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Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação

versão impressa ISSN 2184-965Xversão On-line ISSN 2184-3023

RPER vol.2 no.2 Silvalde dez. 2019

https://doi.org/10.33194/rper.2019.v2.n2.4581 

Artigos

Reabilitação da Função Respiratória na pessoa com pneumonia bacteriana secundária ao Influenza A: estudo de caso

Rehabilitación de la Función Respiratoria en la persona con neumonía bacteriana secundaria a la Influenza A: estudio de caso

Pedro Raposo1 

Catarina Simão2 

Helena Pestana3 

Ana Cristina Mesquita3 

Luís Sousa4 

1- Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca

2- Hospital de Egas Moniz

3- Escola Superior de Saúde Atlântica

4- Universidade de Évora


RESUMO

Introdução:

Os meses de Outono e Inverno estão associados a um aumento da epidemia sazonal da gripe responsável por 3 a 5 milhões de casos de doença grave. A sobre-infeção bacteriana secundária assume-se como a complicação mais frequente, com elevados índices de internamento. Aos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação são reconhecidas capacidades mediante um conjunto de intervenções terapêuticas para proporcionar a recuperação da pessoa portadora de patologia respiratória.

Objetivo:

Identificar os ganhos em saúde sensíveis aos cuidados de enfermagem de reabilitação na otimização da função respiratória numa pessoa com o diagnóstico de pneumonia adquirida na comunidade por streptococcus pneumoniae secundária à infeção por Influenza A.

Método:

Estudo de abordagem qualitativa, tipo estudo de caso. Consiste na utilização do processo de enfermagem, com recurso ao Padrão Documental dos Cuidados da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação. É apresentado o caso de uma pessoa idosa com alteração da função respiratória, necessitando de oxigenoterapia e capacidade de expetorar comprometida. Foram cumpridos os princípios éticos em investigação.

Resultados:

Com a implementação do plano de intervenção constituído por quadro dias, foram verificados ganhos na redução da sensação de dispneia; redução do aporte de oxigenoterapia; redução da quantidade de secreções; melhoria na auscultação pulmonar do murmúrio vesicular.

Conclusões:

Verifica-se que com a implementação de um plano de cuidados de enfermagem de reabilitação individualizado pode-se contribuir significativamente na promoção da recuperação da pessoa com patologia respiratória restritiva.

Descritores: Exercícios Respiratórios; Pneumonia Bacteriana; Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação; Relatos de Casos

RESUMEN

Introducción:

Los meses de otoño e invierno están asociados a un aumento de la epidemia estacional de la gripe responsable de 3 a 5 millones de casos de enfermedad grave. La sobre-infección bacteriana secundaria se asume como la complicación más frecuente, con altos índices de internamiento. A los enfermeros especialistas en enfermería de rehabilitación se les reconocen capacidades mediante un conjunto de intervenciones terapéuticas para proporcionar la recuperación de la persona portadora de patología respiratoria.

Objetivo:

Identificar los resultados de salud sensibles a los cuidados de enfermería de rehabilitación en la optimización de la función respiratoria en una persona con el diagnóstico de neumonía adquirida en la comunidad por streptococcus pneumoniae secundaria a la infeción por Influenza A.

Método:

Estudio de enfoque cualitativo, tipo estudio de caso. Consiste en la utilización del proceso de enfermería, con recurso al Padrão Documental dos Cuidados da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação. Se presenta el caso de una persona anciana con alteración de la función respiratoria, necesitando de oxigenoterapia y capacidad de expetorar comprometida. Se han cumplido los principios éticos en investigación.

Resultados:

Con la implementación del plan de intervención constituido por cuadro días, se verificaron beneficios en la reducción de la sensación de disnea; reducción del aporte de oxigenoterapia; reducción de la cantidad de secreciones; mejora en la auscultación pulmonar del murmullo vesicular.

Conclusiones:

Se verifica que con la implementación de un plan de cuidados de enfermería de rehabilitación individualizada se puede contribuir significativamente a la promoción de la recuperación de la persona con patología respiratoria restrictiva.

Descriptores: Ejercicios Respiratorios; Neumonía Bacteriana; Enfermero Especialista en Enfermería em Rehabilitación; Informes de Casos

ABSTRACT

Background:

The autumn and winter months are associated with an increase in the seasonal epidemic flu responsible for 3 to 5 million cases of serious illness. Secondary bacterial infection is the most frequent complication, with high hospitalization rates. The rehabilitation nurse is recognized for being specialist in therapeutic interventions to provide the recovery of the person with respiratory pathology.

Objective:

To identify health outcomes from rehabilitation nursing care associated with the optimization of the respiratory function in a person diagnosed with streptococcus pneumonia community-acquired pneumonia secondary to Influenza A infection.

Method:

Qualitative case study research type. The study highlights the nursing care using the Padrão Documental dos Cuidados da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação in an elderly person with altered respiratory function is presented, necessitating oxygen therapy and with its ability to expectorate compromised. The ethical principles in research have been fulfilled.

Results:

The implementation of the intervention plan constituted by four days revealed a reduction in the sensation of dyspnea; reduction of oxygen therapy; reduction of secretions; improvement in pulmonary auscultation of the vesicular murmur.

Conclusions:

It is verified that the implementation of an individualized rehabilitation nursing care plan can contribute significantly to promote the recovery of the person with restrictive respiratory pathology.

Keywords: Breathing Exercises; Bacterial Pneumonia; Rehabilitation Nursing; Case Reports

INTRODUÇÃO

Os fenómenos climáticos extremos e intensos são atualmente uma realidade cada vez mais frequente, com consequências graves para a saúde da população refletindo-se no aumento da morbi-mortalidade vivenciada nesses períodos1. Os meses de Outono e Inverno são associados a um aumento da epidemia sazonal da gripe, que apesar de ser uma doença respiratória aguda e maioritariamente benigna, em alguns casos poderá ter uma evolução mais severa (implicando um aumento da procura de serviços de saúde) sendo anualmente responsável por 3 a 5 milhões de casos de doença grave e por 250 mil a 500 mil mortes em todo o mundo1,2. Em Portugal a vigilância epidemiológica é realizada pela Rede Médicos-Sentinela em colaboração com o Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe e Outros Vírus Respiratórios no Departamento de Epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge, emitindo boletins de vigilância semanais. De acordo com os mesmos, para a época 2018/2019 foi registado um aumento da taxa de incidência com início a 3 de dezembro de 2018 assumindo-se atividade gripal epidémica entre 21 a 27 de janeiro de 2019, com uma taxa de incidência de 89,3 por 100 00 habitantes pela circulação do subtipo A3.

