INTRODUÇÃO
O cancro gástrico também designado por cancro do estômago, ocorre quando há proliferação anormal de células constituintes do estômago 1. Apresenta valores epidemiológicos inquietantes, com sensivelmente um milhão de novos casos diagnosticados em todo o mundo em 2012 2. Na região norte de Portugal em 2015 foi o quarto tumor maligno a atingir mais homens e mulheres, com taxa de incidência 8,3% e 5,5%, respetivamente 3. É um problema de saúde pública com tendência a agravar-se nos tempos mais próximos, sendo expectável que uma percentagem considerável da população desenvolva esta neoplasia, sobretudo devido aos hábitos alimentares, tabágicos, alcoólicos e sedentários 4.
O cancro gástrico tem grande impacto pessoal e social devido à sua hostilidade enquanto doença e à sua agressividade relativa aos tratamentos, levando o cliente a vivenciar uma transição saúde/doença 5. A gastrectomia é o tratamento mais comum para este tipo de tumor, sendo um procedimento cirúrgico em que há remoção parcial ou total do estômago e dos gânglios linfáticos adjacentes 1.
É uma cirurgia agressiva que provoca nos clientes situações de ansiedade resultantes de sensações de perda de controlo, fracasso e medo 6. Para além do impacto psicológico, associando o ato anestésico e cirúrgico, existe efeito nas dinâmicas respiratórias, contribuindo para o aumento do risco de complicações pulmonares pós-operatórias 7,8.
Este comprometimento nas dinâmicas respiratórias ocorre devido a fatores intrínsecos ao cliente (idade, tabagismo, obesidade, doença pulmonar crónica, desnutrição, estado de consciência, alcoolismo, sedentarismo e deformidades na caixa torácica) 8,9,10,11 e fatores relacionados com o procedimento cirúrgico (hipoventilação, imobilização, depressão do sistema nervoso central, entubação, ineficácia da tosse e inibição do nervo frénico e consequentemente parésia diafragmática) 11,12,13,14.
É consensual que as complicações pulmonares que surgem no pós-operatório continuam a influenciar a morbilidade, mortalidade e tempo de permanência no hospital, apesar dos progressos a nível da intervenção dos profissionais de saúde no pré, intra e pós-operatório 11,15,16,17. Programas de Reeducação Funcional Respiratória (RFR) têm sido cada vez mais evidenciados como benéficos, tanto na prevenção de complicações pulmonares pós-operatórias, quanto na recuperação efetiva das mesmas 18.
A RFR também designada por cinesiterapia respiratória é uma terapêutica que usa fundamentalmente o movimento na sua intervenção e atua nos fenómenos mecânicos da respiração, isto é, na ventilação externa e através dela na ventilação alveolar 19.
O enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação assume aqui um papel fundamental, pois é um profissional que tem como função cuidar, capacitar e maximizar a funcionalidade dos clientes ao longo do ciclo de vida 20, podendo intervir com estas competências no evitar ou corrigir das complicações pulmonares pós-operatórias, ajudando os clientes a vivenciar um processo transacional saudável 5.
É objetivo deste trabalho analisar os efeitos de um programa de RFR pré e pós-operatório na dor, frequência respiratória e saturação O2 no processo de transição saúde/doença, do cliente submetido a gastrectomia programada.
Nesta lógica de cuidado de enfermagem transacional e intervenção de RFR nos clientes submetidos a gastrectomia, surge a questão de partida: qual o efeito de um programa de RFR pré e pós-operatório na dor, frequência respiratória e saturação O2 no processo de transição saúde/doença, do cliente submetido a gastrectomia programada?
MÉTODO
Para concretizar o objetivo do estudo desenvolvemos uma investigação que se insere num paradigma quantitativo, quase-experimental e longitudinal.
