INTRODUÇÃO
As pessoas com mobilidade condicionada são pessoas que utilizam cadeira de rodas, incapazes de andar ou que não conseguem percorrer grandes distâncias, com dificuldades sensoriais (cegos ou surdos) e aquelas que se apresentam transitoriamente condicionadas (grávidas, crianças e idosos). Estas pessoas confrontam-se com barreiras ambientais que são impeditivas de uma participação cívica ativa e integral, sendo obrigação do Estado garantir e assegurar os direitos destas1.
A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) correlaciona a incapacidade com a funcionalidade. Define que as mesmas resultam de uma relação complexa entre a condição de saúde do indivíduo (doenças, perturbações e lesões) e os fatores pessoais (sociais, económicos, literários), com os fatores externos (ambientais) que representam as circunstâncias nas quais o indivíduo vive2. As pessoas com mobilidade condicionada são confrontadas, diariamente, com a problemática das barreiras arquitetónicas.
De acordo com alguns autores, as barreiras arquitetónicas estão presentes nos diferentes espaços e contextos e constituem obstáculos, dificultando ou impedindo a livre circulação de pessoas que vivenciam uma incapacidade (transitória ou permanente)3.
As acessibilidades, que vão desde as ajudas técnicas ao acesso dos edifícios, constituem uma condição essencial para o pleno exercício dos direitos. A garantia da autonomia e do acesso a bens e serviços existentes na sociedade para todos, tem sido objetivo da legislação adotada e atualizada bem como dos planos de ação por parte de entidades públicas e privadas, atribuindo maior visibilidade a esta causa com o objetivo de respeitar os direitos das pessoas com mobilidade condicionada e da sociedade inclusiva para todos.
Atualmente existem no mundo mais de um bilião de pessoas que apresentam alguma forma de deficiência, e entre estas, 200 milhões apresentam dificuldades funcionais consideráveis4. De resto, prevê-se que na Europa, no ano de 2050, 22% da população tenha menos de vinte anos e cerca de 40% tenha mais de 65 anos5. Prevê-se, assim, que exista um aumento da população com mobilidade condicionada de uma forma global.
De acordo com os Censos 20116, em Portugal estima-se existir 18% de pessoas com mobilidade condicionada, prevendo-se um aumento da prevalência desta população em 50% até 20507.
A promoção e a garantia da plena acessibilidade é essencial à qualidade de vida dos cidadãos e ao exercício dos deus direitos, como membros participantes de uma comunidade regida pelos princípios de uma sociedade democrática, no sentido de assegurar a sua real participação e integração cívica. Assim, a acessibilidade traduz-se em vantagens para todos: permite o exercício pleno da cidadania e participação ativa nos diversos domínios de atividade da sociedade; assegura, ao maior número possível de cidadãos, a possibilidade de viverem integrados na sua comunidade em situações de equidade de oportunidades; contribui para que os espaços e serviços proporcionem condições de segurança e conforto; e assegura menores encargos na autonomia e na maior independência a todos os cidadãos8.
Tendo em conta as competências do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação (EEER), torna-se indiscutível a sua importância na promoção de ambientes inclusivos. Assim, este deve envolver-se na melhoria das condições de acessibilidade, com uma atitude mais proativa nesta área com o sentido de aumentar os ganhos em qualidade de vida das pessoas com mobilidade condicionada. Em parceria com os órgãos autárquicos locais, podem “constituir um binómio de promoção da saúde e da acessibilidade arquitetónica, uma vez que, são os atores políticos de construção de territórios inclusivos, pelo cumprimento de disposições legais, construindo cidades inclusivas para pessoas com mobilidade condicionada” 9.
A eliminação de barreiras arquitetónicas é fundamental para que as pessoas com mobilidade condicionada possam ter acesso a todos os sistemas e serviços da comunidade e assim, gozar dos seus direitos como cidadãos8.
É neste enquadramento, que se considerou pertinente, refletir sobre o contributo do EEER na promoção da acessibilidade e inclusão social, tendo por base a legislação e as políticas de acessibilidade atuais, bem como os documentos reguladores do exercício profissional e os referenciais teóricos de enfermagem.
