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Revista de Investigação & Inovação em Saúde

versão impressa ISSN 2184-1578versão On-line ISSN 2184-3791

RIIS vol.7 no.1 Oliveira de Azeméis jun. 2024  Epub 30-Jun-2024

https://doi.org/10.37914/riis.v7i1.336 

Artigos de Investigação

Estratificação de risco cardiovascular no atleta jovem e veterano: questionário de pré-participação

Estratificación del riesgo cardiovascular en deportistas jóvenes y veteranos: cuestionario de pre-participación

João Sousa1 

Bruno Valentim2 

Amaro Teixeira3 

Patrícia Coelho4 

Joana Pires5 

Francisco Rodrigues6 

1BSc., Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, Instituto Politécnico de Castelo Branco, Portugal

2MSc., Centro Hospitalar e Universitário Cova da Beira, EPE; Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, Instituto Politécnico de Castelo Branco, Portugal

3MSc., Associação Académica da Universidade da Beira Interior (AAUBI), Universidade da Beira Interior, Portugal

4PhD., Sport, Health & Exercise Unit (SHERU); Qualidade de Vida no Mundo Rural (QRural), Instituto Politécnico de Castelo Branco, Portugal

5MSc., Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, Instituto Politécnico de Castelo Branco, Portugal

6PhD., Qualidade de Vida no Mundo Rural (QRural); Sport, Health & Exercise Unit (SHERU), Instituto Politécnico de Castelo Branco, Portugal


Resumo

Enquadramento:

para qualquer avaliação de pré-participação, um questionário que analise o histórico clínico pessoal de sinais e sintomas e história clínica familiar pode identificar atletas em risco cardiovascular de morte súbita cardíaca.

Objetivos:

estratificação do risco cardiovascular com recurso a questionário de pré-participação em atletas jovens e veteranos; avaliar a perceção da importância do exame médico-desportivo entre estes dois grupos.

Metodologia:

estudo observacional transversal quantitativo, com recolha de dados recorrendo a preenchimento de questionário de pré-participação. Amostra constituída por 66 atletas, 36 atletas jovens e 30 atletas veteranos. Análise estatística com recurso ao programa IBM® SPSS Statistics versão 27.0.

Resultados:

verificou-se diferença significativa no sexo entre atletas jovens e veteranos (ρ=0,047), tempo de prática desportiva federada (ρ=0,022), tipo de desporto praticado (ρ=0,002), razões para realização de eletrocardiograma (ρ=0,002), prescrição de exame cardíaco por médico no passado (ρ=0,025), não se tendo verificado qualquer significância na história familiar e na perceção da importância do exame médico-desportivo entre os dois grupos.

Conclusão:

quanto maior é a idade, mais alterações poderão estar presentes a nível cardíaco e mais vezes os atletas nessa faixa etária recorrem aos serviços de saúde para realizar exames cardíacos. Os atletas demonstraram ter uma grande perceção em relação à importância do exame médico-desportivo, bem como do eletrocardiograma. Não se deve dispensar a avaliação criteriosa dos atletas tendo em conta a sua idade.

Palavras-chave: atleta; morte súbita cardíaca; exercício físico; envelhecimento

Resumen

Marco contextual:

para cualquier evaluación de pre-participación, un cuestionario que revise el historial clínico personal de signos y síntomas y el historial clínico familiar puede identificar a los atletas con riesgo cardiovascular de muerte cardíaca súbita.

Objetivos:

estratificación del riesgo cardiovascular mediante cuestionario pre-participación en deportistas jóvenes y veteranos; evaluar la percepción de la importancia del chequeo médico-deportivo entre estos dos grupos.

Metodología:

estudio observacional transversal cuantitativo, con recogida de datos mediante cuestionario de pre-participación. Muestra compuesta por 66 atletas, 36 atletas jóvenes y 30 atletas veteranos. Análisis estadístico mediante el programa IBM® SPSS Statistics versión 27.0.

