Introdução
A qualidade em saúde é uma temática relativamente recente e pouco consensual, havendo diversas conceptualizações acerca da mesma. O modelo que reúne maior consenso será porventura o de Avedis Donabedian. Este definiu qualidade em saúde como o resultado da interação de dois elementos: os atributos inerentes à ciência e tecnologia dos cuidados de saúde e a forma como esses mesmos atributos são aplicados na prática dos cuidados de saúde (Donabedian, 1993). Segundo Donabedian (1988), no âmago desta interação está a relação interpessoal que se estabelece entre os profissionais de saúde e os clientes, crucial para a satisfação do cliente e para a sua adesão e anuência aos cuidados necessários. Por essa razão, o autor defende que a avaliação da satisfação do cliente é indispensável tanto na avaliação da qualidade global dos sistemas de saúde como no seu desenvolvimento e gestão. A convicção de Donabedian tem sido validada pela investigação, que comprova o impacte da avaliação da satisfação do cliente na melhoria da qualidade dos sistemas de saúde (Al-Abri & Al-Balushi, 2014).
A satisfação do cliente pode definir-se como o resultado da diferença entre as expectativas do cliente em relação aos cuidados e a perceção que este tem dos cuidados recebidos (Hawkins et al., 2014; Freitas et al., 2016). A satisfação do cliente representa, assim, o grau em que o cliente se encontra satisfeito com os cuidados de saúde que recebeu, sendo uma avaliação suscetível à influência das expectativas e perceções do próprio cliente (Hertel-Joergensen et al., 2018). É, portanto, uma realidade complexa e subjetiva, que envolve fatores físicos, emocionais, sociais e culturais (Caljouw et al., 2008) e resulta da interação do cliente com o sistema de saúde em que os cuidados de saúde são prestados (Hawkins et al., 2014). Nesse sentido, a satisfação do cliente com os cuidados de saúde deverá ser entendida pelas instituições e pelos profissionais como um resultado da prestação de cuidados e um indicador de qualidade dos mesmos (Farber, 2010; Hertel-Joergensen et al., 2018). E isto porque a qualidade dos cuidados de saúde é multidimensional, possuindo pelo menos três perspetivas distintas, mas complementares: a organizacional, a dos profissionais de saúde e a dos clientes (Rehnström et al., 2003).
A avaliação da satisfação do cliente permite assim integrar os contributos dos clientes na construção da qualidade em saúde, pois “os sistemas de prestação de cuidados de saúde existem para servir as populações e, por isso, é fundamental que as pessoas sejam colocadas no centro dos esforços para institucionalizar uma cultura da qualidade” (OMS, 2020, p. 15). É nesse sentido que se deverá “suscitar e possibilitar um envolvimento significativo das comunidades servidas pelo sistema e este deve estar preparado para acolher esse envolvimento”, nomeadamente envolvendo “os doentes, as famílias e as comunidades no planeamento, gestão, prestação e avaliação dos serviços de saúde” (OMS, 2020, p. 15). Crê-se que desta forma se poderá “garantir que as prioridades refletem aquilo que interessa e introduz um novo nível de responsabilidade pelos cuidados de qualidade” (OMS, 2020, p. 15).
