devido às expectativas de tomada de decisão que lhes era exigido. Por outro lado, os profissionais de saúde referiram que os FC precisavam encontrar um equilíbrio entre prestar cuidados e evitar envolver-se demasiado. Ainda neste estudo também se encontraram diferentes expectativas relativamente ao que o sistema de saúde e os profissionais podiam fornecer e a existência de tensão, especialmente acerca do momento da alta.
Embora, o enfermeiro seja o profissional ideal para: avaliar e identificar precocemente as necessidades dos indivíduos e dos cuidadores; sugerir opções de continuidade de cuidados e programas ou serviços que estejam disponíveis na comunidade, de acordo com as necessidades identificadas; incluir os cuidadores durante os cuidados ao idoso para ensinar sobre as necessidades identificadas e apoiar o binómio idoso-cuidador durante todo o processo, desde a admissão no hospital até ao regresso ao domicílio (Brent et al., 2018), precisa melhorar a comunicação, nomeadamente, no conteúdo e no tempo dispensado, na consistência das informações partilhadas com os FC, facilitando a experiência e as interações (Guilcher et al., 2021).
Deste modo, estas competências do enfermeiro são essenciais, já que a literatura mostra que em média os FC cuidaram cerca de 39,5 horas por semana durante os primeiros seis meses, os cônjuges de pacientes com fratura da anca forneceram significativamente mais horas de cuidados, os FC do sexo feminino tiveram três vezes mais probabilidade de ter problemas relacionais, físicos e mentais decorrentes da prestação de cuidados durante os primeiros seis meses (van de Ree et al., 2018).
Metodologia
Desenvolveu-se um estudo descritivo e exploratório, de natureza qualitativa, com enfermeiros que trabalham num serviço de Ortopedia num hospital do norte de Portugal.
Foram selecionados 21 participantes que respeitavam os seguintes critérios de inclusão: trabalhar no serviço de Ortopedia há mais de seis meses e aceitar participar no estudo. Como critério de exclusão definimos os profissionais que se encontravam de atestado médico.
A técnica de colheita de dados escolhida foi a entrevista semiestruturada, constituída por uma primeira parte relativa à caraterização sócio demográfica dos participantes e a segunda sobre o processo de preparação do FC para o regresso a casa. Foi efetuado um pré-teste com um profissional de enfermagem para verificarmos se o guião necessitava de melhorias, o que não foi necessário.
A colheita de dados foi realizada durante os meses de fevereiro a junho de 2019, pelo primeiro autor do estudo. As entrevistas foram previamente agendadas com cada enfermeiro consoante a sua disponibilidade e de preferência no final de cada turno de trabalho. As entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas. O tempo médio das entrevistas foi de 15 minutos.
Relativamente ao tratamento dos dados recolhidos, foi realizada uma análise de conteúdo segundo Bardin (2016). Esta preconiza três fases: 1) pré-análise, 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.
Desta forma, após a realização e transcrição das entrevistas na íntegra, procedeu-se à leitura flutuante de todas, de forma a estabelecer o primeiro contacto com os dados recolhidos e sistematizar as ideias iniciais. De seguida, iniciou-se as operações de codificação através do recorte de frases dos entrevistados, que constituíram as unidades de registo. Estas foram analisadas de forma a perceber o que tinham em comum e, a partir daí, definimos as categorias. Na terceira fase, as categorias foram agrupadas de acordo com o enquadramento teórico realizado. Para cada categoria calculamos as frequências absolutas e relativas para uma melhor análise dos resultados.
Quanto às considerações éticas, foi realizado o pedido de autorização ao Conselho de Administração da Instituição de Saúde - Norte de Portugal e à Comissão de Ética da mesma instituição. Durante o estudo foi sempre assegurada a participação voluntária e informada dos participantes. Para manter o anonimato, os participantes foram identificados com “P” seguido de um número (P1, P5, P8, …).
Resultados
Os resultados deste estudo (Tabela 1) mostram que dos 21 participantes, a maioria é do sexo feminino (57%), é casada (57%) e 43% incluem-se na faixa etária entre os 36 e os 45 anos.
Quanto à data de conclusão do curso de licenciatura em enfermagem, a maior parte dos enfermeiros terminou o curso entre 2001 e 2010 (48%) e 76% possuía o grau de licenciado.