Sendo um estudo quase-experimental utilizou-se um programa de RFR como intervenção. A sua conceção foi um constructo que preferimos sistematizar e fasear, com o intuito de lhe facultar rigor metodológico e clínico, pertinência, objetividade e aplicabilidade. Na primeira fase realizamos a construção do programa, recorrendo à análise da literatura. Na segunda fase houve a análise do mesmo por um painel individual de peritos. A terceira fase referiu-se à análise e discussão das críticas e sugestões dos peritos. Na quarta fase houve uma nova avaliação dos peritos de acordo com as mudanças decorrentes das suas críticas, onde foi aprovado o programa por parte destes. A última fase foi a realização do pré-teste a 3 clientes com feedback positivo no final, pelo que se terminou a conceção do programa.
O programa de RFR, concebido segundo a sistematização anteriormente exposta, pretendia restabelecer e maximizar a performance respiratória, evitando complicações respiratórias relacionadas com o procedimento cirúrgico e ser facilitador do processo de transição saúde/doença que o cliente vivenciava.
O programa de RFR englobava: técnicas de descanso e relaxamento (deitado, sentado e em pé); consciencialização dos tempos respiratórios e controlo da respiração; exercícios de respiração abdomino diafragmática e respiração costal inferior bilateral; exercícios de abertura da grade costal, com bastão; tosse dirigida com contenção da ferida operatória; mudança de posição, movimentação ativa do corpo e correção postural; e controlo da respiração no esforço, marcha, e subida e descida de escadas.
Foi realizado pelo investigador principal, de forma a causar o máximo de uniformidade possível. A duração média do programa foi de 30 a 45 minutos, sendo ajustado à situação clínica do cliente. Quanto à frequência dos exercícios foi um trabalho de acordo entre o investigador e o cliente, tendo em conta a disponibilidade do cliente e a sua condição física.
Com esta metodologia de investigação, utilizando o programa de RFR apresentado, pretendíamos testar as seguintes hipóteses:
H 1: O programa de RFR pré e pós-operatório, diminui a dor do cliente submetido a gastrectomia programada;
H 2: O programa de RFR pré e pós-operatório melhora a frequência respiratória do cliente submetido a gastrectomia programada;
H 3: O programa de RFR pré e pós-operatório melhora a saturação O2 do cliente submetido a gastrectomia programada.
Sendo que o desenho de investigação é um plano lógico, concebido pelo investigador, de modo a alcançar respostas válidas às hipóteses formuladas apresentámos na figura 1 o desenho do nosso estudo.
O programa de RFR assumiu primeiro uma fase de ensino aos clientes do grupo de intervenção e de avaliação desse ensino, logo na consulta de pré-operatório. De seguida aconteceu uma continuidade deste programa no domicílio, sem o investigador. Na véspera da cirurgia e durante o restante internamento, excetuando-se o dia da cirurgia, existiu intervenção diária do programa de RFR com o investigador. Após a alta manteve-se a realização do programa de RFR sem o investigador até ao momento da consulta de pós-operatório, o término do estudo.
Para este estudo a amostra foi não probabilística, acidental, isto porque foi constituída pelos clientes submetidos a gastrectomia programada no serviço de cirúrgica de um hospital do norte do país, no período de tempo em que decorreu a colheita de dados (1-11-2016 a 17-3-2017) e que se enquadrassem nos critérios de inclusão a seguir definidos: clientes com gastrectomia programada, com previsão de anestesia geral, conscientes e orientados no tempo e no espaço, sem metastização pulmonar, sem dependências físicas, com mais de 18 anos e que aceitassem participar no estudo mediante consentimento informado.
Tratando-se de um estudo com dois grupos (intervenção e controlo), a distribuição dos clientes ocorreu de acordo com o número do cartão do hospital. Se ímpar pertencia ao grupo de intervenção, se par ao grupo de controlo.
A amostra foi de 60 participantes, sendo 30 do grupo de intervenção e 30 do grupo de controlo.
Foi construído um instrumento de colheita de dados para o estudo, constituído por uma parte de caracterização sociodemográfica e clínica e outra por grelhas de registo da saturação de oxigénio, frequência respiratória e dor (variáveis dependentes do estudo). A dor foi avaliada com recurso à escala numérica da dor.
A análise estatística de dados foi efetuada recorrendo ao SPSS versão 23.0. O nível de significância admitido foi de 5%, com intervalo de confiança de 95%.
O tratamento de dados foi executado em duas vertentes: através da análise descritiva e inferencial.