Resultados:

fue verificada diferencia significativa en el sexo entre los deportistas jóvenes y veteranos (ρ=0,047), tiempo de práctica deportiva federada (ρ=0,022), tipo de deporte practicado (ρ=0,002), motivos para realizar electrocardiograma (ρ=0,002), prescripción de un examen cardíaco por un médico en el pasado (ρ=0,025), no comprobándose significancia en los antecedentes familiares y en la percepción de la importancia del chequeo médico-deportivo entre los dos grupos.

Conclusión:

cuanto mayor es la edad, más alteraciones se pueden presentar a nivel cardíaco y con mayor frecuencia los atletas de este grupo de edad recurren a los servicios de salud para realizarse exámenes cardíacos. Los deportistas mostraron una gran percepción de la importancia del chequeo médico-deportivo en su práctica deportiva, así como del electrocardiograma. No se debe descartar una valoración cuidadosa de los deportistas teniendo en cuenta su edad.

Palabras clave: atleta; muerte súbita cardíaca; ejercicio físico; envejecimiento

Introdução

O exame médico-desportivo (EMD), também conhecido como exame de pré-participação, refere-se à prática de uma triagem regular de atletas antes da participação em treinos e competições (Corrado et al., 2011). O principal objetivo do EMD é identificar atletas suspeitos de possuírem doenças cardiovasculares e prevenir a morte súbita cardíaca (MSC) durante a prática desportiva com recurso a intervenções apropriadas (Corrado et al., 2011). Fazendo face ao número cada vez maior de atletas federados nos mais variados desportos onde a respetiva atividade física é intensa e regular, tornou-se quase imprescindível a realização de avaliações pré-participação para a estratificação de risco cardiovascular.

Adicionalmente à avaliação física, uma avaliação eficaz da história médica pessoal do atleta é uma abordagem simples, mas eficaz de triagem de primeira linha, devendo conter uma discussão sobre doença prévia recente e condições fisiológicas/patológicas, incluindo informações sobre o nível de atividade física, intensidade e tipo de desporto praticado (Krutsch et al., 2020). Sinais e sintomas de alerta, particularmente quando relacionado ao exercício físico, podem ser facilmente rastreados com recurso a um questionário específico (Krutsch et al., 2020). A presença de doenças cardiovasculares e/ou MSC inexplicável em familiares, principalmente quando associado a uma idade mais jovem e ao exercício, devem ser investigados (Krutsch et al., 2020).

Existe um aumento de risco de eventos cardiovasculares adversos durante atividade física vigorosa em atletas veteranos (≥35 anos) envolvidos no atletismo recreativo e competitivo de alto nível, sendo a doença arterial coronária (DAC) a principal causa de MSC neste grupo (Barbara et al., 2016). Devido a este risco acrescido, é importante questionar o atleta veterano sobre sintomas específicos e historial familiar de doença cardiovascular (Barbara et al., 2016). Nos atletas jovens (<35 anos) a maioria dos eventos de MSC deve-se a doenças do músculo cardíaco genéticas como miocardiopatia hipertrófica e miocardiopatia arritmogénica do ventrículo direito, seguido de anomalias arteriais coronárias congénitas, miocardites, rutura aórtica por Síndrome de Marfan, defeitos na condução elétrica e doenças valvulares (nomeadamente estenose aórtica e prolapso da válvula mitral) (Corrado et al., 2017).

Este estudo tem como objetivos a estratificação do risco cardiovascular com recurso a questionário de pré-participação em atletas jovens e veteranos e a perceção da importância do exame médico-desportivo entre estes dois grupos.

