INTRODUÇÃO
Na abordagem à pessoa com deglutição comprometida é importante que a equipa multidisciplinar se encontre consciente das suas consequências e saiba identificar os seus sinais clínicos1. Assim, uma avaliação precoce da função de deglutir é tão ou mais importante quanto a avaliação do estado de consciência da pessoa e a equipa de enfermagem deve estar preparada para a rápida identificação destas pessoas, facilitando o diagnóstico e o tratamento da alteração em causa2.
A intervenção do enfermeiro, nomeadamente do enfermeiro de reabilitação é fundamental junto das pessoas com deglutição comprometida, acompanhando-as no processo de reabilitação desde o seu início e em permanência constante.
A percepção da pessoa é igualmente fundamental no diagnóstico de enfermagem “deglutição comprometida”. Nesse sentido, o Eat Assessement Tool (EAT-10) é um instrumento passível de ser aplicado na pessoa com deglutição comprometida, independentemente do seu diagnóstico, pois permite mensurar o grau de alteração da deglutição sentido pela mesma3.
Trata-se de um questionário do tipo Likert onde a pessoa refere a intensidade da alteração percepcionada, atribuindo uma pontuação a cada uma das dez afirmações, a partir das quais se obtém um score que pode variar entre 0 para nenhum problema e 4 que corresponde a problema grave. Uma pontuação final superior ou igual a três pontos orienta para a presença ou risco de deglutição comprometida3.
Um estudo indica que 48% das pessoas com aspirações detetadas por videofluroscopia não apresentaram tosse após aspiração de conteúdo deglutido, atestando uma elevada incidência de aspirações silenciosas4. Tendo em conta esta problemática, o Volume-Viscosity Swallow Test (V-VST) é um método de exploração clínico, de fácil aplicação, que recorre à oximetria de pulso como procedimento complementar para a rápida identificação dessas pessoas sem recursos a métodos invasivos como a videofluroscopia ou videoendoscopia4.
O referido método permite a rápida deteção de sinais clínicos de alteração na eficácia e segurança da deglutição através da administração de três tipos de consistências: néctar, líquido e pudim, respeitando um fluxograma com diversos graus de dificuldade4. As alterações na eficácia compreendem: o encerramento labial ineficaz, a presença de resíduos orais ou faríngeos e as múltiplas deglutições por bolo alimentar administrado. Os sinais de alteração na segurança compreendem: a alteração na qualidade da voz, a tosse ou a diminuição da oximetria de pulso superior ou igual a 3%4.
Com os dados obtidos na aplicação do método V-VST é possível a categorização das limitações funcionais na alimentação por via oral4. Neste sentido, a Functional Oral Intake Scale (FOIS), com os seus 7 itens, é um instrumento de avaliação que permite essa abordagem. Uma pessoa posicionada no nível 7 não apresenta qualquer tipo de limitação, por sua vez, uma pessoa posicionada no nível 1 não é capaz de deglutir qualquer alimento por via oral5.
Por sua vez, nos níveis 1 a 3 deste instrumento são posicionados aqueles que necessitam de sonda nasogástrica para a manutenção de um aporte alimentar ou hídrico adequado. Os níveis 4 a 7 encontram-se destinados para aqueles que apresentam capacidade para a ingestão por via oral sem necessitar de qualquer via alternativa5.
O EAT-10 e a FOIS apresentam-se como dois instrumentos de fácil aplicação5, encontram-se validados para a população portuguesa(3;5) e constituem uma mais-valia para a avaliação das pessoas com deglutição comprometida, orientando a sua respetiva reabilitação5.
No tratamento das alterações da deglutição é importante a identificação precisa das estruturas afetadas e do tipo de défice na deglutição. Se for identificada fraqueza muscular, a pessoa deve ser orientada para a execução de uma série de exercícios centrados na reeducação de áreas específicas da base da língua ou das paredes laterais da faringe. No caso da presença de défice neurológico que curse em alterações no reflexo de deglutição ou se o défice muscular for inultrapassável, então a pessoa deve ser orientada para a execução de estratégias compensatórias para melhorar a segurança da deglutição6.
Após a identificação da alteração da deglutição, torna-se fundamental delinear o planeamento dos cuidados de enfermagem, almejando a reeducação funcional da deglutição que, dada a sua complexidade, requer competências específicas no campo de intervenção7.
O processo de reabilitação da deglutição comprometida engloba, desta forma, componentes de treino de habilidades e de força muscular, que visam assegurar uma ingestão oral segura e combater as alterações da deglutição8.
Em paralelo, também é fundamental implementar outros cuidados de enfermagem de reabilitação, tais como técnicas de melhoria do padrão ventilatório e mecânica ventilatória, procurando assegurar a permeabilidade das vias aéreas, promover o fortalecimento da musculatura respiratória e reduzir o risco de aspiração7.