A infeção pelo vírus Influenza, além de aumentar o risco de agudização de doenças crónicas, apresenta como complicação mais frequente a sobre-infeção bacteriana secundária, causada principalmente pelo Streptococcus pneumoniae, Haemophilus Influenzae e Staphylococcus aureus1,4.

A Pneumonia consiste numa infeção do parênquima pulmonar em que a totalidade ou parte dos alvéolos estão preenchidos com líquido e eritrócitos, conferindo a designação de consolidação pulmonar, substituindo tanto o ar disponível nos alvéolos como a área disponível para as trocas gasosas. Este é um fenómeno que lhe confere um padrão restritivo pela redução da compliance pulmonar, refletindo-se num aumento da frequência respiratória, na redução do volume corrente e do índice ventilação-perfusão5.

A pneumonia (n=40345) assume-se em Portugal como a principal causa de internamento por doença respiratória em 2016, seguindo-se da doença pulmonar obstrutiva crónica (n=7864) e cancro pulmonar (n=5541)6. A pneumonia é responsável por 7% dos internamentos com aumento da prevalência em doentes com idade igual ou superior aos 80 anos, verificando-se elevadas percentagens de morbilidade e mortalidade, encontrando-se esta última nos 20%6.

A Pneumonia adquirida na comunidade é aquela que tem a sua origem na comunidade ou que se manifesta até 48 horas após a pessoa ser internada. Comumente, a pessoa apresenta dor torácica, febre, dispneia, tosse, expetoração inicialmente mucosa e progressivamente purulenta e calafrios. A auscultação pulmonar é marcada pela presença de fervores crepitantes audíveis nos dois tempos respiratórios embora mais intensos na fase inspiratória e frequentemente na fase posterior do tórax ao nível dos campos pulmonares médios, simulando um “apertar de cabelos entre os dedos”7,8. A presença de consolidações é identificada por uma hiporresonância à percussão(9 e um aumento do frémito tóraco-vocal na palpação5.

Em situações de hospitalização da pessoa portadora de pneumonia adquirida na comunidade, a mesma deverá ser submetida a controlo por telerradiografia do tórax e por gasometria arterial. A telerradiografia do tórax assume-se como um fundamental meio de diagnóstico nesta área, conferindo informações do parênquima pulmonar, mediastino, estruturas ósseas e partes moles5. Na pneumonia adquirida na comunidade a imagem da consolidação pulmonar está frequentemente presente nos lobos inferiores assim como a presença de um infiltrado intersticial difuso resultante do processo inflamatório8. A gasometria arterial permite avaliar as concentrações de oxigénio, a eficácia das trocas de gases entre os alvéolos-capilares e equilíbrio ácido-base, sendo um método para controlo da evolução clínica e determinante na necessidade de oxigénio adicional5.

O tratamento terapêutico da pneumonia adquirida na comunidade é realizado com base na antibioterapia dirigida para o microorganismo específico, verificando-se que por necessidade de início precoce, o mesmo acaba por ser empírico. Para além da antibioterapia, este tratamento deverá ser complementado com a administração de oxigénio, suporte nutricional e prevenção e tratamento de possíveis distúrbios metabólicos associados7,8. A inaloterapia, como via preferencialmente recomendada, também se assume eficaz no tratamento e na prevenção da estase de secreções. Mediante a situação, existe uma grande variedade de terapêutica como soro fisiológico, broncodilatadores, anti-inflamatórios, mucolíticos e antibióticos, verificando-se iguais efeitos terapêuticos comparativamente com outras vias de administração de fármacos, além de uma redução dos efeitos adversos8.

O enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação (EEER) é o profissional de saúde ao qual lhe é reconhecida a capacidade de proporcionar um conjunto de intervenções terapêuticas (com relevo para as não farmacológicas) com o objetivo de melhorar as funções residuais, manter e recuperar a independência nas atividades de vida e minimizar o impacto das incapacidades ao nível das funções neurológica, respiratória, cardíaca, ortopédica, deficiências e incapacidades10.

Neste sentido, a reabilitação respiratória, como um processo holístico que confere à pessoa um pleno estado físico, mental, emocional, social e profissional, tornou-se um padrão de cuidados recomendado à pessoa portadora de patologia respiratória na sua cronicidade e/ou agudização5, sendo reconhecido ao EEER competências especializadas na implementação de programas de reeducação funcional respiratória, também denominado de cinesiterapia respiratória11.

Atualmente, está demonstrado que a reabilitação respiratória reduz a sintomatologia apresentada, melhorando a função muscular dos membros, a capacidade de exercício, a função emocional, a qualidade de vida, o conhecimento e a autoeficácia, sendo considerada uma componente essencial nos cuidados integrados dos doentes respiratórios sustentada pela melhor relação custo-efetividade, redução das hospitalizações e redução dos custos em saúde12.

A reeducação funcional respiratória é uma terapia não invasiva e sem efeitos adversos prejudiciais, englobando um conjunto de técnicas baseadas no controlo da respiração, no posicionamento e movimento que visam uma melhor eficácia nas trocas gasosas e redução da sintomatologia, complementando os tratamentos farmacológicos instituídos5,12.

A intervenção da reabilitação respiratória em pessoas com pneumonia adquirida na comunidade encontra-se dependente do estadio da doença, devendo-se intervir após estabilização do quadro de hipertermia grave e instabilidade hemodinâmica. Na fase inícial, a intervenção visa reverter a redução de volumes nos segmentos pulmonares e prevenção de atelectasias e consequente redução no índice de ventilação-perfusão, enquanto que no evoluir da doença para a sua resolução, existe uma redução na consolidação dos campos pulmonares e o surgimento da tosse produtiva com secreções5,8. O objetivo da intervenção do EEER centra-se na otimização da ventilação com a reexpansão pulmonar com especial atenção à prevenção e correção de alterações posturais; na permeabilidade das vias aéreas com a drenagem de secreções e promoção de tosse eficaz; a redução do trabalho respiratório e reeducação ao esforço5,8.