Para a concretização deste estudo teórico focamo-nos na legislação, nos programas, nos planos de ação e nas políticas em vigor, nas competências especificas do EEER, nos padrões de qualidade dos cuidados especializados em enfermagem de reabilitação, bem como em publicações que contemplassem esta temática.
Embora o ambiente, enquanto conceito metaparadigmático, seja considerado pelos EEER um componente facilitador ou dificultador da adaptação da pessoa com mobilidade condicionada, a existência de lacunas na intervenção a este nível, motivou a realização deste artigo teórico. Na sequência da reflexão realizada, para além de evidenciarmos o contributo do EEER, é nossa pretensão sensibilizar estes profissionais para uma intervenção sustentada no âmbito desta problemática, determinante na qualidade de vida e no exercício da cidadania da pessoa com mobilidade condicionada.
DESENVOLVIMENTO
Na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD)10, define-se deficiência como um conceito evolutivo que não se circunscreve, apenas, às limitações consequentes de um processo patológico. Resulta, também, da interação entre estas pessoas e as barreiras comportamentais e ambientais que impedem a sua participação plena e efetiva na sociedade, em condições de igualdade com as outras pessoas. Assim, a existência de barreiras arquitetónicas acentua a deficiência de qualquer pessoa com incapacidade/limitações e aumenta a sua vulnerabilidade.
A mesma Convenção10 ressalva os princípios universais da dignidade, integralidade e não discriminação, definindo as obrigações gerais dos governos relativas à integração das várias dimensões da deficiência nas suas políticas. Reafirma ainda, as obrigações específicas relativas à sensibilização da sociedade para a deficiência, ao combate aos estereótipos e à equidade de acesso das pessoas com deficiência.
Assim, deverão ser tomadas medidas efetivas e apropriadas que permitam às pessoas com incapacidade “atingirem e manterem um grau de independência máximo, plena aptidão física, mental, social e vocacional e plena inclusão e participação em todos os aspetos da vida” (artigo 26º da CDPD). Esta mesma Convenção salvaguarda o direito de viver num ambiente físico acessível (artigo 9º)10. Perante estes direitos da pessoa com incapacidade, o segundo ponto do artigo 71º da Constituição da República Portuguesa (CRP) vem reforçar a obrigação de uma “política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias” 11.
É essencial a consciencialização das pessoas para a igualdade de direitos, sendo uma incumbência do Estado a “promoção do bem-estar e qualidade de vida da população e a igualdade real e jurídico-formal entre todos os portugueses” (alínea d) do artigo 9º e artigo 13º da CRP11.
No que diz respeito à questão das acessibilidades, a regulação normativa através do Decreto-Lei nº 123/97, visou a introdução de normas técnicas, no sentido de eliminar barreiras urbanísticas e arquitetónicas nos edifícios públicos, equipamentos coletivos e via pública12.
Constatada a insuficiência das soluções propostas por esse diploma, revogou-se o referido Decreto-Lei12, com a criação de um novo diploma, que “define o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem o público, via pública e edifícios habitacionais, visando a construção de um sistema global, coerente e ordenado em relação às acessibilidades”, com vista a proporcionar às pessoas com mobilidade condicionada condições iguais aos demais. Importa referir a extensão do âmbito de aplicação das normas técnicas de acessibilidades aos edifícios habitacionais (acesso às habitações e seus interiores), para garantir a mobilidade sem condicionamentos1.
Com a aplicação do Decreto-Lei nº 163/06, era expectável que em fevereiro de 2017, data de término do prazo para adaptação dos espaços (edifícios, estabelecimentos e equipamentos de utilização pública cuja data de construção era anterior a 1997), não existissem barreiras arquitetónicas em locais de uso público. Contudo, a evidência demonstra que ainda subsistem barreiras arquitetónicas9.