A prevenção das consequências da imobilidade deve incluir intervenções de enfermagem centradas na promoção do autocuidado com recurso a estratégias adaptativas9. É frequente observar-se alteração na mobilidade na pessoa com deglutição comprometida, tal alteração não pode ser descurada no planeamento e implementação de um programa de enfermagem de reabilitação. Desta forma, as intervenções de enfermagem, neste âmbito, devem ser promotoras do autocontrolo e autocuidado destas pessoas.
Apresentando-se a reabilitação como um processo que ambiciona a recuperação funcional da pessoa, a reintegração na família, na comunidade e na sociedade, torna-se necessária uma abordagem holística da pessoa cuidada10. Na abordagem da pessoa com deglutição comprometida estas premissas devem ser sempre uma constante.
A Enfermagem de Reabilitação poderá desempenhar um papel fundamental na abordagem da pessoa com a referida disfunção. Esta especialidade, com outra área da Enfermagem, deve ser suportada num referencial que norteie a prática. Na presente abordagem, a teoria de Enfermagem do Défice de Autocuidado de Dorothea Orem encaixa-se na perfeição.
A referida teoria de enfermagem propõe cinco áreas de atividades para a prática, que são: a manutenção de uma relação terapêutica; a determinação de como a pessoa pode ser ajudada através dos cuidados de enfermagem; a resposta às necessidades da pessoa em relação ao contacto e à assistência do enfermeiro; a prescrição, fornecimento e regulação da ajuda direta à pessoa e conviventes significativos; a coordenação e integração dos cuidados de enfermagem na vida diária da pessoa; outra assistência de saúde ou os serviços sociais e de educação necessários11. As cinco áreas referidas encontram-se bem presentes ao longo do caso apresentado.
O presente estudo centrou-se na implementação de um programa de reeducação funcional, composto por intervenções de enfermagem de reabilitação junto de uma pessoa com deglutição comprometida de etiologia neurológica. Assim, foram desenvolvidas estratégias devidamente fundamentadas no Processo de Enfermagem e no Padrão Documental dos Cuidados Especializados da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação12. Igualmente, o uso de instrumentos de avaliação apropriados permitiu criar critérios de diagnóstico que ajudaram a definir diagnósticos de enfermagem de reabilitação mais acurados neste âmbito e procurou nortear o processo de avaliação dos resultados desse mesmo programa.
Neste sentido, o objetivo geral deste estudo foi identificar os ganhos sensíveis aos cuidados de enfermagem de reabilitação com a implementação de um programa de optimização da deglutição numa pessoa com deglutição comprometida. Os objetivos específicos visavam identificar as alterações da deglutição com recurso a três instrumentos avaliação de alterações da deglutição; definir os principais diagnósticos de enfermagem de reabilitação no âmbito da deglutição comprometida; avaliar o impacto da implementação de um programa de optimização da deglutição numa pessoa com deglutição comprometida, na melhoria dos diagnósticos de enfermagem de reabilitação.
MATERIAL E MÉTODOS
Em Enfermagem, a abordagem através do estudo de caso, permite ao investigador estudar um fenómeno complexo da vida de uma forma intensiva e profunda, recorrendo a múltiplas fontes de evidência13.
Os estudos de casos podem gerar hipóteses para futuros estudos clínicos, assim como orientam para a individualização e personalização da prestação de cuidados. Foram utilizadas as guidelines da CAse REport (CARE) pois fornecem a estrutura necessária para satisfazer a precisão, integridade e transparência na abordagem científica de estudos de caso14.
As guidelines da CARE integram uma lista de verificação de 13 itens (título, palavras-chave, resumo, introdução, informação da pessoa, achados clínicos, cronograma, avaliação diagnóstica, intervenção terapêutica, seguimento clínico e resultados, discussão, perspetiva da pessoa, termo de consentimento informado) e encontra-se especialmente estruturada para corresponder aos principais componentes de um estudo de caso e apreender as informações clínicas de relevo14.
De igual forma, na estruturação do presente estudo foram cumpridas as seis etapas do desenvolvimento do estudo de caso definidas por Yin e Stake, são elas: Definição da problemática; Definição do caso; Fundamentação Teórica; Elaboração do protocolo do estudo; Colheita de dados; Análise e Interpretação dos resultados13.
O presente estudo descreve o caso de uma pessoa com deglutição comprometida e apresenta caráter longitudinal, o que permite demonstrar o programa de reeducação funcional da deglutição desenvolvido junto dessa pessoa e evidenciar os resultados alcançados.
Foi realizado durante o mês de novembro de 2017, desde a admissão num serviço do departamento de medicina de um Centro Hospitalar da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, até à recuperação funcional da deglutição. Trata-se de um caso único e de abordagem holística.
