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Revista de Investigação & Inovação em Saúde

versão impressa ISSN 2184-1578versão On-line ISSN 2184-3791

RIIS vol.7 no.1 Oliveira de Azeméis jun. 2024  Epub 30-Jun-2024

https://doi.org/10.37914/riis.v7i1.322 

Artigos de Investigação

Escala de perceção dos enfermeiros sobre vacinação contra gripe sazonal: construção/validação

Escala de percepción de enfermeras sobre la vacunación contra la gripe estacional: construcción/validación

Andreia Martins1 

Mónica Santos1 

Ivo Ribeiro2 

Custódia Silva3 

André Silva4 

Manuela Ferreira5 

1RN., Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/ Espinho; Espinho, Portugal

2RN., Hospital Dr. Francisco Zagalo; Ovar, Portugal

3RN., Centro de Saúde do Baixo Vouga; Aveiro, Portugal

4MsC., Centro Hospitalar do Porto; Porto. Portugal

5PhD., Professora Adjunta na Escola Superior de Saúde Norte Cruz Vermelha Portuguesa; Oliveira de Azeméis, Portugal. UID da ESSNorteCVP, Investigadora do Unidade de Investigação RISE-Health. Enfermeira na Unidade de Saúde Pública da Região de Aveiro, Portugal


Resumo

Enquadramento:

a vacinação é eficaz na prevenção e controlo de surtos e complicações por gripe sazonal. Os enfermeiros têm um papel ativo na promoção da sua vacinação e da população elegível, limitando a transmissão da doença. Importa conhecer a perceção e atitude dos enfermeiros sobre a vacinação contra a gripe para otimizar o desempenho do seu papel.

Objetivos:

construir e validar a escala de perceção dos enfermeiros relativamente à vacinação contra a gripe sazonal (EPEVAGRI).

Metodologia:

estudo de investigação metodológica. Desenvolvido questionário, a partir de uma lista de 48 itens, construída a partir da revisão da literatura, aplicado a 541 enfermeiros portugueses, cumprindo critérios de inclusão. Para a validação da escala recorreu-se aos testes estatísticos através de software informático. O estudo teve parecer favorável da comissão de ética.

Resultados:

a escala na sua versão final é constituída por 38 itens, apresentou elevado valor do coeficiente alfa Cronbach, traduzindo um bom indicador de consistência interna no global (α=0,932). A análise fatorial permitiu uma divisão em sete fatores, com significado racional, e com bons valores Kaiser-Meyer-Olkin.

Conclusão:

a escala apresenta boas características psicométricas, evidenciando potencial para utilização futura na prática clínica no sentido de otimizar o papel do enfermeiro.

Palavras-chave: enfermeiros; vacinação; conhecimento; gripe humana

Resumen

Marco contextual:

la vacunación es eficaz para prevenir y controlar los brotes y las complicaciones de la gripe estacional. Las enfermeras desempeñan un papel activo en la promoción de la vacunación para ellas mismas y para la población elegible, limitando la transmisión de la enfermedad. Es importante conocer la percepción y actitud del enfermero respecto a la vacunación antigripal para optimizar el desempeño de su rol.

Objetivos:

construir y validar la escala de percepción de enfermeras sobre la vacunación contra la gripe estacional (EPEVAGRI).

Metodología:

estudio de investigación metodológica. Se desarrolló un cuestionario, basado en una lista de 48 ítems, construido a partir de una revisión de la literatura, aplicado a 541 enfermeros portugueses, cumpliendo criterios de inclusión. Para validar la escala se utilizaron pruebas estadísticas mediante software informático. El estudio recibió una opinión favorable del comité de ética.

Resultados:

la escala en su versión final consta de 38 ítems, presentó un alto valor del coeficiente alfa de Cronbach, traduciéndose en un buen indicador de consistencia interna global (α=0,932). El análisis factorial permitió dividirlos en siete factores, con significado racional y buenos valores de Kaiser-Meyer-Olkin.

Conclusión:

la escala presenta buenas características psicométricas, mostrando potencial para uso futuro en la práctica clínica con el fin de optimizar el papel de las enfermeras.

