INTRODUÇÃO
A dispneia, a intolerância à atividade e a redução da qualidade de vida são manifestações frequentes em pessoas com doença respiratória crónica (DRC) (1-4). Estas manifestações não são apenas resultantes da perda da função pulmonar, mas resultam da disfunção muscular periférica. Se assim fosse a medicação, isoladamente, seria efetiva no aumento da tolerância à atividade, facto que não se verifica (1-2, 5-6). A disfunção muscular periférica é caraterizada pela perda de força e massa muscular que conduz a alterações da distribuição de fibras musculares, que conjuntamente com alterações nas trocas gasosas resultam em redução da capacidade para o exercício nas pessoas com DRC.
Esta intolerância à atividade limita a independência funcional com consequente impacte negativo na capacidade para o autocuidado (9), e no aumento da mortalidade (1,10).
Clinicamente, traduz-se por incapacidade da pessoa em realizar as suas atividades de vida diária, na intensidade ou na duração normalmente tolerável para pessoas saudáveis e sedentárias (1). Esta adoção de um estilo de vida sedentário (de forma a evitar a dispneia funcional) origina descondicionamento muscular, potenciando a perda de função (1, 7, 10-11).
A performance muscular (força e endurance) resulta da estrutura fisiológica dos músculos, sendo que a disfunção muscular periférica manifestada pelas pessoas com DRC resulta de uma alteração da distribuição das fibras musculares, do seu tamanho, da densidade capilar e da capacidade metabólica (2,4-5,11).
Neste contexto emerge a importância incontornável do treino de exercício, que num programa de reabilitação respiratória (PRR) contribui para o aumento da tolerância ao exercício, diminuindo o consumo de oxigénio face à mesma quantidade de exercício e reduzindo as manifestações de dispneia (1,5,8).
O treino de exercício neste contexto inclui o treino aeróbio, ou treino de endurance e treino anaeróbio ou de força muscular.
O treino aeróbio, ou treino de endurance, utiliza grandes grupos musculares com duração moderada a longa e com intensidade moderada a elevada (2,4,9,12). Requer atividade física repetida ao longo de um período específico de tempo e tem como objetivo aumentar e modular a capacidade de resistência e aumentar o numero de fibras do tipo I.
Por seu lado o treino de força muscular (componente anaeróbica do treino) destinado a aumentar a força e massa musculares, fundamental para a realização de atividades de vida diária, utiliza pequenos grupos musculares em intensidade elevada e em curta duração reduzindo desta forma as limitações cardiorrespiratórias características das pessoas com doença respiratória crónica em estadios mais avançados da doença.
A melhor resposta fisiológica, obtém-se, pela junção das duas modalidades de treino sendo tendencialmente, realizada em alta intensidade.
Esta é a razão porque a Reabilitação Respiratória, que inclui obrigatoriamente o treino de exercício, é o tratamento não farmacológico recomendado para pessoas com doença respiratória crónica em contexto ambulatório.
Neste sentido o papel do Enfermeiro de Reabilitação não deve estar unicamente relacionado com a cinesiterapia respiratória nem com a componente educacional devendo acompanhar a evidencia científica e passar também pelo treino de exercício, como se encontra de resto plasmado no Regulamento de Competências Especificas do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação, que descreve como competência do Enfermeiro de Reabilitação - conceber, implementar, avaliar e reformular programas de treino motor e cardio-respiratório.
Face ao exposto torna-se fundamental conhecer os programas de treino de exercício englobados nos PRR realizados por enfermeiros de reabilitação.
Uma pesquisa prévia realizada na MEDLINE e CINAHL não revelou nenhuma revisão da literatura sobre esta temática, pelo que se optou por realizar uma Scoping Review com o objetivo de mapear o uso do treino de exercício nos programas de reabilitação respiratória realizados por enfermeiros a pessoas com doença respiratória crónica em contexto ambulatório.
A opção por uma scoping review prendeu-se não só pelo objetivo de mapear a evidência científica de forma a suportar a decisão clínica dos enfermeiros de reabilitação, mas também, para identificar eventuais áreas de interesse para a investigação disciplinar.
MÉTODO
A metodologia usada na realização desta scoping review seguiu os passos propostos pelo Joanna Briggs Institute®, e pretendeu responder à seguinte questão: “Qual o impacte dos programas de treino de exercício, conduzidos por enfermeiros de reabilitação, nas pessoas com doença respiratória crónica?”
Critérios de inclusão
Tipo de participantes
Pessoas com doença respiratória crónica, sem limite de idade e independentemente da gravidade da doença.