A intervenção do EEER deve ser baseada na avaliação inicial da pessoa e sintomatologia apresentada, complementada com a observação imagiológica e clínica8. O foco ventilação encontra-se comprometido pelo caráter restritivo conferindo padrões de hipoventilação, diminuição da ação dos músculos inspiratórios e aumento do trabalho respiratório5. Para potenciar a reexpansão pulmonar, é necessário modificar os padrões respiratórios ineficazes com base em técnicas que consciencializem a pessoa para a dinâmica e mecânica ventilatória. Devem ser instituídas técnicas de correção de assinergias ventilatórias e otimização da ventilação alveolar como o controlo e dissociação dos tempos respiratórios; respiração abdomino-diafragmática; expiração com os lábios semicerrados; mobilização torácica e articular; reeducação abdomino-diafragmática; reeducação costal seletiva e global; treino de músculos respiratórios com ênfase na inspiração e exercício de fluxo inspiratório controlado11. No âmbito do foco expetorar, este apresenta diminuição da sua eficácia associado a alterações fisiopatológicas das vias aéreas, do sistema mucociliar e pela diminuição da força dos músculos inspiratórios e expiratórios, contribuindo igualmente para o comprometimento da ventilação e consequentemente da função respiratória. São para este foco englobadas um conjunto de técnicas como a tosse eficaz; drenagem de secreções com manobras acessórias; drenagem postural; drenagem autogénica; huffing e a técnica da expiração forçada e ciclo ativo das técnicas respiratórias11.

A bibliografia remete para uma escassa evidência científica acerca dos reais benefícios da reeducação funcional respiratória em pessoas com pneumonia, embora a intervenção se mantenha consideravelmente aplicada5. Perante o supracitado, o presente estudo de caso apresenta como questão norteadora: “Qual o contributo do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação na função respiratória da pessoa portadora de uma pneumonia bacteriana secundária à infecção vírica por Influenza A?”.

Este estudo de caso apresenta como objetivo geral avaliar o impacto da intervenção do EEER, com a aplicação da reeducação funcional respiratória, na pessoa portadora de pneumonia bacteriana secundária à infecção vírica por Influenza A.

Pela finalidade do estudo, identificam-se os seguintes objetivos específicos:

  • Identificar os ganhos sensíveis à reeducação funcional respiratória nos focos ventilação e expetorar;

  • Enumerar as intervenções do EEER nos respetivos focos.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo de caso consiste num método de pesquisa estruturado para conhecimento de fenómenos individuais ou grupais. Para Yin trata-se de uma pesquisa empírica quando os limites entre o fenómeno e contexto não são evidentes, com o objetivo de explorar, descrever, e explicar o evento13. Na investigação em Enfermagem, o estudo de caso permite que através de diversas fontes de evidência, seja possível estudar fenómenos da vida de elevada complexidade13.

O presente estudo de caso encontra-se estruturado de acordo com referenciais teóricos Yin e Stake em seis etapas: Definição do problema; Definição do caso; Fundamentação teórica; Elaboração do protocolo de estudo; Colheita de dados; Análise e discussão dos resultados13.

Neste estudo de caso é apresentada uma pessoa portadora de uma Pneumonia por streptococcus pneumoniae secundária à infeção vírica por Influenza A, abordando o programa de reabilitação da função respiratória no decorrer do internamento de modo a evidenciar os resultados obtidos. A colheita de dados foi realizada mediante anamnese e consulta do processo clínico.

O programa de reabilitação respiratória decorreu no mês de fevereiro de 2019 com início da admissão no internamento. A pessoa foi designada por indivíduo de modo a salvaguardar a confidencialidade de dados e anonimato. Deste modo, pelo envolvimento de questões pessoais, intransmissíveis e de confidencialidade da clínica hospitalar, tornou-se fundamental respeitar as diretrizes da ética para a investigação em enfermagem seguindo os princípios da Beneficiência; Não Maleficiência; Fidelidade; Justiça; Veracidade e Confidencialidade, informando assim sobre os riscos e benefícios14. Foi obtido o consentimento livre e esclarecido antes da colheita de dados.

Os instrumentos específicos para a avaliação da função respiratória foram baseados no Guia Orientador da Boa Prática para a Reabilitação Respiratória da Ordem dos Enfermeiros. Deste modo, a avaliação foi incidente no Processo Patológico, baseado nos sinais e sintomas da patologia respiratória: toracalgia, medida pela Escala Numérica da Dor; Dispneia, medida pela Escala de Borg Modificada; a tosse e expetoração pelo aspeto macroscópico e pelo Processo Corporal, cumprindo a avaliação da função respiratória mediante exame físico (inspeção, palpação, percussão e auscultação), gasometria arterial e telerradiografia do tórax.

Os resultados evidenciados neste estudo abordam uma pessoa que apresentou como critérios de seleção: idoso, com idade superior ou igual a 65 anos; ausência de antecedentes pessoais conhecidos do foro respiratório e infeção por Influenza A no presente internamento.

Apresentação do caso

Anamnese

Resultante da informação obtida na anamnese, direciona o profissional de saúde para o diagnóstico e respetivo plano terapêutico. Deve ser constituída por informação relativa à história pregressa, história familiar e socioeconómica e à história clínica atual9).

Este caso corresponde a indivíduo, de 90 anos de idade, género masculino, caucasiano e de nacionalidade portuguesa. É casado, a residir com a esposa e filho. Atualmente reformado, tendo exercido funções como engenheiro eletrotécnico. Recorreu ao serviço de urgência no dia 3 de fevereiro de 2019 por um quadro de febre, dispneia, tosse produtiva com presença de expetoração esbranquiçada, rinorreia, toracalgia na região infracostal de características pleuríticas e mialgias com cinco dias de evolução. À chegada ao serviço de urgência apresentava pico febril de 39,2ºC. São realizados exames complementares apurando uma gasometria arterial realizada com aporte de oxigénio a 3L/min por óculos nasais com um pH 7,45; pCO2 35mmHg; pO2 58mmHg; Lactatos 3,5mml/L e HCO3 24,3 mmol/L, uma telerradiografia do tórax descrita com “reforço peri-hilar bilateral. Seios costo e cardiofrénicos permeáveis, sem imagens sugestivas de condensação”, um exsudado nasal positivo para Influenza A e uma antigenúria positiva para Streptococcus pneumoniae.