É nesse sentido que desde 2001, e respondendo às suas competências estatutárias, que a temática da qualidade é abordada pela Ordem dos Enfermeiros (OE), tendo para tal definido padrões de qualidade dos cuidados de enfermagem. A OE ressalva que “nem a qualidade em saúde se obtém apenas com o exercício profissional dos enfermeiros, nem o exercício profissional dos enfermeiros pode ser negligenciado, ou deixado invisível, nos esforços para obter qualidade em saúde” (Conselho de Enfermagem, 2012, p. 6). Mas se o exercício profissional dos enfermeiros não pode ser negligenciado nesta temática, também os enfermeiros não podem negligenciar que “existem para servir os cidadãos” (Conselho de Enfermagem, 2012, p. 7). Por essa razão, “os enfermeiros têm presente que bons cuidados significam coisas diferentes para diferentes pessoas e, assim, o exercício profissional dos enfermeiros requer sensibilidade para lidar com essas diferenças, perseguindo-se os mais elevados níveis de satisfação dos clientes” (Conselho de Enfermagem, 2012, p.13). A satisfação dos clientes com os cuidados de enfermagem é um poderoso preditor da satisfação global dos clientes com o sistema de saúde (Özlü & Uzun, 2015), muito se devendo este facto ao carácter relacional da profissão (Freitas et al., 2016). É por isso importante reconhecer que os cuidados de enfermagem perioperatórios não se limitam a procedimentos técnicos, compreendendo também um conjunto de intervenções que pretendem estabelecer uma relação com o cliente e criar um ambiente propício à manifestação das suas preocupações e receios (Breda & Cerejo, 2021). Pela importância da temática, a satisfação do cliente é o primeiro enunciado descritivo dos Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem e também dos Padrões de Qualidade dos Cuidados Especializados em Enfermagem Médico-Cirúrgica, atribuindo-se ao enfermeiro especialista em Enfermagem à Pessoa em Situação Perioperatória o desenvolvimento e implementação de um sistema de avaliação da satisfação da pessoa (Colégio da Especialidade de Enfermagem Médico-Cirúgica, 2017).
No entanto, salienta-se a escassez, dispersão e heterogeneidade dos estudos sobre a temática na especificidade da enfermagem perioperatória e no contexto do bloco operatório. Nesse sentido, procedeu-se à pesquisa preliminar, em março de 2022, nas bases de dados JBI Evidence Synthesis, PROSPERO e Open Science Framework (OSF) de modo a verificar a existência de protocolos de revisão ou revisões da literatura, scoping ou sistemática, já realizadas, não se tendo identificado nenhuma realizada ou em curso. Dessa forma, e pela evidente lacuna identificada, optou-se por realizar uma revisão scoping pois será “uma maneira útil para mapear áreas de estudo onde é difícil visualizar a gama de informação que pode estar disponível” (Apóstolo, 2017, p.102). Para tal, foi adotada a metodologia do The Joanna Briggs Institute (JBI) na sua versão de 2020 (Aromataris & Munn, 2020), de forma a conferir rigor e transparência à presente revisão scoping. Esta terá por objetivos mapear as dimensões da satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem no bloco operatório.
Procedimentos metodológicos da revisão
Questão de revisão
Qualquer revisão bibliográfica tem por objetivo responder a uma questão, e as revisões scoping não são exceção. Tendo-se adotado a metodologia do JBI, a mnemónica PCC (Participantes, Conceito e Contexto) foi utilizada para a construção da questão de revisão (tabela 1). Assim, a questão que orientou a presente revisão é: “Quais as dimensões da satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem no bloco operatório?”.
Com a presente revisão pretendeu-se ainda responder à seguinte questão secundária: “Quais as intervenções de Enfermagem promotoras da satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem no bloco operatório?”.
Critérios de inclusão
Foram incluídos na pesquisa estudos exploratórios, descritivos e correlacionais, tanto de abordagem quantitativa como qualitativa. Nos estudos quantitativos incluíram-se estudos experimentais (incluindo estudos randomizados controlados, controlados não randomizados ou outros estudos quase-experimentais) e estudos observacionais (estudos descritivos, estudos de coorte, estudos transversais ou estudos de caso). Nos qualitativos incluíram-se estudos fenomenológicos, etnográficos e de metodologia grounded theory, entre outros. Incluíram-se também revisões sistemáticas e literatura cinzenta, como dissertações e artigos de periódicos. Foram incluídos os estudos em língua portuguesa e inglesa, disponibilizados em texto integral. Não foi aplicado limite temporal quanto aos estudos encontrados dado a relativa novidade e evolução dos conceitos definidos como alvo da presente revisão.
Estratégia de pesquisa
A pesquisa desenvolveu-se em três etapas (Peters, et al., 2020) e de acordo com a metodologia do JBI. Na primeira etapa procedeu-se a uma pesquisa inicial nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), via PubMed Central, e Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINHAL), via EBSCOhost. Com esta pesquisa pretendeu-se identificar os termos naturais, utilizados pelos autores nos títulos e nos resumos dos estudos, bem como os termos de indexação/ palavras-chave.
