INTRODUÇÃO
As bronquiectasias são caracterizadas por uma dilatação anormal, permanente e irreversível dos brônquios causada pela destruição dos componentes elástico e muscular das suas paredes e deficiente depuração mucociliar.1-2
Associada à dispneia, à intolerância à atividade e à tosse, a hipersecreção brônquica é a sua principal característica apresentando uma elevada morbilidade devido à recorrência de infeções respiratórias.3
A progressiva intensidade da dispneia, a intolerância ao esforço, a presença de secreções abundantes e a recorrência de infeções leva à necessidade de alteração do estilo de vida o que nem sempre é bem-sucedido.4-5
O impacto das bronquiectasias na vida destas pessoas não ocorre unicamente na componente física. Além da incapacidade, maior ou menor, da realização de atividades de vida diária, o efeito da doença faz-se também sentir na perspetiva social e afetiva, sendo que a ansiedade é um achado bastante frequente com efeitos ainda mais prementes na qualidade de vida.6-7
A Reabilitação Respiratória, uma abordagem multidisciplinar no tratamento de pessoas com doença respiratória crónica, é fundamental no processo de gestão terapêutica das pessoas com DPOC.(8-9)(8) (9. Muito embora seja uma entidade clínica distinta da DPOC, as pessoas com bronquiectasias caracterizam-se igualmente por apresentarem um padrão ventilatório obstrutivo e pela possibilidade de aparecimento de dispneia,fadiga, tosse, broncorreia, e diminuição da tolerância ao exercício. Estes sintomas fazem com que reabitação respiratória seja também, recomendada no tratamento desta doença.4,8-9
Poucos estudos foram realizados no sentido de estudar o impacto da reabilitação pulmonar e os seus benefícios em doentes com bronquiectasias, quando comparados com a elevada produção cientifica relativa à DPOC.7
Neste sentido, tendo os Cuidados de Enfermagem como foco de atenção, revela-se como objeto de interesse atual para a disciplina de Enfermagem avaliar o impacto da sua prática.
Só desta forma se poderá sustentar a importância da Enfermagem em geral e dos cuidados especializados de Enfermagem de Reabilitação em particular na pratica clínica, nas politicas de saúde e no ensino como disciplina do conhecimento.
Assim, o presente estudo teve por objetivo avaliar o efeito de um Programa de Reabilitação Respiratória na qualidade de vida, na ansiedade e na função respiratória de pessoas com bronquiectasias não fibrose quistica.
MÉTODO
A questão que norteou este estudo foi: Como a dificuldade respiratória perturba e afeta a vida das pessoas com Bronquiectasias?
A partir desta questão central foram formuladas três questões de investigação às quais pretendemos dar resposta:
De que forma a reabilitação respiratória interfere na qualidade de vida das pessoas com bronquiectasias;
De que forma a reabilitação respiratória interfere na ansiedade das pessoas com bronquiectasias;
De que forma a reabilitação respiratória altera a função respiratória das com bronquiectasias;
Tratou-se de um estudo prospetivo, quantitativo e exploratório, com avaliação intra-sujeitos em dois momentos, realizado a uma amostra de pessoas com Bronquiectasias não fibrose quistica submetidos a um programa de reabilitação respiratória.
A técnica de amostragem usada foi não probabilística de conveniência.
Os critérios de inclusão foram o manifestar desejo de participar no estudo e preencher consentimento informado, ter mais de 18 anos, ter capacidade comunicacional, não apresentar impossibilidade de praticar exercício físico e não apresentar disfunção cognitiva grave.
O não cumprimento integral do PRR, a incapacidade de praticar exercicio físico e a doença psiquiátrica ou disfunção cognitiva foram critérios de exclusão do estudo.
O programa de reabilitação respiratória foi realizado em regime ambulatório durante 13 semanas e periodicidade 3 vezes por semana. Foi constituído por uma componente física que incluiu treino de exercicio de alta intensidade, reforço da musculatura inspiratória e reeducação funcional respiratória (figura 1) e componente educacional (figura 2)
As variáveis em estudo foram a Qualidade de vida, a Ansiedade, e a Função Respiratória, sendo que a colheita de dados foi efetuada, no inicio e no final do programa de reabilitação respiratória.
