INTRODUÇÃO
Com o aumento da idade o corpo humano passa por um período de alterações que levam ao declínio das capacidades físicas, tais como a diminuição da flexibilidade, agilidade, coordenação, mobilidade articular e, principalmente, o equilíbrio1.
Há uma diminuição progressiva na capacidade funcional que acompanha o processo de envelhecimento mas que não deve ser fator de exclusão social, de dependência ou de outras limitações que levam a situações de solidão ou institucionalização2.
O envelhecimento compromete a habilidade do sistema nervoso central em realizar o processamento dos sinais vestibulares, visuais e propriocetivos responsáveis pela manutenção do equilíbrio corporal3.
Os idosos apresentam perdas propriocetivas que diminuem a capacidade de deteção do movimento e dificultam a reprodução precisa de movimentos articulares, ou seja, dificultam a proprioceção4.
O termo proprioceção deriva do latim (re)ceptus (ato de receber) e proprios (nós próprios).
A proprioceção pode ser definida como o input neural proveniente das terminações nervosas denominadas de mecanorrecetores (recetores sensoriais para a proprioceção) localizados na pele, tendões, músculos, cápsulas articulares e ligamentos, que são responsáveis pelo envio de informação sobre o movimento, posição ou deformação que ocorre nestas estruturas ao SNC. Este processa, organiza e comanda o corpo de forma adequada a manter o controlo e postura correta do corpo5,6.
Rossato et al., em 2013, afirmam que através da proprioceção ocorrem estímulos nos recetores das cápsulas articulares, músculos e ligamentos, que além de assegurarem uma boa integridade das sensações propriocetivas, melhoram a força muscular, equilíbrio e marcha7.
O processo de envelhecimento é acompanhado de alterações do sistema nervoso, locomotor e sensorial que podem provocar alterações na postura, equilíbrio e marcha8. Bulksman e Vilela, em 2004, referem que nos idosos as respostas motoras aos estímulos propriocetivos, visuais e auditivos estão mais lentos, podendo interferir na qualidade da marcha e na realização das atividades de vida diárias (AVD)9.
A capacidade funcional pode ser representada pela capacidade de um indivíduo em realizar as AVD sem dificuldades10, além de estar associada a alterações clínicas provocadas pelo envelhecimento. Alterações nas AVD podem ser úteis para indicar futuras complicações relacionadas com a saúde do idoso, como incapacidade física, fragilidade, institucionalização e mortalidade11.
As variáveis da capacidade funcional que se consideraram pertinentes para avaliar neste estudo foram o equilíbrio e a aptidão física, fundamentais para a capacidade funcional dos idosos e que se tornaram foco importante dos profissionais de saúde pelo seu elevado impacto na vida dos idosos.
Este estudo teve como objetivo avaliar o impacto de um programa de Enfermagem de Reabilitação de treino propriocetivo na capacidade funcional dos idosos. Foi formulada a seguinte pergunta de investigação: Qual o impacto de um programa de Enfermagem de Reabilitação de treino propriocetivo na capacidade funcional em idosos?
MÉTODO
Foi realizado um estudo quasi-experimental, com grupo de intervenção e grupo de controlo.
População e amostra
Foi solicitado aos médicos de família a sua colaboração na referenciação dos participantes. A amostra, de conveniência, é constituída por 24 idosos, dos quais 12 integraram o grupo de intervenção (idosos inscritos nas USF de Lordelo) e 12 o grupo de controlo (idosos inscritos nas USF de Rebordosa).
Foram definidos os seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 65 anos de idade, clinicamente estáveis, com capacidades músculo-esqueléticas para a realização dos exercícios que constavam no programa de intervenção e nos dois momentos de avaliação, com capacidade para entender e cumprir ordens simples. Como critério de exclusão foi definida a contraindicação para a prática de exercício físico pelo médico de família. Todos os participantes no estudo faltaram a 4 ou a menos sessões de treino.
