Introdução
A Fratura do Fémur Proximal (FFP), é dos maiores e mais graves problemas associados ao envelhecimento e de saúde pública com altas taxas de mortalidade, morbilidade e incapacidade funcional, com impacto negativo na qualidade de vida da pessoa idosa (Felicissimo & Branco, 2017; Santos, 2010; Silva et. al., 2018). Por sua vez, o Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação (EEER), é detentor de capacidades e conhecimentos técnicos à recapacitação da pessoa, tem um papel crucial, a sua intervenção precoce dirigida, através da implementação de um programa de reabilitação, possibilita a reversão das complicações (Regulamento nº392/2019 da Ordem dos Enfermeiros, 2019).
Por outro lado, a implementação de um plano de reabilitação adequado, com a utilização do Dispositivo Médico inovador, ABLEFIT, desenvolvido no âmbito da saúde, na área de reabilitação, concebido para a realização de exercício físico no leito, pode ser uma mais-valia para a Reabilitação Funcional Motora da pessoa, e contribuir para reduzir o tempo de internamento, os gastos hospitalares e obter ganhos em saúde. A investigação e a inovação são cada vez mais valorizadas no setor da saúde, possibilitando o desenvolvimento de produtos altamente inovadores de diagnóstico e tratamento de inúmeras doenças (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal [AICEP], 2016a). A aposta na investigação e inovação na área da reabilitação, permite adquirir conhecimentos exatos acerca dos fenómenos devido ao rigor dos métodos e técnicas utilizadas, trazendo grandes contributos para a sua atividade profissional, bem como o reconhecimento e valorização da profissão. Este estudo de usabilidade, segue globalmente o modelo “Human-Centre Design” em que todo o processo de desenvolvimento do produto é centrado no utilizador final, bem como no modelo de aceitação tecnológica ou “Technology Acceptance Model” (TAM), centrado nos fatores influenciadores do comportamento das pessoas relativamente à aceitação de uma nova tecnologia. O objetivo geral do estudo é avaliar a usabilidade e ergonomia do protótipo de Dispositivo Médico ABLEFIT para a reabilitação da pessoa pós FFP.
Os dados da realidade portuguesa, bem como a escassa existência de estudos publicados referentes a esta temática, refletem a necessidade imperativa do desenvolvimento da investigação nesta área. Por sua vez, a Enfermagem de Reabilitação preconiza um maior envolvimento e participação dos EEER em projetos de investigação, e a necessidade de incorporar as novas descobertas na sua prática clínica (Regulamento nº392/2019 da Ordem dos Enfermeiros, 2019).
Enquadramento/fundamentação teórica
As FFP estão associadas a elevadas taxas de morbilidade e mortalidade, são consideradas uma «epidemia» ortopédica um grave problema de saúde pública, com impacto negativo na qualidade de vida da pessoa devido à incapacidade funcional que acarreta, apenas 50% dos idosos retomam as Atividades de Vida Diária (AVD) anteriores à fratura (Laires et al., 2015). Segundo estimativas da Direção-Geral da Saúde (DGS), em 2006, o número de ocorrências foi de 9532 fraturas do colo do fémur em Portugal, as quais consumiram cerca de 52 milhões de euros, só em cuidados de saúde diferenciados. As FFP, representam por isso um evento gerador de dependência no autocuidado, com grande repercussão na qualidade de vida dos idosos e dos familiares que os acompanham, assim como são um desafio económico devido aos elevados custos associados (Felicissimo & Branco, 2017; Santos, 2010). A Teoria do Défice de Autocuidado em Enfermagem de Dorothea Orem é que determina quando a enfermagem é ou não necessária, se é necessário assistir a pessoa a providenciar o autocuidado, ou seja, se necessita de cuidados de enfermagem (Soares, 2019). Segundo esta os condicionantes básicos na pessoa decorrentes de FFP são o requisito de autocuidado por desvio da saúde, havendo a necessidade terapêutica de autocuidado (Orem, 2001, p. 223). Por sua vez, o EEER é detentor de capacidades e conhecimentos técnicos à recapacitação da pessoa, tem um papel crucial, quanto mais precoce a sua intervenção através de um programa de reabilitação, maior a possibilidade de reversão das complicações pós FFP. A atuação do EEER no processo de reabilitação é premente nos vários períodos do processo cirúrgico (Soares, 2019). As capacidades e conhecimentos técnicos que o EEER detém, permitem-lhe avaliar as funções motoras, alterações da funcionalidade, estabelecer diagnósticos, conceber e implementar planos de treino de funcionalidade motora, maximizando o potencial de recuperação da pessoa e promovendo a independência nas AVD (Regulamento nº392/2019 da Ordem dos Enfermeiros, 2019).