Enquadramento/fundamentação teórica

Para uma melhor caracterização do termo "atleta" para futuros estudos científicos, foi proposta uma definição baseada na pesquisa médica e desportiva. Citando Araújo & Scharhag (2016): “São critérios mínimos para um indivíduo ser definido como atleta ativo (todos devem ser cumpridos):

Pratica um certo tipo de desporto e treina com o objetivo de melhorar o seu desempenho/resultados;

Participa ativamente em competições desportivas;

Está formalmente registado numa federação local, regional ou nacional;

Tem o treino e a competição desportiva como a sua principal atividade (modo de vida) ou como foco de interesse pessoal, dedicando várias horas em todos ou na maior parte dos dias para estas atividades, excedendo o tempo destinado para outro tipo de atividades profissionais ou recreacionais.” (p. 6)

Devido ao maior crescimento da mediatização do “atleta” e da sua suposta excelente condição física, um acontecimento de morte súbita nestes indivíduos é um grande evento mediático com um também grande impacto social. Definida como morte inesperada e súbita de causa cardíaca, num coração estruturalmente normal, que geralmente ocorre uma hora após o início dos sintomas em indivíduos sem suspeita prévia de qualquer condição potencialmente fatal (Asif & Harmon, 2017), a MSC é a principal causa de mortalidade em atletas durante a prática desportiva, devido principalmente a alterações cardíacas estruturais e genéticas (Drezner et al., 2017).

Mais de 90% de todos os acontecimentos de MSC relacionada com o exercício ocorre em atletas veteranos (Parry-Williams et al., 2021). Sendo a DAC a causa mais comum de MSC em atletas nesta faixa etária (Barbara et al., 2016), é importante questionar o indivíduo sobre sintomas específicos (como por exemplo: angina, síncope ou pré-síncope durante ou após o esforço; mais fadiga que o normal; dispneia; palpitações) e determinar se existe historial familiar de doença cardiovascular (Maron et al., 2007).

A história clínica deteta mais anormalidades do que o exame físico (Lammlein et al., 2018), no entanto a maioria das alterações cardíacas associadas a um maior risco de MSC são sugestivas ou identificadas por anormalidades presentes no eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações em repouso (Drezner et al., 2017), pelo que o uso deste exame como ferramenta de primeira linha é cada vez mais uma opção viável na deteção precoce de alterações cardíacas de risco de MSC em atletas, quando implementados nas avaliações físicas de pré-participação, acompanhando a normal avaliação física e preenchimento de questionário (Harmon et al., 2015a).

Metodologia

Este estudo possui tipologia observacional transversal quantitativa. A recolha de dados foi realizada com recurso a uma abordagem de amostragem aleatória por conveniência como alternativa a um cálculo amostral formal, tendo por base a disponibilidade e acessibilidade dos participantes da população-alvo. A recolha decorreu entre outubro de 2022 e fevereiro de 2023. Todos os indivíduos submetidos a este estudo correspondiam à classificação de “atletas” segundo a definição de Araújo & Scharhag (2016) deste termo.

Foram aplicados como critérios de inclusão: atletas federados jovens com idade mínima de 18 anos e máxima de 34 anos; atletas federados veteranos com idade mínima de 35 anos. Foram aplicados como critérios de exclusão: atletas federados há menos de um ano; indivíduos com pacemaker ou cardiodesfibrilhador implantado.

Foi usado como questionário de pré-participação base para as questões de história clínica pessoal e familiar o questionário do “Pre-participation Physical Evaluation Monograph, Fourth Edition” (PPE-4) (American Academy of Family Physicians [AAFP] et al., 2012), ao qual foram adicionadas questões de perceção do indivíduo ao exame médico-desportivo e ao ECG.

As variáveis estudadas foram as seguintes: idade; sexo; tempo de prática desportiva geral; tempo de prática desportiva federada; tipo de desporto praticado; realização de ECG no passado; motivos de realização de ECG no passado; perceção da importância do ECG (medidos em diferentes graus de importância - muito importante; importante; alguma importância: pouco importante); história clínica pessoal de sintomas durante a prática; história clínica familiar de morte/doença cardíaca; perceção do EMD com o estudo.