É transferido a 4 de fevereiro de 2019 para o internamento e é aumentado o aporte de oxigenioterapia para 5L/min por óculos nasais.

O indivíduo tem como antecedentes pessoais conhecidos hipertensão arterial e doença de Crohn. Medicação habitual: Messalazina 100mg, 2 vezes/dia; Rifaximina 200mg, 2 vezes/dia; Pravastatina 20mg/dia. Desconhece alergias.

Relativamente ao desempenho das suas atividades de vida diária apresentava-se independente até à data de internamento, praticando exercício físico regular numa frequência de três vezes por semana num ginásio. Na questão sociofamiliar e habitacional não apresenta dificuldades económicas e reside no 3º andar de um prédio com elevador.

Avaliação de Enfermagem de Reabilitação

Para uma eficiente atuação do EEER na implementação da sua atuação, é necessário associar aos dados obtidos por anamnese a observação dos exames complementares de diagnóstico e um exame físico à pessoa portadora de patologia respiratória, atendendo a pormenores que possam passar despercebidos8,9.

O plano de reabilitação teve início no dia 14 de fevereiro de 2019, tendo as respetivas intervenções sido implementadas até dia 21 de fevereiro de 2019. O indivíduo teve alta clínica no dia 22 de fevereiro de 2019.

O exame físico, baseado nas quatro etapas anteriormente referidas, bem como os meios complementares de diagnóstico permitem identificar o estadiamento da doença e consequente elaboração dos diagnósticos de enfermagem, adequando a intervenção e dando ênfase às alterações apresentadas pela pessoa. Estes instrumentos, de acordo com a evidência científica recomendada pela American Association of Cardiovascular & Pulmonary Rehabilitation, foram aplicados antes e após a implementação do programa de reeducação funcional respiratória permitindo identificar os ganhos sensíveis aos cuidados de enfermagem de reabilitação. Na patologia restritiva, os estudos científicos revelam que a eficácia da reabilitação respiratória é escassa, incidindo essencialmente no estado funcional e diminuição da dispneia5.

As intervenções incidiram em exercícios aeróbios e resistidos sendo atualmente considerados como a modalidade que aporta mais benefícios à pessoa com pneumonia5. A sua monitorização foi contínua, baseada nos valores de oximetrias periféricas de oxigénio (SpO2) e frequência cardíaca, além da anteriormente referida Escala de Borg Modificada.

Diagnósticos de enfermagem

De acordo com a linguagem da CIPE®, e no âmbito do programa de reabilitação da função respiratória, foram identificados quatro diagnósticos de enfermagem relacionados com os focos “ventilação” e “expetorar”:

  • Ventilação comprometida;

  • Expetorar ineficaz;

  • Potencial para melhorar conhecimento sobre técnica da tosse;

  • Potencial para melhorar capacidade para usar técnica da tosse;

Programa de reabilitação da função respiratória

As intervenções de enfermagem adequadas aos diagnósticos definidos mediante a avaliação da função respiratória, com base no que se encontra preconizado pelo Padrão Documental dos Cuidados de Enfermagem da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação15 e Guia Orientador da Boa Prática da Reabilitação Respiratória5, são apresentadas no quadro 1.

Pelo conjunto de intervenções de enfermagem apresentadas, associadas a um olhar holístico sobre a pessoa alvo dos cuidados estabelecidos, foram também enunciados outros diagnósticos de enfermagem, como a intolerância à atividade comprometida e movimento muscular diminuído.

As intervenções foram asseguradas nas diversas sessões realizadas, tendo tido a duração entre 30 a 45 minutos.

Quadro 1 Enunciado de Diagnósticos e Intervenções de Enfermagem5 , 15 )  

Diagnóstico de Enfermagem
Ventilação comprometida, em grau moderado
Intervenções de Enfermagem - Observar tórax [coloração, deformações, simetria, antes e após intervenção];
- Auscultar tórax [Identificar murmúrio vesicular e ruídos adventícios, antes e após intervenção];
- Vigiar ventilação [Expansibilidade, tipo, ritmo, amplitude, tempos inspiratórios e expiratórios, resgate de musculatura acessória, antes e após intervenção];
- Monitorizar [Oximetrias periféricas de oxigénio];
- Monitorizar frequência respiratória;
- Observar exame [Gasometria arterial e telerradiografia do tórax];
- Incentivar o uso de dispositivo respiratórios [Inspirómetro de incentivo];
- Otimizar a ventilação através da técnica de posicionamento [Posição de descanso e técnicas de relaxamento; Cabeceira a 30-45º; Correção postural];
- Executar técnicas respiratórias [Controlo e dissociação dos tempos respiratórios; expiração com lábios semi-cerrados 2 séries de 10 repetições; reeducação abdominodiafragmática com resistência 1kg; reeducação costal inferior bilateral];
- Executar cinesiterapia respiratória [Exercício de rotação da escápulo umeral; abertura costal global com bastão 2 séries de 10 repetições; abertura costal seletiva; mobilização torácica e articular com controlo respiratório e ênfase na inspiração - alongamentos, mobilização ativa do tórax com e sem bola terapêutica, adução/abdução do ombro no plano horizontal e eixo sagital na posição ortostática; flexão anterior da bacia em cadeia cinética ao fundo da cama 1 série de 10 repetições].
Expetorar ineficaz
Intervenções de Enfermagem - Avaliar reflexo da tosse;
- Incentivar a tossir;
- Incentivar a ingestão de líquidos;
- Executar inaloterapia através de inalador;
- Executar cinesioterapia respiratória [técnica de vibração torácica, técnica de percussão torácica, técnica de compressão torácica];
- Assistir a tossir [tosse assistida, tosse dirigida];
- Vigiar expetoração.
Potencial para melhorar conhecimento sobre técnica da tosse
Intervenções de Enfermagem - Avaliar conhecimento sobre técnica da tosse;
- Ensinar sobre técnica da tosse [tosse assistida: posição sentada ou com cabeceira elevada, com respiração diafragmática controlada e ênfase nas inspirações profundas. Fechar a glote e contrair os abdominais. Compressão manual vigorosa assitida por profissional, no início da fase expiratória, sobre a região hipogástrica ou costal inferior. A pressão realizada é rápida e feita 2 a 3 vezes, aumentando a compressão torácica estimulando a tosse; tosse dirigida: posição sentado e pés apoiados, tronco inclinado para a frente. Inspira pelo nariz como se fosse “cheirar a flor”, comprime o abdômen com os membros superiores abraçados a uma almofada, com o tronco inclinado e tosse; Huffing e a técnica da expiração forçada]
Potencial para melhorar capacidade para usar técnica da tosse
Intervenções de Enfermagem - Avaliar capacidade para usar a técnica da tosse;
- Instruir sobre técnica da tosse [tosse assistida; tosse dirigida; Huffing e técnica da expiração forçada]
- Treinar a técnica da tosse