Na estatística descritiva das variáveis categóricas, recorremos a tabelas de frequências absolutas e relativas, que foram contabilizadas em cada grupo em estudo. Nas variáveis quantitativas recorremos ao mínimo, máximo, média, mediana, desvio padrão e amplitude interquartil.
Na análise inferencial, realizamos testes de comparação entre os dois grupos. Com o objetivo de verificar se as duas amostras em estudo diferiam entre si, utilizou-se o teste do qui-quadrado nas variáveis categóricas. Quando a variável dependente era quantitativa, para verificar as diferenças entre os grupos, foi utilizado o teste paramétrico t-Student para duas amostras independentes. Quando não se validou o pressuposto da normalidade das amostras recorreu-se ao teste não paramétrico de Mann-Whitney U.
No sentido de analisar as diferenças entre os vários momentos de avaliação para todas as variáveis de interesse, tratando-se de mais do que dois momentos, foi utilizada a ANOVA para medidas repetidas, quando cumprido o pressuposto de normalidade, sendo que quando este não se encontrou cumprido foi utilizado o teste não paramétrico de Friedman.
O estudo foi autorizado pela comissão de ética e conselho de administração da instituição e foi obtido consentimento informado a todos os participantes.
RESULTADOS
Relativamente à idade, os clientes do grupo de controlo, apresentavam valores entre os 33 e 86 anos (M=65,30; DP=13,68), os do grupo de intervenção tinham idades compreendidas entre os 40 e 85 anos (M=62,73; DP=12,52). Não se verificaram diferenças significativas entre os dois grupos em termos de idade [t(58)=0,76; p=0,451].
No que se refere ao género o grupo de controlo englobou 18 (60,0%) homens e 12 (40,0%) mulheres, o grupo de intervenção era constituído por 14 (46,7%) homens e 16 (53,3%) mulheres. Não se verificaram diferenças significativas entre os dois grupos relativamente ao género [χ2 (1) =1,07; p=0,301].
Como na idade e no género, nas restantes variáveis de caracterização sociodemográfica e clínica, não se verificaram diferenças significativas entre os dois grupos. Pela sua extensibilidade não apresentamos os resultados de forma pormenorizada neste artigo. Para melhor explanação dos resultados, optamos por fazer uma apresentação de acordo com as variáveis em estudo.
Dor
Apresentamos os resultados obtidos em relação à dor em dois quadros distintos. O Quadro 1 expõe a análise estatística efetuada entre o grupo de controlo e de intervenção relativamente a cada momento de avaliação da dor. O quadro 2 ostenta a análise estatística a nível temporal para o grupo de controlo e de intervenção.
Verificou-se que os clientes do grupo de controlo reportaram mais dor, no momento da alta e consulta de pós-operatório, sendo que as diferenças observadas entre os dois grupos foram significativas (U=304,00; p=0,016 e U=288,00; p=0,002, respetivamente). Nos restantes momentos (consulta de pré-operatório, véspera da cirurgia e 1º dia de pós-operatório), não se verificaram diferenças estatísticas significativas.
Segundo o quadro 2 foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as avaliações da dor, tanto para o grupo de controlo como para o grupo de intervenção [χ2(4) =49,01; p<0,001 e χ2(4) =49,63; p<0,001, respetivamente].