O Infarmed (2016) define como Dispositivo Médico qualquer instrumento, aparelho, equipamento, software, material ou artigo utilizado isoladamente ou combinado com finalidade diagnóstica ou terapêutica em seres humanos. Possibilitando, entre outras, a prevenção, controlo, tratamento de uma doença, bem como, a atenuação ou compensação de uma lesão ou deficiência.
Tendo em conta Regulamento dos Padrões de Qualidade dos Cuidados Especializados em Enfermagem de Reabilitação, um programa de reabilitação estruturado baseado no levantamento das necessidades da pessoa após FFP, associado a Dispositivos Médicos inovadores que possibilitem a execução de sessões de exercícios, poderão ser benéficos para a rentabilização do processo reabilitativo, trazendo benefícios quer para a pessoa lesada quer como facilitadores na prestação dos cuidados de reabilitação pelo EEER (Regulamento n.º 350/2015 da Ordem dos Enfermeiros, 2015).
O setor da Saúde em Portugal valoriza cada vez mais a investigação e a inovação, afirmando o seu reconhecimento internacionalmente. A aposta na tecnologia por este setor em Portugal, possibilita o incremento da sua notoriedade. A tecnologia evidencia ser uma forte aliada, possibilita o desenvolvimento altamente inovador de produtos de diagnóstico e tratamento de doenças (AICEP, 2016a). Num mundo cada vez mais tecnológico, o setor da Saúde em Portugal tem apresentado um crescimento notável quer a nível nacional quer internacional (AICEP, 2016b).
A preocupação de alcançar melhores cuidados a um baixo custo, dão abertura à criação de equipamentos desenvolvidos em projetos académicos, que podem suprir a necessidade do mercado atual (Costa et al., 2018). De acordo com a literatura encontrada, o Dispositivo Médico mais abordado nos programas de reabilitação é o cicloergómetro, existem derivados deste para os membros superiores e inferiores (Torres et al., 2016; Trevisan et al., 2015). Contudo os dispositivos existentes no mercado são volumosos e de uso hospitalar (Dedov & Dedova, 2013).
O desenvolvimento de um DM rege-se pelas normas estabelecidas pelo Parlamento Europeu e internacionais padronizadas, que regulam os dispositivos médicos com referências ao desempenho funcional, parâmetros de segurança e qualidades técnicas dos produtos (International Organization for Standardization [ISO], 2018, 2019a, 2019b; Regulamento 2017/745 da União Europeia, 2017).
Numa fase de conceptualização e desenvolvimento de uma tecnologia, identificar e compreender a opinião dos utilizadores quanto à sua aceitação e utilização, possibilita minimizar a resistência dos possíveis utilizadores, bem como maximizar a sua utilização efetiva (Parreira et al., 2018). Atualmente, a abordagem utilizada para avaliação da usabilidade mais citada é a abordagem centrada no utilizador, “Human-Centered Design” (HCD) proposto por Harte (2017), denomina-se assim uma vez que se centra nas pessoas para as quais estamos a criar soluções, definindo os procedimentos específicos a serem implementados nesta fase inicial de desenvolvimento do dispositivo, atendendo às suas necessidades e capacidades, à segurança do produto e à sua experiência. O HCD permite a exploração metodológica, o recurso a novos modelos processuais emergentes e ferramentas para a implementação dos projetos, tendo em consideração a relevância do reconhecimento funcional pelo utilizador.
Ao longo do processo de criar soluções, o investigador modifica o seu pensamento concreto ao abstrato, identificando temas e oportunidades, voltando mais tarde ao concreto com soluções e protótipos. Facilitando a criação de ideias inovadoras e indo ao encontro das necessidades do utilizador, tendo em conta a sustentabilidade financeira. De acordo com Harada et al. (2016), estudos recentes relativos ao desenvolvimento do design, constam que há uma atenção mais focada nos aspetos humanos, sendo esta abordagem cada vez mais atual. Esta abordagem é defendida por Roma (2016), para este autor um Dispositivo Médico bem-sucedido deve ser eficiente, seguro, eficaz, confiável e atender aos seguintes requisitos, ser: Útil, Eficiente, Eficaz, Satisfatório, Fácil de Aprender, e Acessível.
Por outro lado, o modelo de aceitação tecnológica ou “Technology Acceptance Model” (TAM), teoria proposta por Davis em 1979, possibilita uma análise mais profunda dos fatores influenciadores do comportamento das pessoas, utilidade percebida e perceção de facilidade de uso, relativamente à aceitação de uma nova tecnologia (Aguiar, 2016).