Na segunda etapa, e com os termos a utilizar já identificados, realizou-se a pesquisa nas bases de dados PubMed Central, Google Académico, Scientific Electronic Library Online, (SciELO), ResearchGate e Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP). Via EBSCOhost procedeu-se à pesquisa na CINAHL, Nursing & Allied Health Collection, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register. A fórmula boleana em que se fundamentou a pesquisa foi “patient satisfaction” AND (“perioperative nursing” OR “nursing interventions”) AND “operating room”, nas suas adaptações às diferentes bases de dados científicas, ou seja, utilizando os termos selecionados como termos indexados ou como termos naturais.
Numa terceira fase foram pesquisados artigos adicionais, que constavam nas referências bibliográficas dos artigos selecionados, mantendo-se a metodologia de seleção utilizada para os artigos obtidos das bases de dados científicas. O processo de seleção dos artigos apresenta-se na figura 1, sob a forma de fluxograma e de acordo com o PRISMA-ScR (Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews) (Tricco, et al., 2018).
Resultados
Os estudos selecionados foram analisados por dois revisores independentes de acordo com a metodologia do JBI para as revisões scoping. Foi desenvolvido um instrumento tabelar para a extração de dados, aqui parcialmente reproduzido (tabela 2), de forma a sumarizar as evidências que dão resposta às questões da presente revisão scoping. Ainda a referir que se optou pela apresentação dos dados extraídos por ordem cronológica regressiva, ou seja, do artigo mais recente para o mais antigo.
TÍTULO | AUTOR(ES)/ANO | DIMENSÕES DA SATISFAÇÃO DO CLIENTE | INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM | |
1 | Patient satisfaction with perioperative nursing care in a tertiary hospital in Ghana. | Anaba, P., Anaba, E. A., & Abuosi, A. A. 2020 | Informação fornecida (clareza e quantidade de informação fornecida sobre o procedimento cirúrgico e permanência no bloco operatório). Relação enfermeira-cliente (cuidado demonstrado ao cliente e as expectativas do cliente relativamente aos comportamentos e atitudes das enfermeiras). Medos e preocupações do cliente (o grau de medo ou preocupação do cliente relativamente a situações como ver a sala operatória, acordar durante o procedimento cirúrgico ou dor). Desconforto e necessidades do cliente (resultados adversos da anestesia que poderão influenciar a satisfação do cliente). Serviço (perceção do cliente relativamente aos tempos de espera antes da cirurgia, da cirurgia e da alta da UCPA). | Preservar a privacidade do cliente Promover o controlo da dor, náusea e vómito Manter uma postura empática, de respeito e profissionalismo Envolver o cliente nas decisões relativas aos cuidados a prestar Informar de forma clara, detalhada e inteligível Promover a expressão de receios e preocupações do cliente Promover práticas recomendadas (normotermia, posicionamento na marquesa cirúrgica, prevenção da infeção do local cirúrgico) Promover a redução dos tempos de espera no bloco operatório |
2 | Satisfaction of surgical patients with perioperative nursing care in a Spanish tertiary care hospital | Sillero, S. A., & Zabalegui, A. 2018. | Comunicação com os profissionais de saúde Satisfação das necessidades do cliente | Fornecer mais e melhor informação ao cliente Manter uma postura empática e disponível Aumentar o tempo de contacto/interação com o cliente Prestar cuidados individualizados Promover a participação do cliente nos cuidados Encorajar a colocação de questões |
3 | Patient and Family Member Needs During the Perioperative Period | Davis, Y., Perham, M., Hurd, A. M., Jagersky, R., Gorman, W. J., Lynch-Carlson, D., & Senseney, D. 2014 | Informação Conforto físico Comunicação Apoio psicológico Profissionalismo e competência dos profissionais | Informar e esclarecer sobre a experiência cirúrgica Manter o cliente informado ao longo do processo cirúrgico Promover o controlo da dor e náusea Preservar a privacidade e dignidade do cliente Promover a presença do familiar na área de acolhimento do bloco operatório e na UCPA |