Tanto a nível europeu como nacional, têm sido desenvolvidas estratégias para a promoção da acessibilidade arquitetónica, o que está implícito numa das propostas do XXI Governo Constitucional que passa pelo desenvolvimento do programa “Territórios Inclusivos” 3.
A União Europeia (UE), tem desenvolvido ações para a promoção, por exemplo, de serviços de turismo acessíveis, onde destacamos o projeto pioneiro em Portugal: Lousã - Destino de Turismo Acessível13.
Com o intuito de melhorar a mobilidade e acessibilidade de todos, Portugal pretende, até 2020 combater esta forma de descidadania (Plano de Ação e Mobilidade Urbana e Sustentável - PAMUS). Reconhecendo ainda a importância do conhecimento sobre as necessidades das pessoas com mobilidade condicionada, a Comissão Portuguesa para Normalização no domínio do Turismo (Subcomissão 8 - Turismo Acessível) validou um o Guia de Boas Práticas de Acessibilidade na Hotelaria com o objetivo de promover a qualidade no âmbito da acessibilidade dos serviços turísticos13.
Anualmente comemora-se o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência e em 2018, o tema foi o Empoderamento de pessoas com deficiência e a garantia de inclusão e igualdade. Nesta comemoração foi, também, dada visibilidade ao décimo primeiro objetivo da Agenda 2030 - 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis14. Este consiste em “proporcionar o acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis, sustentáveis e a preço acessível para todos, melhorando a segurança rodoviária através da expansão da rede de transportes públicos, com especial atenção para as necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade, mulheres, crianças, pessoas com deficiência e idosos; aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, e as capacidades para o planeamento e gestão das condições habitacionais participativas, integradas e sustentáveis, em todos os países; proporcionar o acesso universal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para as mulheres e crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência” 14.
A promoção da acessibilidade é fundamental na qualidade de vida das pessoas e imprescindível para o exercício da igualdade de direitos de qualquer membro de uma sociedade democrática. Desta forma e como enunciado no Decreto-Lei n.º 163/06, contribui para “um maior reforço dos laços sociais, para uma maior participação cívica de todos aqueles que a integram e, consequentemente, para um crescente aprofundamento da solidariedade no Estado social de direito” 1.
Neste Decreto-Lei1, está também implícito que a abertura de estabelecimentos destinados ao público, sendo eles escolas, estabelecimentos de saúde ou comerciais, entre outros, é licenciada pelas entidades competentes, quando estes estão conforme as normas de acessibilidade. Sempre que se verifiquem situações desconformes, que não respeitem as condições de acessibilidade exigíveis, estas têm que ser, obrigatoriamente, comunicadas às entidades competentes para os licenciamentos por parte da Câmara Municipal, de forma a serem indeferidos.
A acessibilidade deverá ser inclusiva e universal, para que as cidades permitam, cada vez mais, o acesso dos cidadãos, não só pelos espaços físicos que estas oferecem, mas também, pelo espaço público que deve ser livre de obstáculos materiais.
Uma maior qualidade de vida das pessoas com mobilidade condicionada, apresenta-se como uma obrigação cívica de todos os cidadãos, na melhoria das suas responsabilidades. Sabendo que as dificuldades de mobilidade afetam um conjunto vasto de pessoas, 60% nos países da OCDE15, estão impedidos de participar na vida económica, social e cultural, devido à presença de barreiras, tornando-se emergente adotar soluções técnicas que garantam o acesso aos edifícios, bem como a todos os espaços públicos e transportes.
As autarquias locais têm um importante papel na eliminação de barreiras, promovendo um ambiente acessível e livre de barreiras arquitetónicas, devendo aumentar a sua atuação e deixando de se limitar aos domínios das infraestruturas e dos equipamentos básicos 16. É assim fulcral criar e ou reforçar sinergias entre as entidades públicas e privadas e o setor da saúde, num binómio de promoção da saúde e da acessibilidade para pessoas com mobilidade condicionada.
Na sua maioria, as entidades não correspondem às reais necessidades da sua população. O espaço público, o edificado e os transportes são projetados para o homem médio, de idade madura, com força e plena saúde, indo de acordo com a teoria de Leonardo Da Vinci.
