INTRODUÇÃO
A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome caracterizada por sinais e sintomas como dispneia, fadiga e edemas, que levam à diminuição da tolerância ao exercício físico, a uma maior dependência funcional e a um comprometimento no desempenho das atividades da vida diária (AVD), assim como limitações na vida social e, consequentemente, diminuição da qualidade de vida 1-5.
A IC tem um impacto económico significativo devido ao elevado custo dos tratamentos, incapacidade da pessoa e falta de produtividade, assim como altas taxas de mortalidade 6,7. Afeta cerca de 20 milhões de pessoas em todo o mundo, com um aumento previsto de 25% na prevalência até 2030, sendo expectável uma duplicação dos gastos inerentes 8. Representa em Portugal mais de 50.000 horas de internamento, correspondendo a cerca de 12% das mortes intra-hospitalares 9.
A IC é classificada de acordo com o estado funcional do doente através da escala da New York Heart Association (NYHA) 10,11 em 4 classes, de acordo com a tabela 1.
O tratamento da IC é multifatorial, incluindo uma enorme variedade de terapêutica farmacológica e intervenções não farmacológicas, tais como a reabilitação cardíaca (RC). A RC pode ser definida como um somatório de atividades que influenciam favoravelmente as causas subjacentes da doença cardiovascular, para que a pessoa doente possa gerir eficazmente o seu regime terapêutico e obtenha a maximização funcional, psicológica e social, de forma a retomar o seu papel na sociedade 12-14.
Parâmetros | |
---|---|
Classe I | Ausência de sintomas, tolerância a normal atividade física |
Classe II | Assintomático em repouso; as AVD’s provocam sintomas como dispneia e/ou cansaço |
Classe III | Assintomático em repouso, atividades menos intensas que as AVD’s causam sintomas |
Classe IV | Sintomático mesmo em repouso |
O exercício físico (EF) é um recurso terapêutico seguro, económico e viável, sendo uma componente crucial da RC. De acordo com as recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia, os doentes com IC devem ser incluídos em programas de treino aeróbio, de forma a promoverem a sua capacidade funcional (CF) e melhorar a sintomatologia característica da IC 1,4,13. O desempenho de atividade física regular, em pessoas com IC crónica estabilizada, está diretamente relacionado com a diminuição da mortalidade cardiovascular, melhoria da qualidade de vida, diminuição da taxa de hospitalizações e até diminuição da intolerância ao próprio exercício físico, sendo fundamental a sua inclusão na prática clínica diária de todos os centros que prestam cuidados ao doente com IC 4,13,15. O treino aeróbio (TA) é a tipologia de treino melhor fundamentada para o tratamento de pessoas com IC crónica 1,10,11, sendo que não existe um limite mínimo benéfico para o mesmo, ou seja, a mínima quantidade de exercício realizada pelo doente terá sempre benefício face à não realização de qualquer tipo de treino ou atividade física 1. Os efeitos benéficos do EF estão relacionados com a melhoria da função cardiovascular e respiratória, ou seja, aumento do consumo máximo de oxigénio, diminuição do consumo de oxigénio miocárdico, diminuição da pressão arterial (PA) e da frequência cardíaca (FC) em repouso, aumento do limiar de sintomatologia anginosa e claudicação, assim como controlo e redução dos fatores de risco cardiovascular (FRCV) 16,17.
A prescrição do EF é baseada na Frequência, Intensidade, Tempo e Tipo de exercício (FITT), que deve ser ajustado de acordo com a tipologia de cuidados (internamento ou ambulatório), o estadio da doença (aguda ou crónica) e as limitações ou motivação da pessoa 10,17. Apesar de todos os benefícios e recomendações para a sua aplicação em contexto de internamento, o treino de EF é contudo amplamente subutilizado 10, não existindo ainda suficiente fundamentação que comprove o seu nível de eficácia e segurança quando implementado em pessoas internadas por IC descompensada.
Alguns dos fatores que conduzem a esta subutilização prendem-se com os mecanismos limitadores fisiológicos, característicos da doença, nomeadamente a diminuição do débito cardíaco, diminuição da contratilidade, comprometimento diastólico, aumento da resistência vascular periférica, regurgitação mitral, incompetência cronotrópica, inadequada distribuição do fluxo sanguíneo para o músculo esquelético e disfunção endotelial. Todas estas características fisiológicas da IC comprometem o desempenho e eficácia do treino de EF, contudo sabe-se que a realização de treino de EF regular promove a reversão de grande parte destes mecanismos, pela modulação autonómica que o mesmo produz, contribuindo não só para promover um aumento da tolerância ao EF como também melhoria do prognóstico da pessoa doente 18,19.