4 | An Integrative Review of Factors Related to Patient Satisfaction With General Anesthesia Care | Hawkins, R. J., Swanson, B., & Kremer, M. J. 2012 | Dimensões modificáveis (informação fornecida, dor, tempos de espera ou atrasos, competências interpessoais do prestador de cuidados, medo ou ansiedade, náusea e vómitos, preocupação e gentileza dos prestadores de cuidados, atenção dispensada pelos prestadores de cuidados, sentir-se seguro, bem-estar, privacidade). Dimensões não-modificáveis (idade do cliente). | Segundo as autoras, intervenções de enfermagem que promovam a comunicação com o cliente, a eficiência dos cuidados perioperatórios e direcionadas para a redução da ansiedade do cliente, sem especificar quais. |
5 | The importance of Nursing in Perioperative Care: a patient´s perspective | Westerling, K.; & Bergbom, I. 2008 | No pré-operatório: informação fornecida, esclarecimento de dúvidas e receios, comunicação com as enfermeiras do bloco operatório, acolhimento. No intraoperatório: ser reconhecido, acolhimento, informação fornecida, participação nos cuidados. No pós-operatório: continuidade dos cuidadores, validação do sucesso da cirurgia, reconhecimento da individualidade do cliente. | Estabelecer “relação de ajuda” Promover a continuidade dos cuidadores Informar e esclarecer sobre a experiência cirúrgica Capacitar para a experiência cirúrgica Promover a expressão de sentimentos |
6 | The quality of perioperative care: development of a tool for the perceptions of patients | Leinonen, T.; Leino-Kilpi, H., Stahlberg, M.-R., & Lertola, K. 2001 | Características dos profissionais (gentileza, cortesia, humor, confiabilidade, cooperação em equipa). Atividades desenvolvidas (orientadas para a tarefa (manutenção da homeostasia e segurança física do cliente, informação e disponibilidade para a participação do cliente) e orientadas para a Pessoa (respeito pela dignidade do cliente, disponibilidade para ajudar, agir em defesa do cliente). Pré-condições dos cuidados (disponibilidade para o cliente e justificação dos cuidados prestados). Progressão pelo bloco operatório (tempo de espera para entrar na sala operatória e para ser transferido para a enfermaria) Ambiente (físico e social no bloco operatório). | Comunicar de forma profissional, empática e com recurso ao humor Promover o conforto e o controlo da dor Informar de forma clara e validar a compreensão da informação prestada Promover a colocação de questões e encorajar a expressão de dúvidas e receios Envolver o cliente na tomada de decisão relativamente aos cuidados de enfermagem a prestar Preservar a privacidade e dignidade do cliente Validar o consentimento do cliente para os cuidados a prestar Fornecer suporte emocional Promover a redução dos tempos de espera no percurso cirúrgico Prover um ambiente calmo e sem ruído excessivo |
7 | Intraoperative Nursing Care as Experienced by Surgical Patients. | Hankela, S., & Kiikkala, I. 1996 | Segurança intrapessoal (sucesso do procedimento cirúrgico (melhoria da mobilidade, redução da dor, desempenho de atividades diárias, melhoria da qualidade de vida) e integridade (medo da dor, da morte, da incisão e da alteração da imagem pessoal; medo da anestesia). Segurança extrapessoal (autodeterminação (“papel” do cliente; acesso a informação como condição para a autodeterminação; “papéis” das enfermeiras, autoridade e exercício do poder) e ambiente (sala operatória enquanto ambiente físico, ruídos durante o procedimento, diferentes profissionais de saúde, duração do procedimento). Segurança interpessoal (comportamento das enfermeiras e ações das enfermeiras). | Intervenções orientadas para o cliente (relacionadas com a humanização dos cuidados (toque e prestação de cuidados de enfermagem com respeito pelo cliente e pela sua dignidade), gentileza (disponibilidade para ajudar, promover empatia, bondade e interação com o cliente), cuidar (estar presente, confortar, prestar apoio emocional), apoiar no processo de transição (encorajar, motivar, comunicar e utilizar humor) e advocacia (defender o cliente)). Intervenções orientadas para a execução de tarefas (relacionadas com educação (preparar, instruir e orientar, fornecer informação), fornecer suporte (orientar, promover a participação do cliente e explicar) e componente técnica (observação e monitorização)). |