Os profissionais de saúde necessitam de ir para além das estratégias de prevenção, devendo promover a saúde, facilitar o bem-estar e o equilíbrio do meio ambiente, que desde meados do século XIX até à atualidade, com a teoria ambientalista de Florence Nightingale, têm vindo a ser lideradas pela enfermagem17.
No âmbito do exercício profissional, a utilização de um referencial teórico de enfermagem é essencial para dar sustentação e fundamentar a atuação do enfermeiro, devendo por isso alicerçar-se na melhor evidência científica disponível18. De entre os referenciais teóricos verificamos que já há dois séculos que esta ciência se interroga sobre as questões ambientais.
A evidência demonstra que os Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação identificam as conceções de Afaf Meleis, Dorothea Orem e Callista Roy como as que mais sustentam a sua prática19.
Os enfermeiros podem constituir-se como facilitadores nos processos de transição se a sua prática for centrada na pessoa e nas suas reais necessidades20. A transição para a dependência no autocuidado é um fator transformável através da melhoria do potencial de aprendizagem da pessoa. Os enfermeiros podem e devem contribuir de forma significativa quer na promoção do autocuidado, quer na qualidade dos processos de transição vividos pelas pessoas, através de medidas contínuas em que a equipa multidisciplinar deve estar focada e, onde o EEER pode constituir uma mais valia, sendo facilitador deste processo de transição bem sucedido.
A teoria das transições de Afaf Meleis, defende que os indivíduos passam por transições durante o seu ciclo vital, e que o enfermeiro deve ser capaz de reconhecer esses momentos e torná-los mais saudáveis20. Os recursos da comunidade e da sociedade são condicionantes do processo de transição podendo ser facilitadores ou inibidores. Cabe assim ao EEER promover os facilitadores e diminuir ou eliminar os inibidores, nomeadamente no que se refere às barreiras arquitetónicas e à utilização de estratégias adaptativas que minimizem as mesmas.
Para Orem, o ambiente é uma das condições que afeta o autocuidado, ou seja, todas as atividades de vida diárias que são executadas pela própria pessoa para a manutenção da sua vida e do seu bem-estar21. O ambiente refere-se então aos fatores externos que afetam o autocuidado; engloba aspectos físicos, químicos e biológicos englobando a família, a cultura e a comunidade.
A capacidade da pessoa se envolver e ajustar ao autocuidado, denomina-se ação de autocuidado, sendo que esta, pode ser afetada por fatores condicionantes básicos (outro dos conceitos descritos por Orem), de que são exemplo a idade, o sexo, o estado de desenvolvimento, o estado de saúde, fatores ambientais (existência de barreiras arquitectónicas), estado sociocultural, aspetos relativos à família e disponibilidade e adequação de recursos.
O modelo concetual de adaptação de Roy define o indivíduo como um ser adaptativo, sendo competência do enfermeiro facilitar o acesso a respostas adaptativas saudáveis22. Este referencial teórico indica que o estímulo é identificado como o elemento que desencadeia a resposta, podendo este ser intrínseco ou extrínseco à pessoa, e inclui nele todas as condições, circunstâncias e influências em volta desta, ou que interfere com o desenvolvimento ou comportamento da mesma. O termo “ambiente”, neste referencial, define o conjunto de estímulos que interagem com a pessoa. Estes estímulos podem ser divididos em focal, contextual e residual23.
O estímulo focal é o mais relevante, pois confronta diretamente com a pessoa determinando mudanças; o estímulo contextual é o que advêm do meio interno ou externo à pessoa, com influência positiva ou negativa sobre a sua situação, contribuíndo para o comportamento provocado pelo estímulo focal; e os estímulos residuais são fatores ambientais internos ou externos, que têm um efeito indeterminado no comportamento da pessoa22.
Assim, verificamos a relação entre o ambiente e o comportamento das pessoas no seu quotidiano, o seu envolvimento na comunidade e a sua integração social21-22. Denota-se, portanto, o contributo dos referenciais teóricos na intervenção do EEER no sentido da eliminação de barreiras arquitetónicas fomentando ambientes inclusivos para pessoas com mobilidade condicionada.