Palabras clave: enfermeros; vacunación; conocimiento; gripe humana

Introdução

Os enfermeiros são dos profissionais de saúde que correm maior risco de exposição e possível transmissão de doenças, entre as quais as doenças preveníveis por vacinação (Yu et al., 2019; Neufeind, et al., 2020). Os enfermeiros têm um alto risco de adquirir e transmitir infeção a outros profissionais de saúde, utentes e familiares (Asma et al., 2016; Yu et al., 2019; Grech et al., 2020a; Samyn, et al., 2021). Naturalmente, esta possibilidade depende da gravidade da epidemia e do local onde os enfermeiros trabalham (Samyn et al., 2021).

O vírus influenza pode causar surtos nosocomiais, conduzindo a consequências graves em termos de morbilidade, mortalidade e custos associados, sobretudo em contexto hospitalar e em pessoas vulneráveis ou de risco, seja por critério de idade e/ou patologia (Asma et al., 2016; Grech et al., 2020a; Grech et al., 2020b). Não obstante, a epidemia gripal é uma das principais causas de absentismo dos profissionais de saúde e de inúmeras interrupções dos serviços de saúde, principalmente durante o inverno (Neufeind et al., 2020). A prevenção da doença apresenta-se como a estratégia mais eficaz e de baixo custo, sendo que a vacinação (contra a gripe) dos profissionais de saúde se considera uma estratégia para evitar a transmissão nosocomial e reduzir as taxas de mortalidade entre os utentes hospitalizados (Asma et al., 2016). Em Portugal, a vacinação contra a gripe não está integrada no Programa Nacional de Vacinação (PNV), mas é fortemente recomendada para os profissionais de saúde e grupos de risco, estando esta recomendação vertida anualmente em Norma (Direção-Geral da Saúde, 2020).

Os profissionais de saúde, por inerência das suas funções, constituem-se como exemplos para a promoção e aceitabilidade da vacina por parte da população. Os enfermeiros são identificados como os profissionais de saúde mais confiáveis na abordagem sobre vacinação (Yu et al., 2019), podendo influenciar as decisões dos utentes sobre a mesma (adesão versus não adesão à vacinação) (Asma et al., 2016). Sabe-se que, sempre que o enfermeiro hesite sobre a vacinação, tende a recomendar a vacinação com menos frequência (Yu et al., 2019).

Apesar de alguma produção científica, realizada em diferentes países sobre o nível de conhecimento, atitudes e adesão em relação à vacinação por parte dos enfermeiros, poucas são as pesquisas no território português. Desconhece-se, assim, a adesão dos enfermeiros portugueses à vacinação contra a gripe, bem como a sua perceção e atitudes face à mesma.

Considera-se importante dispor de uma ferramenta que permita avaliar a perceção dos enfermeiros, possibilitando uma investigação de qualidade, no sentido de conhecer a perceção dos enfermeiros sobre a vacinação contra a gripe, para posterior otimização das intervenções de enfermagem junto destes e das populações. Neste sentido constitui objetivo do presente estudo construir e validar a escala de perceção dos enfermeiros relativamente à vacinação contra a gripe sazonal.

Enquadramento/ fundamentação teórica

A gripe resulta de uma infeção por vírus influenza junto das células respiratórias do trato respiratório superior e expressa-se por um leque diversificado de manifestações clínicas como: cefaleia, astenia, tosse, rinite, mialgias, artralgias, prostração, odinofagia e febre. Pneumonia, síndrome respiratória aguda grave, sépsis e quadro de exacerbação de doenças crónicas, ocorrem em casos agravados de infeção (Colaprico et al., 2022). A Organização Mundial da Saúde (2020) estima que a gripe sazonal infete, anualmente, 5% a 15% da população mundial, com cerca de 3 a 5 milhões de casos de doença grave e até meio milhão de mortes (Colaprico et al., 2022). A vacinação mostra-se a melhor solução para controlar a doença, no entanto não existe uma vacina única, o que inviabiliza a sua administração contínua e massiva. Efetivamente a vacinação por gripe sazonal não permite a eliminação da doença e nem a sua erradicação (pela existência de reservatório natural não-humano, pela variabilidade genética do vírus e pela rápida replicação do mesmo). A vacinação da gripe é feita e/ou reformulada e/ou adaptada anualmente e dirige-se à população identificada como de risco, definida em cada ano, dado não existir disponibilidade de vacinas para imunizar toda a população (Vilches et al., 2020). A produção da vacina é feita a partir do acompanhamento das alterações antigénicas nas estirpes circulantes, e tendo por base estudos epidemiológicos que estimam quais as estirpes responsáveis pela próxima época de gripe (Vilches et al., 2020). A vacinação apresenta-se como uma medida preventiva, reduzindo a possibilidade de transmissão do vírus entre humanos, diminuindo o absentismo, a incidência e mortalidade associada às doenças infeciosas (Colaprico et al., 2022). Neste sentido, dispomos, para a prevenção e controlo da gripe sazonal, uma vacina cuja eficácia clínica, em indivíduos saudáveis, atinge aproximadamente os 70% e 30%, para altas e baixas taxas de vacinação, respetivamente, na redução da infeção (Filipe, 2012; Vilches et al., 2020; Colaprico et al., 2022). A vacinação diminui a severidade da doença e as suas complicações em cerca de 60% e a mortalidade em 80% (OMS, 2020). A vacina contra a gripe confere proteção ao fim de aproximadamente duas semanas, proporcionando uma imunidade até seis a oito meses após a toma. Não obstante, a sua eficácia e efetividade depende da idade, do estado do sistema imunitário do indivíduo, do grau de virulência do vírus e das estirpes em circulação, distância entre as cepas circulantes e as cepas vacinais (Vilches et al. 2020).