No entanto, à data da realização das entrevistas, tomamos conhecimento que um profissional estava a frequentar o curso de especialidade em enfermagem de reabilitação e dois estavam a terminar o curso de mestrado em enfermagem comunitária e o mestrado em enfermagem médico-cirúrgica, respetivamente.
Relativamente à categoria profissional, a maioria encontrava-se na categoria enfermeiro (90%). Quanto à experiência destes profissionais, 43% trabalhavam no serviço de Ortopedia há menos de cinco anos.
SEXO | N | % |
---|---|---|
Feminino | 12 | 57,1 |
Masculino | 9 | 42,9 |
IDADE | N | % |
≤25 | 2 | 9,5 |
26-35 | 4 | 19 |
36-45 | 9 | 42,9 |
≥46 | 6 | 28,6 |
ESTADO CIVIL | N | % |
Solteiro | 6 | 28,6 |
Casado | 12 | 57,1 |
Divorciado | 3 | 14,3 |
DATA CONCLUSÃO DO CURSO LICENCIATURA | N | % |
≤2000 | 8 | 38,1 |
2001-2010 | 10 | 47,6 |
≥2011 | 3 | 14,3 |
HABILITAÇÕES LITERÁRIAS/ACADÉMICAS | N | % |
Licenciatura | 16 | 76,2 |
Mestrado em Enfermagem de Reabilitação | 1 | 4,8 |
Especialidade em Enfermagem Reabilitação | 4 | 19 |
CATEGORIA PROFISSIONAL | N | % |
Enfermeiro | 19 | 90,4 |
Enfermeiro Especialista | 1 | 4,8 |
Enfermeiro Gestor | 1 | 4,8 |
EXPERIÊNCIA NO SERVIÇO DE ORTOPEDIA | N | % |
<5 anos | 9 | 42,9 |
5-10 anos | 2 | 9,5 |
11-16 anos | 3 | 14,3 |
≥ 17 anos | 7 | 33,3 |
Relativamente ao processo de preparação do FC para o regresso a casa, os dados recolhidos agruparam-se em três unidades temáticas: a identificação do FC, a avaliação do potencial do FC e o envolvimento do FC. Para cada uma destas unidades, emergiram categorias e em algumas destas subcategorias. A Figura 1 representa a sistematização da análise categorial realizada.
Identificação do familiar cuidador
Relativamente à forma como os participantes identificavam o FC dos idosos admitidos com FPF, emergiram as categorias: “Idoso” (62%); “Família”, esta com as subcategorias “Primeira visita” (57%) e “Cuidador habitual” (19%); “Enfermeiro (10%)”.
A categoria “Idoso” reuniu a maioria das respostas, pois na sua admissão, os profissionais de enfermagem questionam-nos sobre quem é o FC de referência, como se pode comprovar nas narrativas:
P8: “Se o doente colaborar são feitas algumas perguntas sobre com quem vive”
P10: “É o doente que diz.”
Quando o idoso não consegue ou não sabe identificar o FC, os enfermeiros afirmam que fazem essa identificação por via da “Família”. Esta categoria está subdividida em “Primeira visita” e “Cuidador habitual”. A primeira subcategoria, segundo os participantes, relaciona-se com a primeira visita que o idoso tem durante o internamento hospitalar.
P5: “Questionamos a primeira visita que o utente tem”
P13: “…ou então na primeira visita que este receba”
Pelo discurso dos enfermeiros, a subcategoria “Cuidador habitual” prende-se com o facto dos idosos com FPF já poderem ter um cuidador antes do internamento hospitalar.
P12: “…com quem é que vive, quem costuma tomar conta dele.”
P14: “Ou se pergunta a pessoa com quem ela vive, quem é que toma conta dela, o caso da pessoa idosa…”
Por último, a categoria “Enfermeiro” surge nas narrativas de dois participantes, onde se percebe que a identificação do FC é feita pelos profissionais de enfermagem.
P16: “É o primeiro número que nos aparece à frente com um nome.”
P21: “…temos os meios informáticos também hoje disponíveis que podemos consultar, seja do episódio de urgência, seja através da plataforma existente para o efeito.”
Avaliação do potencial do familiar cuidador
Também interrogamos os participantes sobre a forma como realizaram a avaliação do potencial do FC para cuidar do idoso com FPF, emergindo as seguintes categorias: “Avaliação informal” (38%); “Inexistente” (33%); “Responsabilidade da Assistente Social” (14%); “Experiência anterior do familiar” (10%) e “Responsabilidade da Equipa de Cuidados Continuados Integrados (ECCI)” (5%).