Paralelamente aos referenciais teóricos, a prática de enfermagem sustenta-se nos documentos reguladores do exercício profissional. No âmbito da especialização em Enfermagem de Reabilitação, o regulamento das competências específicas do EEER acrescenta a inclusão social à promoção de saúde já contemplada nas competências do enfermeiro de cuidados gerais.
Neste seguimento, as acessibilidades constituem-se como relevantes no âmbito dos Cuidados Especializados em Enfermagem de Reabilitação, estando contemplado no Regulamento de Competências Específicas do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação, que este profissional “capacita a pessoa com deficiência, limitação da atividade e ou restrição da participação para a reinserção e exercício da cidadania” e “promove a mobilidade, a acessibilidade e a participação social” pelos conhecimentos sobre legislação específica, sensibilização da comunidade no sentido de adotarem práticas inclusivas, identificação e eliminação de barreiras arquitetónicas, podendo também emitir pareceres técnico-científicos acerca de estruturas e equipamentos sociais da comunidade24.
Aos EEER, tal como descrito no Regulamento dos Padrões de Qualidade dos Cuidados Especializados em Enfermagem de Reabilitação, compete desenvolver processos de promoção da inclusão social das pessoas com deficiência, sendo elementos importantes: “a capacitação da comunidade para o respeito e integração da pessoa com deficiência”; “a otimização dos recursos do cliente, família e comunidade para manter e/ou promover a inclusão da pessoa com deficiência, promovendo a sua participação na vida da comunidade”; “a adoção de estratégias de discriminação positiva para os clientes mais fragilizados”; “o envolvimento do cliente, família e comunidade nas estratégias promotoras da inclusão”; “o desenvolvimento de estratégias promotoras da inclusão ativa de pessoas com deficiência, incluindo as condições de habitação, a melhoria de acesso ao emprego, formação e oportunidades de educação”; “o desenvolvimento de campanhas anti-estigma e atividades nos meios de comunicação social, escolas, empregos, ou outros contextos, de modo a promover a integração de pessoas com necessidades especiais” 25.
A ideia dos enfermeiros como líderes de estratégias de promoção da saúde também tem vindo a ser reforçada pela Organização Mundial de Saúde, que enfatiza o empoderamento da enfermagem para que se consiga conquistar a saúde e o bem-estar da população mundial, através de estratégias de promoção da saúde física, mental e do bem-estar, coordenadas por enfermeiros que tenham na sua formação um conhecimento científico capaz de lhes permitir realizar essas estratégias26.
Alguns autores3 referem que se reconhece a necessidade de formação sobre a temática da acessibilidade, sendo uma potencialidade a considerar pelas entidades públicas e privadas. Defendem ainda, que o EEER, dado possuír conhecimentos técnico-científicos, pode sensibilizar para o impacto das barreiras arquitetónicas na qualidade de vida das pessoas com mobilidade condicionada, barreiras estas que, muitas vezes, podem ser eliminadas com medidas simples e um correto planeamento de recursos.
Os EEER marcam diferença no que diz respeito ao conhecimento da legislação específica para a acessibilidade, ao saber a quem se dirigir caso necessite de solicitar intervenção para eliminar barreiras arquitetónicas para pessoas com mobilidade condicionada na comunidade, bem como ao conhecimento do processo de ativação dos meios responsáveis para eliminar as barreiras arquitetónicas. Contudo, tal como confirmado por vários autores9, estes profissionais não diferem dos outros no que diz respeito ao desenvolvimento de algum tipo de intervenção nesse sentido, na sua prática profissional.
Importa, no entanto, ter em consideração que os EEER deparam-se atualmente com novos desafios dada a evolução da sociedade, cada vez mais complexa e multidimensional3.