A vacinação é a melhor forma de prevenção e controlo da gripe, exigindo estratégias adequadas para o controlo epidémico. A vacinação contribui para a redução da transmissão de doenças infeciosas, na medida em que previne e controla a infeção para profissionais de saúde e população (Vilches et al., 2020; Colaprico et al., 2022). Desde 1981, que é recomendada a vacinação contra a gripe aos profissionais de saúde. Os profissionais de saúde ao trabalharem diretamente com pessoas vulneráveis e/ou de risco, incorrem no risco de serem o meio de propagação, de ficarem infetados e de infetarem (Vallée-Tourangeau et al., 2018). As infeções pelo vírus da gripe traduzem um grande perigo para as instituições de saúde, uma vez que os surtos da doença produzem malefícios nos utentes mais vulneráveis, aumentando as taxas de mortalidade e morbilidade (Vallée-Tourangeau et al., 2018). Apesar da vacina ser gratuita para os enfermeiros, por estarem incluídos nos grupos prioritários para a vacina da gripe, os resultados da avaliação da cobertura vacinal contra a gripe sazonal demonstram uma baixa adesão por parte dos enfermeiros (Filipe, 2012). Não se considerando um procedimento obrigatório, a decisão de adesão à vacinação contra a gripe sazonal depende exclusivamente de fatores intrínsecos a estes profissionais. Conhecem-se algumas barreiras e os facilitadores individuais associados à adesão à vacina contra a gripe na população (Colaprico et al., 2022). Acredita-se que, o motivo mais comum para a hesitação da vacina contra a gripe sazonal em profissionais de saúde está relacionado com a falta de conhecimento sobre a mesma, os efeitos secundários, receio da picada e a sua segurança. Como limitações à vacinação contra a gripe também se consideram a capacidade limitada de produção, face à procura, a eficácia variável de estação para estação, por estar dependente da homogeneidade entre os vírus constituintes da vacina e os vírus circulantes (Colaprico et al., 2022). Assim, importa conhecer a opinião dos enfermeiros relativamente à vacinação contra a gripe, bem como conhecer a sua adesão e motivos associados (Filipe, 2012; Colaprico et al., 2022).

Metodologia

Processo de construção de escala

Para a concretização deste estudo tornou-se necessária a criação de uma escala, designada de Escala de Perceção dos Enfermeiros sobre a Vacinação contra a Gripe (EPEVAGRI). O processo de construção partiu de uma revisão da literatura sobre a temática a partir das ideias expostas por Asma et al. (2016); Vallée-Tourangeau et al. (2018); Grech et al. (2020a) e da experiência empírica (enfermeiros gestores do PNV) sobre as variáveis que interferem na tomada de decisão da adesão à vacinação contra a gripe pelos enfermeiros nas sucessivas campanhas de vacinação, para a construção dos itens da escala, não tendo sido feito à priori, nenhuma pré categorização da escala. A EPEVAGRI está organizada em 48 itens (dos quais, 12 formulados em sentido inverso), organizados numa estrutura que permitiu uma só alternativa de resposta, onde o participante se posicionou numa escala tipo Likert, de cinco pontos, representando o nível de concordância do participante: discordo totalmente (1); discordo (2); não discordo e nem concordo (3); concordo (4); e concordo totalmente (5).