A utilidade percebida pela pessoa relativamente à utilização da nova tecnologia, se lhe irá ser útil ou não, pode levar a uma maior intenção na utilização. Por sua vez, facilidade de uso de uma tecnologia é determinante para a sua utilização. A correlação destes dois fatores permite uma maior intenção de aceitação da tecnologia e posterior atitude de utilização (Aguiar, 2016). Portanto, numa primeira instância o utilizador toma em consideração as funções desempenhadas pela nova tecnologia e posteriormente analisa a facilidade ou dificuldade de uso da mesma. Embora sejam construtos diferentes relacionam-se entre si, a perceção de facilidade de uso condiciona a perceção da utilidade que a nova tecnologia possa ter (Parreira et al., 2018).
O ABLEFIT (Escola Superior de Enfermagem de Coimbra [ESEnfC], 2016), protótipo de um Dispositivo Médico inovador, desenvolvido no âmbito da saúde, na área de reabilitação, concebido para a realização de exercício físico no leito, podendo ser uma mais-valia na reabilitação funcional motora da pessoa pós FFP. Este protótipo está a ser desenvolvido na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), unidade monodisciplinar, acolhida pela ESEnfC em parceria com o Departamento de Engenharia Mecânica, do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra - Instituto Politécnico de Coimbra, com submissão de solicitação de patente nºPT108083A ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial. É constituído por um conjunto de dispositivos com componentes desmontáveis, versáteis e personalizáveis que permitem realizar, de forma adaptada, vários e diferentes exercícios. Através do ABLEFIT podem ser realizados exercícios ativos e ativos-assistidos dos membros superiores e inferiores, contribuindo para combater a imobilidade através da reabilitação funcional da pessoa. As caraterísticas deste Dispositivo Médico permitem a adequação abrangente às diferentes capacidades dos utilizadores dado que os componentes que o constituem poderem ser utilizados independentemente ou interligados. Este possui um conjunto de roldanas acoplado a um amortecedor, com pegas e cabos de tamanho e resistência única, pode ser fixado quer na base quer na cabeceira da cama, permite realizar exercícios ativos e ativos-assistidos dos membros superiores. A estrutura pode ser dobrada, é compacta, leve, de fácil transporte (possui pequenas rodas na base), arrumação e higienização. Possui ainda um cicloergómetro para a mobilização dos membros inferiores, passível de se montar e desmontar. Trata-se de um protótipo que necessita de ser aperfeiçoado e desenvolvido.
Deste modo, pretende-se assim obter dados que constatem a sua usabilidade, bem como, contributos para o desenvolvimento do protótipo do DM na reabilitação da pessoa pós FFP.
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo, observacional, cujo design assenta numa abordagem mixed method (MM) que compreende duas fases, num primeiro momento a aplicação de um questionário de usabilidade, numa segunda fase grupo focal A e grupo focal B. Este estudo integra-se dentro dos estudos de usabilidade de natureza pré-clínica, determinantes para apurar a segurança do dispositivo (ISO, 2019b), e os parâmetros de eficácia e eficiência (ISO, 2018). O foco dos testes de usabilidade é contribuir para o incremento da segurança do dispositivo aquando a sua utilização (Martins, 2013). Seguindo globalmente o modelo “Human-Centered Design” (HCD) proposto por Harte (2017) e o modelo de aceitação tecnológica ou “Technology Acceptance Model” (TAM), teoria proposta por Davis em 1979. Posto isto, objetiva-se avaliar a usabilidade e ergonomia do ABLEFIT para a reabilitação da pessoa pós FFP, identificar as dimensões valorizadas pelos EEER e pelos utilizadores, relativas às caraterísticas do protótipo do dispositivo médico ABLEFIT para a reabilitação da pessoa pós-FFP. Os instrumentos de colheita de dados foram a aplicação da técnica de grupo focal e aplicação de um questionário de usabilidade. Os dois grupos focais incluíram oito participantes, um grupo de utilizadores finais, pessoa pós FFP, e outro de EEER. Trata-se de um método de amostragem não probabilística e de conveniência, de dois grupos independentes de participantes, foram recrutados de acordo com critérios de inclusão estabelecidos para cada grupo.