A categoria “Avaliação informal” revela que os participantes procedem à avaliação dos FC de forma informal, não recorrendo a nenhum instrumento para esse efeito, como revelam os discursos:
P5: “Depois nas próprias conversas que vamos tendo no dia a dia com o prestador de cuidados que se assume, também vamos vendo o potencial que essa pessoa tem para acompanhar”
P11: “Não há nenhuma avaliação formal para isso…é um bocadinho com o olho clínico.”
A categoria “Inexistente” retrata a ausência de avaliação, por parte dos enfermeiros, dos FC da pessoa com FPF. No entanto, verificou-se que os participantes apesar de não efetuarem qualquer avaliação do potencial do FC, reconhecem a importância de o fazer.
P3: “Não, isso não, não me parece”
P21: “Ora bem eu acho que esse é um aspeto que ainda nos falha no serviço e que devia de ser mais explorado, inclusivamente por mim e pelos colegas sobretudo da área da reabilitação.”
O papel da assistente social é mencionado por vários participantes, pois é uma profissional que colabora na avaliação dos FC, como se constata nas declarações pertencentes à categoria “Responsabilidade da Assistente Social”.
P6: “É com a ajuda da assistente social…”
P18: “…porque depois a assistente social entrando em campo é ela que faz essa triagem.”
A categoria “Experiência anterior do familiar” (10%) é espelhada por duas narrativas:
P15: “Eu acho que é preciso perceber, se em primeiro lugar, a pessoa já cuidava anteriormente do idoso…”
P19: “Pelas experiências que já teve anteriormente, ou seja, se já teve algum contacto ou experiência semelhante ou parecida anteriormente…”
A última categoria “Responsabilidade da ECCI” diz respeito à intervenção das ECCI que acompanham os idosos com FPF após a alta hospitalar e foi mencionada por um participante.
P4: “…mas se for um doente que tiver apoio de ECCI, eles se calhar poderão avaliar melhor depois em contexto domiciliário, mas nós aqui é difícil.”
Envolvimento do familiar cuidador
Os participantes foram ainda questionados sobre o processo de preparação do regresso a casa das pessoas idosas com FPF, nomeadamente, como ocorre o envolvimento dos FC neste processo. Face às respostas dos participantes surgiu a categoria “Ensino” com as subcategorias “Solicitação do Familiar cuidador” (43%) e “Iniciativa dos enfermeiros” (29%).
A subcategoria “Solicitação do familiar cuidador” está relacionada com os FC demonstrarem a necessidade de ajuda na preparação do regresso a casa dos idosos e requererem a intervenção do enfermeiro.
P2: “…só se eles nos pedirem, que têm dificuldades, que não sabem como lidar com o doente, é que nós fazemos isso, porque definido não está nada para fazer nos ensinos.”
P3: “Atualmente não se trabalha muito o cuidador, a não ser que o cuidador peça naquele momento da alta, um ou outro esclarecimento… e a enfermeira no último, mas o último das hipóteses dá ali uns ensinos muito rápidos…”
A subcategoria “Iniciativa dos enfermeiros” prende-se com o facto dos enfermeiros, após avaliarem as necessidades dos FC, tomarem a iniciativa de planear e executar práticas formativas.
P12: “Nós quando podemos e vimos que há necessidade pedimos ao cuidador para vir cá e fazemos ensinos e se for necessário reforçar, voltamos a chamar o cuidador.”
P18: “…se o doente for para o domicílio, o serviço muitas vezes procura fazer com que esse familiar cuidador se inteire minimamente dos cuidados a ter em casa e muitas vezes programam-se ensinos com essas pessoas, estando essas pessoas de acordo.”
Discussão
Em relação aos dados sociodemográficos dos participantes do presente estudo, 57% são do sexo feminino, 57% são casados, 76% são licenciados e 90% pertencem à categoria profissional enfermeiro. Landeiro et al. (2016) encontraram resultados diferentes na caraterização dos enfermeiros entrevistados, nomeadamente, 57% eram do sexo masculino, 50% eram casados, 43% eram licenciados e 43% pertenciam à categoria profissional enfermeiro.