Durante a sessão de treino existem inúmeras respostas fisiológicas que devem ser monitorizadas de forma a garantir a segurança do doente. Assim, constituem critérios de risco clínico as seguintes situações: 1) pressão arterial diastólica (PAD) ≥110 mmHg; 2) diminuição da pressão arterial sistólica (PAS) > 10 mmHg durante o EF com aumento da intensidade do mesmo; 3) arritmias ventriculares ou auriculares significativas, com ou sem sinais/sintomas associados; 4) bloqueio auriculoventricular de segundo ou terceiro grau; 4) sinais/sintomas de intolerância ao EF, tais como perceção subjetiva de esforço (PSE) superior a 8 na escala de Borg modificada, angina, dispneia acentuada e alterações no eletrocardiograma (ECG) sugestivas de isquemia miocárdica 15,17,20. Além destas recomendações, deve-se considerar também a existência de quedas e qualquer dano muscular, como eventos adversos decorrentes do treino de EF.
Desta forma compreende-se a importância do treino de EF na promoção da CF da pessoa doente e também como um mecanismo coadjuvante ao tratamento e estabilização clínica, devendo ser implementado sempre que possível e com recurso a monitorização adequada.
O objetivo deste estudo de caso é avaliar a segurança e eficácia de um plano de treino de exercício direcionado a um doente cardíaco complexo.
METODOLOGIA
Estudo de caso elaborado com base nas guidelines da CAse REport (CARE), uma vez que as mesmas permitem a conceção de uma estrutura de estudo de caso mais lógica e clara, apresentado uma proposta de organização do mesmo em vários itens de relevo. Foram cumpridos os itens sendo feita a adaptação necessária ao caso em questão 21.
Os dados apresentados referem-se a uma pessoa admitida por insuficiência cardíaca descompensada num hospital da região norte do país, pertencente ao Distrito do Porto; que integrou um estudo longitudinal do tipo experimental randomizado. O doente em questão revelou ser um caso particular de interesse na medida em que durante as sessões iniciais de treino a sua FC ultrapassava sempre os limites de segurança definidos. Contudo e em consenso de equipa optou-se por manter os treinos com vigilância adequada, de forma a avaliar a sua eficácia na modulação cardíaca e incremento da capacidade funcional. Numa fase inicial este doente atingia rapidamente valores de FC na ordem dos 140bpm, o que constitui uma indicação para interromper o treino, contudo entendemos que se o fizéssemos iriamos limitar grandemente a progressão no treino e comprometer o ganho funcional previsto pela realização de treino de exercício físico. No referido estudo em que o doente se encontra inserido (ERIC-HF: Early Rehabilitation in Cardiology - Heart Failure), os participantes são submetidos a um protocolo de treino aeróbio com níveis progressivos de intensidade, durante o período de internamento. A capacidade funcional é avaliada no momento da admissão com recurso ao Índice de Barthel (IB) e London Chest of Daily Living Activities (LCADL) e à data da alta com os mesmos instrumentos, aos quais acresce a prova de 6 minutos de marcha (P6MM). A progressão ao longo do programa de exercício físico é avaliada com base no registo do volume de treino realizado, nomeadamente o número de voltas executadas na pedaleira, o número de metros caminhados e o número de degraus percorridos, de acordo com o protocolo de treino (Tabela 2) sendo igualmente registado o tempo despendido em cada sessão de treino.
Estadio | Designação |
---|---|
I | Exercícios respiratórios e calisténicos em posição ortostática ou decúbito dorsal |
II | 5-10 Min de pedaleira |
III | 5-10 Min de marcha |
IV | 10-15 min de marcha |
V | Estadio IV + 5 minutos de escadas |
Os critérios de inclusão no estudo são 1) idade superior a 18 anos; 2) admissão hospitalar por insuficiência cardíaca descompensada e 3) capacidade para fornecer consentimento informado.