A versão do questionário de usabilidade utilizada, é uma adaptação do questionário de usabilidade utilizado pelo projeto SERINGA DUO (Projeto POCI-01-0247-FEDER-01604), este foi aplicado segundo a orientação dos autores (Parreira et al., 2020). É constituída por 42 questões, e o grau de satisfação relativamente ao protótipo funcional do dispositivo é determinado por escalas Likert de 1 a 7 pontos, é constituída por quatro dimensões, “Utilidade”, “Facilidade de Uso”, “Facilidade Aprendizagem” e “Satisfação/Intenção de Uso”. Trata-se de uma escala válida, já utilizada em estudos de usabilidade de dispositivos na população portuguesa, é de fácil preenchimento, passível de ser utilizada em pequenas amostras e produzir resultados fiáveis. Por sua vez, a técnica de grupo focal permite uma recolha mais rápida e mais realista, uma investigação mais aproximada da realidade prática, como é o caso da ciência de Enfermagem (Bernardes, 2021; Lima, 2015). As sessões seguiram um Guião, após apresentação da ordem de trabalhos, foi exposto o conceito do protótipo através de um vídeo demonstrativo dos principais exercícios possíveis e solicitado o preenchimento do Questionário de Caraterização Sociodemográfica, e do Questionário de Usabilidade. Confirmado o preenchimento dos questionários, iniciou a discussão em grupo, com duração de 1hora sensivelmente. A sessão foi gravada em formato áudio e transcrita na íntegra por dois auditores, foi salvaguardo, em todo o processo, o anonimato e a confidencialidade dos participantes e dos dados. A sessão do Grupo A decorreu na sala de reuniões de um serviço hospitalar, e os participantes do grupo B são utentes de uma Unidade de Reabilitação privada. Para a concretização deste projeto de investigação, foi necessário ter parecer favorável (parecer nº699/07-2020 de 14/10/2020) da Comissão de Ética Relativos a Estudos de Investigação, Comissão de Ética da Unidade Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. O Consentimento Informado, livre e esclarecido, cumpre o estabelecido na legislação nacional aplicável, nomeadamente o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e conforme a norma da DGS (DGS, 2015; Regulamento n.º 58/2019 da Assembleia da Républica, 2019).
Os dados quantitativos, foram analisados com recurso ao programa informático SPSS v25, para a análise dos grupos focais foi utilizada a técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2016).
Resultados
O grupo A é constituído por 8 enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, todos do género feminino. As idades dos participantes variam entre os 32 e os 52 anos, com uma média de idades de 39 anos. Relativamente às habilitações literárias, 75% (6) dos participantes possui o Curso de Pós-Licenciatura/Especialização em Enfermagem de Reabilitação, enquanto 25% (2) possui o Curso de Mestrado em Enfermagem de Reabilitação. No que concerne ao tempo de exercício profissional varia entre os 10 e os 31 anos, e os anos de exercício profissional como Enfermeiro Especialista varia entre os 4 e os 14 anos. Dos 8 participantes do grupo B, 37,5% (3) são do género masculino e 62,5% (5) do género feminino. As idades dos participantes variam entre os 66 e os 87 anos, com uma média de idades de 74,9 anos. No que concerne às habilitações literárias, a maioria dos inquiridos possui o 1º Ciclo do Ensino Básico, sendo 87,5% (7), e apenas 12,5% (1) o Ensino Superior. Todos os participantes se encontram aposentados e residem em domicílio próprio, 25% (2) dos participantes têm ajuda de pessoa significativa ou familiar para as AVD, apresentando um grau de dependência leve, sendo que os restantes 75% (6) dos participantes não tem qualquer ajuda. Por sua vez, todos os inquiridos referiram ter patologias associadas, assim como ter realizado algum processo de reabilitação funcional sem recurso a nenhum Dispositivo Médico. Em relação ao uso de auxiliar de marcha, 25% (2) usam, um dos participantes usa canadianas, enquanto o outro usa andarilho, os restantes 75% (6) não usam nenhum auxiliar de marcha.
Em relação aos resultados quantitativos, no grupo A, relativamente à Utilidade do ABLEFIT como Dispositivo Médico para mobilidade no leito a pontuação referente aos 12 itens, variou entre 53 e 67 pontos, sendo a média de 60 pontos. No que concerne à Facilidade de Uso do ABLEFIT a pontuação referente aos 10 itens constituintes, variou entre os 44 e os 57 pontos, sendo a média de 52,5 pontos. No que remete à Facilidade de Aprendizagem do ABLEFIT, a pontuação referente aos 6 itens constituintes, variou entre os 27 e os 40 pontos, cuja média foi de 33,13 pontos. Por sua vez, a Satisfação/Intenção de Uso, considerando a possibilidade de utilização futura do ABLEFIT, constituída por um total de 14 itens, variou entre os 64 e os 78 pontos, tendo como média 71 pontos. Por último, os valores totais da pontuação dos Questionários de Usabilidade, variaram entre 197 e 231 pontos, sendo a média 216,63 pontos. Enquanto no grupo B, em relação à Utilidade do ABLEFIT como Dispositivo Médico para mobilidade no leito, a pontuação remete a 12 itens (ao qual não foi dada qualquer resposta a 1 dos itens por não se aplicar a este grupo de participantes, como supramencionado, o questionário de usabilidade foi adaptado de outro Dispositivo Médico), variando entre 38 e 51 pontos, sendo a média de 44,88 pontos. No que refere à Facilidade de Uso do ABLEFIT a pontuação referente aos 10 itens constituintes, variou entre os 32 e os 52 pontos, sendo a média de 42,38 pontos. No que concerne à Facilidade de Aprendizagem relativamente ao ABLEFIT a pontuação referente aos 6 itens constituintes, variou entre os 20 e os 35 pontos, cuja média foi de 25,63 pontos. Por sua vez, a Satisfação/Intenção de Uso, considerando a possibilidade de utilização futura do ABLEFIT, constituída por um total de 14 itens (aos quais não foi dada qualquer resposta a 2 dos itens pelos participantes, pelas razões já referidas), variando entre os 53 e os 70 pontos, tendo como média de 60,5 pontos. Por último, os valores totais da pontuação dos Questionários de Usabilidade, variaram entre 146 e 208 pontos, sendo a média de 173,38 pontos.