Consulta de pré-op. | Véspera da cirurgia | 1º pós-op. | Alta | Consulta de pós-op. | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
C | I | C | I | C | I | C | I | C | I | ||
Dor | Mínimo | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
Máximo | 3 | 0 | 2 | 0 | 7 | 5 | 5 | 2 | 4 | 1 | |
Mediana | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 2,00 | 1,50 | 1,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | |
Amplitude interquartil | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 3,25 | 3,00 | 3,00 | 1,00 | 2,00 | 0,00 | |
Média | 1,00 | 0,00 | 0,07 | 0,00 | 2,07 | 1,60 | 1,53 | 0,43 | 0,83 | 0,10 | |
Desvio Padrão | 0,55 | 0,00 | 0,37 | 0,00 | 1,96 | 1,63 | 1,72 | 0,68 | 1,18 | 0,31 | |
Comparação entre grupos | U= 435,00 p=1,000 | U =435,00 p=1,000 | U =395,50 p=0,411 | U =304,00 p=0,016 | U= 288,0 | p=0,002 |
Legenda: C-grupo de controlo; I - grupo de intervenção; U- estatística do teste Mann-Whitney U; p- valor de prova
Consulta de Pré-op. Ordem Média | Véspera Ordem Média | 1º pós-op. Ordem Média | Alta Ordem Média | Consulta de pós-op. Ordem Média | Comparação | |
---|---|---|---|---|---|---|
Dor (Controlo) | 2,23 | 2,18 | 3,95 | 3,60 | 3,03 | χ2(4) = 49,01 p < 0,001 |
Dor (Intervenção) | 2,48 | 2,48 | 4,03 | 3,27 | 2,73 | χ2(4) = 49,63 p < 0,001 |
Legenda: χ2 - estatística do teste de Friedman; p- valor de prova
Frequência respiratória
Quanto à frequência respiratória apresentamos o quadro 3 que ostenta os resultados fazendo a análise estatística entre os grupos em estudo em cada momento e o quadro 4 que expõe as diferenças a nível longitudinal, isto é, ao longo do tempo separadamente do grupo de controlo e de intervenção.
Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os clientes do grupo de controlo e de intervenção em termos da frequência respiratória registada, em qualquer um dos momentos de avaliação (todos p>0,05), como se comprova pelo quadro 3.
Percebemos pela análise do quadro 4 que relativamente ao grupo de controlo, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as avaliações da frequência respiratória realizadas nos cinco momentos temporais [χ2(4)=3,62; p=0,459]. No que diz respeito ao grupo de intervenção, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na frequência respiratória, entre as cinco avaliações [χ2(4)=16,18; p=0,003].
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Consulta de pré-operatório |
Véspera da cirurgia | 1º pós-op. | Alta | Consulta de pós-op. |
||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
C | I | C | I | C | I | C | I | C | I | ||
Frequência respiratória | Mínimo | 14 | 14 | 16 | 14 | 14 | 14 | 14 | 16 | 14 | 16 |
Máximo | 20 | 20 | 20 | 22 | 24 | 20 | 22 | 20 | 20 | 20 | |
Mediana | 16,00 | 16,00 | 17,00 | 18,00 | 17,00 | 18,00 | 16,00 | 16,00 | 17,00 | 16,00 | |
Amplitude interquartil | 2,00 | 2,00 | 2,00 | 2,00 | 4,00 | 4,00 | 2,00 | 2,00 | 2,00 | 2,00 | |
Média | 16,80 | 16,53 | 17,20 | 17,40 | 17,93 | 17,73 | 16,87 | 16,73 | 17,07 | 16,60 | |
Desvio Padrão | 1,54 | 1,38 | 1,35 | 1,83 | 2,90 | 2,08 | 1,87 | 1,11 | 1,36 | 1,07 | |
Comparação entre grupos | U= 407,00 p=0,490 |
U =433,50 p=0,787 |
U= 450,00 p=1,000 |
U =436,00 |
p=0,832 | U =355,50 p=0,121 |
Legenda: C-grupo de controlo; I - grupo de intervenção; U- estatística do teste Mann-Whitney U; p- valor de prova
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Consulta de pré-op. Ordem Média | Véspera da cirurgia Ordem Média |
1º pós-op. Ordem Média |
Alta Ordem Média |
Consulta de pós-op. Ordem Média |
Comparação |
---|---|---|---|---|---|---|
Freq. Respiratória (Controlo) | 2,73 | 3,15 | 3,33 | 2,87 | 2,92 | χ2(4) = 3,62 p = 0,459 |
Freq. Respiratória (Intervenção) | 2,50 | 3,33 | 3,67 | 2,85 | 2,65 | χ2(4) = 16,18 p = 0,003 |
Legenda: ( 2 - estatística do teste de Friedman; p - valor de prova
Saturação de Oxigénio
Inicialmente ostentamos os resultados relativamente à saturação de O2 inicial, ou seja, antes da execução do programa de RFR. Posteriormente apresentamos os valores relativos à saturação final. E por fim a comparação entre a saturação de O2 inicial e final, relativamente aos clientes do grupo de controlo.