RESULTADOS

O programa de reabilitação da função respiratória do indivíduo contemplou um total de quatro sessões, tendo-se apresentado em todas elas vígil e bastante participativo nas intervenções implementadas.

A avaliação dos resultados obtidos das intervenções do programa de reabilitação decorreu de acordo com o definido pelo Guia Orientador de Boa Prática da Reabilitação Respiratória, iniciando-se pela avaliação do processo patológico, dando uma avaliação subjetiva da função respiratória, mediante sinais e sintomas apresentados5. A Avaliação da dor foi realizada com recurso à Escala Numérica da Dor (Quadro 2). O indivíduo avaliou a dor de nível 0, antes e após a intervenção.

Quadro 2 Resultados da avaliação pela escala numérica da dor 

Data (2019) 14/02 18/02 20/02 21/02
Intensidade pré intervenção 0 0 0 0
Intensidade pós intervenção 0 0 0 0

A dispneia é experienciada como um desconforto respiratório. Esse desconforto foi continuamente monitorizado pelo indivíduo, recorrendo à Escala de Borg Modificada. O seu resultado foi registado ao longo das sessões, no momento prévio à intervenção e após o repouso. A sua monitorização durante o plano instituído não conferiu limitações na realização dos exercícios delineados, verificando-se que houve uma melhoria gradual na tolerância ao esforço (Gráfico 1). Nas primeiras sessões encontra-se explícito um maior desconforto respiratório e cansaço verbalizados pelo indivíduo que progressivamente foram diminuindo referindo “não sinto cansaço nenhum” após período de descanso no final da sessão (Gráfico 1).

Gráfico 1 Resultados da avaliação pela Escala de Borg modificada 

Inicialmente, a tosse era produtiva e ineficaz, não conseguindo expelir as secreções. Este dado conferiu a necessidade de uma adequação no processo de validação de conhecimento e capacidade para usar a técnica da tosse. A tosse tornou-se mais eficaz na 2ª sessão, apresentando uma melhor mobilização das secreções, que apesar de ser em pequena quantidade, permitiu a eliminação das mesmas (Quadro 4). As características das secreções foram possíveis de ser avaliadas no decorrer dos exercícios planeados, apresentando-se espessas e mucopurulentas. Com a aquisição da capacidade para usar a técnica da tosse assistida e progressivamente dirigida, associada a nebulização com soro fisiológico prévio, registou-se uma melhor fluidez das mesmas acabando na última sessão por se verificar apenas acessos de tosse seca (Quadro 3).

Quadro 3 Avaliação da dimensão conhecimento e aprendizagem de capacidades do foco expetorar 

Diagnosico Enfermagem 14/02 18/02 20/02 21/02
Potencial para melhorar conhecimento sobre técnica da tosse ND D D D
Potencial para melhorar capacidade para usar técnica da tosse ND D D D

Legenda: D - Demonstra; ND - Não Demonstra.

No âmbito da avaliação do processo corporal foi realizada uma avaliação sistemática de modo a identificar alterações fisiopatológicas no decorrer da evolução da patologia, assim como das intervenções implementadas. Esta avaliação consistiu num exame físico no qual estão incluídos a inspeção, palpação, percussão e auscultação.

A inspeção focou essencialmente a evolução do padrão respiratório, a presença de dificuldade respiratória e deformidades posturais.

Verificou-se que de início o indivíduo apresentava necessidade de recorrer à utilização dos músculos acessórios da respiração, o que lhe conferia uma maior tensão muscular. Apesar de não se registarem assimetrias torácicas e ausência de deformidades da coluna, era notória uma elevação constante dos ombros e omoplatas que simultaneamente conferia uma postura desgastante, refletida na perceção subjetiva da dispneia. Progressivamente, com as medidas adotadas para a correção postural e técnicas de relaxamento, deixou de recorrer à musculatura acessória associado a um padrão respiratório mais regular e a um tipo de respiração com ênfase na excursão diafragmática e, consequentemente, na fase inspiratória. Tal facto foi possível com a sincronia e colaboração obtidas na realização da dissociação dos tempos respiratório, na 2ª sessão (Quadro 4).

Quadro 4 Resultados da avaliação por inspeção 

Data 14/02/19 18/02/19 20/02/19 21/02/19
Início Fim Início Fim Início Fim Início Fim
Aporte de Oxigênio (L/min) 5 5 3 3 2 2 2 1
Aerossolterapia N N N N S N S N
Simetria torácica S S S S S S S S
Deformações do torax N N N N N N N N
Tipo de Respiração M M M M AD AD AD AD
Ritmo I I I R R R R R
Amplitude D D D D D NO NO NO
Músculos acessória S N S N N N N N
Tosse IN/P IN/P IN/P EF/P EF/P EF/P SE SE
Secreções NA MP NA MP NA MP NA NA
Viscosidade NA ES NA ES NA ES NA NA

Legenda: S - Sim; N - Não; NO - Normal; D - Diminuído; R - Regular; I - Irregular; M - Mista; AD - Abdominodiafragmática; MP - Mucopurulenta; ES - Espessa; IN- Ineficaz; EF - Eficaz; P - Produtiva; SE - Seca; AU - Ausente; NA - Não avaliado.