Na sequência da análise de conteúdo dos Grupos Focais, emergiram as seguintes Categorias: “Funcionalidade”; “Envolvimento do utilizador”; “Caraterísticas”; “Dimensões/Design”; “Segurança”; “Conforto”; “Higiene/Manutenção” que integram o tema “Usabilidade do Dispositivo Médico”. Os participantes estão representados por “E”, “E.A.” representa o participante do grupo focal A, e “E.B.” o participante do grupo focal B. Por sua vez, “E.A.1” representa o participante 1 do grupo focal A.
No decurso da discussão os participantes de ambos os grupos enfatizaram a funcionalidade do Dispositivo Médico relativamente à reabilitação funcional integrado num programa de reabilitação pós FFP: “Aparenta Permitir a realização de exercícios bem tolerados pelo utente, quer exercícios para os membros superiores quer a pedaleira…a sua integração parece-me benéfica no processo de reabilitação nomeadamente para o reforço muscular (…)na continuidade de um programa de reabilitação no domicílio” (E.A.1); ”Exercícios para os braços são muito importantes para usar as canadianas” (E.B.2). Contudo foram apontadas algumas carências e limitações relativamente à funcionalidade do dispositivo como a reduzida variedade de exercícios, nomeadamente para os membros inferiores, e o facto de a pedaleira não estar indicada no pós-cirúrgico em determinadas intervenções à FFP. Assim como permitir a regularização do grau de dificuldade e intensidade dos exercícios, uma vez que o dispositivo não tem nenhum sistema de resistência progressiva ou carga, permite apenas um movimento continuo: “Carece de maior variedade de exercícios para os membros inferiores” (E.A.3); “O dispositivo permite realizar exercícios constantes (…) sem puder (…) alterar o grau de dificuldade ” (E.A.3); “Os exercícios com a pedaleira (…) cicloergómetro, não são de todo adequados a determinadas intervenções cirúrgicas pós FFP (…) deveria ter algum dispositivo alternativo (…)exercícios de resistência (…) como elásticos ou halteres” (E.A.7); “Para as pernas só tem os pedais (…)ou até pedaleira para os braços” (E.B.7); “Tem pedais (…) no Hospital disseram-me que não podia fazer” (E.B.2).
A opinião dos participantes em relação ao potencial do Dispositivo Médico em possibilitar o envolvimento do utilizador é positiva. Este é visto como um forte aliado do EEER na educação para a saúde, estimulante quer para o profissional quer para a pessoa no seu processo de reabilitação, promotor da sua autonomia, qualidade de vida e bem-estar. No entanto, foram também apontados alguns entraves como a dificuldade no manuseamento do dispositivo para o utilizador, que podem levar à sua desmotivação. Mais também, que estas dificuldades poderiam ser perfeitamente ultrapassáveis através do acompanhamento de um profissional até a pessoa ser independente na sua utilização, foram ainda, sugeridas algumas estratégias para contornar possíveis dificuldades, enfatizando que todo este processo envolveria a todos na reabilitação da pessoa tornando-se o dispositivo numa mais-valia: “Penso que o profissional e o utente são envolvidos na sua utilização…pode ser desafiador para ambos (…) usar algo diferente (…) o que é novidade (…) é estimulante” (E.A.4); “diria que a sua utilização é intuitiva e pode até ser estimulante (…) e deixar mais tempo para realizar outras tarefas…, para um utente idoso (…) o manuseamento e a utilização, pode ser complexa e tornar-se desmotivante (…) é importante o acompanhamento até a pessoa se sentir segura e capaz de realizar os exercícios sozinha (…)o dispositivo permitiria o envolvimento sem dúvida de todos no processo de reabilitação e na promoção da educação para a saúde” (E.A.8); “Um manual ou um vídeo pode ajudar” (E.A.3); “usar o aparelho ia ser bom (…) eu ia estar mais motivado para fazer os exercícios” (E.B.3); “Parece difícil de usar” (E.B.2); “Poderia ter um livro de instruções, posso-me esquecer de como se fazem os exercícios” (E.B.7); “Ou mesmo um vídeo poderia ajudar!” (E.B.4); “Considero que a utilização deste dispositivo iria envolver-me no meu processo de reabilitação, dar-me-ia até mais responsabilidade e autonomia (…) para o profissional (…) poderia deixar mais livre para outras tarefas” (E.B.5).