Instrumentos de avaliação
Para avaliar o impacto decorrente da implementação do programa de Enfermagem de Reabilitação de treino propriocetivo na capacidade funcional dos idosos, foram utilizados o Índice de Tinetti (avaliação do equilíbrio e da marcha), o teste de equilíbrio unipodal (avaliação do equilíbrio estático) e a bateria de testes de Rikli-Jones (avaliação da aptidão física).
Todos os testes foram realizados nos dois grupos de idosos participantes no estudo, com 12 semanas de intervalo entre os dois momentos de avaliação. No grupo de intervenção as avaliações foram efetuadas antes do início do programa e no final do mesmo.
As avaliações foram realizadas nos dois grupos no mesmo horário e na mesma semana e foi pedido a todos os participantes que utilizassem roupa desportiva e cómoda.
Foram avaliadas as variáveis da capacidade funcional, nomeadamente equilíbrio estático e dinâmico, equilíbrio unipodal e aptidão física.
Protocolo de intervenção
O programa foi realizado durante 12 semanas, com 2 sessões por semana de 60 minutos cada. Todos os exercícios foram realizados pelos participantes sem calçado, de forma a potenciar o efeito propriocetivo dos exercícios nos participantes, com a exceção de alguns exercícios em que os idosos não se sentiam tão confortáveis sem calçado. As sessões foram constituídas por 3 partes como Brower (2003) e Eyigor et al. (2007) descreveram12,13:
- Aquecimento/alongamento (10 min);
- Exercícios propriocetivos (40 min);
- Alongamento/relaxamento (10 min).
Na Figura 1 pode-se observar o Programa de Exercício Propriocetivo de forma esquemática.
Etapas do programa de exercícios propriocetivos
Foram realizados ao longo das 12 semanas 54 exercícios diferentes, criados e adaptados para os idosos, que foram aumentando de intensidade, complexidade, velocidade e alguns com restrição visual, tendo em conta se os participantes tinham capacidade para os executar sem queixas ou desconforto. Foram formados circuitos com várias estações com exercícios diferentes nas várias sessões, com a duração de 2 a 3 minutos em cada exercício14. Os exercícios foram realizados por fases, divididos por 3 etapas de evolução dos idosos (18 exercícios em cada), tendo em conta a adaptação aos exercícios, resistência, força muscular e equilíbrio apresentados. Sumariamente, as primeiras 4 semanas representaram a 1ª etapa, da 5ª à 8ª semana considerámos a 2ª etapa e da 9ª à 12ª semana a 3ª etapa.
Análise e tratamento dos dados
O tratamento estatístico dos dados foi efetuado com recurso ao programa informático IBM SPSS (Statistical Pachage for the Social Sciences) Statistics, versão 20, apresentando-se a estatística descritiva mediante o valor média±desvio padrão e valores mínimos e máximos. O número de indivíduos determinados pelas avaliações é indicado pelo n amostral.
Para o estudo da comparação entre os dois momentos de avaliação de cada grupo, recorreu-se à aplicação do teste de diferenças de médias intrasujeitos não-paramétrico Wilcoxon. O nível de significância para este estudo foi estabelecido para p≤0,05.
Considerações éticas
Todos os participantes assinaram o consentimento informado de forma livre e esclarecida, tendo sido explicados em detalhe os objetivos do estudo e a natureza da sua participação, bem como foi pedida autorização para a utilização de imagem e vídeo. O estudo obteve autorização por parte do ACeS Tâmega II - Vale de Sousa Sul e o parecer favorável pela Comissão de Ética para a Saúde da ARS Norte (Parecer nº 51/2013).
RESULTADOS
O género feminino predominou tanto no grupo de intervenção (66,7%), como no grupo de controlo (75%), tendo assim uma distribuição semelhante relativamente ao género em ambos os grupos.
Relativamente à média de idades, verificou-se uma homogeneidade dos dois grupos, tendo o grupo de intervenção uma média de 67,25±2,01 anos e o grupo de controlo 68,08±1,73 anos, sendo que o mínimo de idade é 65 anos e o máximo é de 71 anos (nos dois grupos).