Verificou-se que os clientes do grupo de intervenção apresentaram uma saturação inicial mais elevada, no momento da alta e consulta de pós-operatório, sendo que as diferenças observadas entre os dois grupos foram
significativas nestes momentos (U= 293,50; p=0,018 e U= 164,00; p<0,0001, respetivamente). Nos restantes momentos as diferenças não foram significativas, tal como demonstra o quadro 5.
Analisando o quadro 6 percebemos que foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as avaliações da saturação de oxigénio inicial realizadas nos cinco momentos temporais, tanto para o grupo de controlo como para o grupo de intervenção [χ2(4)=33,36; p<0,001 e χ2(4)=67,71; p<0,001, respetivamente].
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Consulta de pré-operatório |
Véspera da cirurgia | 1º pós-op. | Alta | Consulta de pós-op. |
||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
C | I | C | I | C | I | C | I | C | I | ||
Saturação de O2 inicial | Mínimo | 95 | 94 | 95 | 95 | 92 | 93 | 95 | 95 | 95 | 96 |
Máximo | 100 | 99 | 100 | 100 | 98 | 97 | 100 | 99 | 100 | 100 | |
Mediana | 97 | 97 | 97 | 98 | 96 | 95,5 | 96,5 | 97,5 | 97 | 98 | |
Amplitude interquartil | 2,00 | 2,00 | 2,00 | 2,25 | 3,00 | 2,00 | 2,00 | 1,25 | 1,25 | 1,00 | |
Média | 97,07 | 96,97 | 97,10 | 97,70 | 95,50 | 95,57 | 96,53 | 97,27 | 97,23 | 98,47 | |
Desvio Padrão | 1,39 | 1,33 | 1,40 | 1,42 | 1,48 | 1,19 | 1,31 | 1,23 | 1,04 | 0,90 | |
Comparação entre grupos | U =443,00 p=0,915 |
U= 342,50 p=0,105 |
U= 445,00 p=0,939 |
U= 293,50 p=0,018 |
U= 164,00 |
p<,0001 |
Legenda: C-grupo de controlo; I - grupo de intervenção; U- estatística do teste Mann-Whitney U; p- valor de prova
|
Consulta de pré-op. Ordem Média | Véspera Ordem Média |
1º pós-op. Ordem Média |
Alta Ordem Média |
Consulta de pós-op. Ordem Média |
Comparação |
---|---|---|---|---|---|---|
Sat. O2 inicial (Controlo) | 3,45 | 3,32 | 1,78 | 2,73 | 3,72 | χ2(4) = 33,36 p < 0,001 |
Sat. O2 inicial (Intervenção) | 2,73 | 3,75 | 1,28 | 3,03 | 4,20 | χ2(4) = 67,71 p < 0,001 |
Legenda: χ 2 - estatística do teste de Friedman; p - valor de prova
Em relação à saturação de oxigénio final, percebe-se pela análise do quadro 7 que foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em todos os momentos de avaliação, sendo que os clientes do grupo
de intervenção apresentaram saturação superior aos clientes do grupo de controlo em todos os momentos (todos p<0,05).