Atendendo à formação e às competências já anteriormente mencionadas, cabe ao EEER promover o desenvolvimento de políticas de saúde fortes, influenciando decisões políticas, técnicas e sociais para a promoção de ambientes acessíveis, particularmente através da sensibilização e formação dos autarcas para a relevância da eliminação de barreiras arquitetónicas e para o respeito e valorização da diversidade humana, para uma inteira participação social das pessoas com mobilidade condicionada. Neste contexto, as entidades públicas e privadas são decisivas para a construção de territórios inclusivos para estas pessoas.
Uma das intervenções do EEER, indo de encontro às políticas de saúde em vigor, é a sua contribuição para o aumento da literacia em saúde da população e, neste caso específico, da pessoa com mobilidade condicionada e do seu familiar cuidador. Quanto maior o conhecimento que estes possuem em relação ao seu estado de saúde e aos recursos existentes na comunidade, maior será a sua autonomia, autogestão da doença, autoeficácia, uso assertivo dos serviços de saúde e empoderamento27.
Sendo um dos principais objetivos da enfermagem a obtenção de ganhos em saúde da pessoa, um aumento da literacia é indispensável, visto esta estar associada tanto direta, como indiretamente a maior outcome em saúde28.
O empoderamento da pessoa com mobilidade condicionada corrobora com a centralização na pessoa, responsabilizando-a pelos cuidados de saúde que aufere e na identificação de condicionantes dificultadoras no seu quotidiano e na promoção de políticas inclusivas. A pessoa com mobilidade condicionada poderá ser um agente passivo ou ativo, sendo importante a sua participação ativa, colocando-a ao nível da tomada de decisão política, aspeto que deverá ser impulsionado pelo EEER.
CONCLUSÃO
Embora ainda exista uma significativa oportunidade de melhoria, a temática da acessibilidade tem vindo a assumir um papel cada vez mais relevante na atuação do EEER no âmbito de entidades públicas e privadas, em resultado de um despertar de consciências cada vez mais visível.
As barreiras à acessibilidade prejudicam a igualdade de oportunidades, favorecem a discriminação, acentuam preconceitos e aumentam a deficiência da pessoa, aspetos mais que suficientes, para exigirem uma intervenção sistematizada dos profissionais.
A promoção da acessibilidade constitui um elemento fundamental na qualidade de vida das pessoas, sendo um meio imprescindível para o exercício dos direitos que são conferidos a qualquer membro de uma sociedade democrática, aspeto que reforça, mais uma vez, a necessidade dos EEER considerarem esta componente no âmbito da conceção e prestação dos cuidados de enfermagem de reabilitação.
Para a melhoria da acessibilidade é crucial uma tomada de decisão centrada no processo de enfermagem que evidencie um olhar holístico e potencialmente empoderador quer da pessoa com mobilidade condicionada e do seu familiar cuidador, quer da comunidade e dos stakeholders, e, particularmente dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação.
Enquanto conhecedor de leis e do processo de reabilitação, o EEER deverá ainda intervir no sentido de aumentar a literacia das pessoas com incapacidade e da sua família sobre a sua condição, de modo a promover a sua autonomia e independência. O empoderamento das pessoas com incapacidade tem vindo a ser o lema.
A enfermagem enquanto disciplina científica tem como alvo, não só a pessoa, mas também, a família, a comunidade ou a sociedade. Portanto, o EEER é o impulsionador e o condutor para a integração da pessoa no seu meio, intervindo na sua autonomia e na adaptação ao ambiente, de maneira a que as suas limitações não impeçam o exercício da cidadania.
Este artigo teórico evidencia-se como relevante, enquadrando de forma objetiva o contributo dos EEER como agentes preponderantes e participantes ativos, quer no processo de tomada de decisão político-social, quer no sentido de facilitar o acesso a respostas adaptativas saudáveis da pessoa com mobilidade condicionada.
No futuro, tendo em conta que esta temática terá ainda maior pertinência, deveria ser-lhe atribuído maior valor na formação do EEER e dos restantes atores, analisando-se o seu contributo na definição das políticas sociais e no outcome adaptativo da pessoa com mobilidade condicionada em todos os seus contextos.