Validade de conteúdo

A lista de itens da escala foi avaliada por um grupo de três peritos, segundo os seguintes critérios serem especialistas em enfermagem comunitária a trabalhar numa Unidade de Saúde Pública, responsáveis pela Gestão do PNV no Centro de Saúde, onde lhes foi solicitado a análise do conteúdo dos itens, no seu global e de cada um, em particular. A avaliação pelos peritos teve como objetivo proporcionar a validação do conteúdo de cada um dos itens, e no global, tendo contribuído com melhorias ao nível da sintaxe de alguns itens.

Posteriormente, procedeu-se à aplicação de um pré-teste junto de oito enfermeiros (número considerado pelos autores como adequado para a realização do pré-teste, dado que os contributos a partir do quarto enfermeiro, foram todos coincidentes com os anteriores, sem qualquer outro contributo) acessíveis aos investigadores, por forma a identificar possíveis falhas quanto à clareza das afirmações. Não foi necessário realizar qualquer retificação, uma vez que não resultaram quaisquer dúvidas no seu preenchimento.

Instrumento de recolha de dados e procedimento

A recolha de dados decorreu entre 28 de junho e 12 de setembro de 2021. Para este estudo foi solicitado o apoio da Ordem dos Enfermeiros, para a divulgação do mesmo junto dos Enfermeiros, que foi concedido. Foram convidados a participar no estudo todos os enfermeiros registados na Ordem dos Enfermeiros, contabilizando-se 71.989 enfermeiros registados em Portugal. Foi aplicado como instrumento de recolha de dados um questionário online (google forms), de auto-preenchimento, construído pelos autores. O questionário foi composto por 3 partes principais: caracterização sociodemográfica (sexo, idade, local de residência, com quem habita, existência de doenças crónicas/incapacidade física, estilos de vida) e profissional (habilitação académica e profissional; contexto, vínculo e tempo de trabalho), avaliação da adesão à vacina contra a gripe sazonal e a perceção dos mesmos sobre a vacinação - EPEVAGRI. A primeira parte do questionário (dados sociodemográficos e profissionais) contribui para a caracterização da amostra, a segunda parte do questionário permite avaliar a adesão à vacinação e a terceira parte a perceção sobre a vacina contra a gripe.

População e amostra

Selecionou-se a amostra a partir de uma técnica de amostragem de base populacional, já que todos os enfermeiros inscritos na Ordem dos Enfermeiros foram convidados a participar, tendo os mesmos recebido um email convite para o efeito, pela Ordem dos Enfermeiros. Foram obtidos 543 questionários, excluindo-se 2 por não consentirem participar no estudo. Dos 541 enfermeiros participantes, 87,4% são do sexo feminino e 12,6% do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 21 e 65 anos (média de idades de 41,21 anos ± 9,582). A maioria dos enfermeiros são licenciados (76,7%) e 45,8% são enfermeiras(os) especialistas. 55,6% dos participantes laboram em contexto hospitalar e 35,5% em cuidados de saúde primários, maioritariamente com um vínculo laboral de contrato por tempo indeterminado (92,4%). Os participantes apresentam uma média de anos de experiência profissional de 18,03 anos (±9,818), variando entre os 0 e 44 anos.

A maior parte dos participantes não apresentam doença crónica (67,5%), nem incapacidade física (93,7%), vivem com filhos (62,7%) e não têm idosos ao seu cuidado (88,9%). No que se refere ao estilo de vida, 43,4% consideraram-se sedentários e 13,7% fumavam. 528 (97,28%) participantes referiram conhecer o PNV e, 540 (99,4%) referiram apresentar vacinação atualizada.

Considerações formais e éticas

Este estudo de investigação obteve o parecer favorável da Comissão de Ética (parecer nº 011/2021, de 18 de junho). Foram cumpridos os princípios éticos inerentes à investigação, como o carácter voluntário de participação, o anonimato do participante, e a confidencialidade e segurança da informação.

Tratamento de dados

Para a análise de dados foi efetuado o tratamento estatístico com recurso ao programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 25. Foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach para análise da fidelidade e a análise fatorial exploratória das componentes principais com rotação ortogonal de Varimax, com normalização de Kaiser para a análise da validade do construto. Foi ainda analisada a relação entre as dimensões da EPAVAGRI a partir dos testes estatísticos paramétricos, considerando a normalidade da distribuição da amostra (teste Kolmogorov Smirnov), para um intervalo de confiança de 95%.