Dado tratar-se de uma intervenção em pessoas doentes em fase de estabilização clínica, foram definidos critérios de exclusão à implementação do programa de treino. Critérios estes que se manifestam como temporários, ou seja, se a condição clínica que determina o não início do programa de treino for resolvida, a pessoa poderá recomeçar o protocolo de treino novamente: 1) patologia osteoarticular comprometendo o desempenho no exercício; 2) fármacos inotrópicos em perfusão; 3) disritmias e / ou dor precordial nas últimas 24 horas; 4) edema agudo de pulmão nas últimas 12 horas; 5) PA sistólica> 180 mmHg ou <80 mmHg; 6) necessidade de oxigenoterapia contínua> 3 l / min; 7) descompensação glicêmica nas últimas 12 horas.
Foram cumpridas todas as normas de proteção de dados e obtenção de consentimento livre e esclarecido. O referido estudo encontra-se autorizado pela comissão de ética do hospital onde o mesmo decore e possui registo na plataforma clinicaltrials.gov com o número de identificação: NCT03838003.
Para a descrição dos dados recorreu-se ao programa Microsoft Excel, nomeadamente para construir os quadros e os gráficos
APRESENTAÇÃO DO CASO
Anamnese
O Sr. F.S. é individuo do sexo masculino, com 60 anos de idade, caucasiano, casado e com 2 filhos. Não são conhecidos eventos cardiovasculares prévios, apresentando como fatores de risco cardiovasculares (FRCV): Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus, Dislipidemia, Sedentarismo, Stress e Tabagismo ativo com cerca de 40 unidades/maço/ano.
É admitido no hospital por dispneia acentuada (característica dos doentes com IC descompensada, decorrente da acumulação de exsudado pleural, que gera uma limitação na expansibilidade torácica - ventilação comprometida, assim como na hematose alveolar, gerando dispneia) com cerca de 1 semana de evolução, referindo perda de capacidade funcional progressiva - deixou de conseguir subir e descer escadas normalmente, decorrente da sensação de falta de ar que tinha. Apresentava edemas até à região dos joelhos bilateralmente, tendo sido diagnosticada Insuficiência Cardíaca inaugural. Apresentava-se em classe III da NYHA e o exame ecocardiográfico cardíaco revelou uma depressão severa da função ventricular esquerda (fração de ejeção de 23%).
Referiu ser previamente autónomo nas AVD, desempenhando a sua função laboral sem dificuldades.
Manifestava conhecimento não demonstrado sobre precauções de segurança relativamente ao seu estado de saúde, não tomava qualquer tipo de medicação - não adesão ao regime terapêutico, não apresentava cuidados alimentares ou qualquer tipo de atividade física.
Relativamente aos dados antropométricos relevantes para a determinação do risco cardiovascular, o Sr. F.S. apresentava peso de 58 e altura 1,68 com um IMC de 20,5. O perímetro abdominal era de 91cm e o da anca de 83cm.
O internamento teve a duração de 13 dias. Após estudo diagnóstico foi identificada uma Estenose Aórtica Severa, associada a doença coronária isquémica de 2 vasos, correspondendo à etiologia da IC manifestada pelo doente. As doenças valvular e isquémica apresentavam resolução cirúrgica pelo que o doente foi proposto para cirurgia de revascularização e substituição de válvula aórtica.
Foi também identificada uma arritmia benigna - fibrilhação auricular de difícil controlo. A administração de qualquer fármaco cronotrópico negativo (diminuição da frequência cardíaca) provocava uma resposta bradicárdica, não sendo possível manter esta terapêutica. A resolução deste problema ocorreu com a implantação de um Pacemaker definitivo no último dia de internamento, antes de o doente ser encaminhado para o centro cirúrgico.
Avaliação de Enfermagem de Reabilitação
De forma a avaliar o estado funcional e o grau de capacidade de gestão do regime terapêutico do Sr. F.S: foram utilizados 4 instrumentos em momentos distintos, nomeadamente: IB, LCADL, T6MM e Escala do Autocuidado da Insuficiência Cardíaca (EAIC).
A escala de LCADL é avaliada na data de admissão e de 2 em 2 dias até à data da alta, de forma a mensurar-se o impacto que a dispneia - principal sintoma da IC - tem no desempenho das AVD da pessoa 22,23.
O IB foi avaliado na admissão e à data da alta, permitindo identificar outras limitações no autocuidado não decorrentes da IC (24.25).