No decurso da análise, constatou-se que foram enfatizadas caraterísticas positivas, como a integração de uma inovação num programa de reabilitação ser estimulante para os profissionais e utilizadores, assim como aspetos a melhorar, possibilitar maior variedade de exercícios com regulação de resistência ou cargas, e numa perspetiva evolutiva da pessoa no seu processo de reabilitação este poder ser utilizado sem ser na cama, utilizar o dispositivo na posição de sentado: “É um dispositivo inovador (…) sem dúvida atrativo para o profissional e para o utilizador (…) permite realizar exercícios de mobilidade dos membros inferiores e superiores (…) contudo poderia ser mais versátil (…) deveria possuir outros constituintes, que permitissem maior variedade de exercícios para os membros inferiores, poderia ter para além da pedaleira…exercícios de resistência (…) ou mesmo a pedaleira ser passível de utilizar também para os membros superiores (…) até é bom e estimulante para o doente utiliza-lo na posição de sentado” (E.A.3); “Os pedais não podem ser utilizados em doentes com prótese total da anca, poderia haver a possibilidade de adaptação de algum dispositivo semelhante ao que é utilizado para os membros superiores (…) poderia permitir regular a intensidade dos exercícios” (E.A.7); “Os exercícios dos braços podem ajudar para ter força a andar com canadianas (…) mas os exercícios para as pernas não os posso realizar (…) não posso usar aqueles pedais por causa da operação que fiz (…) podia ter outras coisas para puder exercitar as pernas…talvez até parecidos com os dos exercícios para os braços (…) e quando eu me sentisse com mais força poder utiliza-lo sem ser na cama (…) sentado” (E.B.4); “Deveria ter mais exercícios para as pernas (…) ou para os braços (…) se os pudesse realizar sentado também seria bom”(E.B.5). Uma caraterística amplamente sugerida pelos participantes de ambos os grupos, como futura melhoria ao dispositivo, é a utilização de biofeedback e acoplação de monitorização de parâmetros de segurança por telemetria, com acesso em tempo real à pessoa e ao profissional, como sinais vitais, níveis de esforço e dispneia (sinais de eventual intolerância ao esforço): “A acoplação de monitorização em tempo real (…) telemedicina (…) seria uma mais-valia para todos (…) profissional, utente (…) de sinais vitais como a frequência cardíaca, tensão arterial e saturação de oxigênio” (E.A.6); “é importante estabelecer níveis de segurança” (E.A.7); “feedback do seu desempenho” (E.A.6); “Recordo-me de me avaliarem as tensões (…) o coração antes e depois dos exercícios (…) seria importante ver se está tudo bem” (E.B.2).
Verificou-se preocupação, em ambos os grupos relativa à adaptabilidade ao mobiliário doméstico e facilidade de transporte devido às dimensões, referiam também algumas sugestões relativas ao design: “Tenho dúvidas que seja possível ser adaptado ao mobiliário doméstico” (E.A.4); “poderia ser de design personalizável (…) ter apenas os dispositivos necessários para os exercícios que precisasse” (E.A.1); “Poderia ter aparência atraente, menores dimensões, ser um material resistente mas leve, de fácil transporte” (E.A.2); “Não sei se dá para pôr na minha cama (…) o aparelho parece grande e pesado…não sei se consigo transportá-lo” (E.B.4); “Podia ser personalizável (…) poder escolher a cor” (E.B.6).
Na análise efetuada é percetível a preocupação dos participantes do grupo A pela aparência frágil do dispositivo e que este respeite a adoção de uma correta ergonomia do profissional, salientando que esta perceção é unânime: “Parece ser frágil e pouco seguro, a estrutura abana toda (...) em contexto domiciliar convém que a ergonomia do enfermeiro não seja comprometida.” (E.A.3); Por sua vez, evidenciou-se que no grupo B as opiniões são opostas, os participantes referiram que: “Parece seguro” (E.B.8); “Aparenta ser resistente e duradouro” (E.B.1). Contudo referiram ter preocupação de haver uma revisão periódica da funcionalidade do mesmo, assim como algum sistema de apoio ao cliente no caso de alguma avaria: “Convinha periodicamente algum profissional ver se está a funcionar bem” (E.B.5).