Os dados relativos à variável Qualidade de vida foram obtidos através do The St. George´s Respiratory Questionnaire (SGRQ), que é um questionário especifico para pessoas com doença respiratória crónica e é constituído por três subescalas: sintomas, restrições nas actividades de vida diárias e impacto da doença sobre o indivíduo. Cada subescala tem um score máximo possível sendo que variações de 10% (relativamente ao padrão) indicam alteração de qualidade de vida. Alterações superiores a 4% após uma intervenção indicam mudança significativa na qualidade de vida.10
As variáveis Ansiedade foram avaliadas através no Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS). Esta escala é formada por duas subescalas cuja soma dos scores identifica o nível de ansiedade e de depressão. Foi usado um “cut-point” de oito sendo que scores superiores apresentam ansiedade e ou depressão.11
A variável Função Respiratória foi avaliada pela realização de provas funcionais respiratórias e gasometria arterial.
Análise estatística
Na análise estatística dos dados usamos o programa informático IBM SPSS versão 23.0.
Numa primeira fase, com vista a descrever e a caracterizar a amostra em estudo, foi feita uma análise descritiva dos dados em função da natureza das variáveis em estudo, realizando-se uma análise exploratória univariada dos dados, recorrendo a medidas de tendência central, de dispersão, achatamento e simetria, existência de outeliers e a normalidade das distribuições.
Numa segunda fase, de forma a avaliar a eficacia do programa de reabilitação pulmonar na “Qualidade de vida”, “Ansiedade a “Função Respiratória”, recorreu-se ao teste não paramétrico de Wilcoxon para duas amostras emparelhadas em virtude do número reduzido da amostra em estudo.
Todos os testes foram aplicados com um grau de confiança de 95 %.
Aspetos Éticos
No percurso metodológico foi garantido o respeito de todos os pressupostos deontológicos inerentes à ética da investigação, assim como a garantia da máxima confidencialidade nas fases posteriores, de recolha e de tratamento de informação.
O estudo foi apresentado, explicando os objetivos, tempo de investigação, as finalidades dos resultados e a possibilidade de desistência em qualquer fase, obtendo o consentimento informado e garantindo o sigilo e a confidencialidade dos dados.
A aplicação dos questionários foi autorizada por parte da comissão de ética.
RESULTADOS
Foram incluídos no estudo 30 participantes sendo que a maioria do sexo feminino (60,9%), sendo 39,1% do sexo masculino, com idade mediana de 53,3 (± 16,7) anos.
Para melhor explanação dos resultados obtidos iremos proceder à análise individual de cada uma das variáveis em estudo.
Escala Total
Foi observada uma diferença de -14,7 pontos após a reabilitação respiratória relativamente aos valores basais (valor antes=48,5; valor depois a=33,8). Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no valor total da escala (p=0,003) (Figura 5)
Score das Subescalas “Sintomas”, “Atividades”, “Impacto”
Após o programa de reabilitação os participantes expressaram melhorias estatisticamente significativamente em todas as dimensões avaliadas.
Também foi encontrada melhoria clinicamente significativa (variação de score superior a 4) na Escala Total e em todas as subescalas
Ansiedade
Os resultados evidenciam que relativamente a “Ansiedade”, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (p = 0,001) quando comparamos os resultados dos questionários antes e depois do programa de reabilitação. Sendo a variação entre as duas avaliações de 3 pontos. (Figura 6)
DISCUSSÃO
Este estudo pretendeu avaliar o efeito de um programa de reabilitação respiratória sobre a qualidade de vida, a ansiedade e a função respiratória em pessoas com bronquiectasias.
A interpretação global dos dados recolhidos por esta investigação demonstrou a obtenção de benefícios claros, nomeadamente ao nível da redução dos níveis de ansiedade e ao aumento da qualidade de vida. Por outro lado, relativamente à função respiratória os dados recolhidos demonstram não haver uma melhoria estatisticamente significativa.
Para facilitar a discussão iremos às questões de investigação formuladas:
