INTRODUÇÃO
A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) caracteriza-se por uma limitação persistente do fluxo aéreo.
Nos últimos anos tem-se assistido ao aumento da mortalidade e morbilidade sendo calculado que será a terceira causa de morte em 2020. (1) (2)
Em Portugal comparando os registos de utentes entre 2011 e 2017 assistiu-se a um aumento da 54.000 para 136.958 casos, sendo que a prevalência atualmente estimada é de 14,2% para idade superior a 40 anos o que deverá rondas as 800.000 pessoas. (2)
O grau de obstrução aparece associada a bastantes sintomas da doença, contudo é pouco preditivo quanto à dispneia e à qualidade de vida. (1) (2) (3).
De facto, a função respiratória não explica todos os sintomas da doença, não resultando a intolerância à atividade unicamente da perda de função pulmonar, mas associada a trocas gasosas deficitárias e disfunção muscular periférica causando fadiga muscular (especialmente dos membros inferiores) e dispneia com impacte importante no autocuidado e na qualidade de vida. (3)
Este facto levou a GOLD (Global Iniciative for Chronic Obstructive Lung Disease) a propor desde 2011 uma nova estratificação da doença, combinando o risco de exacerbação, a espirometria e a avaliação sintomática (1).
Os sintomas resultantes da doença, especialmente a dispneia, a intolerância á atividade e a perda de função pulmonar levam ao reconhecimento da Reabilitação Respiratória (especialmente devido à componente de treino de exercício) como tratamento não farmacológico indicado para pessoas com DPOC. (2) (3) (4) (5) Sendo que a intervenção dos Enfermeiros de Reabilitação deve ir ao encontro das necessidades individuais da pessoa aumentando a tolerância á atividade através fundamentalmente do treino de exercício e da componente educacional promovendo desta forma a independência funcional e a adoção de comportamentos em saúde. (4) (5)
Neste contexto, a avaliação inicial dos programas de reabilitação respiratória é fundamental para a determinação do impacte da doença na pessoa. assim como posteriormente perceber qual a resposta individual e quais os ganhos sensiveis aos cuidados de saúde do programa de reabilitação respiratória. (3) (4) (6)
Neste sentido deverão ser avaliados dados sobre dispneia, tolerância à atividade e qualidade de vida que poderão ser facilmente recolhidos usando o COPD Assessment Test (CAT). (4) (5) (6)
Este questionário contém oito questões centrados em dados da função respiratória: tosse, expetoração, dispneia e expansão torácica limitada e também em dados não respiratórios como sendo a intolerância á atividade, distúrbios do sono, e incapacidade de executar atividades de vida diária (3) (4) (7)
O CAT é um instrumento de avaliação curto, de simples quantificação dos vários impactes dos sintomas da doença tendo sido desenvolvido para avaliar o estado de saúde e também para simplificar a comunicação entre a pessoa doente e a equipa de saúde.
Consiste em 8 itens respondidos ao longo de uma escala de Likert de 5 pontos, sendo que o valor máximo da doença é de 40 pontos.
É um questionário de autopreenchimento onde as pontuações variam entre 0 a 10 (leve), 11 a 20 (moderado), 21 a 30 (grave) e 31 a 40 (muito grave). (3) (4) (6) (7)
O recente relatório de 2019 da GOLD recomenda que pessoas com CAT superior a 10 pontos sejam estratificadas como altamente sintomáticas (2)
Um decréscimo de 2 pontos no questionário CAT é considerado como ganho em saúde relevante fazendo deste valor a mínima diferença clinicamente significativa que é um indicador bastante importante uma vez que traduz ganhos em saúde. (8)
Este estudo teve como objetivo avaliar o efeito de um programa de reabilitação respiratória nos sintomas apercebidos pelas pessoas com DPOC avaliados pelo CAT e perceber qual a sua relação com a tolerância à atividade
Neste sentido, foram duas as questões que orientaram esta investigação:
Qual o impacte de um Programa de Reabilitação Respiratória sobre os sintomas, a qualidade de vida e a tolerância ao exercício em pessoas com DPOC?
Qual a relação entre as alterações avaliadas no CAT e a tolerância ao exercício nas pessoas com DPOC submetidas a um Programa de Reabilitação Respiratória?
MÉTODOS
Tipo de Estudo
Estudo Quasi-Experimental com programa de reabilitação respiratória com a duração média de 13 semanas, 3 sessões por semana.