A pessoa envolvida no estudo assinou o formulário de consentimento informado esclarecido e livre para atos/intervenções de saúde nos termos da norma n.º 015/2013 da Direção-Geral da Saúde.
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde e autorizado pelo Conselho de Administração do Centro Hospitalar.
Vale ressaltar que foram respeitados todos os aspectos éticos interligados com a investigação realizada com seres humanos. Assim, procurou-se cumprir as indicações expressas na Declaração de Helsínquia, na Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina, nas orientações do Council for International Organizations of Medical Sciences e no Guia das Boas Práticas Clínicas.
A pessoa foi designada por uma letra (A), salvaguardando a confidencialidade dos dados e o anonimato da mesma.
O recurso a instrumentos específicos para a avaliação do compromisso da deglutição requereu o pedido de autorização a investigadores nacionais que adaptaram para o português europeu esses mesmos instrumentos.
Este estudo evidencia os resultados de um participante que integrou um amplo projeto cujos critérios de inclusão dos participantes foram: pontuação na Escala de Comas de Glasgow superior ou igual a 11 pontos (pontuação máxima nos itens “abertura ocular” e “melhor resposta motora”), de forma a incluir as pessoas com défice de expressão; pontuação no EAT-10 superior ou igual a 3 pontos (sugerindo a perceção de compromisso na deglutição3); FOIS superior a nível 1 e inferior a nível 7 (permitindo a inclusão de pessoas com via oral, mas com compromisso na ingestão de determinadas consistências5).
Foi realizada uma análise estatística de todos os questionários EAT-10 aplicados à pessoa ao longo do estudo, recorrendo ao programa informático IBM-SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 22.0, facilitando uma posterior análise descritiva dos mesmos.
APRESENTAÇÃO DO CASO
Anamnese
A anamnese orienta o profissional de saúde para o diagnóstico e respetivo plano terapêutico. As características socioeconómicas, a história pregressa, a história familiar e a história clínica atual são componentes fundamentais de uma boa anamnese15.
É exposto o caso do Sr. A de 57 anos de idade, género masculino, caucasiano e de nacionalidade portuguesa. Tem o 9º ano de escolaridade. É casado e não tem filhos. Quanto à sua situação laboral, trabalha numa empresa como técnico de elevadores. Foi admitido no serviço de urgência do Centro Hospitalar no dia 5 de novembro de 2017 com crise hipertensiva acompanhada de quadro de cefaleias, vómitos, prostração e diminuição da força muscular nos segmentos corporais do hemicorpo esquerdo, sendo referenciado através da via verde AVC. Posteriormente foi encaminhado para a Unidade de AVC do centro Hospitalar, após realização de Tomografia Axial Computorizada Crânio-Encefálica, compatível com lesão isquémica vertebro-basilar aguda.
O Sr. A apresentava como antecedentes pessoais hipertensão arterial e dislipidémia, apresentando como terapêutica habitual: captopril 12,5mg/dia; bisoprolol 2,5mg/dia; pravastatina 20 mg/dia. Este é o seu primeiro internamento e desconhece qualquer tipo de alergias;
Quanto ao estado nutricional, o Sr. A apresentava um peso adequado para a sua altura (peso 82 kg e altura 180cm), correspondendo a um índice de massa corporal de 25,31 kg/m2, valor que se manteve ao longo do programa de reeducação funcional da deglutição. Contudo, o Sr. A realizou 3 a 4 refeições por dia ao longo do internamento, apresentando alterações na segurança e efetividade na deglutição de alimentos com consistência líquida desde o dia da admissão, sendo evidente o risco de desidratação.
Desde o dia da admissão que o Sr. A tinha alteração na comunicação, nomeadamente na fluência do discurso (disartria). Não tinha alterações na audição ou visão, e não necessitava de nenhum mecanismo de compensação. A orientação alopsíquica e autopsíquica foram sempre uma constante no Sr. A. Apresentou perfeita consciência da sua situação clínica e demonstrou-se sempre participativo no programa instituído.
No âmbito das atividades de vida diária e das atividades instrumentais da vida diária, o Sr. A apresentava-se independente até ao internamento e refere ter uma vida social ativa.
Quanto à situação sociofamiliar e habitacional, o Sr. A referiu não ter dificuldades económicas. Vivia com a esposa numa casa térrea, no centro de uma localidade. A presença da esposa foi uma constante a partir do décimo dia de internamento, acompanhado, desde então, a sua evolução clínica e participou ativamente no programa instituído.
Avaliação de Enfermagem de Reabilitação
Os dados obtidos através da anamnese complementam os alcançados no exame físico da pessoa e orientam o enfermeiro de reabilitação na implementação de um programa baseado em diagnósticos e intervenções de enfermagem de reabilitação.