Resultados

No sentido de proceder à análise das características psicométricas do instrumento de medida (EPEVAGRI), foi realizado o coeficiente alfa de Cronbach, do qual se obteve um bom valor do coeficiente alfa para o global (α=0,913). Houve necessidade de eliminar os itens 23 (Os Enfermeiros têm medo de eventos adversos graves da vacina da gripe, por isso alguns não se vacinam) e 26 (A baixa adesão dos enfermeiros à vacina contra a gripe deve-se a uma má experiência anterior à vacinação) por se encontrarem com valor negativo, demonstrando, assim, que o receio de efeitos adversos e as experiencias anteriores à vacinação não se relacionarem com o fenómeno em análise (Pestana e Gageiro, 2014). Foram excluídos ainda sete itens (6, 13, 19, 21, 28, 32 e 33), uma vez que a sua correlação com o total da escala apresentava um valor inferior a 0,2 (Pestana e Gageiro, 2014).

Os itens 2, 4, 8, 11, 16 e 18, por se encontrarem enunciados em sentido negativo, foram invertidos, pelo que a sua interpretação tem se ser feita em sentido positivo.

Após a extração dos itens acima referidos, foi reavaliada a consistência interna do instrumento de medida (Tabela 1) pelo cálculo do coeficiente alfa de Cronbach, cujo resultado se manteve como um bom indicador da consistência interna para o global (α=0,932) (Hill &Hill, 2016).

Tabela 1 Análise da consistência interna da Escala (38 itens) segundo o coeficiente Alfa de Cronbach (α =0,932) 

ITENS Média Desvio padrão Correlação item-total corrigida Alfa se o item for eliminado
1 A vacina contra a gripe é importante pelo contexto pandémico (pandemia por COVID19) 3,976 1,131 0,478 0,930
2 A vacina contra a gripe não é necessária ou benéfica 4,507 0,851 0,351 0,931
3 A vacina contra a gripe é importante para evitar uma infeção dupla (ex. influenza e novo coronavírus) 3,638 1,355 0,444 0,931
4 A gripe é uma doença benigna e autolimitada, dispensando a vacina 4,277 0,957 0,320 0,932
5 A vacina contra a gripe protege-me da gripe sazonal 3,985 1,110 0,513 0,930
7 A vacina contra a gripe é importante para evitar as complicações da gripe 4,466 0,878 0,608 0,930
8 Apresento baixo risco de contrair gripe, pelo que não considero importante vacinar-me 4,233 1,084 0,368 0,931
9 A vacina contra a gripe é importante porque previne a propagação do vírus 3,841 1,233 0,545 0,930
10 A vacina contra a gripe é importante para evitar a infeção transmitida pelos utentes 3,780 1,221 0,550 0,930
11 Tenho dúvidas sobre a eficácia da vacina contra a gripe 4,102 1,074 0,336 0,932
12 A vacina contra a gripe é importante para proteger o utente com quem contacto 4,072 1,116 0,629 0,929
14 Os meus colegas foram vacinados e incentivaram-me à vacinação 2,998 1,337 0,371 0,932
15 Considero que os enfermeiros devem vacinar-se contra a gripe 4,104 1,082 0,750 0,928
16 Não considero que o utente com quem contato corra riscos se eu não fizer a vacina 3,836 1,243 0,379 0,931
18 Prefiro a resistência natural à vacina contra a gripe 4,009 1,146 0,400 0,931
20 Os enfermeiros vacinam-se porque as condições de vacinação são convenientes 2,669 1,328 0,214 0,933
22 Os enfermeiros vacinam-se contra a gripe, nomeadamente os que possuem doenças crónicas 3,473 1,241 0,326 0,932
24 Os enfermeiros vacinam-se contra a gripe para proteger a sua família 3,357 1,177 0,629 0,929
25 Os enfermeiros vacinam-se contra a gripe, sobretudo os que vivem com uma pessoa de alto risco 3,431 1,187 0,549 0,930
27 Os enfermeiros vacinam-se sobretudo os que vivem ou convivem diariamente com crianças 2,895 1,17 0,472 0,930
29 Os enfermeiros vacinam-se sobretudo os que coabitam com uma ou mais pessoas com doença crónica 3,113 1,211 0,514 0,930
30 Os enfermeiros vacinam-se contra a gripe sobretudo os que coabitam com uma pessoa com 65 e mais anos 3,067 1,215 0,536 0,930
31 Os enfermeiros vacinam-se contra a gripe sobretudo os que coabitam com uma mulher grávida 2,834 1,216 0,477 0,930
34 Os enfermeiros vacinam-se contra a gripe sobretudo para evitar faltar ao serviço e atestados médicos 2,311 1,102 0,230 0,933
35 Os enfermeiros vacinam-se contra a gripe sobretudo pelo hábito de se vacinar em anos anteriores 2,980 1,187 0,273 0,932
36 Os enfermeiros detêm conhecimentos atualizados sobre a gripe, a sua patogenia e transmissibilidade, por isso vacinam-se contra a gripe 3,743 1,069 0,489 0,930
37 A gripe é uma doença potencialmente grave 3,932 0,961 0,519 0,930
38 Como enfermeiro, tenho responsabilidade de me vacinar contra a gripe sazonal para a proteção de todos e diminuir a disseminação do vírus Influenza 4,068 1,103 0,773 0,928
39 A vacina contra a gripe é o método mais eficaz de prevenir a gripe e as suas complicações 4,026 1,078 0,758 0,928
40 A vacinação contra a gripe na comunidade reduz a carga de trabalho durante uma epidemia 3,850 1,094 0,656 0,929
41 Os enfermeiros devem ser vacinados contra a gripe para garantir a continuidade dos serviços de saúde 3,654 1,150 0,707 0,928
42 A gripe pode ser a causadora de um surto de infeção nosocomial 3,669 1,130 0,576 0,920
43 O Ministério da Saúde oferece vacinação contra a gripe gratuita aos profissionais de saúde 4,47 0,949 0,452 0,931
44 O uso de máscaras cirúrgicas deveria ser obrigatório nos profissionais de saúde não vacinados contra a gripe nos estabelecimentos de saúde durante a fase crítica para a gripe 3,523 1,313 0,452 0,931
45 A vacina contra a gripe tem uma contribuição positiva muito importante para minha saúde e bem-estar 3,839 1,11 0,740 0,928
46 A gripe sazonal é uma das principais causas de saúde no aumento do absentismo laboral e escolar 3,401 1,114 0,563 0,930
47 Recomendo a vacina contra a gripe aos meus familiares, amigos e utentes 4,161 1,053 0,707 0,928
48 A vacina contra a gripe deveria ser obrigatória para os enfermeiros 2,834 1,399 0,446 0,931