Cada sessão teve a duração média de 1 hora e incluiu treino de exercício. A sessão educacional foi realizada em sala e teve a duração de 60 (9) (Tabela 1).
Amostra
A técnica de amostragem utilizada foi não probabilística por conveniência tendo sido constituída por pessoas com DPOC que cumpriram o programa de reabilitação respiratória no Sector de Cinesiterapia e Reabilitação Respiratória do Centro Hospitalar e Universitário de São João.
Os critérios de inclusão seguem as recomendações GOLD publicadas em 2019 (1).
Os critérios de exclusões usadas foram o não cumprimento integral do programa de reabilitação respiratória, incapacidade e/ou contraindicação formal para a prática de exercicio físico, doença psiquiátrica ou disfunção cognitiva grave e hipoxia induzida pelo esforço refratário ao oxigénio.
Instrumentos de recolha de dados
O impacte do programa de reabilitação respiratória nos sintomas foi avaliado através do autopreenchimento do COPD Assessment Test (CAT) antes e após o programa de reabilitação.
A intensidade do treino de exercício foi avaliada pela Prova de esforço Cardio-respiratória e pelo teste de 1RM de acordo com as linhas de orientação da ERS/ATS (4) (5) (9) (11)
A capacidade funcional foi avaliada no inicio e no final do programa de reabilitação respiratória pela prova de marcha de seis minutos (Variações após intervenção clinica igual ou superior a 25 metros traduzem melhoria clinica). (4) (8)
Análise estatística
Na análise e tratamento estatístico dos dados foi utilizada a estatística descritiva e inferencial.
O tratamento estatístico foi efetuado usando um teste não paramétrico para 2 amostras relacionadas (Wilcoxin signed-rank test) para as variáveis em estudo
O tratamento estatístico foi efetuado pelo programa IBM® SPSS® Statistics versão 23.0.
Todos os dados foram expressos com valores médios e desvio padrão (DP) sendo o nível de significância estatística 0,05 para todos os testes estatísticos.
PROGRAMA DE REABILITAÇÃO RESPIRATÓRIA | |
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COMPONENTE FISICA | |
Treino de Força Muscular (30 minutos) | Treino de Endurance (30 minutos) |
• Membros Superiores • Bicipede • Tricipede • Deltoide • Membros Inferiores • Quadricipede • Isquiotibial • Gémeo • Grande peitoral • Grande dorsal |
• Cicloergómetro • Membros inferiores • Membros superiores • Tapete |
COMPONENTE EDUCACIONAL | |
• Sessão educacional (60 minutos) • Alterações do Processo Respiratório • Benefícios do exercício físico e na manutenção de atividade física regular • Gestão do regime terapêutico |
• Técnicas de Gestão de Energia • Técnicas de ventilação controlada • Prevenção e tratamento precoce de exacerbações |
Este estudo foi conduzido de acordo com os imperativos éticos exigidos, tendo sido garantidos todos os pressupostos deontológicos inerentes á ética da investigação.
RESULTADOS
Foram incluídos no estudo 45 pessoas, (71,9% homens) com idade média de 65,82 anos com FEV1% medio de 40%. (Tabela 2).
N | 45 |
---|---|
Género Masculino | 36 |
Género Feminino | 9 |
Idade | 65,82 anos (Max:83, min:49 Anos) Desvio Padrão:11,01 |
FEV1% | 40% (Max:70,6; min: 11,2) Desvio Padrão:17,57 |
Prova de Marcha de seis minutos inicial | 357,4 metros (Max:504; min: 0) Desvio Padrão: 97,5 |
Os resultados do CAT referem melhoria estatisticamente (p < 0,001) no resultado global do teste com variação media de -7,67 (Tabela 3).
A capacidade funcional obteve variação estatística (p = 0,001) e clinicamente significativa com variação média de 32,4 metros na prova de marcha de seis minutos (Tabela 4).
Por fim verificou-se existir uma correlação negativa entre as duas variáveis estudadas mais acentuada nos valores após o programa de reabilitação respiratória (Tabela 5).
DISCUSSÃO
Esta investigação teve como finalidade avaliar qual o impacte de um programa de reabilitação respiratória nos sintomas e perceber qual a sua relação com a tolerância à atividade em pessoas com DPOC.