O programa de reabilitação e primeiro contato com o Sr. A teve início às 24 horas após o seu internamento no serviço, no dia 6 de novembro de 2017, e as intervenções de enfermagem de reabilitação foram implementadas até ao dia 24 de novembro de 2017. O Sr. A teve alta clínica no dia 28 de novembro de 2017.
No exame físico do Sr. A foi fundamental o recurso aos instrumentos de avaliação anteriormente mencionados para uma adequada categorização do grau de alteração da deglutição. O recurso a esses instrumentos de avaliação permitiu definir os diagnósticos de enfermagem de reabilitação e determinar os ganhos sensíveis aos cuidados de enfermagem de reabilitação.
De acordo com as fontes bibliográficas consultadas é defendido um intervalo de 48 em 48 horas para a avaliação com o EAT-103. Quanto à FOIS é sugerida a sua aplicação nas 24 horas após a admissão e 3 após uma avaliação inicial5. Assim, o Sr. A foi sujeito a uma avaliação no início do programa de reeducação funcional da deglutição e manteve-se a periodicidade de avaliações num intervalo de três sessões, de forma a manter o tempo preconizado para a aplicação da escala de FOIS.
Ao ser identificada a alteração na deglutição do Sr. A com o score de EAT-10 e o nível de FOIS obtido na avaliação subjetiva, procedeu-se à avaliação objetiva com a aplicação do método de exploração clínico V-VST.
Esta avaliação objetiva permitiu determinar a consistência e o volume dos alimentos para uma deglutição segura, confirmar ou corroborar o nível de FOIS obtido na avaliação subjetiva e fundamentar a dieta recomendada e supervisão necessária. Os sinais de alteração da segurança e efetividade na deglutição, detetados na realização do V-VST, foram registados num instrumento de registo desenvolvido para o efeito.
Em cada uma das avaliações efetuadas, para além de aplicados os instrumentos de avaliação acima mencionados, foram ajustados os diagnósticos de enfermagem e respetivas intervenções subordinados ao foco “deglutição”.
Visando uma abordagem holística, no decorrer do programa de reeducação funcional da deglutição, foi possível a colheita de outros dados que permitiram interpretar a condição ventilatória e o estado nutricional da pessoa. No que respeita à condição ventilatória, foi monitorizada e registada diariamente a saturação de oxigénio, obtida através da oximetria periférica. No âmbito da avaliação do estado nutricional foi monitorizado o Índice de Massa Corporal (IMC) da pessoa a cada seis sessões.
Diagnósticos de Enfermagem de Reabilitação
Os três diagnósticos de enfermagem que sustentaram o programa de reeducação funcional da deglutição foram definidos respeitando a linguagem da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®) versão 201516 e centraram-se no foco “Deglutição” e nas dimensões do “Conhecimento” e “Aprendizagem de Capacidades”12. São eles:
Programa de Reeducação Funcional da Deglutição
Ao longo do programa de reeducação funcional da deglutição, ao reunir os dados colhidos na avaliação subjetiva e objetiva do Sr. A, e após levantamento dos diagnósticos de enfermagem, foram propostas diversas intervenções de enfermagem (quadro 1).
Foco Deglutição | ||
---|---|---|
Diagnóstico ativo | Enunciados de diagnóstico | Enunciados de ação de diagnóstico e de intervenções de enfermagem |
Sessão 1 a 3 | Deglutição comprometida em grau moderado | Avaliar capacidade de deglutição |
Monitorizar deglutição (EAT-10, V-VST, FOIS) | ||
Supervisionar a deglutição | ||
Incentivar deglutição | ||
Gerir dieta | ||
Planear dieta | ||
Posicionar a Pessoa | ||
Sessão 4 a 10 | Deglutição comprometida em grau reduzido | Avaliar capacidade de deglutição |
Monitorizar deglutição (EAT-10, V-VST, FOIS) | ||
Supervisionar a deglutição | ||
Gerir dieta | ||
Planear dieta | ||
Posicionar Pessoa | ||
Dimensão do Conhecimento | ||
Diagnóstico ativo | Enunciado de diagnóstico | Enunciados de ação de diagnóstico e de intervenções de enfermagem |
Sessão 1 a 10 | Potencial para melhorar conhecimento sobre exercícios e técnicas de deglutição | Ensinar sobre processo patológico |
Ensinar sobre complicações do processo patológico | ||
Ensinar sobre dieta (dieta adaptada) | ||
Ensinar sobre exercícios e técnicas de deglutição | ||
Avaliar conhecimento sobre exercícios e técnicas de deglutição | ||
Dimensão da Aprendizagem de Capacidades | ||
Diagnóstico ativo | Enunciado de diagnóstico | Enunciados de ação de diagnóstico e de intervenções de enfermagem |
Sessão 1 a 10 | Potencial para melhorar capacidade para executar exercícios e técnicas de deglutição | Instruir/Treinar exercícios e técnicas de deglutição |
Avaliar capacidade para executar exercícios e técnicas de deglutição |
Na aplicação do método de exploração clinico V-VST foram observadas manifestações clinicas nas diversas fases da deglutição, tal como relatadas na bibliografia consultada17,18.