No Quadro 1 podem-se observar os resultados das avaliações (intrasujeitos) antes e após a implementação do programa de intervenção, nos grupos de intervenção e de controlo (Teste Wilcoxon, Z).
Grupo de Intervenção | Grupo Controlo | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N | Média | p | Média | p | |||
APTIDÃO FÍSICA | Levantar e sentar na cadeira (repetições) | Antes | 12 | 9,08 ± 2,10 | 0,002 | 10,42 ± 3,37 | 0,357 |
Após | 12 | 17,17 ± 5,02 | 10,08 ± 3,55 | ||||
Flexão do cotovelo (repetições) | Antes | 12 | 11,33 ± 3,91 | 0,002 | 15,58 ± 6,14 | 0,196 | |
Após | 12 | 21,33 ± 6,91 | 15,08 ± 5,79 | ||||
Sentado e alcançar (cm) | Antes | 12 | 11,92 ± 12,06 | 0,002 | 7,92 ± 7,79 | 0,621 | |
Após | 12 | 0,33 ± 8,13 | 8,25 ± 8,04 | ||||
Alcançar atrás das costas (cm) | Antes | 12 | 26 ± 5,87 | 0,002 | 32,25 ± 9,72 | 0,072 | |
Após | 12 | 18,33 ± 6,27 | 33,5 ± 10,20 | ||||
Levantar, caminhar 2,44m e voltar a sentar (segundos) | Antes | 12 | 11,5 ± 2,46 | 0,002 | 11 ± 3,46 | 0,272 | |
Após | 12 | 6,08 ± 1,50 | 11,7 ± 4,68 | ||||
EQUILÍBRIO | Teste Unipodal (segundos) | Antes | 12 | 12,75 ± 12,37 | 0,002 | 4,92 ± 6,59 | 0,034 |
Após | 12 | 29,75 ± 21,75 | 3,75 ± 3,86 | ||||
Índice de Tinetti - Equilíbrio | Antes | 12 | 14,08 ± 2,02 | 0,011 | 14,67 ± 2,38 | 0,046 | |
Após | 12 | 15,67 ± 1,15 | 14,33 ± 2,27 | ||||
Índice de Tinetti - Marcha | Antes | 12 | 9,75 ± 1,13 | 0,003 | 10,83 ± 0,93 | 0,564 | |
Após | 12 | 11,83 ± 0,57 | 10,75 ± 1,13 |
DISCUSSÃO
Relativamente aos testes da bateria de Rikli & Jones de aptidão física, verificou-se melhoria estatisticamente significativa em todos os parâmetros avaliados. No teste flexão do cotovelo houve uma melhoria de 11,33 para 21,33 repetições, em média. No teste levantar e sentar da cadeira, de 9,08 para 17,17 repetições, no teste sentado e alcançar de -11,92 para -0,33cm, no teste atrás das costas de -26cm para -18,33cm e no teste levantar, caminhar durante 2,44m e voltar a sentar houve uma melhoria de 11,5 para 6,08 segundos.
Avelar, em 2013, num estudo cujo objetivo foi avaliar um programa de 12 semanas de circuitos sensoriais, verificou uma melhoria na aptidão física dos idosos participantes. No estudo e Kim et al., em 2010, concluíram que a implementação de um programa de equilíbrio resultou num aumento da força muscular nos membros inferiores e superiores14,15.
A melhoria do desempenho do “levantar, caminhar durante 2,44m e voltar a sentar” é consistente com os resultados de estudos que aplicaram exercícios semelhantes aos deste estudo e com o mesmo número de sessões4,13,14,16,17.
Não foram encontrados estudos de treino propriocetivo que avaliassem diretamente a flexibilidade, mas podemos discutir que as diferenças estatisticamente significativas do presente programa se devem à diversidade de exercícios de componente propriocetiva com base noutro tipo de exercícios, que implicam alongamentos e aumento da flexibilidade dos idosos.
Sousa, em 2012, num estudo que decorreu durante 20 semanas com idosos, tendo como objetivo a avaliação de um programa de atividade física multicomponente, verificou melhoria significativa da flexibilidade dos membros superiores e inferiores18.