A nossa investigação obteve resultados sobreponíveis aos encontrados na mais recente evidência científica publicada tendo obtido ganhos clinicamente significativos quer na variável sintomas (avaliado pelo CAT), quer na variável capacidade funcional (avaliado pelo 6MWD).
Verificamos ainda existir uma correlação negativa entre as duas variáveis, mais exacerbada nos resultados após programa de reabilitação o que pode ser explicado pelo facto de o treino de exercício melhorar a capacidade cardiovascular e reduzir o consumo de oxigénio levando á consequente melhoria da dispneia e da tolerância á atividade.
Outro achado importante na nossa investigação corrobora a importância da individualização dos programas de reabilitação uma vez que apesar da variabilidade encontrada o impacte nas atividades de vida diárias e na interação social obteve ganhos clinicamente significativos.
Como referimos anteriormente, a reabilitação respiratória é o tratamento não farmacológico indicado para o tratamento de pessoas com DPOC, sendo uma combinação de intervenções complexas baseadas na avaliação individualizada da pessoa que incluem, mas não se limitam a educação e treino de exercício. (4) (5) (9) (12). O seu sucesso deve-se ao seu efeito na redução da dispneia e fadiga muscular presente em cerca de 68% das pessoas com DPOC em contexto ambulatório, melhorando a condição física e psicológica e promovendo a aquisição de instrumentos de autogestão da doença. (5) (9)
Neste contexto a avaliação inicial reveste-se de particular importância no sentido de melhor conceber e implementar o programa de treino de exercício.
Da mesma forma é fundamental avaliar o resultado da nossa prática clínica por forma a identificar intervenções com maior benefício clinico assim como conferir mais robustez aos cuidados de enfermagem de reabilitação melhorando desta forma não só a prática clinica como também validando o conhecimento balizado pela teoria de enfermagem.
O CAT emerge neste contexto como um excelente instrumento de avaliação pela sua simplicidade e por traduzir os sintomas que normalmente refletem os problemas da pessoa.
Liu et al (2015) num estudo experimental com grupo de controlo numa amostra de 80 pessoas concluiu que apesar de a função respiratória estar mais comprometida no grupo de intervenção os valores da prova de marcha pós-reabilitação respiratória eram superiores aos do grupo de controlo. Este facto mostra claramente que o CAT é um instrumento bastante válido para avaliar a função respiratória e a tolerância a atividade. (11)
Candemir et al (2015) numa amostra de 40 pessoas com DPOC submetidas a um programa de reabilitação respiratória de 8 semanas relacionou os resultados obtidos pelo CAT com a dispneia (avaliada pela MRC), a qualidade de vida (avaliada pela Saint George Respiratory Questionnaire), as atividades de vida diária (avaliada pela London Chest od daily living) e a tolerância ao exercício (avaliado pelo Incremental Shuttle Walking test e pelo Endurance Shuttle Walking Test) tendo concluído que o CAT correlaciona-se positivamente com a Qualidade de vida, a dispneia e as atividades de vida e negativamente com a tolerância ao esforço. Sugerindo ainda que o CAT é um instrumento robusto para avaliar os resultados dos programas de reabilitação respiratória uma vez que analisa todas as variáveis normalmente usadas como indicador de resultado nos programas de reabilitação respiratória. (12)
Dood et al (2015) realizou um estudo quasi-experimental multicêntrico mais alargado com uma amostra de 261 pessoas com DPOC tendo avaliado para além do CAT, a ansiedade, a depressão, a qualidade de vida, a tolerância á atividade e a qualidade de vida tendo concluído ser o CAT um instrumento simples, prático, viável, de fácil preenchimento devendo fazer parte integrante tanto da avaliação inicial como da avaliação final dos programas de reabilitação respiratória. (3)
O mesmo resultado alcançou Houben-Wilke S. et al (2018) que realizou um estudo quasi-experimental com 497 pessoas com DPOC e que revelou melhoria significativa dos valores do CAT e da 6MWD após o programa de reabilitação respiratória. (6)
CONCLUSÃO
A evidência científica atual é unanime ao aceitar o treino de exercício e a educação como pilares fundamentais na reabilitação das pessoas com DPOC reduzindo os principais sintomas da doença (dispneia e fadiga muscular).
O CAT é sensível a esses resultados plasmando os ganhos sensiveis aos cuidados de Enfermagem de Reabilitação devendo ser adotado na avaliação dos programas de reabilitação respiratória.