O T6MM foi implementado assim que o doente apresentou capacidade aeróbia para o realizar, sendo repetido à data da alta, de forma a poder ser avaliada a evolução da sua capacidade funcional. Este é um teste fácil de administrar, barato e seguro que permite avaliar a capacidade funcional submáxima. A pessoa deve realizar a marcha na velocidade máxima possível 26,27, contudo uma vez que as AVD não são realizadas em velocidade máxima, num contexto de internamento a pessoa pode realizar a caminhada na sua velocidade habitual, como alguns investigadores testaram 28-30. Importa referir que a habilidade da marcha é um indicador confiável de capacidade funcional 26,31.
A EAIC foi apenas avaliada no momento da admissão dado que permite compreender o grau de conhecimento que o doente possui sobre a sua condição clínica assim como as estratégias que utiliza para se manter tão saudável quanto possível, terminando com uma avaliação da perceção da pessoa acerca da sua capacidade para avaliar o seu estado de saúde na globalidade. A utilização deste instrumento permite ao enfermeiro de reabilitação identificar quais as áreas do Conhecimento e Aprendizagem de Capacidades que devem ser trabalhadas 32.
Dado que a principal intervenção de reabilitação nesta situação clínica se concentra no treino de exercício aeróbio são também avaliados parâmetros hemodinâmicos que permitem avaliar o grau de segurança clínica para a realização dos diversos exercícios assim como determinação da intensidade do treino a realizar. Estes parâmetros correspondem aos indicadores de segurança já anteriormente citados, nomeadamente: pressão arterial sistólica e diastólica (antes e imediatamente após o término da sessão de treino), frequência cardíaca em repouso e durante o treino (com especial atenção para o valor máximo de FC atingida), PSE em repouso, durante o treino e no final do mesmo. Além destes parâmetros foi também verificado em todas as sessões de treino a existência de algum dos critérios de exclusão previamente definidos.
Diagnósticos de Enfermagem de Reabilitação
Os diagnósticos de enfermagem de reabilitação inerentes a este caso clínico foram definidos respeitando a linguagem da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®) versão 2015 33, contudo alguns dos focos utilizados não se encontram ainda parametrizados, pelo que as intervenções inerentes não se encontram descritas integralmente segundo a CIPE. São focos de atenção e respetivos diagnósticos de enfermagem de reabilitação, os seguintes:
Ventilação comprometida
Intolerância à atividade presente em grau elevado
Autocuidado: atividade física comprometido
Exercício (integrado no autocuidado: atividade física)
Dependência moderada nos autocuidados: higiene, uso sanitário e andar (decorrente da intolerância à atividade)
Potencial para melhorar o conhecimento sobre FRCV e precauções de saúde: Insuficiência Cardíaca - ensino sobre complicações do processo patológico, estratégias a adotar para a gestão eficaz do regime terapêutico (gestão de líquidos, controlo da ingestão de sal, medicação ajustada, vigilância de edemas, deteção precoce de sinais de agravamento clinico iminente).
Intervenções de Enfermagem de Reabilitação - protocolo de treino de exercício aeróbio
As intervenções descritas em seguida reportam-se maioritariamente ao plano de treino realizado pelo Sr. F.S., assim como os dados de evolução ao longo do mesmo. Vários diagnósticos identificados (quadro 1) são decorrentes do descondicionamento físico da pessoa e, como tal, a sua resolução relaciona-se em grande escala com a melhoria da capacidade funcional decorrente do treino de exercício.
Os focos de atenção identificados, nomeadamente 1) ventilação, 2) intolerância à atividade e 3) Auto-cuidado atividade física, encontram-se intimamente ligados entre si e a resolução dos diagnósticos formulados, produzindo ganhos em saúde sensíveis aos cuidados de enfermagem de reabilitação, são decorrentes essencialmente do plano de exercícios implementado. O foco ventilação revela-se o mais relevante numa fase inicial, uma vez que se a ventilação se encontrar comprometida não será possível progredir na intensidade do plano de treino, uma vez que o aporte de oxigénio é fundamental para um bom desempenho do exercício e como tal a resolução do diagnostico “ventilação comprometida” carece de atenção imediata, recorrendo-se para isso à reeducação funcional respiratória. Após otimização da ventilação, é possível progredir no plano de treino, promovendo a resolução do diagnóstico “intolerância à atividade em grau elevado”, uma vez que a pessoa conseguirá obter um melhor condicionamento físico realizando as AVD de forma cada vez mais autónoma e sem limitação, sendo posteriormente possível atingir níveis mais elevados da capacidade aeróbia, contribuindo para a resolução do diagnostico “auto-cuidado atividade física comprometido”, cujo conteúdo funcional se prende não só com capacidade física mas também com a promoção do conhecimento sobre os exercícios e seu benefício.