Com a finalidade de testar a distribuição de dados foi aplicado o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov, do qual se obteve apenas variáveis não-paramétricas. Foi realizada uma análise descritiva quantitativa com o cálculo de médias, desvio padrão, valores mínimos e máximos e dados absolutos. As associações entre as variáveis não-paramétricas numéricas e ordinais foram realizadas com recurso ao teste de Mann-Whitney e as variáveis não-paramétricas binominais com o teste de Chi-square, ambos para um nível de significância de ρ≤0,05 e um intervalo de confiança de 95%. As variáveis que se obtiveram através da aplicação da recolha de dados, foram codificadas recorrendo ao programa IBM® SPSS Statistics versão 27.0.

O desenho e respetivo protocolo do presente estudo foi avaliado e recebeu parecer positivo da Comissão de Ética da instituição onde o estudo foi realizado (permissão número 68/CE-IPCB/2022). Todos os atletas incluídos neste estudo foram totalmente informados sobre a recolha e tratamento dos dados clínicos e assinou o formulário de Consentimento Informado, de acordo com a política da instituição.

Resultados

Um total de 66 atletas respondeu ao questionário preparado, sendo 36 atletas jovens (18-34 anos) (54,5%) e 30 atletas veteranos (≥35 anos) (45,5%).

Na Tabela 1 estão detalhadas todas as variáveis estudadas na avaliação da prática desportiva. Nesta avaliação observou-se significância em: número de atletas do sexo masculino e do sexo feminino (ρ=0,047), tempo de prática desportiva federada (ρ=0,022) e tipo de desporto praticado (ρ=0,002).

Tabela 1 Avaliação da prática desportiva 

AVALIAÇÃO DA PRÁTICA DESPORTIVA
QUESTÕES Atletas Jovens Atletas Veteranos ρ-value
Idade (valor médio) 22,5 ± 3,8 anos 49,1 ± 7,7 anos -------
Sexo (n (% do total)) Masculino 22 (61,1%) 25 (83,3%) ρ=0,047*
Feminino 14 (38,9%) 5 (16,7%)
Tempo de prática desportiva geral (n (% do total)) 1 a 3 anos 0 (0,0%) 3 (10,0%) ρ=0,563**
4 a 6 anos 4 (11,1%) 3 (10,0%)
7 a 10 anos 8 (22,2%) 5 (16,7%)
Mais de 10 anos 24 (66,7%) 19 (63,3%)
Tempo de prática desportiva federada (n (% do total)) 1 a 3 anos 0 (0,0%) 4 (13,3%) ρ=0,022**
4 a 6 anos 6 (16,7%) 9 (30,0%)
7 a 10 anos 8 (22,2%) 5 (16,7%)
Mais de 10 anos 22 (61,1%) 12 (40,0%)
Horas de prática desportiva por semana (n (% do total)) Menos de 2h 2 (5,6%) 0 (0,0%) ρ=0,122**
2h a 4h 4 (11,1%) 9 (30,0%)
4h a 8h 13 (36,1%) 13 (43,3%)
Mais de 8h 17 (47,2%) 7 (23,4%)
Não respondeu 0 (0,0%) 1 (3,3%)
Tipo de desporto praticado (n (% do total)) Desporto Individual 14 (38,9%) 23 (76,7%) ρ=0,002*
Desporto Coletivo 22 (61,1%) 7 (23,3%)

Legenda: *Teste de Chi-square, **Teste U de Mann-Whitney

Na Tabela 2 estão detalhadas todas as variáveis estudadas na avaliação da perceção dos atletas ao ECG no EMD. Nesta avaliação observou-se significância nas razões para realização de ECG no passado (ρ=0,002).