No presente estudo houve também uma melhoria significativa no equilíbrio unipodal, equilíbrio estático e dinâmico/marcha, segundo o Índice de Tinetti.
No teste de equilíbrio unipodal, no grupo de intervenção, em média, o tempo em equilíbrio passou de 12,75 segundos antes da intervenção para 29,75 segundos após o programa. No grupo de controlo houve uma ligeira diminuição entre as duas avaliações. Os resultados estão de acordo com a literatura consultada. Lustosa et al., em 2010, num estudo que decorreu durante 8 semanas com a participação de 7 idosas, com o objetivo de testar um treino funcional, verificaram uma melhoria significativa no equilíbrio unipodal19.
No que se refere ao equilíbrio estático, no grupo de intervenção, houve melhoria estatisticamente significativa da média do score entre as avaliações, de 14,08 para 15,67. Quanto ao equilíbrio dinâmico/marcha, no grupo de idosos que realizou este programa, houve uma melhoria com significância estatística do score entre as avaliações, de 9,75 para 11,83. Os resultados obtidos são corroborados por vários estudos na literatura.
Nascimento et al., em 2012, num estudo de 4 semanas de treino propriocetivo em 9 idosos, verificaram melhoria significativa no equilíbrio postural dos idosos20. Silva et al., em 2018, verificaram uma melhoria do equilíbrio de mulheres idosas após programa propriocetivo21, tal como Costa et al., em 2009, que estudaram o efeito de um circuito de exercícios multisensoriais em 26 idosos durante 10 sessões, com resultados com significativa melhoria22.
CONCLUSÃO
Sociedades ditas civilizadas têm que ter a consciência que a aposta em idosos saudáveis e independentes durante o maior número de anos de vida possível, é uma aposta não só de qualidade em saúde, mas também de sustentabilidade económica.
Os Enfermeiros de Reabilitação podem e devem ter um papel interventivo e sustentado no seu corpo de conhecimentos e competências específicas e implementar programas de exercício que visem uma melhoria na capacidade funcional dos idosos, dotando-os de skills que os tornem mais independentes na realização das suas atividades diárias. Este estudo insere-se neste contexto, sendo o treino propriocetivo o nosso foco de atenção prioritário, por ser um treino de exercícios específicos e ainda pouco usado na população idosa, mas com grande potencial de utilização como ficou demonstrado neste estudo.
Podemos agora afirmar que o programa de Enfermagem de Reabilitação de treino propriocetivo implementado teve um efeito determinante na melhoria da capacidade funcional dos idosos, o que permite responder em pleno ao objetivo delineado.
Houve melhoria estatisticamente significativa em todos os parâmetros avaliados no grupo de intervenção, enquanto no grupo de controlo não houve melhoria significativa em nenhum parâmetro avaliado, sendo que ainda se verificou uma diminuição com significado estatístico no parâmetro equilíbrio unipodal neste último grupo.
A implementação de programas de exercício físico é atualmente uma área de atuação dos Enfermeiros de Reabilitação, sendo de todo o interesse aumentar o nosso corpo de competências específicas que nos permita intervir de uma forma mais criteriosa, rigorosa e científica nos idosos das nossas comunidades. A implementação de programas de exercício propriocetivo pelos enfermeiros de reabilitação, tendo como alvo a população mais vulnerável, na qual se inclui os idosos, tem que se constituir uma prática sistemática e sistematizada - profissionalizada - promovendo ganhos em saúde e, em simultâneo, contribuir para a nossa posição enquanto elementos fundamentais no sistema de saúde, social e económico.
Como limitações deste estudo apontamos o curto período de tempo em que decorreu o programa de treino, o reduzido tamanho da amostra e a escassez de artigos científicos sobre a temática em estudo. Como sugestões futuras apontamos para a necessidade de replicar este programa com um maior número de idosos e de o implementar em diferentes programas de saúde da Direção Geral da Saúde, no âmbito do aumento dos níveis de atividade física e da melhoria do equilíbrio