Tal facto possibilitou a identificação da fase da deglutição com maior número de alterações e orientou para a seleção do conjunto de exercícios e técnicas mais adequados para combater tais disfunções.
Os programas propostos apresentaram sempre as mesmas três componentes de treino: exercícios de amplitude de movimentos e fortalecimento muscular, treino de posturas compensatórias e treino de técnicas compensatórias da deglutição, tal como sugerido por diversos autores(19; 20; 21). Foram definidos dois programas de reeducação funcional da deglutição a serem aplicados ao longo da abordagem ao Sr. A (quadro 2).
Fase da deglutição com maior número de alterações | Programa | Exercícios | Duraç. (min.) |
---|---|---|---|
Fase oral (Programa 1) |
Exercícios de Fortalecimento Muscular | Lábios; Língua; Bochechas; Língua e Bochechas; Maxilar Inferior. |
15’ |
Posturas compensatórias | Posição Reclinada; Extensão cervical; Rotação cervical para o lado menos funcional; Rotação cervical para o lado menos funcional e extensão cervical; Decúbito lateral com cabeça apoiada. |
10’ | |
Técnicas compensatórias da deglutição | Controlo do bolo alimentar; Deglutição múltipla; Deglutição de esforço. |
5’ | |
Fase faríngea (Programa 2) |
Exercícios de Fortalecimento Muscular | Língua e bochechas; Maxilar inferior; Larínge. |
5’ |
Posturas compensatórias | Posição Reclinada; Flexão Cervical; Inclinação Cervical. |
5’ | |
Técnicas compensatórias da deglutição | Estimulação térmica; Deglutição de esforço; Deglutição supraglótica; Deglutição super-supraglótica; Manobra de Mendelsohn; Manobra de Masako; Exercício de Shaker. |
20’ |
Cada sessão de treino teve uma duração média de 30 minutos, de acordo com as evidencias detectadas na bibliografia consultada19. A par dessas sessões, tal como mencionado anteriormente, foi implementado um plano de cuidados de enfermagem de reabilitação.
O plano de cuidados instituído apresentou-se mutável ao longo do programa de reeducação funcional da deglutição e, tendo em conta a abordagem holística característica deste estudo, não vigoraram apenas diagnósticos centrados no foco “Deglutição”.
Foram enunciados diagnósticos de enfermagem como: Autocuidado: Beber comprometido; Alimentar-se dependente; Limpeza das vias aéreas comprometida; Risco de aspiração; Risco de desidratação; Risco de compromisso na ingestão nutricional; Défice sensorial presente; Equilíbrio corporal comprometido; Movimento muscular diminuído12,16.
As intervenções de enfermagem foram asseguradas em todas as sessões, visando a recuperação da função da deglutição (documentada pela evolução na escala de FOIS) assim como a reabilitação da pessoa no seu todo.
RESULTADOS
Como mencionado anteriormente, o Sr. A integrou um amplo projeto, tendo iniciado o programa de reeducação funcional da deglutição no início do período de seleção do projeto.
Após assinar o consentimento informado, cumpriu um total de 10 sessões, tendo sido realizadas 4 avaliações ao todo, respeitando o intervalo de 3 sessões, e manteve-se no programa até à recuperação funcional da deglutição.
Níveis diminuídos de consciência, a presença de fadiga e alterações neurológicas podem comprometer a resposta da pessoa e a manutenção do estado de alerta suficiente para favorecer a sua participação nas sessões terapêuticas22. Assim, antes de qualquer intervenção, foi sempre avaliado o nível de consciência através da aplicação da Escala de Comas de Glasgow.
Tal como mencionado anteriormente, pôde observar-se que o Sr. A permaneceu sempre vígil e colaborante, apresentando 15 pontos na referida escala, quer na avaliação inicial, quer nas restantes avaliações.
Seguiu-se a etapa da avaliação da percepção das alterações da deglutição, recorrendo à aplicação do questionário EAT-10. O questionário foi sempre preenchido pelo sr. A, apenas sendo necessária orientação para o seu preenchimento no dia da avaliação inicial.