8 | The quality of intraoperative nursing care: patient´s perspectives. | Leinonen, T., Leino-Kilpi, H., & Jouko, K. 1996. | Perspetiva biológica-fisiológica (anestesia, sensibilidade e gentileza na prestação de cuidados, controlo da dor, náuseas e arrepios). Perspetiva experiencial (impressões gerais do cliente, receios e medos). Perspetiva cognitiva (acessibilidade e adequação da informação fornecida e profissional de saúde que a fornece). Perspetiva funcional (trabalho de equipa, continuidade dos cuidados, participação do cliente nos cuidados e tempos de espera antes do procedimento cirúrgico). Perspetiva ética (respeito pela privacidade do cliente, vivência de situações incómodas ou desconfortáveis). Características e competência das enfermeiras (nível de conhecimentos das enfermeiras, domínio dos equipamentos utilizados no procedimento cirúrgico, atuação em situações de emergência, competências relacionais das enfermeiras). Perspetiva ambiental (adequação técnica do ambiente, segurança e ruído). | Promover o controlo da dor e náusea Promover a manutenção da normotermia Informar e esclarecer sobre a experiência cirúrgica Informar sobre o decorrer do procedimento cirúrgico Validar a compreensão da informação fornecida Encorajar o cliente a questionar sobre os cuidados Promover a expressão de receios e preocupações do cliente Promover a participação do cliente nas decisões relativas aos cuidados a prestar Comunicar de forma profissional, empática e com recurso ao humor Esclarecer sobre atrasos ocorridos Promover ambiente calmo e sereno na sala operatória |
Discussão
O objetivo da presente revisão é responder à questão “Quais as dimensões identificadas da satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem no bloco operatório”. Nesse sentido, todos os artigos selecionados identificam dimensões da satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem no intraoperatório, apesar de utilizarem metodologias diferentes para tal. Foi também possível identificar as intervenções de enfermagem que pretendem responder a essas mesmas dimensões ou necessidades dos clientes.
Na maioria dos estudos (Anaba et al., 2020; Davis et al., 2014; Leinonen et al., 1996; Leinonen et al., 2001; Sillero & Zabalegui, 2018) os autores utilizaram uma abordagem quantitativa, com recurso a questionários de avaliação da satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem hospitalares, mas não específicos para o período intraoperatório. Por sua vez, Westerling & Bergbom (2008) e Hankela & Kiikala (1996) optaram por uma abordagem qualitativa, pela realização de entrevistas, identificando diretamente dos discursos dos clientes as dimensões e intervenções de enfermagem relevantes para a sua satisfação com os cuidados de enfermagem no período intraoperatório. Por sua vez, Hawkins et al. (2012) optaram por uma revisão integrativa da literatura, com identificação das dimensões, com impacto na satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem previamente identificadas em outros estudos e com relevância para o período intraoperatório.
Apesar das diferentes metodologias, as dimensões identificadas são relativamente semelhantes, algo que se torna ainda mais significante se verificarmos que os artigos selecionados cobrem um período de quase 30 anos e diferentes geografias. Informação fornecida, qualidade da interação com as enfermeiras, participação nos cuidados e a satisfação das necessidades físicas como o controlo da dor, são dimensões evidenciadas por todos os autores e às quais as intervenções de enfermagem identificadas pretendem responder.