A medida de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) de 0,935 revelou uma boa adequação da amostra, e o valor do teste de esfericidade de Bartlett foi de x 2 = 11601,289; p = 0,000, resultados que permitiram prosseguir com a análise fatorial (Tabela 2).

Tabela 2 Matriz de fatores principais segundo método de rotação Varimax com normalização de Kaiser 

ITENS DA EPEVAGRI FATORES
F1VGripe F2VGripe F3VGripe F4VGripe F5VGripe F6VGripe F7VGripe
37 0,670
39 0,662
7 0,640
40 0,592
43 0,588
5 0,581
38 0,552
36 0,548
47 0,508
42 0,507
15 0,491
30 0,910
29 0,898
31 0,860
25 0,788
27 0,725
24 0,682
18 0,735
11 0,729
8 0,710
2 0,674
4 0,671
16 0,654
48 0,719
44 0,706
46 0,579
45 0,555
41 0,518
10 0,770
9 0,765
12 0,634
20 0,660
34 0,627
35 0,516
14 0,508
22 0,399
1 0,743
3 0,719
Eigenvalue 11,78 4,29 2,11 1,52 1,36 1,11 1,04
Variância explicada 31,24 11,28 5,55 4,01 3,59 2,91 2,75
Variância total 61,33%
KMO 0,935
Sig, 0,000

KMO - Kaiser-Meyer-Olkin. Sig. - Significância

Da análise fatorial resultou uma diferenciação dos itens em 7 fatores, explicando no seu conjunto 61,33% da variância total. A designação dos fatores foi feita à posterior, a partir da análise empírica dos itens agregados em cada fator, atendendo ao seu significado racional.