Verifica-se, na análise das respostas obtidas nos questionários EAT-10, que os problemas percepcionados com maior frequência residiam em “engolir líquidos exige um esforço maior” e “eu tusso quando como”, sendo relatados em todas as avaliações efetuadas. Tal facto sugere serem estes os problemas que mais inquietaram o Sr. A ao longo do programa de reeducação funcional da deglutição (gráfico 1).
Na análise estatística dos questionários EAT-10 também se verificou que, embora não fosse relatada em todas as avaliações, a dificuldade em deglutir comprimidos também foi um problema de relevo relatado pelo Sr. A (tabela 1).
Na primeira avaliação foi evidente a percepção da alteração na deglutição, sendo obtido uma pontuação final bastante elevada (13 pontos). Contudo, no final do programa de reeducação funcional da deglutição, a pontuação obtida foi inferior a 3 pontos (2 pontos) (tabela 2), sugerindo remissão total dos sintomas da deglutição comprometida3,5.
Questão - Termos-Chave | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Dado Estatístico | Perder peso | Comer fora | Líquidos | Comida | Comprimidos | Dor | Prazer | Garganta | Tosse | Stress |
Média | 0 | 0 | 1,5 | 0,25 | 1,25 | 0,25 | 0,5 | 0,25 | 1,25 | 0,25 |
Mínimo | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 |
Máximo | 0 | 0 | 2 | 1 | 3 | 1 | 2 | 1 | 2 | 1 |
Fonte: Dados próprios
Relativamente à exploração clínica da deglutição, através da aplicação do método V-VST, verificou-se que, na sétima sessão, o Sr. A já tolerava bolus de líquido, mantendo sinais de alteração na segurança da deglutição em volumes altos (20ml). Aconselhou-se a ingestão de líquidos com supervisão e em médios volumes (10 ml) (tabela 3).
Na décima sessão o Sr. A já ingeria volumes elevados de líquidos (20 ml) sem apresentar sinais de compromisso na segurança ou efetividade da deglutição. Constatou-se que o Sr. A concluiu o programa de reeducação funcional da deglutição sem apresentar dessaturação de oxigénio, situação que era frequente no início (tabela 3).
Sessão | Último bolus com sinais de segurança | Sinais clínicos observados | ||
---|---|---|---|---|
Consis-tência | Volume | Segurança | Eficácia | |
1 | Néctar | 10 ml | Tosse; Dessaturação de oxigénio (4%) |
Encerramento labial ineficaz; Resíduos orais; Deglutições Múltiplas; Resíduos faríngeos. |
4 | Líquido | 5 ml | Tosse | -- |
7 | Líquido | 10 ml | Tosse | -- |
10 | Liquido | 20 ml | -- | -- |
Os dados obtidos na aplicação do método de exploração clínico V-VST orientaram para a seleção dos exercícios e técnicas mais adequados.
Na sessão inicial foi selecionado o programa 1 e nas restantes sessões foi selecionado o programa 2. Na sessão final, embora não existindo alterações no V-VST, aproveitou-se para reforçar as técnicas ministradas, selecionando-se o programa 2. Observou-se que o Sr. A apresentou maior número de alterações na fase faríngea, o que justificou a seleção do programa 2 com maior frequência.
Foram assegurados os cuidados especializados de enfermagem de reabilitação inerentes à pessoa com deglutição comprometida, direcionados às alterações apresentadas pelo Sr. A, visando alcançar a sua máxima funcionalidade e autonomia.
Assim, relativamente ao diagnóstico “deglutição comprometida”, observou-se uma progressão da autonomia do Sr. A no grau de compromisso ao longo do programa. No âmbito das dimensões do “Conhecimento” e “Aprendizagem de Capacidades”, a mudança do programa de exercícios e técnicas da deglutição, do programa 1 para o programa 2 contribuiu para que existissem algumas lacunas na fase de transição. Contudo, essas lacunas foram sendo colmatadas (tabela 4).
Salienta-se a elevada adesão aos exercícios e técnicas de deglutição propostos.
O Sr. A demonstrou uma capacidade acrescida nos exercícios e técnicas que se realizaram com maior frequência ao longo do programa de reeducação funcional da deglutição, sendo observada maior dificuldade na realização da manobra de Masako (por ser uma técnica de difícil execução). A técnica de estimulação térmica foi, inicialmente, procedida pelo enfermeiro. Contudo, no final do programa, o Sr. A já demonstrou capacidade para a realizar.
Verificou-se um maior défice de conhecimento sobre a técnica de deglutição super-supraglótica. Embora a manobra de Masako seja a técnica onde a pessoa demonstrou maior dificuldade na execução, tal não se verificou com o conhecimento sobre a mesma. O Sr. A demonstrou um conhecimento mais consistente nos exercícios terapêuticos ministrados desde o início do programa.