A implementação de um plano de exercício pressupõe obrigatoriamente uma planificação do mesmo, de acordo com os critérios de prescrição internacionalmente definidos 17. Desta forma, apresenta-se a planificação do protocolo de treino implementado (Figura 1):
A implementação do protocolo de exercício teve lugar após as primeiras 24horas de internamento, tendo o doente assinado o consentimento informado para tal. Em cada sessão foram verificados sempre os critérios de segurança clínica assim como os critérios definidos anteriormente como de exclusão. Dado tratar-se de um programa de treino que decorre durante a fase de estabilização clínica, não foi possível implementar sempre as 2 sessões diariamente por questões clínicas, nomeadamente jejum para exames complementares de diagnóstico ou mesmo recusa por parte da pessoa em determinados dias.
De salientar que a relevância deste caso clínico centra-se no facto do Sr. F.S ter realizado a maioria das sessões de treino com valores de frequência cardíaca que se encontram habitualmente fora dos parâmetros definidos como standard, contudo a implementação deste protocolo de treino foi alvo de consenso da equipa multidisciplinar (enfermeiros, enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação e médico assistente) e com a sua implementação foi notório o efeito modulador do exercício físico na frequência cardíaca.
Foco: Ventilação | |
---|---|
Diagnóstico | Intervenções |
Ventilação comprometida | • Avaliar ventilação • Posicionar a pessoa • Otimizar a ventilação • Realizar cinesiterapia respiratória (ênfase no tempo inspiratório) • Treinar o uso de dispositivos (inspirómetro de incentivo) |
Dados de evolução | A pessoa demonstrou capacidade para a realização das diversas técnicas, melhorando a ventilação e consequentemente a sua capacidade para posteriormente iniciar o plano de treino aeróbio definido. |
Foco: Intolerância à atividade | |
Diagnóstico | Intervenções |
Intolerância à atividade em grau elevado (Autocuidados higiene, uso de sanitário e andar comprometidos, decorrente da intolerância à atividade) |
• Avaliar intolerância à atividade • Planear atividade (protocolo de treino + AVD) • Planear repouso • Ensinar sobre estratégias de conservação de energia • Incentivar a utilização de técnica respiratória e reeducação no esforço |
Dados de evolução | A pessoa demonstrou melhoria do nível de intolerância à atividade no decorrer do internamento, realizando os autocuidados de forma progressivamente mais autonomia e com menor sensação de dispneia. |
Foco: Autocuidado: atividade física | |
Diagnóstico | Intervenções |
Autocuidado: atividade física comprometido | • Avaliar autocuidado: atividade física • Implementar protocolo de treino aeróbio • Monitorizar tensão arterial • Monitorizar frequência cardíaca • Monitorizar saturação de oxigénio • Vigiar ritmo cardíaco • Monitorizar perceção subjetiva de esforço • Avaliar teste de 6 minutos de marcha |
Dados de evolução | A pessoa cumpriu o plano de treino ao longo de todo o internamento, conseguindo progredir na intensidade, obtendo melhoria funcional significativa |
RESULTADOS
A implementação do protocolo de treino aeróbio, integrado no estudo de investigação referido, permitiu à pessoa doente melhorar a sua capacidade funcional e consequentemente resolver os diagnósticos de enfermagem alterados. Concomitantemente, e sendo este um dos aspetos mais relevantes deste caso clínico, foi percetível o efeito de modulação cardíaca pelo exercício. A importância deste efeito prende-se com o facto da resposta cronotrópica desajustada ser um fator limitativo à continuidade do exercício, nomeadamente, um valor de frequência cardíaca acima dos 30bpm face ao valor em repouso ser uma indicação para descontinuar o exercício. Nesta situação clínica pretende-se precisamente a modulação da frequência cardíaca pelo exercício, uma vez que as medidas farmacológicas não estariam a ser totalmente eficazes, de forma a permitir à pessoa doente melhorar a sua capacidade funcional.