Tabela 2 Avaliação à perceção do ECG no EMD 

AVALIAÇÃO À PERCEÇÃO DO ECG NO EMD
QUESTÕES Atletas Jovens Atletas Veteranos ρ-value
Realização de ECG no passado (n (% do total)) Sim 35 (97,2%) 29 (96,7%) ρ=0,896*
Não 1 (2,8%) 1 (3,3%)
Razões para realização de ECG no passado (n (% do total)) EMD 29 (80,5%) 13 (43,3%) ρ=0,002**
Rotina 3 (8,3%) 9 (30,0%)
EMD + Rotina 2 (5,6%) 2 (6,7%)
Medicina no trabalho 0 (0,0%) 2 (6,7%)
Medicina no trabalho + Rotina 0 (0,0%) 2 (6,7%)
Não respondeu 1 (2,8%) 1 (3,3%)
Não aplicável 1 (2,8%) 1 (3,3%)
Reconhecimento da importância do ECG na avaliação física do atleta (n (% do total)) Sim 35 (97,2%) 29 (96,7%) ρ=0,896*
Não 1 (2,8%) 1 (2,8%)
Grau de importância dada ao ECG na avaliação física do atleta (n (% do total)) Muito Importante 30 (83,3%) 24 (80,1%) ρ=0,687**
Importante 4 (11,1%) 3 (10,0%)
Alguma Importância 1 (2,8%) 1 (3,3%)
Pouco Importante 0 (0,0%) 0 (0,0%)
Não Respondeu 0 (0,0%) 1 (3,3%)
Não Aplicável 1 (2,8%) 1 (3,3%)

Legenda: ECG: eletrocardiograma, EMD: exame médico-desportivo, *Teste de Chi-square, **Teste U de Mann-Whitney

Na Tabela 3 estão detalhadas todas as variáveis estudadas na avaliação da história clínica pessoal dos atletas. Nesta avaliação observou-se significância no historial de prescrição de exame cardíaco por médico (ECG ou ecocardiograma) (ρ=0,025).

Tabela 3 História clínica pessoal do atleta 

HISTÓRIA CLÍNICA PESSOAL DO ATLETA
QUESTÕES Atletas Jovens Atletas Veteranos ρ-value
Desconforto, dor, aperto ou pressão sobre o peito no exercício (n (% do total)) Sim 7 (19,4%) 2 (6,7%) ρ=0,132*
Não 29 (80,6%) 28 (93,3%)
Desmaio ou quase desmaio durante ou depois do exercício (n (% do total)) Sim 5 (13,9%) 3 (10,0%) ρ=0,630*
Não 31 (86,1%) 27 (90,0%)
Cabeça leve ou mais falta de ar que o normal durante o exercício (n (% do total)) Sim 2 (5,6%) 0 (0,0%) ρ=0,190*
Não 34 (94,4%) 30 (100,0%)
Batimento cardíaco rápido e irregular durante o exercício (n (% do total)) Sim 3 (8,3%) 1 (3,3%) ρ=0,397*
Não 33 (91,87) 29 (96,7%)
Patologia cardiovascular no passado (n (% do total)) Sim 2 (5,6%) 3 (10,0%) ρ=0,497*
Não 34 (94,4%) 27 (90,0%)
Tipo de patologia cardiovascular no passado (n (% do total)) Sopro Cardíaco 2 (5,6%) 2 (6,7%) ρ=0,483**
Colesterol Alto 0 (0,0%) 1 (3,3%)
Não Aplicável 34 (94,4%) 27 (90,0%)
Proibição ou restrição de praticar desporto por médico (n (% do total)) Sim 4 (11,1%) 0 (0,0%) ρ=0,060*
Não 32 (88,9%) 30 (100,0%)
Prescrição de exame cardíaco por médico (ECG ou ecocardiograma) (n (% do total)) Sim 14 (38,9%) 20 (66,7%) ρ=0,025*
Não 22 (61,1%) 10 (33,3%)
Episódio de convulsão não explicada (n (% do total)) Sim 0 (0,0%) 1 (3,3%) ρ=0,270*
Não 36 (100,0%) 29 (96,7%)

Legenda: ECG: eletrocardiograma, *Teste de Chi-square, **Teste U de Mann-Whitney

Na Tabela 4 estão detalhadas todas as variáveis estudadas na avaliação da história clínica familiar dos atletas. Nesta avaliação não se observaram significâncias relevantes entre atletas jovens e atletas veteranos.