1. De que forma a reabilitação pulmonar interfere na qualidade de vida dos doentes com bronquiectasias?
As bronquiectasias foram descritas como uma doença órfã das vias aéreas.1,12 Duas décadas após muito pouca investigação foi realizada acerca da eficácia da maioria dos tratamentos efetuados, incluindo também a reabilitação pulmonar.3,6,13
Por outro lado, a reabilitação respiratória que inicialmente emergiu como recomendação de tratamento para pessoas com doença pulmonar obstrutiva crónica é agora mandatório no tratamento de outras doenças respiratórias crónica incluindo as bronquiectasias.8,12
Os padrões de exercício conjugados com o autocuidado constituem uma intervenção efetiva e altamente eficaz, levando a redução de exacerbações com a subsequente redução da hospitalização e aumento da qualidade de vida.5,14
Muito embora entidades diferentes as bronquiectasias e a DPOC apresentam semelhanças consideráveis, quer ao nível do envolvimento pulmonar como também ao nível da musculatura periférica, tolerância ao esforço, estado nutricional e impacto na qualidade de vida.3,12-13
Santomato em 2012 confirma a eficácia dos programas de reabilitação pulmonar em pessoas com bronquiectasias e afirma que o seu impacto na qualidade de vida seja tão eficaz como em doentes com DPOC.14
Num estudo retrospectivo em 2011 Ong et al. demonstra que a reabilitação respiratória em pessoas com bronquiectasias aumenta significativamente a tolerância ao esforço bem como a qualidade de vida, sendo comparável com o grupo de doentes com DPOC submetido ao mesmo programa de reabilitação.15
Diferentes níveis de disfunção respiratória podem ser encontrados em doentes com bronquiectasias podendo estes ser traduzidos em obstrutivos, restritivos ou mistos.(16 De acordo com os resultados obtidos a sua amostra apresentava obstrução ligeira nas grandes vias aéreas e obstrução severa nas pequenas vias aéreas. Estes resultados sugerem que os dados da função respiratórias dos doentes com bronquiectasias mostram existir uma limitação de fluxo de ar provavelmente devido a inflamação crónica ou destruição da parede brônquica.3,12
No nosso estudo a disfunção respiratória traduziu um padrão obstrutivo moderado com valores médios no inicio do tratamento da FEV1 e do índice de Tiffeneau de 47,2 e 53,7 respetivamente.
A avaliação da qualidade de vida, revelou uma melhoria clinicamente significativa (( superior a 4 pontos) do score total da escala de 8,73, bem como dos scores de cada uma das três subescalas: sintomas 9,40; atividade 9,01 e impactos 8,40.
Os dados obtidos revelam, um score total de 48,4 (± 23,1) e scores parciais de 62,9 (± 24,9) para a subescala Atividade, 49,4 (± 25,3) para a subescala Sintomas e 39,7 (± 23,8) para a subescala Impacto.
Estes valores são globalmente menores do que os alcançados por Martinez-Garcia em 200517 Esta variação pode ser explicada pelo valor médio da FEV1 desse estudo (60 ± 19,4) ser bastante superior ao apresentado no nosso estudo (FEV1 47,2 ±19,9) refletindo um menor grau de obstrução.17
A inclusão de treino dos músculos inspiratórios no nosso programa de reabilitação vai de encontro ao trabalho de Newall em 2005, que concluiu que ainda pessoas submetidas a programas de reabilitação respiratória com treino de músculos inspiratórios. Este estudo apresentou como resultado uma melhoria bastante significativa na qualidade de vida, traduzida no aumento médio de 7,7 pontos no score total, mantendo-se esses resultados por um período de 3 meses após o final do programa.18
2. De que forma a reabilitação pulmonar interfere na ansiedade dos doentes com bronquiectasias?
Os resultados obtidos no nosso estudo mostram uma redução estatisticamente significativa dos valores da ansiedade entre o inicio e o final do programa de reabilitação respiratória.
Não se encontrou, todavia, diferença significativa entre o grau de obstrução pulmonar (medido pelo FEV1%) e a ansiedade, o que sugere que a gravidade da doença pulmonar, no respeitante ao impacto sobre a ansiedade, está relacionada com aspetos subjetivos e vivências individuais de cada pessoa.19
A ansiedade como entidade clínica passou a ser incluída nos principais estudos realizados em doentes com patologia pulmonar crónica elaborados nos últimos anos, uma vez que se verificou que a prevalência de distúrbios de ansiedade entre pessoas com patologia respiratória crónica é superior à da população geral. 20 A explicação pode estar nas situações de hiperventilação e dos sintomas de dispneia que são características de ataques de pânico e descontrolo e também de patologia respiratória com padrão obstrutivo.19
A dispneia é o sintoma mais limitativo nas pessoas com patologia pulmonar de padrão obstrutivo podendo também ser considerada a mais importante para determinar o impacto da doença na qualidade de vida. Existe de facto uma relação estreita entre a dispneia, ou melhor, o receio de desencadear um episódio de dispneia e a ansiedade.21-23
Existe uma ampla base de consenso acerca do papel fundamental da reabilitação respiratória na gestão da doença respiratória crónica de cariz obstrutivo não somente porque reduz a ansiedade, mas especialmente porque reduz a dispneia e a fadiga, aumenta a tolerância ao exercício aumentando desta forma a qualidade de vida.