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Consulta de pré-operatório |
Véspera da cirurgia | 1º pós-op. | Alta | Consulta de pós-op. |
||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
C | I | C | I | C | I | C | I | C | I | ||
Saturação de O2 final | Mínimo | 95 | 98 | 95 | 98 | 92 | 97 | 95 | 98 | 95 | 96 |
Máximo | 100 | 100 | 100 | 100 | 98 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | |
Mediana | 97 | 100 | 97 | 100 | 96 | 97 | 96,5 | 100 | 97 | 98 | |
Amplitude interquartil | 2,00 | 2,00 | 2,00 | 2,00 | 3,00 | 2,50 | 2,00 | 0,25 | 1,25 | 1,50 | |
Média | 97,07 | 99,37 | 97,10 | 99,53 | 95,50 | 98,80 | 96,53 | 99,60 | 97,23 | 98,47 | |
Desvio Padrão | 1,39 | 0,76 | 1,40 | 0,68 | 1,48 | 0,96 | 1,31 | 0,77 | 1,04 | 0,90 | |
Comparação entre grupos | U =77,50 p<,0001 |
U= 59,00 p<,0001 |
U =16,50 p<,0001 |
U =34,50 p<,0001 |
U= 164,00 |
p<,0001 |
Legenda: C-grupo de controlo; I - grupo de intervenção; U- estatística do teste Mann-Whitney U; p- valor de prova
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Consulta de pré-operatório Ordem Média |
Véspera Ordem Média |
1º pós-op. Ordem Média |
Alta Ordem Média |
Consulta de pós-op. Ordem Média |
Comparação |
---|---|---|---|---|---|---|
Sat. O2 final (Controlo) | 3,45 | 3,32 | 1,78 | 2,73 | 3,72 | χ2(4) = 33,36 p < 0,001 |
Sat. O2 final (Intervenção) | 3,28 | 3,65 | 2,25 | 3,73 | 2,08 | χ2(4) = 43,22 p < 0,001 |
Legenda: ( 2 - estatística do teste de Friedman; p - valor de prova
Quando analisamos a saturação de oxigénio final por grupos relativamente aos momentos de avaliação decorridos no estudo (quadro 8), percebemos que existem diferenças estatisticamente significativas entre as avaliações, tanto para o grupo de controlo como para o grupo de intervenção [χ2(4)=33,36; p<0,001 e χ2(4)=43,22; p<0,001, respetivamente].
Os dados do quadro 9 traduzem diferenças estatisticamente significativas em todos os momentos temporais, sendo que a saturação foi sempre superior na avaliação final, quando comparada com a avaliação inicial (todos p<0,05).
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Consulta de pré-operatório |
Véspera da cirurgia | 1º pós-op. | Alta | |||||
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Sat. inicial | Sat. final |
Sat. inicial |
Sat. final |
Sat. inicial |
Sat. final |
Sat. inicial |
Sat. final |
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Grupo de intervenção | Mediana | 97 | 100 | 98 | 100 | 95,5 | 97 | 97,5 | 100 |
Amplitude interquartil | 2,00 | 2,00 | 2,25 | 2,00 | 2,00 | 2,50 | 1,25 | 0,25 | |
Média | 96,97 | 99,37 | 97,70 | 99,53 | 95,57 | 98,80 | 97,27 | 99,60 | |
Desvio Padrão | 1,33 | 0,76 | 1,42 | 0,68 | 1,19 | 0,96 | 1,23 | 0,77 | |
Comparação | Z = -4,87 p<0,001 |
Z= -4,69 p<0,001 |
Z= -4,87 |
p<0,001 | Z= -4,87 p<0,001 |
Legenda: Z - estatística do teste de Wilcoxon; p - valor de prova
DISCUSSÃO
Tal como no capítulo anterior, optamos por discutir os resultados de acordo com as variáveis dependentes em estudo.
Dor
A dor aconteceu, essencialmente, no primeiro dia de pós-operatório com uma mediana de 2, de acordo coma escala da dor (máximo 7 e mínimo 0), no grupo de controlo; e uma mediana de 1,5 (máximo 5 e mínimo 0) no grupo de intervenção. Nos momentos de avaliação seguintes (alta e consulta de pós-operatório) os níveis de dor diminuem, comparativamente ao 1º dia de pós-operatório no grupo de intervenção e controlo.
Ao analisarmos esteves valores percebe-se que é comum nos momentos mais próximos da cirurgia os níveis de dor serem mais elevados. Contudo, segundo as medianas, poderemos considerar estes níveis de dor reduzidos. Isto acontece, porque a maioria dos clientes ficam com cateter epidural, com bomba infusora de analgesia continua e com capacidade para infundir bolus de forma autónoma quando têm dor. Por outro lado, existem protocolos de analgesia prescritos para ajudar a controlar a dor.
Talvez por este controlo farmacológico da dor, que tem como objetivo a ausência de dor no pós-operatório, que a análise estatística, neste momento de avaliação (1º dia de pós-operatório) não tenha demonstrado diferenças significativas entre o grupo de controlo e de intervenção (p=0,411).