O constante desmame do aporte de oxigénio, mediante seguimento e prescrição médica, foi tolerado não conferindo limitação tanto no número de séries e repetições nas sessões seguintes como na avaliação por instrumentos como a Escala de Borg Modificada. Pela palpação foi realizada uma avaliação bilateral do tórax e do diafragma, essencial para o seguimento da avaliação da elasticidade torácica que se afirmou ligeira. Ao longo das sessões, o frémito tóraco-vocal apresentou um aumento sentido na fase posterior, mais incidente nas bases, não se registando uma significativa redução do mesmo com o acompanhar da expulsão das secreções (Quadro 5).

A percussão acusou resultados direcionados às diferentes densidades dos campos pulmonares. Nas quatro sessões realizadas verificou-se que a sonoridade nunca esteve comprometida a nível apical. Em contrapartida, e de forma característica nesta patologia, a macicez encontrava-se instalada nas bases bilateralmente e apenas nas duas últimas sessões se verificou um discreto som claro pulmonar (Quadro 6).

Qdradro 5 Resultados da avaliação por palpação 

Data 14/02/19 18/02/19 20/02/19 21/02/19
Início Fim Início Fim Início Fim Início Fim
Traqueia centralizada S S S S S S S S
Elasticidade D D D D D M M M
Frêmito Tóraco-Vocal: Face Anterior do Tórax
1/3 Superior Direito M M M M M M M M
1/3 Médio Direito M M M M M M M M
1/3 Inferior Direito M M M M M M M M
1/3 Superior Esquerdo M M M M M M M M
1/3 Médio Esquerdo M M M M M M M M
1/3 Inferior Esquerdo M M M M M M M M
Frêmito Tóraco-Vocal: Face Posterior do Tórax
1/3 Superior Direito M M M M M M M M
1/3 Médio Direito A A A A A A M M
1/3 Inferior Direito A A A A A A A A
1/3 Superior Esquerdo M M M M M M M M
1/3 Médio Esquerdo A A A A A A M M
1/3 Inferior Esquerdo A A A A A A A A

Legenda: S - Sim; N - Não; AU - Ausente; M - Mantido; D - Diminuído; A - Aumentado.

Quadro 6 Resultados da avaliação por percussão 

Percussão torácica dígito-digital - Face anterior do tórax
Data 14/02/19 18/02/19 20/02/19 21/02/19
Início Final Início Final Início Final Início Final
1/3 Superior Direito SP SP SP SP SP SP SP SP
1/3 Médio Direito HO HO HO HO HO SP SP SP
1/3 Inferior Direito M M M M M M M M
1/3 Superior Esquerdo SP SP SP SP SP SP SP SP
1/3 Médio Esquerdo HO HO HO HO HO HO HO SP
1/3 Inferior Esquerdo M M M M M M M M
Percussão torácica dígito-digital - Face posterior do tórax
Data 14/02/19 18/02/19 20/02/19 21/02/19
Início Final Início Final Início Final Início Final
1/3 Superior Direito SP SP SP SP SP SP SP SP
1/3 Médio Direito SP SP SP SP SP SP SP SP
1/3 Inferior Direito HO HO HO HO HO HO HO HO
1/3 Superior Esquerdo SP SP SP SP SP SP SP SP
1/3 Médio Esquerdo SP SP SP SP SP SP SP SP
1/3 Inferior Esquerdo HO HO HO HO HO HO HO HO

Legenda: SP - Som Claro Pulmonar; M - Maciço; HO - Hiposonoridade; HE - Hipersonoridade.

Os cuidados especializados de reabilitação respiratória foram direcionados mediante a auscultação realizada no início da intervenção e quando necessária durante a sessão, conferindo dados importantes para a dinâmica do enunciado de intervenções de enfermagem. Pela análise dos dados obtidos, a diminuição quase geral do murmúrio vesicular foi evidente na auscultação anterior até à 3ª sessão. Na face posterior foram obtidos os melhores registos com um murmúrio vesicular claramente audível. Os fervores crepitantes, na fase inspiratória, foram o único ruído adventício presente neste estudo, tendo sido audível bilateralmente nos terços médio e inferior. Com a realização dos exercícios promocionais da limpeza das vias aéreas em conjunto com a capacidade para usar técnicas de expetorar, na quarta sessão, verificaram-se fervores crepitantes apenas presentes em ambas as bases em menor intensidade (Quadro 7 e 8).

Quadro 7 Resultados da avaliação por auscultação anterior 

Data 14/02/19 18/02/19 20/02/19 21/02/19
Início Final Início Final Início Final Início Final
Bilateralidade Pulmonar D E D E D E D E D E D E D E D E
Murmúrio Vesicular 1/3 Sup D D D D D D M M M M M M M M M M
1/3 Méd D D D D D D M M M M M M M M M M
1/3 Inf A A A A A A D A D D D D D D D D
Ruídos Adventícios 1/3 Sup
1/3 Méd FC
1/3 Inf FC FC FC FC FC FC FC FC

Legenda: M - Mantido; D - Diminuído; A - Ausente; FC - Fervores crepitantes.

Quadro 8 Resultados da avaliação por auscultação posterior 

Data 14/02/19 18/02/19 20/02/19 21/02/19
Início Final Início Final Início Final Início Final
Bilateralidade Pulmonar D E D E D E D E D E D E D E D E
Murmúrio Vesicular 1/3 Sup M M M M M M M M M M M M M M M M
1/3 Méd D D M M M M M M M M M M M M M M
1/3 Inf D D D D D D D D M M M M M M M M
Ruídos Adventícios 1/3 Sup
1/3 Méd FC FC FC
1/3 Inf FC FC FC FC FC FC FC FC FC FC FC FC FC FC FC FC

Legenda: M - Mantido; D - Diminuído; A - Ausente; FC - Fervores crepitantes.

Os parâmetros vitais nunca conferiram limitações ou até mesmo contraindicação à intervenção. Desta análise, deve ser realçado um registo regular da frequência cardíaca (Quadro 9), não sugerindo condicionamento pela intensidade do exercício. As SpO2 mantiveram-se sempre superiores a 95% com o início das sessões de reabilitação, devendo-se ter em conta que o desmame do aporte de oxigenoterapia foi realizado de sessão para sessão. Sem agravamento da dispneia após descanso, a última sessão foi a única na qual se registou SpO2 com um aporte suplementar inferior ao do início, refletindo-se em apenas menos 1% (Quadro 9).