O cuidador familiar (esposa) nem sempre esteve presente em todas as sessões, mas apreendeu de forma correta as atividades e técnicas abordadas ao longo do programa. Tal como o Sr. A, demonstrou conhecimento consistente nas técnicas que foram executadas com maior frequência ao longo do programa. Tanto o Sr. A como o cuidador familiar adquiriram, de forma gradual, conhecimentos sobre a técnica de consistência adaptada (utilização de espessante).
Tendo em conta a alteração na deglutição era evidente o “risco de compromisso na ingestão nutricional”16. No final do programa, altura em que o Sr. A já apresentava capacidade funcional para ingerir refeições com duas ou mais consistências, tal risco deixou de estar presente. Foi monitorizado o IMC semanalmente e, tal como referido anteriormente, não foram detetadas alterações ao longo do programa.
Na análise dos dados obtidos constatou-se que o Sr. A apresentou melhoria funcional da deglutição, comprovada pela progressão no nível de FOIS. De salientar que o sr. A reverteu por completo as alterações na deglutição, atingindo o nível 7 na escala de FOIS (tabela 5).
DISCUSSÃO
A abordagem apresentada e os resultados alcançados demonstram que os cuidados especializados de enfermagem de reabilitação podem desempenhar um papel importante na intervenção precoce junto das pessoas com deglutição comprometida e na sua reeducação funcional.
Os enfermeiros são os profissionais que permanecem mais tempo junto das pessoas, sendo responsáveis por assegurar a sua autonomia e segurança2. Preconiza-se que, para uma abordagem eficaz à pessoa com deglutição comprometida, se considere a necessidade de encarar esta realidade como uma prioridade de atuação multidisciplinar2,23.
A realização de estudos nesta área é fundamental para estabelecer a eficácia da reabilitação em pessoas com alterações específicas da deglutição, definir o tratamento adequado para rentabilizar os custos e produzir resultados positivos8. Concorrendo para alcançar tal objetivo, o caso apresentado contemplou a avaliação da deglutição através da aplicação de instrumentos de avaliação válidos, fiáveis, responsivos e eficientes24 e da implementação de um programa de optimização da deglutição em função das alterações detetadas. Este conjunto de intervenções objetivou a recuperação funcional da deglutição da pessoa estudada.
Na seleção do conjunto de exercícios e técnicas da deglutição mais apropriado, o recurso aos instrumentos EAT-10 e V-VST foi fundamental para caracterizar as alterações observadas3,4.
A presença da alteração na deglutição pode conduzir a sentimentos de depressão e ansiedade durante as refeições3. A aplicação da ferramenta EAT-10 permitiu mensurar o grau de severidade dos sintomas, monitorizar a eficácia do programa instituído3,5 e detetar os problemas percecionados com maior frequência e que mais inquietaram a pessoa abordada. Constatou-se uma redução significativa dos sintomas relatados.
A conjugação da ferramenta EAT-10 com o método de exploração clinico V-VST apresenta grande precisão no que concerne à deteção das alterações da deglutição4. Os resultados apresentados com a aplicação destes instrumentos evocam a necessidade da realização de um rastreio clínico e treino de habilidades por alguém com competências na avaliação da deglutição, capaz de determinar a presença, gravidade e mecanismo da alteração7,23.
O V-VST permitiu detetar alterações na segurança e efetividade da deglutição e forneceu os dados necessários para demonstrar que, no final do programa, a pessoa estudada já tolerava elevados volumes de líquidos, o que sugere a efetividade das intervenções planeadas.
De acordo com as manifestações clínicas observadas foi fundamental o ajuste dos exercícios de fortalecimento muscular, posturas compensatórias e técnicas facilitadoras da deglutição19 20 21 ao longo desta abordagem. Tal ajuste permitiu a individualização do programa de reeducação funcional da deglutição.
A reeducação funcional da deglutição da pessoa com AVC deve incluir medidas terapêuticas centradas no aumento da sensibilidade oral, exercícios motores orais e manobras compensatórias de forma a prevenir a aspiração25. Tais aspetos foram sempre abordados nos dois programas de reabilitação propostos.
O reforço positivo foi fundamental e necessário para o alcance dos objetivos delineados para o programa de reeducação funcional26 da deglutição. No caso analisado, a pessoa demonstrou, de uma forma geral, deter conhecimento e capacidade para executar exercícios e técnicas de deglutição, sendo o reforço positivo a chave de tal sucesso.
A dificuldade da pessoa em realizar determinados exercícios terapêuticos, principalmente no âmbito técnicas compensatórias da deglutição, prendeu-se com a presença de défices motores e sensoriais que impossibilitaram a sua independência na realização das mesmas.