Como descrito anteriormente, a análise longitudinal, entre o 1º dia de pós-operatório, o momento de alta e consulta de pós-operatório, permite-nos constatar que existe um decréscimo da dor em ambos os grupos com diferenças significativas. Este facto é compreensível pois à medida que o tempo passa, torna-se menor a dor. Porém, esta diminuição da intensidade da dor foi maior para o grupo de intervenção, o que nos leva a concluir que o programa de RFR influenciou a dor.
Dois estudos corroboram os nossos dados na medida em que concluem que a cinesiterapia promove a redução da dor após a sua realização 21. Estes estudos, contestam o princípio de que a mobilização pode aumentar os níveis de dor no pós-operatória da cirurgia abdominal. Aliás acrescentam dizendo que não apenas a analgesia, mas também a cinesiterapia, ajudam a diminuir os níveis de dor, a diminuir o tempo de internamento e a melhorar a recuperação dos clientes 21.
Tal como os nossos resultados duas outras investigações concluem que houve um aumento dos níveis de dor no pós-operatório imediato e um decréscimo no segundo dia pós-operatório e seguintes 22,23.
A nossa hipótese é suportada parcialmente pela análise estatística, isto é, apenas existem diferenças significativamente estatísticas entre os grupos no momento da alta e da consulta de pós-operatório, sendo que os níveis de dor são menores no grupo de intervenção, nestes dois momentos de avaliação. Com a análise longitudinal percebemos que o programa de RFR a longo prazo traz benefícios no que refere aos níveis de dor, principalmente, quando os níveis de analgesia farmacológicos são mais reduzidos. Podemos dizer que para além do impacto estatístico que estes dados traduziram, também são percetíveis e valorizáveis os benefícios clínicos causados pelo programa de RFR nos níveis de dor dos clientes em estudo.
Frequência Respiratória
Os valores obtidos pela análise estatística relativamente à frequência respiratória, apresentam medianas em todos os momentos e em ambos os grupos que variam entre 16 e 18, ou seja, valores que clinicamente são considerados normais e valores mínimos de 14 e máximos de 24. Esta mesma análise não demonstra diferenças significativas entre os grupos (todos p>0,05).
Relativamente à avaliação longitudinal, o grupo de controlo não apresenta diferenças significativas. Quanto ao grupo de intervenção os dados dizem-nos que existem diferenças significativas, mas que clinicamente não são valorizáveis pois os dados obtidos da frequência respiratória eram estáveis e normais ao longo de todo o estudo.
Podemos assumir que o programa de RFR não interferiu na frequência respiratória da amostra em estudo. Contrariamente aos nossos resultados, uma investigação desenvolvida no mesmo âmbito revelou que a cinesiterapia respiratória resultou numa melhoria da frequência respiratória, dentro de um curto espaço de tempo (30 minutos) após a terapia ter sido realizada 24. Outro estudo conclui que o programa de RFR pré-operatório que implementou, contribuiu para a estabilidade da frequência respiratória 22.
Os dados do nosso estudo levam-nos a dizer que a nossa hipótese não foi suportada estatisticamente, nem clinicamente.
Saturação de O2
Os valores de saturação de oxigénio ao longo do estudo foram considerados normais (valor mínimo foi de 92%), no grupo de controlo e intervenção. Contudo, quando comparamos os valores de saturação de oxigénio inicial entre grupos, verificou-se que os clientes do grupo de intervenção apresentaram uma saturação de O2 inicial mais elevada, no momento da alta e consulta de pós-operatório, sendo que as diferenças observadas entre os dois grupos foram significativas nestes momentos (p=0,018 e p<0,0001, respetivamente). Nos restantes momentos de avaliação, as diferenças entre os grupos não foram estatisticamente significativas.
Longitudinalmente percebe-se que da consulta de pré-operatório e da véspera da cirurgia em relação ao 1º dia de pós-operatório existe um decréscimo deste valor, o que é compreensível, uma vez que o cliente foi submetido a gastrectomia, o que comprova que este procedimento cirúrgico interfere nesta variável. Isto acontece no grupo de controlo e intervenção. Porém, se compararmos o 1º dia de pós-operatório com o momento da alta e da consulta de pós-operatório, percebemos que existe um aumento significativo das saturações, que é mais elevado no grupo de intervenção, demonstrando vantagens para os clientes deste grupo.