Tabela 4 História clínica familiar do atleta 

HISTÓRIA CLÍNICA FAMILIAR DO ATLETA
QUESTÕES Atletas Jovens Atletas Veteranos ρ-value
Morte de familiar por problemas cardíacos ou morte inesperada <50 anos (n (% do total)) Sim 8 (22,2%) 3 (10,0%) ρ=0,185*
Não 28 (77,8%) 27 (90,0%)
Familiar com perda de capacidades físicas e/ou psicológicas devido a doença cardíaca <50 anos (n (% do total)) Sim 3 (8,3%) 0 (0,0%) ρ=0,106*
Não 33 (91,7%) 30 (100,0%)
Familiar com patologia cardíaca conhecida (MCH, S. Marfan, MAVD, S. QT longo, S. QT curto, S. Brugada, TVPC ou outra arritmia clinicamente significativa) (n (% do total)) Sim 2 (5,6%) 1 (3,3%) ρ=0,666*
Não 34 (94,4%) 29 (96,7%)
Familiar com condição cardíaca genética (n (% do total)) Sim 5 (13,9%) 4 (13,3%) ρ=0,948*
Não 31 (86,1%) 26 (86,7%)
Familiar com problemas cardíacos, PM ou CDI (n (% do total)) Sim 9 (25,0%) 4 (13,3%) ρ=0,235*
Não 27 (75,0%) 26 (86,7%)
Familiar que teve desmaio sem explicação, episódio de convulsão sem explicação ou quase-afogamento (n (% do total)) Sim 4 (11,1%) 0 (0,0%) ρ=0,060*
Não 32 (88,9%) 30 (100,0%)

Legenda: MCH: miocardiopatia hipertrófica, S.: síndrome, MAVD: miocardiopatia arritmogénica do ventrículo direito, TVPC: taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica, PM: pacemaker, CDI: cardiodesfibrilhador implantável, *Teste de Chi-square

Na Tabela 5 está detalhada a perceção dos atletas ao EMD após se submeterem ao estudo. Nesta avaliação não se observaram significâncias relevantes entre atletas jovens e atletas veteranos.

Tabela 5 Perceção do atleta ao EMD com o estudo 

PERCEÇÃO DO ATLETA AO EXAME MÉDICO-DESPORTIVO COM O ESTUDO
QUESTÕES Atletas Jovens Atletas Veteranos ρ-value
Melhor perceção em relação à importância da avaliação médico-desportiva com este estudo (n (% do total)) Sim 36 (100,0%) 27 (90,0%) ρ=0,054**
Não 0 (0,0%) 1 (3,3%)
Não Respondeu 0 (0,0%) 2 (6,7%)

Legenda: **Teste U de Mann-Whitney

Discussão

A maioria dos “atletas de risco” não experiência sintomas premonitórios - o EMD representa a única estratégia capaz de identificar uma potencial doença cardiovascular (Corrado et al., 2011). A importância da identificação precoce de doenças cardiovasculares clinicamente silenciosas num estadio pré-sintomático depende da possibilidade concreta de prevenção de MSC por mudanças do estilo de vida, incluindo restrição de prática de atividade desportiva (se necessário), mas também por tratamento profilático com recurso a terapêutica e implantação de cardiodesfibrilhador implantável (Corrado et al., 2011).