Nos artigos selecionados, a informação fornecida e a comunicação com os clientes revelaram ter uma relação importante com a satisfação dos clientes com os cuidados de enfermagem no perioperatório sendo, segundo Davis et al. (2014), uma das dimensões mais valorizadas pelos clientes. Sillero & Zabalegui (2018) referem também que os clientes têm uma melhor experiência cirúrgica quando percecionam que estão bem informados e compreendem o processo cirúrgico e, por essa razão, sugerem intervenções para incrementar a quantidade e qualidade da informação prestada aos clientes. A informação prestada permite que o cliente se sinta participativo e capaz de controlar a situação, podendo assim compreender e apreciar o período intraoperatório e minimizar a ansiedade (Westerling & Bergbom, 2008). Sobre esta dimensão, também Leinonen et al. (2001) referem que nos cuidados de enfermagem perioperatórios é importante informar adequadamente o cliente, mas também encorajar a colocação de dúvidas e permitir a expressão de opiniões. Leinonen et al. (1996) referem ainda que o cliente deve ser informado ao longo de todo o processo cirúrgico e que a compreensão da informação deverá ser validada, tendo verificado que a falta de informação sobre o desenrolar do procedimento cirúrgico foi a única causa de insatisfação dos clientes. Por a informação fornecida ter um impacto tão significativo na satisfação do cliente, Anaba et al. (2020) referem que a aquisição e desenvolvimento de competências comunicacionais das enfermeiras é crucial para a melhoria da qualidade dos cuidados no perioperatório.
Dos artigos selecionados emerge também a relevância da qualidade da relação enfermeiro-cliente para a satisfação deste com a experiência cirúrgica. No entanto, essa relação requer tempo, disponibilidade e continuidade por parte dos enfermeiros ao longo de todo o período perioperatório, algo que Westerling & Bergbom (2008) e Sillero & Zabalegui (2018) verificaram ser francamente valorizado pelos clientes. Também Anaba et al. (2020) concluíram que, das cinco dimensões avaliadas no seu estudo, a relação enfermeira-cliente era a única preditora da satisfação global do cliente com os cuidados de enfermagem perioperatórios. É também por esse motivo que Hankela & Kiikkala (1996) defendem, na conclusão do artigo, que a principal função da enfermeira durante o período intraoperatório é suportar o cliente na integração das suas vivências neste período. Tal só será possível se os enfermeiros estabelecerem com o cliente uma relação de proximidade, confiança, que respeite a sua autodeterminação e dignidade, e permissiva à partilha e à participação do cliente. Nesse sentido, assume especial importância a visita pré-operatória, essencial no cuidado perioperatório, como intervenção promotora dessa relação enfermeiro-cliente, com repercussão direta na qualidade dos cuidados no intraoperatório (Westerling & Bergbom, 2008).
Relativamente à dimensão das necessidades físicas/fisiológicas dos clientes, Anaba et al. (2020) referem a necessidade de adotar boas práticas e protocolos, tanto no controlo da dor, náuseas e vómitos, como no controlo de infeção nosocomial. Davis et al. (2012) corroboram que o controlo da dor e das náuseas é muito valorizado pelos clientes, pelo que deveria ser alvo de atenção pelos enfermeiros perioperatórios. Davis et al. (2014) concluíram ainda que os clientes também valorizavam a informação fornecida no período pré-operatório relativamente ao controlo da dor e das náuseas decorrentes do procedimento cirúrgico e anestésico. Leinonen et al. (2001) referem ainda que é necessário avaliar a existência de dor prévia ao procedimento cirúrgico, pois verificaram que a intensidade da dor prévia ao procedimento afeta de modo adverso a experiência cirúrgica do cliente e a sua satisfação com os cuidados prestados. Hawkins et al. (2012) verificaram também que a dor era a segunda dimensão mais referenciada nos estudos incluídos na revisão integrativa que realizaram, estando identificada em 6 dos 9 estudos. Porém, os resultados de Sillero et al. (2018) contradizem os restantes estudos, pois a dor no pós-operatório não teve impacto significativo na satisfação dos clientes com os cuidados de enfermagem. As autoras atribuem tal achado à expectativa que os clientes incluídos no estudo possuíam de experienciar dor no pós-operatório. Salienta-se ainda, nesta dimensão, a importância das intervenções de enfermagem no âmbito da manutenção da normotermia para a satisfação dos clientes com a experiência cirúrgica. Leinonen et al. (1996) referem que a sensação de frio e os calafrios foram as experiências menos satisfatórias vivenciadas pelos clientes no bloco operatório.