Conceito
No que respeita aos conceitos foram incluídos artigos focados em programas de reabilitação respiratória definidos como “intervenção abrangente, baseada numa avaliação extensiva dos doentes, seguida por tratamentos individualizados que incluem - mas não limitados a - exercício físico. Educação e alteração comportamental, desenhados para melhorar a condição física e emocional de pessoas com doença respiratória crónica e para promover a adesão prolongada a comportamentos de saúde.” (1-3)
A definição de treino de exercício inclui a combinação de treino aeróbio e anaeróbio (com fortalecimento muscular dos membros superiores e inferiores) com a duração mínima de 8 semanas.(1-3)
Critérios de exclusão
Foram excluídos da revisão estudos aplicados a outras áreas da saúde que não enfermagem e aqueles em que a metodologia apresenta omissões no desenho da investigação.
Estratégia de Pesquisa
A pesquisa, realizada em junho de 2018, foi desenhada considerando três principais etapas:
Na primeira etapa consideraram-se termos controlados de primeiro e segundo nível para a definição do termo de pesquisa, nomeadamente pela recolha dos descritores e qualificadores principais e adicionais presentes nos Medical Subject Headings (MeSH) e nos Headings do Cumulative Index of Nursing and Allied Health Literature (CINAHL). Foram acrescentadas, na segunda etapa, palavras-chave e termos utilizados pelos autores para a definição das categorias em análise, construindo-se o seguinte termo de pesquisa:
("Exercise training" OR "Pulmonary rehab*") AND ("Lung Disease*" OR "Pulmonary disease*" OR COPD OR Bronchiectasis OR "Cystic fibrosis" OR Asthma OR "Interstitial lung disease*") AND ("nurse led intervent*" OR "nurse-led clinic*" OR "Nurses practice pattern*") AND ("self-care" OR "functional independence" OR "exercise tolerance" OR "activity of daily living" OR "quality of life" OR "motor activity") NOT ("physical therapy*")
Assim sendo, foram rastreadas bases de dados referenciais, designadamente a Scopus e Web of Science, e o agregador de conteúdos EBSCO, permitindo a cobertura das seguintes bases de dados e índices MEDLINE, Science Citation Index, Social Sciences Citation Index, Emerging Sources Citation Index, Book Citation Index, Conference Proceedings Citation Index, Korean Citation Index, Russian Science Citation Index, SciELO Citation Index, Directory of Open Access Journals, Directory of Open Access Scholarly Resources, Academic Search Complete, Business Source Complete, CINAHL Complete, ERIC, MedicLatina, Psychology and Behavioral Sciences Collection e SPORTDiscus database. Acesce, ainda, a pesquisa em literature cinzenta no Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal.
Na terceira etapa foram analisadas as listas referenciais dos estudos incluídos por forma a construir o mapa de citações e referências potenciais para inclusão.
A seleção dos estudos foi feita de acordo com os critérios de inclusão e exclusão previamente definidos por dois revisores independentes, tendo por base as informações referidas no título e no resumo. O desacordo entre os dois revisores implicou a intervenção de um terceiro revisor.
Para a etapa de separação, sumarização e relatório dos elementos essenciais encontrados em cada estudo, foi construído um instrumento estruturado próprio que permitiu a síntese, interpretação e análise dos dados, da natureza e da distribuição dos estudos incorporados na revisão. Itens como o ano de publicação, metodologia utilizada, duração dos programas de treino de exercício, as intervenções e os resultados obtidos foram agrupados.
Na fase final, foi construído um quadro de forma a obter uma visão global dos estudos incluídos na revisão. (figura 2)
EXTRAÇÃO DE RESULTADOS
Tendo por base a estratégia de pesquisa aplicada foram identificados 34 artigos potencialmente relevantes.
Um foi excluído por ser duplicado, quatro foram excluídos após a análise do título e dezassete foram excluídos após a análise do resumo.
A análise do texto integral dos doze artigos restantes levou à exclusão de dois. Finalmente foram incluídos dez artigos na revisão (figura 1).
A totalidade dos estudos é portuguesa sendo que oito resultam de dissertações de mestrado e dois de artigos científicos publicados em revista.
Do ponto de vista metodológico todos os estudos são quantitativos sendo que sete são Quasi-experimentais, dois descritivos exploratórios e uma revisão sistemática da literatura.
Constatou-se escassa produção científica acerca deste tema considerando os diversos contextos.
Seis estudos têm como intervenção cinesiterapia respiratória que não está recomendada neste contexto.
Da análise dos artigos emergiram as seguintes categorias de informação: duração / frequência do programa de treino de exercício, tipologia do treino de exercício e resultados obtidos.
Duração dos programas de treino de exercício
A duração dos programas de treino de exercício encontrada nos artigos em análise foi bastante diversa variando entre 7 e 39 semanas, sendo que na maioria dos artigos encontrados a duração dos programas se encontra entre 25 e 39 semanas.
Tipologia do treino de Exercício
A categoria tipologia do treino de exercício compreende o tipo e as características do treino.
Na totalidade dos artigos selecionados os programas de treino de exercício incluíram treino aeróbio de 30 minutos e treino anaeróbio, sendo este último dos membros superiores e inferiores.