No geral, os homens tendem a exercitar-se, praticar desporto ou envolvem-se em outras atividades desportivas mais frequentemente que as mulheres, principalmente nas idades mais jovens (European Commission, 2018), o que pode justificar a disparidade no género dos atletas encontrada durante a recolha de dados. Esta disparidade é particularmente acentuada no grupo etário dos 15 aos 24 anos, com os indivíduos do sexo masculino a praticarem exercício ou desporto de forma regular consideravelmente mais do que os indivíduos do sexo feminino (European Commission, 2018). Adicionalmente existe evidência de uma redução da adesão à participação em atividades físicas em indivíduos a partir dos 17 e 18 anos, habitualmente associado com o início do ensino universitário, bem como o aumento da exigência associado a esse nível educativo e à possível deslocação de local de residência habitual (Quesado et al., 2020). A quantidade de atividade regular praticada tende a diminuir com a idade, no entanto a disparidade entre géneros na prática desportiva tende a diminuir nas faixas etárias mais velhas (European Commission, 2018). Na presente investigação verificou-se o contrário, tendo havido maior percentagem de atletas femininos dentro dos indivíduos jovens do que dentro dos indivíduos veteranos.

Neste estudo confirmou-se que a grande maioria dos atletas veteranos praticam desportos individuais, corroborando a literatura que demonstrado que os atletas mais velhos têm maior preferência em praticar desportos individuais (Jenkin et al., 2017). Atletas veteranos praticam desporto para melhorar a sua saúde, mas ao mesmo tempo, devido à diminuição da saúde em geral com o envelhecimento, o aparecimento de problemas de saúde pode ser uma barreira à participação (Jenkin et al., 2017).

Muitos atletas jovens iniciaram a sua prática federada numa idade muito jovem e possuem maiores capacidades físicas e maior tempo livre para manterem esta prática, usualmente ligada a um maior nível de competição e de intensidade de treino. Por outro lado, o atleta veterano normalmente inicia a sua prática desportiva federada mais tarde, não possuindo tanto tempo deste tipo de treino em comparação com os seus homólogos mais novos. Posto isto, poderá justificar-se desta forma a significância revelada em relação ao tempo de prática desportiva federada entre atletas jovens e veteranos.

Em relação à perceção dos atletas ao EMD, este estudo demonstrou ter ajudado a uma melhor perceção acerca deste tema, ao mesmo tempo que muitos atletas já se tinham submetido a EMD, tendo uma opinião positiva à realização desse tipo de exames. A literatura parece corroborar esta perceção positiva dos atletas ao EMD, demonstrando que a grande maioria acredita que o EMD previne/ajuda na deteção de alterações físicas, fazendo-os sentir mais seguros na sua prática desportiva depois de examinados, ao mesmo tempo que recomendam a outros atletas que se submetam a este exame (Solberg et al., 2012; Hill et al., 2023), embora uma pequena minoria desta população admita se sentir nervosa quando é examinada. Para atletas com reações negativas ao EMD, é imperativo que recursos apropriados sejam disponibilizados e exames de follow-up de rotina sejam realizados para mitigar possíveis consequências (Solberg et al., 2012).

A sensibilidade do ECG de 12 derivações em repouso demonstrou ser muito maior do que a história clínica pessoal e familiar e exame físico (Harmon et al., 2015b). Além disso, a taxa de falsos positivos de ECG (6%) foi menor do que a da história clínica pessoal e familiar (8%) e a do exame físico (10%) (Harmon et al., 2015b). O ECG é uma estratégia eficaz na deteção de doenças cardiovasculares em atletas e o uso único da história clínica pessoal e familiar e exame físico como ferramenta de triagem deve ser reavaliado (Harmon et al., 2015b). A adição do ECG ao EMD parece ganhar mais força quando analisada a perceção dos atletas que participaram neste estudo a este exame, tendo 94,4% dos atletas jovens e 90,1% dos atletas veteranos considerado o ECG um exame no mínimo “importante” para a sua avaliação física, sendo que dentro dessas percentagens 83,3% dos atletas jovens e 80,1% dos atletas veteranos considerou o ECG um exame “muito importante”.