Na concretização do autocuidado e do autocontrolo é necessária uma abordagem estruturada dos cuidados de enfermagem de reabilitação, envolvendo os cuidadores familiares e informais nas intervenções propostas 27. Assim, a participação do cuidador informal no processo de reabilitação da pessoa demonstrou-se fundamental, reforçando o seu papel na continuidade e reforço dos cuidados prestados.
Visando promover os processos de readaptação e promover a capacidade para o autocuidado 28, salienta-se a importância do planeamento dos cuidados de enfermagem de reabilitação baseados em diagnósticos de enfermagem em conformidade com as alterações observadas.
A efetividade do método de assistência defendida por Dorothea Orem depende, em grande parte, da criatividade do enfermeiro, da sua apreciação, conhecimento acerca da pessoa e respeito pela mesma. Um ambiente conducente ao desenvolvimento é igualmente um ambiente favorecedor da aprendizagem.29 A abordagem explanada neste estudo enquadra-se na teoria do défice de autocuidado de Dorothea Orem que foca o papel da Enfermagem na aprendizagem e desenvolvimento de capacidades da pessoa cuidada.
O raciocínio clínico que o enfermeiro faz culmina num diagnóstico e envolve tomar decisões com base na identificação das condições clínicas da pessoa (critérios de diagnóstico), neste sentido, quanto maior for a acurácia de um diagnóstico, mais preciso deverá ser o processo de decisão clínica30. A utilização dos instrumentos que permitiram avaliar as alterações da deglutição contribuiu para a definição de critérios de diagnóstico de enfermagem de reabilitação.
Por outro lado, estes instrumentos ajudaram a avaliar a progressão do estado da pessoa com a intervenção do Enfermeiro de Reabilitação e, conjuntamente com as intervenções implementadas, concorreram para a reeducação funcional da deglutição, sendo tal finalidade atestada pela progressão na escala FOIS.
O estudo deste caso permitiu refletir sobre a relevância da avaliação sistemática da deglutição e reforçar a ideia de que o risco nutricional da pessoa com AVC exige um acompanhamento e esforço contínuos 31.
Dos resultados da implementação deste programa sobressaem algumas limitações. Seria fundamental, numa futura pesquisa, alargar o tempo disponível para a implementação das diversas atividades terapêuticas, permitindo obter resultados mais consistentes. De igual modo, o facto de apenas ser abordado o caso de uma pessoa, impossibilita a realização de inferências sobre os resultados obtidos.
Não existem muitas publicações por enfermeiros, na área da reeducação funcional da deglutição. Desta forma, a presente exposição poderá dar visibilidade às intervenções dos enfermeiros de reabilitação junto da pessoa com esta alteração. Assim, torna-se emergente a necessidade de realização de mais estudos subordinados a esta temática, nomeadamente estudos experimentais ou quasi-experimentais.
O caso apresentado poderá contribuir para uma prática de enfermagem especializada devidamente sistematizada, possibilitando a disseminação do conhecimento acerca da intervenção do enfermeiro de reabilitação junto da pessoa com deglutição comprometida, com vista a fortalecer o ensino e a prática desta especialidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo de caso permitiu destacar a efetividade das intervenções de enfermagem de reabilitação no âmbito da promoção da segurança e funcionalidade da pessoa com deglutição comprometida, sendo esta uma possível abordagem a ter em conta em pessoas com alterações desta natureza.
Ao longo do programa implementado foi fundamental detectar a capacidade da pessoa para alimentar-se e hidratar-se de forma segura e eficaz, tal foi possível através da monitorização constante da consciência com recurso à Escala de Coma de Glasgow.
A avaliação do risco de alteração na deglutição foi possível com recurso ao questionário EAT-10, que permitiu identificar os sintomas da deglutição comprometida e o seu grau de severidade.
Os sinais clínicos identificados com a aplicação do método de exploração clínico (V-VST) foram fundamentais para a seleção do conjunto de exercícios e adequado.
Os instrumentos de avaliação (FOIS, EAT-10 e V-VST) para além de ajudarem a definir os diagnósticos de enfermagem de reabilitação enunciados, tornaram mais objetivos os critérios de diagnóstico, facilitaram na implementação de enunciados de ação de diagnóstico e de intervenções de enfermagem adequados à situação clínica da pessoa e à disfunção observada, e permitiram uma abordagem holística e personalizada.
A evolução da pessoa abordada foi visível através dos resultados obtidos na aplicação dos instrumentos de avaliação e da progressão positiva no grau de compromisso nos diagnósticos de enfermagem enunciados. As intervenções de enfermagem demonstraram ter sido efetivas para reverter as alterações da deglutição e concorreram para melhorar a autonomia e independência da pessoa estudada.
Ao longo do programa foi evidente o risco de compromisso na ingestão nutricional, mas não foram observadas grandes oscilações nos valores de IMC que comprovassem tal compromisso.