Coventry publicou em 2007 uma revisão sistemática onde conclui que os programas de reabilitação pulmonar com três sessões por semana que incluam programas de exercício físico e programas educacionais reduzem a ansiedade ligeira a moderada em doentes com DPOC GOLD C.24
A nossa investigação concluiu existir uma melhoria significativa da ansiedade após o programa de reabilitação pulmonar havendo uma redução média de aproximadamente dois pontos na escala HADS, posicionando-se o resultado total na amostra num valor inferior ao ponto de corte da escala.
3. De que forma a reabilitação pulmonar interfere na função respiratória dos doentes com bronquiectasias?
As bronquiectasias são a expressão patológica de uma grande variedade de doenças.1
São caracterizadas por obstrução do fluxo aéreo, tosse, expectoração, infeções respiratórias de repetição, dispneia associada com diminuição da qualidade de vida e redução da tolerância ao esforço.14 Tal como na DPOC as causas da dispneia e a redução da tolerância ao exercício são multifatoriais incluindo trocas ineficazes de gases, perda de massa muscular e presença de grandes quantidades de muco.13,16
Uma vez que as bronquiectasias são caracterizadas por uma deficiência no clearence mucociliar, as técnicas de limpeza das vias aéreas são amplamente defendidas como parte fundamental na rotina diária destas pessoas.2
A impactação das vias respiratórias com quantidades consideráveis de expectoração está associada a atelectasias, bem como a deterioração da função respiratória e dos valores gasométricos, que melhoram com a mobilização de secreções ou aspiração. No entanto, a relação entre a remoção de secreções brônquicas e a melhoria da função respiratória ainda não está completamente estabelecida.25
Existe evidência científica muito escassa que comprove a alteração da função respiratória provocada pelos programas de reabilitação respiratória antes aumenta a quantidade de muco expelido, não alterando os valores da FEV1.4,15
Mandal et al. em 2012, publicou um estudo de 30 doentes, com bronquiectasias de etiologia não fibrose pulmonar, submetidos a um programa de reabilitação pulmonar de 8 semanas, bi-diário e concluiu que não houve melhoria nos valores de FEV1, FCV, IT.26
Murray em 2009 concluiu num estudo de 20 doentes com bronquiectasias de etiologia não fibrose pulmonar não existir variação dos valores do FEV1, FVC, FEF25-75%, MIP, MEP ou exacerbações quando submetidos a um programa de reabilitação de 12 semanas. Todavia este programa foi ligeiramente diferente do apresentado no nosso estudo uma vez que incluía sessões bi-diárias.27
Newall em 2005 estudou 32 doentes com bronquiectasias de etiologia idiopática e concluiu após um programa de reabilitação de 8 semanas, 3 vezes por semana não existirem alterações estatisticamente significativas nos valores de FEV1, FVC, IT, RV, TLC.18
Santomato publicou um estudo com uma amostra reduzidíssima (3 doentes) e período de reabilitação pulmonar de 20 semanas, 3 vezes por semana chegando também á conclusão de que não existem diferenças significativas entre os valores espirométricos.14
Van Zeller numa coorte de 41 doentes num período de 12 semanas, 3 vezes por semana concluiu existir um impacto positivo da reabilitação pulmonar na função pulmonar em certos grupos de doentes com bronquiectasias.25
O nosso estudo não encontra ganhos estatisticamente significativos na função respiratória após o programa de reabilitação pulmonar, não se encontrando diferenças estatisticamente significativas nos valores de FEV1%, CVF%, VR%, IT%, TLC%.
Relativamente aos valores da gasometria arterial não existiram variações estatisticamente significativas nos valores de PaO2, PaCO2, SatO2.
CONCLUSÃO
Os dados obtidos neste estudo permitem-nos concluir que a reabilitação pulmonar aumenta a qualidade de vida, reduz significativamente a ansiedade e não altera a função respiratória em pessoas com Bronquiectasias.
Em conclusão, os resultados alcançados permitem-nos inferir claramente que um programa de reabilitação respiratória, no qual os princípios da prescrição de exercícios e de mudança comportamental foram derivados da DPOC, é uma abordagem válida também para pessoas com bronquiectasia não fibrose quistica, podendo representar um dos poucos tratamentos disponíveis com potencial para modificar o curso da doença e o seu prognóstico sendo um complemento barato para os cuidados médicos já existentes.
No entanto, mais investigações, nomeadamente estudos randomizados controlados são necessários para para otimizar os programas de treinamento, mantendo o benefício a longo prazo.