O Fator 1, denominado de “impacte da vacina”, explica 31,24% do total da variância e representa os itens que traduzem o impacte da gripe e da vacina. O Fator 2, “proteção dos familiares”, explica 11,28% da variância e inclui os itens relativos à importância da vacinação contra a gripe para a proteção dos familiares. O fator 3, denominado de “eficácia”, explica 5,55% da variância e abrange os itens que se relacionam com a eficácia da vacina. O fator 4, “contexto organizacional”, explica 4,01% da variância e refere-se a itens relacionados com a vertente organizacional. O fator 5, denominado de “estratégia de controlo da infeção”, explica 3,59% da variância e integra os itens relacionados com as estratégias de controlo da infeção. O fator 6, “motivação dos enfermeiros”, explica 2,91% da variância e agrega os itens da motivação dos enfermeiros para a vacinação. Finalmente, o fator 7, denominado de “contexto pandémico”, explica 2,75% da variância e relacionam-se com o contexto pandémico causado pela COVID-19.

Conclui-se que a EPEVAGRI apresenta boas características psicométricas, quer na validade, quer na fiabilidade, comprovadas pelos resultados do coeficiente alfa de Cronbach e valor de KMO.

As relações entre o total e os vários fatores da EPEVAGRI foram exploradas através da análise dos coeficientes de correlação de Pearson (Tabela 3).

Conclui-se que todos os fatores se correlacionam entre si, com coeficientes de correlação moderados a elevados e de forma estatisticamente significativa em sentido positivo, com exceção da relação entre o fator 6 (motivação dos enfermeiros) e o 3 (eficácia), que se correlacionam negativamente. Assim, à medida que os enfermeiros consideram a eficácia da vacina (média de 4,16 ±0,78), diminui a motivação para a vacinação (média de 2,87 ±0,78).

Tabela 3 Resultados do Teste de Correlação de Pearson entre os fatores e a globalidade da EPEVAGRI 

F1VGripe F2VGripe F3VGripe F4VGripe F5VGripe F6VGripe F7VGripe TotalVGripe
F1VGripe (Impacte da vacina) 1
F2VGripe (Proteção dos familiares) 0,415 0,000 1
F3VGripe (Eficácia) 0,491 0,000 0,094 0,029 1
F4VGripe (Contexto Organizacional) 0,740 0,000 0,385 0,000 0,418 0,000 1
F5VGripe (Estratégia de Controlo da Infeção) 0,631 0,000 0,341 0,000 0,360 0,000 0,516 0,000 1
F6VGripe (Motivação dos Enfermeiros) 0,373 0,000 0,527 0,000 -0,088 0,040 0,306 0,000 0,246 0,000 1
F7VGripe (Contexto pandémico) 0,504 0,000 0,268 0,000 0,269 0,000 0,389 0,000 0,474 0,000 0,195 0,000 1
TotalVGripe 0,903 0,000 0,664 0,000 0,542 0,000 0,803 0,000 0,706 0,000 0,5331 0,000 0,570 0,000 1

Relativamente à perceção dos enfermeiros sobre a vacina contra a gripe, verificou-se que os participantes apresentaram uma média no global dos itens da EPEVAGRI de 3,66 (±0,61), o que traduz uma aproximação ao estado de concordância sobre a importância da vacinação contra a gripe.

Discussão

A discussão dos resultados considera algumas limitações do estudo, implicando alguma cautela na sua interpretação. São elas a especificidade da amostra e a inexistência de instrumentos coincidentes com o constructo específico, o que motivou a construção desta escala. Aspetos estes que condicionam a possibilidade de estabelecer comparações sobre as características psicométricas das escalas entre si. Contudo, este estudo permite a comparação do constructo com a literatura especifica existente e indica caminhos que poderão ser trilhados, apontando para a utilização da EPEVAGRI em investigações futuras.

A elevada consistência interna é conferida pelo coeficiente alfa de Cronbach da escala final, e a análise fatorial com rotação Varimax agregou os itens em sete fatores: (1) o impacte da gripe e da vacina, (2) proteção de familiares, (3) eficácia, (4) medidas organizacionais, (5) estratégias de controlo de infeção, (6) motivações dos enfermeiros e (7) o contexto atual pandémico causado pela COVID-19.

Muitos são os fatores que influenciam a perceção e as decisões dos enfermeiros em relação à vacinação contra a gripe, e, por conseguinte, a sua cobertura vacinal (Colaprico et al., 2022; Gołębiak et al., 2020). Entende-se que, para uma influência positiva, devem ser implementadas estratégias direcionadas aos fatores acima descritos.

Neste sentido, a literatura realça a importância de se considerarem fatores organizacionais e fatores sensíveis à mudança, relacionados com o comportamento individual (Chan et al., 2021; Moretti et al., 2020).