Relativamente à questão de como se identifica o FC, os enfermeiros entrevistados referiram que esta referenciação é, na maioria das respostas, realizada pelo próprio idoso com FPF, seguindo-se a própria família como responsável pela nomeação e, em menor número de respostas, o enfermeiro. Machado (2017) identificou as mesmas categorias deste estudo, no entanto com frequências diferentes, pois o FC foi identificado pela família na maioria das respostas, seguindo-se o próprio idoso e por fim o enfermeiro.
Segundo Nunes et al. (2018) é frequente que um elemento da família seja nomeado como o cuidador possível e ideal, através de um acordo familiar ou por falta de outras opções, mesmo que este não tenha conhecimento ou não fosse consultado para essa escolha. Sabemos, ainda, que a designação do cuidador deve ser um processo individual e é especialmente importante na admissão ou nos primeiros dias de internamento do idoso com FPF, uma vez que, este FC pode fornecer aos profissionais de saúde várias informações importantes sobre o idoso, nomeadamente, o estado de dependência pré-fratura (Saletti-Cuesta et al., 2018).
Existindo um FC devidamente identificado, compete ao enfermeiro avaliar as necessidades que este apresenta. Esta avaliação é de extrema importância, uma vez que permite dirigir todo o planeamento das intervenções de enfermagem para este FC, tendo por base as lacunas inicialmente identificadas. Neste sentido, as respostas dos participantes deste estudo à questão da avaliação do potencial do FC para cuidar foram diversificadas e agrupadas da seguinte forma: avaliação informal, avaliação inexistente, responsabilidade da assistente social, experiência anterior do familiar e responsabilidade da ECCI.
No que diz respeito à avaliação informal, os dados obtidos por Machado (2017) estão em consonância com o presente estudo, uma vez que o autor menciona que os enfermeiros não aplicavam nenhum instrumento de avaliação dos FC, apenas utilizavam a entrevista e a observação.
Por outro lado, a inexistência da avaliação do potencial do FC pode contribuir para uma transição não saudável e os resultados de Asif et al. (2020) estão em sintonia com as narrativas dos participantes deste estudo, pois os autores referem que não existe avaliação da capacidade e da disposição do FC para prestar cuidados, dificultando o processo de planeamento da alta. Também concluíram que a falta de partilha de informação por parte dos profissionais de saúde, a confusão de papéis no caso de serem vários os FC e o planeamento da alta de forma desorganizada, constituem os três problemas mais comuns indicados por idosos com fratura da anca e respetivos cuidadores (Asif et al., 2020).
Quanto à responsabilidade da avaliação do potencial do FC ser atribuída à assistente social, o estudo de Sims-Gould et al. (2015) apresenta discordâncias face às narrativas dos nossos participantes, uma vez que, estes autores concluíram que o papel das assistentes sociais é visto como um complemento no processo de preparação do regresso a casa do idoso com FPF e não consideraram que a assistente social deverá avaliar o potencial do FC para cuidar. Estes autores justificam que, para além das assistentes sociais serem vistas como mediadoras na resolução de conflitos familiares, também têm a capacidade de contactar com os FC para fornecer informações sobre os apoios existentes na comunidade, o que pode ser um contributo positivo no desempenho do papel do FC (Sims-Gould et al., 2015).
Relativamente à experiência anterior de cuidar do FC, Machado (2017) concorda com as narrativas dos participantes do presente estudo, pois refere que a avaliação do FC deve ter em conta a volição, as crenças, o conhecimento, as competências e a experiência prévia deste indivíduo no desempenho do papel de cuidador.
Por último, a avaliação do potencial do FC ser responsabilidade da ECCI como foi referido pelos participantes, pode ser entendida, pelo facto da ECCI ser a tipologia da Rede Nacional de Cuidados Continuados com maior peso (35,9%) na assistência aos indivíduos. Aliás, dos episódios de referenciação para a rede, 81,2% destes têm como indicação de referenciação a necessidade de ensino e capacitação do cliente e cuidador informal (Administração Central do Sistema de Saúde, 2021). De salientar, que o regresso ao domicílio acompanhado de um programa de reabilitação é considerado extremamente importante para garantir o sucesso de uma recuperação eficaz nos idosos com FPF (Ortiz-Piña et al., 2019).