Quadro 9 Avaliação de sinais vitais e oximetrias periféricas de oxigénio 

Data 14/02/19 18/02/19 20/02/19 21/02/19
Início Final Início Final Início Final Início Final
Tensão Arterial (mmHg) 135/65 106/65 105/63 119/63 142/81 112/70 113/63 124/75
Frequência Cardíaca (Bpm) 94 80 91 98 96 96 96 95
Frequência Respiratória (Ciclos/min) 25 20 22 20 19 18 20 18
Temperatura (ºC) 36,4 36,5 35,6 36,0 37,0 36,6 36,5 36,7
Oximetrias Periféricas (%) 92 95 95 95 96 98 96 95

Os exames complementares de diagnóstico são fundamentais para a avaliação da patologia respiratória do indivíduo, bem como a sua evolução.

Na Fgura 1 está presente a evolução imagiológica por meio de telerradiografia do tórax do indivíduo. As três telerradiografias apresentam uma imagem central que exprime um infiltrado parenquimatoso global. A maior consolidação manteve-se ao nível das bases pulmonares bilateralmente. Na última imagem (21/2/2019), existe um alinhamento das hemicúpulas diafragmáticas mantido e um ligeiro aumento da hipertransparência de ambos os campos pulmonares.

A gasometria arterial traduz a troca de gases entre alvéolos e a corrente sanguínea pulmonar, sendo parte integrante no estudo da função respiratória5.

Quadro 10 Resultados da Gasometrial arterial 

Data (2019) O2 (l/min) pH pCO2 (mmHg) pO2 (mmHg) Lact (mmol/L) spO2 (%) HCO3 (mmol/L)
14/02 5 7,490 39,0 52,0 1,60 85,2 29,7
18/02 3 7,450 47,0 55,0 1,90 90,3 34,7
20/02 2 7,440 39,0 52,0 1,20 89,9 26,5
21/02 1 7,450 41,0 65,0 1,20 94,5 28,5

Figura 1 Telerradiografia do tórax 

Pela análise dos valores obtidos nas gasometrias arteriais, pode-se verificar que as 3 primeiras sessões são marcadas por hipoxémia considerável, que não teve repercussões observáveis no registo de SpO2 nem da frequência cardíaca. Estes registos foram obtidos nas sessões realizadas com maior intervalo de tempo. Na última sessão existe uma estabilização geral dos parâmetros dentro dos limites estabelecidos pela bibliografia e uma ligeira melhoria da hipoxemia.

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos no decorrer da avaliação das sessões de reabilitação demonstram que os cuidados especializados da enfermagem de reabilitação desempenham um papel relevante na reeducação da função respiratória da pessoa portadora de patologia respiratória restritiva, nomeadamente na pneumonia bacteriana.

A abordagem à pessoa internada com patologia respiratória é multidisciplinar, envolvendo equipa médica, técnicos de saúde, assistentes operacionais, sendo apenas possível aos enfermeiros, que mantêm diáriamente um contato direto com a pessoa, realizar uma monitorização sistemática da condição de saúde e assim estabelecer diagnósticos de enfermagem de reabilitação que permitem a intervenção mais adequada e de modo individualizado, acelerando a recuperação em situações de doença aguda, já demonstrado com nível de evidência A pela última atualização do documento ATS/ERS em 20135.

Os programas de reabilitação respiratória contemplam uma visão holística da pessoa alvo dos cuidados, conferindo aspetos individualizados do cuidar que devem ir ao encontro com as preferências e expectativas da pessoa16. Mediante os resultados obtidos, foi minimizada a sintomatologia associada ao episódio agudo, sendo considerado um dos objetivos a alcançar com um programa deste tipo5.

A avaliação inicial junto da pessoa alvo foi essencial para recolher informação tanto a nível subjetivo como por exame físico e permitiu adequar as intervenções acompanhando o estadiamento da doença. Esta avaliação é enriquecida se complementada pela análise dos meios complementares de diagnóstico.

A seleção de instrumentos de avaliação como a Escala de Borg Modificada e a sua capacidade de medição direta da dispneia pela pessoa em diferentes momentos permitiu adequar a intensidade e frequência dos exercícios à condição e expectativa da pessoa; destaca-se ainda a importância do treino com momentos de pausa e recuperação assim como a avaliação da sintomatologia após sessões. A execução de técnicas para alívio da tensão muscular e consciencialização dos tempos respiratórios numa fase inicial, complementadas com exercícios de reeducação da função respiratória, mostraram reduções na perceção da dispneia sentida, acabando por nas últimas sessões não existir relato de perceção do cansaço após o descanso, com uma avaliação de 0 em 10 possiveis na Escala de Borg Modificada.

A atuação sobre a dimensão do conhecimento e na capacidade de aprendizagem da técnica da tosse capacitou a pessoa para a executar de um modo independente e mais direcionado à sua necessidade, conferiu ganhos na mobilização e na eliminação das secreções nas diversas sessões realizadas, terminando na última sessão apenas com a presença de tosse seca. Para além desta intervenção, de forma característica.

O programa instituído e defendido pela evidência bibliográfica orientadora baseada na opinião de peritos5,8-9 mostrou eficácia nos resultados obtidos no processo patológico, porém, não foi igualmente evidente na monitorização do processo corporal.

No exame físico, constituído por quatro etapas, a percussão e a palpação não foram por si só registo de alterações significativas e/ou definidoras do estadiamento do processo de evolução da doença. Os benefícios registados incidiram na inspeção pela melhoria do padrão respiratório, apresentando-se mais regular com frequências respiratórias entre 12 e 20 ciclos/min, relaxamento dos músculos acessórios da respiração e na auscultação da fase posterior do tórax, com um aumento globalizado do murmúrio vesicular e uma ausência dos fervores crepitantes sentidos no terço médio bilateral. À data da última avaliação estes ruídos adventícios ainda estavam presentes nas bases pulmonares, embora em menor intensidade, o que coincidiu com a melhor capacitação para tossir.