Apesar de um alto nível de condição física, os atletas veteranos podem apresentar um risco cardiovascular elevado, principalmente na presença de DAC (Morrison et al., 2018). A consciência de que quanto maior a idade maiores são as probabilidades de problemas cardíacos pode fazer com que mais vezes os atletas veteranos recorram aos serviços de saúde para realizar exames mais rotineiros quando comparados com os atletas mais jovens, justificando as significâncias nos motivos de realização de ECG e na prescrição de exames cardíacos por médico verificadas neste estudo.

A literatura é clara na probabilidade de previsão de DAC quando, durante o EMD, um alto score de risco de Framingham, ondas q significativas no ECG, dispneia de esforço e história clínica familiar de DAC prematura estão presentes, tendo estas alterações exibido um maior valor preditivo positivo (Morrison et al., 2018). Um score de risco de Framingham alto foi o melhor preditor de DAC em atletas veteranos e prova que a sua incorporação no algoritmo de EMD de pré-participação deve ser considerada, ao mesmo tempo que o ECG pode levantar suspeitas e/ou diagnosticar doença assintomática (Morrison et al., 2018). Sintomas assinalados no questionário de pré-participação tais como angina, síncope ou pré-síncope durante ou após o esforço, mais fadiga que o normal, dispneia ou palpitações podem ser sintomas específicos de DAC em atletas veteranos (Barbara et al., 2016).

Para qualquer avaliação de pré-participação deve-se estar atento aos sinais e sintomas e história familiar que podem identificar atletas em risco (Campbell et al., 2009), daí a grande importância na realização de questionários de pré-participação durante o EMD. A literatura comprova que muitas das doenças cardíacas conhecidas por causar MSC podem apresentar-se com sintomas de síncope, pré-síncope, dor torácica, dispneia, palpitações ou convulsões (Campbell et al., 2009). Uma história clínica familiar de MSC, afogamento inexplicado, quase afogamento, acidente de viação ou convulsões também podem estar presentes (Campbell et al., 2009). Sabendo-se que muitas das doenças que causam MSC (normalmente pediátrica) são genéticas, a identificação até mesmo de um primeiro membro da família assintomático pode revelar um envolvimento familiar mais extenso (Campbell et al., 2009). Uma maior atenção aos detalhes da história clínica pessoal, história clínica familiar e exame físico é fundamental para o sucesso de qualquer estratégia de deteção (Campbell et al., 2009).

Conclusão

Quanto maior é a idade, mais alterações poderão estar presentes a nível cardíaco e mais vezes os atletas nessa faixa etária recorrem aos serviços de saúde para realizar exames, justificando as significâncias nos motivos de realização de ECG e na prescrição de exames cardíacos por médico. Os atletas demonstraram ter uma grande perceção em relação à importância do exame médico-desportivo na sua prática desportiva, bem como do eletrocardiograma, o exame que demonstrou eficiência na deteção de alterações cardíacas. Não se verificaram grandes significâncias na história pessoal e familiar entre atletas jovens e veteranos, no entanto não se deve dispensar a avaliação criteriosa dos atletas tendo em conta a sua idade devido a maiores riscos de certas patologias em cada faixa etária.

Agradecimentos

Um agradecimento à Câmara Municipal da Covilhã pela disponibilidade na autorização do uso da sala de exames do Complexo Desportivo da Covilhã.

Um agradecimento aos clubes participantes neste estudo, que ao permitirem a recolha de amostras nos seus atletas tornaram a realização deste estudo possível. Foram estes: Associação Académica da Universidade da Beira Interior; Grupo de Convívio e Amizade nas Donas; Centro Municipal de Marcha e Corrida da Covilhã; Penta Clube da Covilhã; Elétrico Futebol Clube; Sport Operário Marinhense. Um agradecimento também a todos os atletas destes clubes que se voluntariaram para participar neste estudo.

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Recebido: 09 de Abril de 2023; Aceito: 07 de Maio de 2024

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