Entretanto, na questão sobre o processo de preparação do FC para o regresso a casa, as respostas dos nossos participantes dividiram-se entre a solicitação do FC e a iniciativa dos enfermeiros. O primeiro grupo de respostas, onde os participantes afirmam que o FC solicitou o apoio dos enfermeiros, está de acordo com o estudo de Schiller et al. (2015) realizado com FC, onde estes sublinharam a importância de procurar apoio junto dos profissionais de enfermagem, de modo a terem oportunidade de colocar questões sobre o seu familiar idoso com FPF nas diferentes fases do internamento, conhecerem os recursos existentes e expressarem as suas preferências consoante as suas necessidades. Também Nunes et al. (2018) referem que os FC necessitam de um suporte profissional orientador, onde seja proporcionado espaço para partilhar as suas dúvidas e receios.
Já o segundo grupo de narrativas que retratam a iniciativa dos profissionais em realizar o processo de preparação FC para o regresso a casa, é corroborado por Ariza-Veja et al. (2019). Os autores afirmam que o enfermeiro desempenha um papel essencial na preparação do FC, devendo este ser incluído no processo de recuperação do idoso com FPF durante todo o internamento, privilegiando o treino de competências no âmbito do cuidar com o objetivo major de facilitar o regresso a casa. Contudo, no estudo de Guilcher et al. (2021) verificaram-se perceções diferentes acerca das necessidades de informação. Os profissionais abordaram a importância de fornecer informação aos FC e tinham a perceção de que facultaram a informação adequada. Por sua vez, os FC descreveram uma comunicação deficiente e de não compreenderem as etapas seguintes do plano de cuidados.
Como tal, compete ao enfermeiro proporcionar momentos de troca de informação através da implementação de programas educativos de apoio aos FC com componentes teóricas e práticas, de forma, a que estes adquiram mais literacia em saúde e se sintam mais empoderados e capacitados para o papel que vão desempenhar (Lima et al., 2022).
Embora o número de participantes na presente investigação seja reduzido, os resultados obtidos permitem-nos compreender o fenómeno em estudo e podem ser aplicados a pessoas que vivenciam situações similares, ou seja, é possível a sua transferibilidade.
Como limitação do estudo destacamos este ter sido realizado com participantes que pertencem todos ao mesmo serviço de internamento, o que não possibilitou conhecer outras realidades.
Conclusão
Os resultados deste estudo evidenciam que a decisão sobre quem vai assumir o papel de FC e a determinação do seu potencial são imprescindíveis na preparação do regresso a casa. Com as narrativas dos participantes, percebe-se que, na maioria das vezes, o idoso com FPF é a pessoa ideal para nomear o FC, no entanto, a primeira visita que este tenha também poderá ser útil para esta designação. Quanto à avaliação do potencial, constata-se que os enfermeiros consideram esta avaliação importante, no entanto, por vezes esta não existe ou então realizam-na de forma informal.
Relativamente ao envolvimento e preparação do FC para o momento da alta clínica, constatou-se que, geralmente, este acontece por solicitação do FC e, não tanto, por iniciativa dos profissionais de enfermagem.
Assim, consideramos que a preparação do FC deve ser priorizada para que o idoso e respetivo familiar sintam que estão reunidas as condições de segurança para a alta hospitalar. Os resultados obtidos justificam a necessidade de intervenção do enfermeiro, pois este, encontra-se numa posição privilegiada, conseguindo estabelecer uma relação terapêutica de maior proximidade e profundidade com os idosos com FPF e respetivos cuidadores. Também é este profissional que, através de competências e conhecimentos diferenciados, deverá promover estratégias de apoio aos idosos com FPF e respetivos FC.
Em suma, com este estudo pretende-se que na prática clínica, os FC de idosos com FPF, sejam considerados na tomada de decisão sobre metas de reabilitação e no planeamento de alta para uma transição segura entre o hospital e o domicílio. Também existam ferramentas padronizadas de troca de informações, assim como a discussão formal entre enfermeiros e FC sobre os papéis e responsabilidades na transição de cuidados. Ao nível da educação, o presente estudo fundamenta a necessidade da supervisão dos estudantes de enfermagem em ensino clínico ser orientada, não só, para o cuidar da pessoa idosa com FPF, mas também para incluir o FC como um parceiro de cuidados.
Por fim, no âmbito da investigação, os resultados deste estudo podem apontar para a elaboração de um programa de intervenções dirigido aos FC dos idosos com FPF.
Sugere-se ainda que se desenvolvam mais estudos que abordem a preparação do regresso a casa, quer com FC de idosos com FPF, como com enfermeiros, para tornar os resultados mais robustos.