Este facto leva-nos a afirmar que o programa de RFR interferiu de forma benéfica para os clientes do grupo de intervenção permitindo-lhes ter no momento da alta e consulta de pós-operatório valores de saturação de oxigénio mais elevados que os clientes do grupo de controlo. Digamos que há uma melhoria substancial da saturação de oxigénio com o decorrer da implementação do programa de RFR.
Relativamente à saturação de oxigénio final, denota-se diferenças estatisticamente significativas entre o grupo de controlo e intervenção em todos os momentos de avaliação, sempre com melhores valores no grupo de intervenção. Isto demonstra que o programa de RFR interfere de forma positiva nesta variável. O programa de RFR traz benefícios imediatos na saturação final de O2 dos clientes do grupo de intervenção.
Outras investigações corroboram os dados obtidos, demonstrando que a cinesiterapia respiratória foi capaz de melhorar a saturação de oxigénio após a sua realização, favorecendo os clientes com níveis de oxigénio mais elevados no final da sua realização 21.
A nível longitudinal, a saturação de O2 final comportou-se como a saturação de O2 inicial.
Contrariamente ao nosso estudo, Rodrigues (2015), no seu estudo com a aplicação de um programa pré-operatório de RFR no cliente submetido a cirurgia abdominal, diz que este programa não teve qualquer tipo de vantagem ao nível da saturação de oxigénio.
A nossa hipótese é sustentada parcialmente pela análise estatística:
- na comparação da saturação O2 inicial entre grupo de intervenção e controlo, no momento da alta e na consulta de pós-operatório;
- na comparação da saturação O2 final entre grupo de intervenção e controlo, em todos os momentos de avaliação;
- na comparação da saturação O2 inicial - O2 final entre grupo de intervenção, em todos os momentos de avaliação;
- longitudinalmente existe melhoria da saturação de O2 inicial e final do 1º dia de pós-operatório para o dia da alta e consulta de pós-operatório com vantagem significativa para o grupo de intervenção.
CONCLUSÕES
Da revisão bibliográfica efetuada, que acompanhou todo o processo de investigação, rapidamente se percebeu que o estudo da enfermagem de reabilitação nesta área é escasso. Internacionalmente pesquisa-se sobre RFR em clientes submetidos a cirurgia abdominal, sendo os estudos realizados sobretudo por fisiatras ou fisioterapeutas. Acresce dizer que este estudo foi totalmente inovador em debruçar o seu foco de ação apenas nos clientes submetidos a gastrectomia, que pela revisão efetuada nunca tinha sido anteriormente feito.
Sintetizamos os principais resultados desta investigação, concluindo que o programa de RFR:
teve impacto na dor, no momento da alta e consulta de pós-operatório, sendo os valores favoráveis para o grupo de intervenção com níveis de dor mais baixos;
não teve impacto na frequência respiratória, sendo os resultados constantes e dentro dos valores normais;
teve impacto na saturação de O2 inicial no momento da alta e consulta de pós-operatório e na saturação de O2 final em todos os momentos, entre o grupo de controlo e intervenção. Quanto aos valores de saturação de O2 inicial e final no grupo de intervenção, houve sempre melhoria destes valores na saturação final demonstrando uma grande vantagem da implementação do programa de RFR.
Concluímos que existe influencia do programa de RFR na dor e saturação de O2. Este efeito é benéfico para o grupo de intervenção, sendo mais frequente nos momentos de pós-operatório, o que demonstra que a sua continuidade de aplicação traz vantagens para os clientes. Este facto revela a importância continuada do programa de RFR neste tipo de clientes.
Para a valorização da Enfermagem de Reabilitação e reconhecimento do seu contributo na melhoria da qualidade dos cuidados prestados, é necessário desenvolverem-se mais estudos de investigação nesta área, de forma a demonstrar, através de ganhos em saúde para o cliente e para o serviço de saúde, o impacto do enfermeiro de reabilitação no cuidar.