Conjuntamente com o programa de exercícios da reeducação diafragmática e costal, as técnicas executadas ao nível do descanso, da correção postural e mobilizações torácicas associadas permitiram uma melhor tolerância ao esforço e à redução do aporte de oxigénio. O método da avaliação da SpO2, não invasivo e de fácil aplicabilidade recorrendo a um oxímetro portátil, permitiu realizar esta avaliação de modo contínuo com a segurança necessária para a pessoa. Foi possível verificar que a possibilidade de permitir um contato visual do resultado obtido da SpO2 ao longo dos exercícios funcionou como um estímulo positivo para a sua motivação.

A inspirometria de incentivo teve importância não só no treino da musculatura respiratória8 como também na motivação e empenho do cumprimento das sessões pela sua capacidade de estabelecer metas visuais a atingir. A sua utilização poderá ocorrer no momento prévio à sessão e após o descanso com resultados melhorados nesta segunda avaliação face à primeira.

A telerradiografia do tórax confirmou o comprometimento pulmonar, assim como a localização e extensão da consolidação lobar8. O surgimento da hipertransparência foi ligeiramente evidente no último dia, não acompanhando a evolução apresentada por dados como a SpO2, monitorização da Escala de Borg Modificada, auscultação pulmonar e a redução de expetoração ao tossir. Contudo, as alterações imagiológicas podem não traduzir as alterações atuais de imediato8.

Este estudo de caso reflete a importância do EEER em desenvolver e aprimorar as suas técnicas de avaliação da função respiratória de modo a fazer uma avaliação sistemática, se necessário, readequar a sua intervenção pelos dados obtidos.

Nesta pesquisa teria sido benéfica a realização de sessões com menor intervalo de tempo por se ter verificado uma maior evolução entre os dias 20 e 21 de fevereiro. Pelos valores obtidos gasometricamente, a reversão da acentuada hipoxemia verificou-se somente neste período e não foi limitada pela redução do aporte de oxigénio, que se encontrava inicialmente a um débito de 5L/min e que no fim do programa foi administrado a 1L/min. Esta situação não foi ao encontro do que Cordeiro & Menoita defendem na sua bibliografia, ao referir que em pessoas como o alvo deste estudo, ou seja, sem patologia respiratória prévia, numa situação de pneumonia bacteriana, não se justifica a realização de gasometria arterial regular, exceto em baixas SpO28.

É relativamente frequente que pessoas com Influenza A sobre-infetadas com pneumonias bacterianas desenvolverem quadros severos de hipoxemia difíceis de reverter. Neste estudo de caso foram abordados ambos os focos com as devidas intervenções dirigidas para a sua resolução, apoiadas na bibliografia mais atualizada, não se tendo verificado uma proporcional evidência nos resultados das gasometrias arteriais. A inexistência de outros estudos similares não possibilitou estabelecer uma comparação do aumento da pO2 associada a um plano de intervenção de reabilitação respiratória.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo de caso permitiu destacar benefícios da função respiratória, nos focos ventilação e expetorar, resultantes da intervenção especializada do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação.

Na reeducação funcional respiratória é fundamental a realização de uma avaliação subjetiva da função respiratória complementada pelo exame físico e por dados complementares de diagnóstico como a telerradiografia ao tórax e dados gasométricos. Deste modo resulta um conjunto de dados que permitem ao enfermeiro de reabilitação analisar as informações obtidas, identificar os problemas e planear as respetivas intervenções, sustentado em instrumentos fiáveis e válidos.

Neste sentido, os ganhos obtidos pela reeducação funcional respiratória centraram-se na percepção da dispneia pela Escala de Borg Modificada, tendo existido uma redução de 2 para 0; no padrão respiratório com ausência do recrutamento à musculatura acessória, diminuição dos ciclos respiratórios por minuto acompanhado com um padrão mais regular com excursão diafragmática; na auscultação, essencialmente posterior do tórax, com aumento global do murmúrio vesicular e redução dos fervores crepitantes; na telerradiografia do tórax com o surgimento, embora ligeiro mas progressivo, de uma hipertransparência em ambos os campos pulmonares; na tosse, com a capacitação para utilizar a tosse dirigida, terminando as sessões com uma tosse essencialmente seca; nos resultados gasométricos apresentando o início da reversão da hipoxemia na última sessão; no desmame do aporte suplementar de oxigénio, iniciando com 5L/min e terminando com 1L/min.

Para a obtenção dos ganhos supracitados foi essencial utilizar técnicas especializadas direcionadas para os diferentes focos, contemplando o foco ventilação: intervenções como a posição de descanso, a massagem dos músculos acessórios, controlo e dissociação dos tempos respiratórios, expiração com lábios semi-cerrados, rotação da escápulo umeral, abertura global com bastão, reeducação costal inferior bilateral e abdominodiafragmática, exercícios de mobilização torácica e a inspirometria de incentivo. No foco expetorar evidenciam-se técnicas como as manobras acessórias (vibração, percussão e compressão), a tosse assistida/dirigida, Huffing e a técnica de expiração forçada, com apoio da utilização prévia de nebulizadores com soro fisiológico.

Pelos dados epidemiológicos obtidos, a pneumonia bacteriana como possibilidade de infeção secundária resultante ao Influenza A é um dado cada vez mais crescente. Espera-se que este caso contribua para a dar visibilidade à importância que a enfermagem de reabilitação poderá ter na diminuição das comorbilidades resultantes destes episódios. Seria benéfico o surgimento de mais estudos sobre esta patologia, que apesar de se apresentar caracteristicamente restritiva, sofre da influência sazonal.

Sugere-se em próximos estudos a possibilidade de realizar sessões mais precoces e regulares (ou até preferencialmente diárias) de modo a contribuir para o melhor esclarecimento da importância que a intervenção da reeducação funcional respiratória por EEER poderá obter na hipoxémia grave mantida e assim reduzir o tempo de internamento, culminando com um aumento do nível de evidência. São também sugeridos planos de intervenção com maior ênfase em exercícios aeróbios com recurso a cicloergómetros e mobilizações torácicas permitindo favorecer o índice ventilação-perfusão. Em alguns casos será de ponderar planos de intervenção de menor duração e ou divididos em dois momentos diários.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 05 de Julho de 2019; Aceito: 22 de Novembro de 2019

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