Apresenta-se de seguida a planificação das sessões com o respetivo volume de treino realizado, assim como os parâmetros vitais avaliados - importantes na determinação da intensidade do treino e sua segurança (Tabela 3).
De acordo com os dados apresentados no Quadro 3, verifica-se que o Sr. F.S. realizou treino bidiário na maioria dos dias, atingindo um volume de treino e tempo de exercício progressivamente maior em cada sessão, mantendo uma velocidade de cerca de 3km/h na marcha. Relativamente aos parâmetros hemodinâmicos diretamente relacionados com a segurança do treino - tensão arterial e frequência cardíaca - verifica-se uma tendência para a descida dos valores de tensão arterial sistólica após o treino, assim como da frequência cardíaca máxima em esforço. De salientar que o doente em questão não se encontrava sob medicação cronotrópica negativa. A perceção subjetiva de esforço medida pela escala de Borg modificada manifesta-se num intervalo de valores considerados como leve a moderado (0 a 4).
Para uma melhor interpretação dos resultados, apresentam-se em seguida dois gráficos representativos do volume de treino realizado, nomeadamente o número de metros percorridos (Gráfico 1) e da variação da FC em repouso e em esforço (Gráfico 2).
Data | Estadio | Duração | TA repouso | FC repouso | TA esforço | FC máxima | Borg | Voltas | Metros | Degraus |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1ª semana de internamento | ||||||||||
25-09 | II | 5 | 116/59 | 85 | 158/67 | 107 | 1 | 324 | ||
25-09 | II | 10 | 121/57 | 79 | 144/72 | 105 | 1 | 713 | ||
27-09 | III | 5 | 116/57 | 72 | 140/63 | 145 | 1 | 260 | ||
27-09 | III | 7 | 107/59 | 85 | 125/68 | 123 | 2 | 320 | ||
2ª semana de internamento | ||||||||||
01-10 | IV | 10 | 125/60 | 82 | 149/65 | 135 | 2 | 480 | ||
01-10 | IV | 12 | 100760 | 73 | 120/67 | 145 | 5 | 560 | ||
03-10 | IV | 7 | 117/65 | 76 | 141/100 | 165 | 2 | 400 | ||
03-10 | IV | 10 | 96/60 | 75 | 131/62 | 150 | 1 | 460 | ||
04-10 | IV | 12 | 120/56 | 83 | 107/61 | 135 | 2 | 540 | ||
04-10 | IV | 13 | 119/76 | 76 | 148/76 | 147 | 4 | 565 | ||
06-10 | IV | 12 | 120/62 | 89 | 137/58 | 159 | 3 | 620 | ||
06-10 | IV | 14 | 98/59 | 84 | 104/64 | 134 | 2 | 685 | ||
3ª semana de internamento | ||||||||||
07-10 | IV | 15 | 111/54 | 68 | 137/65 | 129 | 2 | 620 | ||
07-10 | IV | 14 | 112/55 | 61 | 139/65 | 138 | 3 | 480 | ||
08-10 | IV | 15 | 97/53 | 56 | 143/77 | 130 | 3 | 620 | ||
08-10 | V | 20 | 99/51 | 62 | 121/67 | 127 | 2 | 645 | 100 | |
10-10 | V | 18 | 106/74 | 59 | 116/73 | 125 | 2 | 600 | 120 | |
11-10 | V | 17 | 101/66 | 65 | 109/56 | 107 | 1 | 400 | 108 | |
11-10 | IV | 13 | 88/54 | 68 | 112/66 | 94 | 2 | 470 |
Observando os gráficos anteriores verifica-se a progressão positiva no volume de treino: número de metros percorridos progressivamente superior, acrescentando o treino em escadas, também com tendência positiva. Pela análise do segundo gráfico é possível identificar dois achados importantes: a diminuição da FC em esforço e a aproximação deste valor com o valor em repouso, revelando uma menor amplitude de valores.