O funcionamento do bloco operatório, apesar de identificado sob diferentes dimensões nos artigos, merece também particular atenção. Nesse sentido, as intervenções de enfermagem que promovem a gestão dos tempos de espera no âmbito do funcionamento do bloco operatório foram identificadas como relevantes para a satisfação dos clientes com os cuidados perioperatórios. Leinonen et al. (2001) referem que quanto maior for o tempo de espera de um cliente, menor será a sua satisfação com os cuidados, o que está de acordo com os achados de Leinonen et al. (1996) em que os clientes identificaram os tempos de espera para entrar para a sala operatória e para serem transferidos para o internamento como causa de insatisfação. Também Hawkins et al. (2012) identificaram a mesma problemática, sendo referida em 4 dos 9 estudos incluídos na revisão integrativa. Anaba et al. (2020) salientam ainda que tempos de espera longos são importantes preditores de insatisfação com os cuidados, e que por essa razão deverão ser alvo de atenção especial tanto pelos profissionais de saúde como pelos responsáveis pela gestão dos serviços. Nesse sentido, os diferentes autores advertem da necessidade de intervenções de enfermagem que promovam a eficiência dos blocos operatórios, de maneira a não perturbar a prestação de cuidados e a melhorar o percurso do cliente.
Conclusão
Com esta revisão pretendeu-se identificar as dimensões da satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem no bloco operatório e, quando possível, as intervenções de enfermagem que lhes dão resposta. A informação fornecida, a comunicação com os profissionais de saúde, a relação estabelecida com os enfermeiros, o controlo da dor, das naúseas e vómitos e a gestão dos tempos de espera no âmbito do funcionamento do bloco operatório são as dimensões mais frequentemente identificadas nos artigos incluídos nesta revisão. Segundo os diferentes autores, estas deverão ser consideradas na promoção da melhoria contínua da qualidade dos cuidados de enfermagem no perioperatório. Assim, para que o cliente vivencie a sua experiência cirúrgica de forma satisfatória, será necessário mantê-lo informado do processo cirúrgico, suportá-lo no seu percurso físico e emocional e garantir que a sua homeostasia e segurança são mantidas. Se as intervenções de enfermagem identificadas se integrarem numa relação de ajuda com os enfermeiros do perioperatório, maior será a satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem no bloco operatório. Podemos assim afirmar que a satisfação do cliente com a experiência cirúrgica é tão dependente das relações que estabelece com os profissionais de saúde, como o sucesso do ato cirúrgico é dependente das competências técnicas desses mesmos profissionais.
Considera-se também importante refletir sobre as limitações dos estudos selecionados. Na maioria dos artigos selecionados foram adaptados instrumentos de avaliação não específicos para o intra-operatório, pela inexistência dos mesmos. Nos restantes artigos, os dados foram colhidos dos clientes por meio de entrevista, o que implicou amostras muito reduzidas. Porém, e apesar destes autores terem chegado a resultados semelhantes aos dos restantes, o tamanho reduzido das amostras não lhes permitiu capitalizar os resultados das entrevistas para o desenvolvimento de instrumentos específicos para a avaliação da satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem no bloco operatório.
Face ao exposto, considera-se que a atual revisão scoping é um suporte para a investigação futura relativamente à satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem no bloco operatório. Mais estudos serão necessários para construir instrumentos específicos para a avaliação da satisfação do cliente com os cuidados de enfermagem no intraoperatório e para avaliar quais as intervenções de enfermagem mais eficazes na satisfação das expectativas dos clientes. Esta revisão poderá ser assim um ponto de partida para a reflexão sobre a prática e para a implementação da avaliação da satisfação dos clientes como ferramenta para a melhoria contínua da qualidade dos cuidados de enfermagem perioperatórios.