Diferentes estudos indicam que deter conhecimentos sobre o vírus influenza e a importância da vacinação contra a gripe é essencial para melhorar a adesão dos enfermeiros à vacina (Colaprico et al., 2022; Madewell et al., 2021; Samyn, 2021), bem como aumentar a sua recomendação, nomeadamente aos utentes (Yu et al., 2019). Naturalmente, o desconhecimento conduz a dúvidas sobre a eficácia da vacina contra a gripe, distorcendo a perceção dos enfermeiros, pelo que deve ser fortemente enfatizada em futuras campanhas de vacinação contra a gripe (Yu et al., 2019; Madewell et al., 2021; Mignot et al. 2020; Moretti et al., 2020; Colaprico et al., 2022).

Da mesma forma, outros estudos reforçam a necessidade de se debater a proteção dos familiares, por ser um dos principais fatores para a consciencialização pela vacinação contra a gripe nos enfermeiros (Yu et al, 2019; Moretti et al., 2020; Neufeind, 2020).

No contacto próximo com utentes, a vacinação dos enfermeiros contra a gripe é encarada como uma estratégia de controlo de infeção, pelo que se deve primar pela sua sensibilização (Samyn, 2021; Colaprico et al., 2022).

O contexto pandémico causado pela COVID-19 influenciou a perceção dos profissionais de saúde sobre a vacina contra a gripe, provavelmente devido ao aumento da consciencialização sobre as doenças virais respiratórias (Di Giuseppe et al., 2021; Robbins et al. 2021).

Neste estudo as dimensões da escala EPEVAGRI correlacionam-se positivamente entre si, com exceção da dimensão eficácia da vacina e motivação da vacina, que poderá ser explicado pelo facto de alguns itens da dimensão motivação se referirem a condições às quais os enfermeiros podem não ter, como é o caso da doença crónica ou de se terem vacinado em anos anteriores. Isto é, à medida que os enfermeiros reconhecerem a eficácia da vacinação diminui a motivação para se vacinarem, facto que também pode estar relacionado com o facto da amostra ser constituída por pessoas relativamente jovens (média de 41,21 anos ± 9,582) e a sua maioria não se sentirem vulneráveis à doença (Colaprico et al., 2022), ou a sua maioria não apresentarem doenças crónicas ou incapacidades, preferindo por vezes a imunização por doença à vacinação (Di Giuseppe et al., 2021).

Conclusão

Os profissionais de saúde e os enfermeiros, em particular, têm um papel importante no desempenho do papel de promover a adesão à vacinação contra a gripe sazonal da população elegível. Sabe-se que este papel pode ser influenciado pela perceção que os enfermeiros têm relativamente à vacina contra a gripe. Conhecer a perceção dos enfermeiros relativamente à vacinação contra a gripe é essencial pelo seu efeito na promoção da adesão à vacinação contra a gripe sazonal da população elegível. Embora existam alguns trabalhos científicos, realizados em diferentes países, acerca do nível de conhecimento, atitudes e adesão à vacinação pelos enfermeiros, poucas são as pesquisas em território português. Este estudo surgiu com o propósito de construir e validar uma escala de perceção dos enfermeiros relativamente à vacinação contra a gripe sazonal, tornando mensurável a perceção dos enfermeiros sobre a vacinação contra a gripe sazonal.

Na sua globalidade, a EPEVAGRI apresenta boas propriedades psicométricas tanto na fiabilidade como na validade, adquirindo assim potencial para ser utilizada em investigação científica.

Este estudo veio demonstrar que a EPEVAGRI pode figurar-se como uma ferramenta útil na avaliação do valor atribuído à perceção dos enfermeiros sobre a vacina contra a gripe sazonal, pelo que se recomenda a sua utilização futura. Assim, recomenda-se que mais estudos sejam realizados no sentido de se avaliar os conhecimentos, atitudes e a adesão dos enfermeiros à vacinação contra a gripe sazonal e de se melhorarem as campanhas de promoção de imunização junto dos enfermeiros, podendo ser extensível a outros profissionais de saúde, de forma a direcionar políticas e estratégias de intervenção na adesão à vacinação pela população elegível, com a finalidade de prevenir a disseminação da gripe sazonal na comunidade.

Agradecimentos

Endereçamos um agradecimento especial à Ordem dos Enfermeiros pelo seu contributo na divulgação do estudo de investigação.

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Recebido: 02 de Fevereiro de 2023; Aceito: 23 de Janeiro de 2024

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