Cinco artigos incluem como intervenção cinesiterapia respiratória que não está recomendada neste contexto.
Resultados obtidos.
Relativamente aos resultados obtidos três artigos referem diminuição da dispneia, cinco aumento da qualidade de vida e da tolerância nas atividades de vida diária, dois artigos revelam promoção do autocuidado, diminuição da ansiedade e aumento da tolerância ao esforço e um artigo refere melhoria da gestão do regime terapêutico
DISCUSSÃO
Os resultados desta revisão permitem-nos identificar que os programas de treino de exercício concebidos, implementados e realizados por enfermeiros de reabilitação concorrem para a diminuição da dispneia, da ansiedade, aumentando a tolerância ao esforço e às atividades de vida contribuindo desta forma para a melhoria da qualidade de vida.
Estes resultados são sobreponíveis à evidência cientifica claramente identificada nas ultimas Guidelines da European Respiratory Society publicadas em 2013(3) e confirmados em 2017 por Shioya et al (13).
Mais recentemente estudos como o de Robinson et al (8) e de McNamara et al (12) ambos em 2018 confirmaram o papel do treino do exercício na melhoria da dispneia.
Gordon et al em 2019 (14) publicaram uma meta-análise evidenciando o impacte do treino do exercício na depressão e na ansiedade. Relativamente ao aumento da tolerância ao esforço e suas consequências sobre a capacidade para executar as atividades de vida diária a evidência é vasta como comprovam os estudos de Bisca et al (2014) (15), Spruit et al em 2015 (5) e mais recentemente em 2019 o estudo de Vaes (15) evidenciando o impacte positivo nestas variáveis.
O caracter multissistémico das doenças respiratórias crónicas (especialmente a DPOC) origina um declínio funcional progressivo, decorrente da sarcopenia secundária à imobilidade com consequências importantes, nomeadamente ao nível da autonomia na realização das atividades de vida diária e do autocuidado (9-10,13).
Neste contexto surge a Reabilitação Respiratória como o tratamento não farmacológico indicado para pessoas com doença respiratória crónica centrada fundamentalmente numa abordagem em que o treino de exercício é, a par com a educação, a componente principal (1,4,6).
Os programas de reabilitação respiratória aumentam a tolerância à atividade e reduzem a dispneia, aspetos que se traduzem em ganhos funcionais e na capacidade para o autocuidado(2,9,15).
Para além destes efeitos, a reabilitação respiratória reduz também as hospitalizações e a mortalidade (16).
Não existe consenso acerca da sua duração sendo que a mais recente recomendação define como duração mínima de 8 semanas com 3 sessões por semana (1,3,16). Sendo a maioria dos sintomas decorrentes da disfunção muscular periférica (o que origina aumento do consumo de oxigénio) torna-se claro que objetivo dos programas de reabilitação respiratória é melhorar a tolerância à atividade e posteriormente a tolerância ao exercício através da melhoria da força e da resistência muscular periférica, contribuindo assim para melhorar a qualidade de vida (1,3,5).
Existe, de facto uma relação direta entre o tempo de marcha e o estado funcional (11), assim como entre performance dos membros superiores e o desempenho nas atividades de vida diária (17).
Todos os indicadores apontam para que a tendência habitual de imobilidade nestas pessoas não seja unicamente de origem respiratória, mas também muscular uma vez que são importantes as alterações morfológicas musculares encontradas nestas pessoas, nomeadamente a redução de fibras tipo I, a perda de força e capacidade de resistência especialmente dos membros inferiores(1-2,4,7).
Quando comparadas com pessoas saudáveis, a tolerância ao esforço é menor originando aumento da falta de ar secundário à hiperinsuflação dinâmica e á imobilidade (2,4,12).
Esta é a razão pela qual se conclui que a junção de treino aeróbio e anaeróbio é mais eficaz (1,3,5).
A evidência relacionada com os resultados dos programas de treino de exercício é bastante vasta. Os estudos revelam existirem ganhos em saúde praticamente em todos os indicadores estudados, nomeadamente na dispneia e na intolerância à atividade com impacto importante na promoção do autocuidado e na qualidade de vida.
CONCLUSÃO
Este estudo permitiu identificar dois aspetos centrais: o primeiro, é que os programas de treino de exercício conduzidos por enfermeiros aderem aos guidelines internacionais; o segundo é que os resultados obtidos (melhoria na perceção de dispneia; diminuição da ansiedade; aumento à tolerância ao esforço e atividades de vida diária bem como na melhoria na qualidade de vida) são sobreponíveis à melhor evidência científica disponível.
Este estudo demonstra o impacte positivo da ação dos enfermeiros de reabilitação na condição de saúde das pessoas com doença respiratória crónica que participam em programas de treino de exercício.
Dada a importância amplamente descrita sobre os benefícios do treino de exercício neste contexto, mais estudos deverão ser realizados e publicados sobre esta temática.