O conforto na utilização do dispositivo foi amplamente referenciado, as opiniões são na generalidade positivas, contudo foram dadas algumas sugestões de melhoria pelos participantes do grupo A: “O seu manuseamento parece ser confortável (…)as pegas para as mãos parecem um pouco rijas (…) poderiam ser mais almofadadas (…)os pedais podiam ter algum sistema de fixação” (E.A.6); “Parece-me confortável” (E.B.3); “Parece confortável de usar” (E.B.1).
Esta categoria, higiene/manutenção, foi uma preocupação constante percecionada ao longo da discussão, nem tanto pela higienização do dispositivo, pois a opinião é unanime em ambos os grupos, aparente facilidade em ser higienizado, mas sim, relativamente à sua manutenção e aos custos implicados: “Parece ser fácil de higienizar (…) deve ter uma manutenção periódica de peritos (…) se tivesse uma monitorização acoplada (…) com alarme (…) que alertasse quando a sua segurança está em causa (…) seria mais seguro para o utilizador” (E.A.6); “Ótimo seria, que o dispositivo e a sua utilização fosse acessível economicamente” (E.A.8).; “Parece ser fácil de limpar (…) se avaria (…) vai alguém a casa arranjá-lo? (...) tenho receio de quanto me possa custar, a minha reforma é pequena” (E.B.7); “Convinha periodicamente algum profissional ver se está a funcionar bem (…) e os custos que envolve” (E.B.5).
Discussão
Perante a análise das Dimensões do Questionário de Usabilidade, poder-se-á dizer que há um grande consenso entre os participantes dos dois grupos em todas as dimensões, sendo interessante verificar a mesma variabilidade de resposta, embora se possa constatar que as pontuações são mais elevadas no grupo A em todas as dimensões. Face à Usabilidade do DM são muito positivas no grupo A (M=216,63), enquanto no grupo B (M=172,38), metade dos scores são positivos e outra metade não. É unanime em ambos os grupos de que o DM é útil para a reabilitação e há intenção em utiliza-lo. No grupo A, as dimensões Facilidade de Uso (M=52,5) e Facilidade de Aprendizagem (M=33,13) do DM tem apreciação positiva. Contudo no grupo B, há opinião divergente entre os participantes relativamente à Facilidade de Uso (M=42,38) e Facilidade de Aprendizagem (M=25,63) do DM. Para metade dos participantes do grupo B a aprendizagem e utilização do Dispositivo é complexa. Portanto, poder-se-á dizer que para os participantes o dispositivo é útil e há intenção da sua utilização como coadjuvante de um programa de reabilitação da pessoa pós FFP, assim como, para a maioria dos participantes a sua utilização e aprendizagem é simples e fácil, contudo metade dos participantes do grupo B, utilizadores finais, pessoa pós FFP, não partilham desta opinião. É importante que o utilizador percecione que o DM é útil e fácil de usar, para que sinta um sentimento de utilidade pelo DM (Parreira et al., 2018; Roma, 2016).
Relativamente às categorias emergentes da análise de conteúdo, um dos aspetos valorizados participantes foi a Funcionalidade e Caraterísticas do Dispositivo Médico: estes têm uma perspetiva positiva acerca da sua funcionalidade, nomeadamente a sua utilização para o reabilitação funcional integrado num programa de reabilitação pós FFP, permite a realização de exercícios bem tolerados, passível de ser utilizado na continuidade de um programa de reabilitação no domicílio. Existem vários estudos que evidenciam que a utilização de dispositivos médicos associados à reabilitação convencional, como coadjuvante à prática do profissional, é imperativa para a melhoria contínua da qualidade dos cuidados prestados pelo EEER à pessoa pós FFP (Burtin et al., 2009; Dedov & Dedova 2013; Harne et al., 2018; Needham et al., 2009; Santos, 2015). Contudo apontam algumas limitações: reduzida variedade de Exercícios para os MI; cicloergómetro contraindicado em determinadas intervenções pós FFP; impossibilidade de regular o grau de dificuldade e intensidade dos exercícios; não incorporar biofeedback, implementação de plano de reabilitação pós FFP mais dirigido e individualizado; associação de telemetria com monitorização de parâmetros de segurança. Segundo Pino (2019) e Soares (2019) os movimentos realizados com o cicloergómetro são potencialmente luxantes, defendem também que o programa de reabilitação deve ter um grau de dificuldade crescente.
A técnica de biofeedback permite revelar à pessoa os eventos fisiológicos internos, normais e anormais, possibilita efeitos terapêuticos benéficos, a acoplação de telemetria dos parâmetros de segurança é fundamental para a segurança da pessoa durante o exercício físico (American College of Sports Medicine, 2022; Lopes et al., 2014). Este conjunto de funcionalidades altamente sugerido pelos participantes dos grupos focais, possibilita a implementação de plano de reabilitação pós FFP personalizado, permite que a pessoa tenha consciência dos seus limites, objetivos a alcançar em concordância com as suas capacidades, faze-lo de forma segura e controlada.