Ao longo do internamento o doente realizou 2 provas de marcha, uma no primeiro dia em que foi capaz de caminhar 6 minutos, tendo ocorrido ao 4º dia de internamento e a segunda à data da alta. Os resultados são apresentados na Tabela 4:
Distância | TA inicial | FC inicial | Borg inicial | TA final | FC máxima | Borg final | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1º teste | 210 | 116/67 | 79 | 1 | 125/68 | 105 | 4 |
2º teste | 295 | 100/59 | 59 | 0 | 112/70 | 84 | 2 |
Pode-se verificar, pela análise ao Quadro 4, uma diferença positiva, entre os 2 testes, de 85 metros, assim como uma diferença negativa na perceção subjetiva de esforço de 2 valores. Também a FC e os valores de TA revelam diminuição entre os 2 testes.
DISCUSSÃO
Com base nos resultados apresentados percebe-se que a implementação do protocolo de treino ERIC-HF no Sr. F.S. poderá ter sido determinante na modulação da frequência cardíaca, promovendo também uma melhoria da sua capacidade funcional medida pelo T6MM.
O efeito do treino aeróbio a nível do sistema nervoso autónomo traduz-se numa modulação da frequência cardíaca, ou seja, uma adaptação das fibras musculares e do estímulo simpático durante a atividade, para que não seja atingida uma frequência cardíaca exageradamente elevada, comprometendo assim a função cardíaca e consequentemente a eficácia do treino 34. Vários estudos analisaram este efeito modulador do exercício em doentes com IC estabilizada não existindo, no entanto, evidência em relação a doentes em fase de estabilização clínica. Contudo, podemos verificar que este efeito é também passível de ocorrer em doentes em contexto de internamento, contribuindo este aspeto como mais um fator que corrobora o efeito benéfico do treino de exercício.
Claramente que a terapêutica farmacológica implementada ao longo do internamento permite contribuir para a estabilização clínica do doente, contudo os fármacos administrados nesta pessoa não possuem potencial efeito a nível da modulação da frequência cardíaca, uma vez que não estavam prescritos bloqueadores beta ou outros fármacos com efeito cronotrópico negativo.
Relativamente à capacidade funcional, a diferença de 85 metros na distância percorrida entre os 2 testes realizados pelo doente traduzem uma melhoria considerável, que podemos classificar como sendo clinicamente significativa 35-38. A capacidade de marcha é aceite como um excelente indicador para inferir autonomia na realização das AVD e consequentemente inferir sobre a sua capacidade funcional.
A análise conjunta destes parâmetros hemodinâmicos e funcionais, como a frequência cardíaca e a capacidade funcional medida pelo T6MM, revelam-se fundamentais para compreender que mesmo numa fase de alguma instabilidade clínica a intervenção especializada e diferenciada do enfermeiro de reabilitação poderá ser determinante, especialmente em doentes portadores de patologias tão limitativas do autocuidado como é o caso da IC.
Apesar da evidência de um ganho significativo na capacidade funcional e a modulação cardíaca verificada, revela-se como importante a realização da análise de outros casos clínicos semelhantes, em doentes incluídos no referido estudo, para que seja possível verificar se de facto se trata de uma tendência ou se estes resultados poderão estar associados a características individuais específicas do Sr. F.S.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo de caso permitiu validar a efetividade das intervenções de enfermagem de reabilitação, neste doente, no âmbito da planificação e implementação do treino de exercício físico direcionado ao doente cardíaco em fase de estabilização clínica. Sendo que a competência em exercício físico esta incluída no perfil do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação, torna-se fundamental o desenvolvimento de mais programas de reabilitação direcionados neste sentido e com evidência de ganhos em saúde para o doente, sensíveis aos cuidados de enfermagem.
Ao longo do programa implementado foi fundamental percecionar a evolução do doente no que respeita à tolerância ao esforço e a autonomia para a realização das atividades de vida diária, decorrente de uma menor sensação de dispneia. Foi essencial a monitorização destes ganhos através dos diversos instrumentos de avaliação funcional, sendo também fundamental o registo rigoroso das diversas sessões de treino, no que respeita ao volume, frequência e tipologia de treino realizado pelo doente, como forma de afirmar o rigor da planificação do exercício.
Não foram registados eventos adversos decorrentes da implementação do protocolo de treino, revelando-se assim a segurança dos cuidados de reabilitação implementados, segundo a planificação previamente definida.
Mais estudos serão necessários e com amostras mais numerosas, de forma a validar inequivocamente o impacto que o treino de exercício físico pode ter na modulação cardíaca e na promoção da capacidade funcional.