Outro dos aspetos valorizados foi a Dualidade Dispositivo Médico/Utilizadores, no global todos os participantes concordam que o DM envolve todos os intervenientes, utilizadores, cuidadores e profissionais no processo reabilitativo, tem potencial de ser um forte aliado do EEER na educação para a saúde, promotor da autonomia, qualidade de vida e bem-estar da pessoa. Contudo reforçam que o profissional deve acompanhar a pessoa até esta ser independente na utilização do dispositivo, acrescenta-se que se a pessoa crê que a utilização do DM lhe pode ser favorável, quer a nível pessoal quer profissional, acresce uma maior intenção na utilização do DM, e maior intenção de aceitação da tecnologia maior atitude de utilização (Aguiar, 2016).
Dedov e Dedova (2013), referem que os dispositivos existentes no mercado são volumosos e apenas utilizados em ambiente hospitalar. Em relação às Dimensões/Design e Conforto, os participantes apresentam algumas dúvidas acerca da adaptabilidade do DM ao mobiliário doméstico e facilidade de transporte do DM. E têm opinião positiva relativamente ao conforto e design, no entanto sugeriam que as pegas e pedaleira poderiam ser melhoradas, as pedaleiras nomeadamente a nível dos fixadores, com maior estabilidade, sugeriram ainda um design personalizável quer a nível da funcionalidade quer ao nível da aparência.
Por último, o desenvolvimento de um DM, deve seguir as orientações do guia do ISO (2019b) e do Regulamento Europeu de Dispositivos Médicos, determinantes para apurar a segurança do dispositivo (Regulamento 2017/745 da União Europeu, 2017). Portanto, a Higiene/Manutenção e Segurança foi outro aspeto valorizado, para os participantes do grupo A o dispositivo aparenta ser frágil e colocaram em causa que a correta ergonomia do profissional possa estar comprometida, por sua vez os participantes do grupo B, partilham da opinião de que o dispositivo aparenta ser seguro e duradouro. Os participantes de ambos os grupos estão de acordo que o DM deve ter uma revisão/manutenção periódica da sua funcionalidade, há preocupação dos custos que podem estar associados, e sugerem que deve haver apoio ao cliente no caso de alguma avaria ou dúvida de utilização. Todos partilham da opinião que o DM é de fácil higienização. O fato da utilização de cicloergómetro nas artroplastias ser contraindicado e comprometer a segurança da pessoa, tal como mencionado na categoria “Funcionalidade e Caraterísticas do DM”.
Deste modo, para que o novo protótipo tenha uma maior aceitação e utilização efetiva, na reabilitação funcional motora da pessoa pós FFP pelo utilizador, deve ter em conta os seguintes pressupostos de usabilidade, segurança, aprendizagem e ergonomia: Estrutura e componentes simples, de fácil aprendizagem e uso, user friendly; Bandas elásticas de diferentes resistências e halteres com diferentes cargas, passiveis de ser utilizadas a nível dos membros superiores e inferiores; Cicloergómetro amovível, passível de ser utilizado a nível dos membros superiores e inferiores; Incorporar globalmente níveis de dificuldade progressiva, com parametrização das condições de segurança por telemetria; Monitores de biofeedback para o doente, com a possibilidade de interação em tempo real, acessíveis por telemetria ao profissional; Personalização do dispositivo ao gosto do cliente; Apoio ao cliente e manutenção periódica.
Este estudo tem como limitações: O fato de se tratar de uma amostra por conveniência, com uma amostra reduzida, não permitindo a representatividade da população e ter limitado os resultados; Impossibilidade de os participantes não poderem manusear e utilizar o dispositivo pode ter levado à construção de perceções de vantagens ou limitações - enviesado os resultados; o questionário utilizado ser um questionário adaptado e ter havido omissão de respostas a alguns itens pelos participantes do grupo B.
Conclusão
As FFP são um dos maiores e mais graves problemas de saúde nos idosos, representam evento gerador de dependência no autocuidado, um programa de reabilitação associado a um DM, ABLEFIT, poderá ser um facilitador do processo de recuperação e ganhos em saúde. Com este estudo foi possível aferir a funcionalidade e segurança, identificação de limitações e contributos para a melhoria do ABLEFIT. Integra-se nas competências do EEER, a Enfermagem de Reabilitação preconiza a participação em projetos de investigação de natureza pré-clínica com envolvimento dos utilizadores, e a integração das novas descobertas na prática clínica.