INTRODUÇÃO
A osteoartrose (AO) é definida como uma condição clínica degenerativa caracterizada pela perda progressiva da cartilagem articular podendo afetar o osso subcondral e comprometer toda a articulação 1. A OA constitui uma das doenças crónicas mais frequentes da atualidade prevendo-se que a sua incidência continue a aumentar em simultâneo com o aumento da esperança média de vida. Ela constituiu a doença articular mais comum em todo o mundo e uma das principais causas de incapacidade crónica, sobretudo na população idosa 2. A idade é o principal fator de risco para o desenvolvimento de OA já que as mudanças que ocorrem a nível celular e tecidular durante o processo de envelhecimento tornam as articulações mais suscetíveis ao dano e incapazes de manter a homeostasia 3.
Sendo a maior e mais solicitada articulação de carga do corpo humano, o joelho é responsável pela maioria das situações de OA, chegando a afetar sintomaticamente 45% das pessoas idosas 4. Como articulação de carga, o joelho é bastante suscetível às alterações do envelhecimento que potenciam o desenvolvimento da artrose, das quais podemos salientar: as alterações na proprioceção e equilíbrio, a sarcopenia e o aumento de massa gorda, a osteoporose, a degeneração meniscal e a menor hidratação articular 3.
A nível sintomático a OA do joelho origina dor e rigidez articular, edema, deformidade progressiva em varo ou valgo e marcha lenta e claudicante (3, 4). As limitações na deambulação, na subida e descida de escadas e no agachar interferem gravemente nas atividades de vida e de lazer. Para além disso prejudica outros aspetos da vida das pessoas idosas, como a interação social, o funcionamento físico e mental e a qualidade do sono 5. De um modo geral, os problemas músculo-esqueléticos interferem na qualidade de vida (QV), podendo constituir-se como causas de invalidez precoce ou ausência ao trabalho por doença 6.
Os sintomas e as limitações provocadas pela patologia têm um significativo impacto na qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) 5, pelo que se torna fundamental o alívio da dor e o controlo dos sintomas pelo tratamento médico ou cirúrgico, variando este de acordo com o grau da doença, o nível de incapacidade, profissão, idade, entre outros fatores.
Para além da artroscopia, osteotomia e artroplastia parcial, o tratamento cirúrgico para OA do joelho inclui a artroplastia total do joelho (ATJ). Nas pessoas idosas sem atividade laboral, e com OA avançada, esta última alternativa constituiu o tratamento mais adequado, económico e seguro 7.
A ATJ tem como objetivos principais diminuir as queixas dolorosas, melhorar a amplitude articular e a capacidade de marcha, permitindo que os pacientes adquiram mais precocemente a sua mobilidade de forma autónoma e melhorem a QV. Assim, após cirurgia, é importante quantificar esses ganhos em saúde através da investigação, quer analisando a evidência científica disponível, quer realizando novos estudos.
Um estudo realizado com 52 mulheres idosas entrevistadas aos 3 e 6 meses após ATJ concluiu que em ambas as avaliações pós-operatórias os parâmetros que mais melhoraram foram a dor corporal, a função física, a vitalidade e a função social 8. Pelo contrário, a saúde mental e o desempenho emocional ainda não alcançavam valores normais aos 6 meses após cirurgia.
Uma revisão sistemática recente analisou 31 trabalhos sobre a QV após ATJ, concluindo que a ATJ proporciona uma melhor QV de forma precoce após o procedimento cirúrgico, essencialmente pela redução da dor e incremento da funcionalidade 9. Os fatores do pré-operatório que mais se correlacionaram positivamente com a QV no pós-operatório foram a menor claudicação, melhor qualidade do sono, os níveis de atividade física praticada antes do procedimento e suporte familiar e social adequado 9.
Vários estudos foram realizados utilizando instrumentos específicos para avaliação da funcionalidade do joelho, designadamente o KOOS (Knee injury and osteoarthritis outome score). Um deles teve como participantes 39 pacientes submetidos a ATJ, os quais foram avaliados através de medidas de desempenho funcional, recorrendo designadamente ao teste de 6 minutos de marcha, Timed Up and Go e KOOS 10. Os participantes foram avaliados antes da cirurgia e em três momentos subsequentes (1, 3 e 6 meses após a ATJ). A investigação revelou existirem piores resultados no teste de 6 minutos de marcha e no Up and Go após um mês, tendo os resultados melhorado posteriormente de forma significativa aos 3 e 6 meses. Quanto aos valores do KOOS, a investigação concluiu existir incremento na funcionalidade do joelho, em todos os momentos do seguimento, à exceção da subescala relacionada com as atividades desportivas e de lazer, cuja melhoria só foi notória a partir dos 3 meses 10. Os autores mencionam que as medidas auto referidas são demasiado valorizadas pelos utentes aos 30 dias, provavelmente devido a melhorias no alívio da dor, mas que tal não se reflete no desempenho funcional avaliado pelos 6 minutos de marcha e teste Timed Up and Go 10.
Tendo em conta o anteriormente referido desenvolvemos uma investigação que teve como objetivo geral avaliar a perceção da funcionalidade/ problemas no joelho e a QVRS em pessoas idosas submetidos a artroplastia total do joelho. Constituíram nossos objetivos específicos. (i) Caracterizar os pacientes segundo as variáveis sociodemográficas (sexo, idade) e índice de massa corporal (IMC); (ii) Comparar os resultados obtidos no período pré-operatório e oito semanas após a cirurgia relativamente à perceção da qualidade de vida dos pacientes (iii) Comparar os resultados obtidos no período pré-operatório e oito semanas após a cirurgia relativamente à perceção do grau de funcionalidade do joelho.
MÉTODO
Tendo em conta os objetivos da investigação desenhou-se um estudo de natureza quantitativa e de caráter longitudinal prospetivo, com dois momentos de avaliação: antes da cirurgia e 8 semanas após o procedimento cirúrgico.
A amostra foi composta por todas as pessoas idosas com diagnóstico de OA do joelho que consecutivamente foram submetidos a ATJ no HTQ (Hospital Terra Quente) durante um período de 6 meses. Foram excluídos do estudo pacientes para revisão de prótese de joelho, pacientes submetidos a prótese parcial do joelho, pacientes que fizeram ATJ cuja patologia de base não fosse a OA do joelho e pacientes que tiveram as seguintes complicações pós-operatórias: infeção, deiscência da ferida cirúrgica e derrame articular. De referir que todos os pacientes que participaram no estudo tiveram, durante o internamento, cuidados de enfermagem de reabilitação, designadamente ao nível do posicionamento do membro intervencionado, primeiro levante do leito, recuperação da amplitude articular e ensino e preparação para a alta.
Para além das variáveis sexo, idade e IMC, constituíram variáveis em estudo os seguintes constructos: (i) Qualidade de vida relacionada com a saúde, avaliada através do Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey (MOS SF-36 v2); (ii) Perceção da funcionalidade/problemas no joelho, avaliada através do Knee injury and osteoarthritis outome score (KOOS).
O MOS SF-36 v2 é utilizado para investigar a qualidade de vida de indivíduos com ou sem doença e encontra-se estruturado em 36 itens O seu tempo de preenchimento é em média de 10 minutos e pode ser preenchido pelo próprio ou por entrevista. As suas medidas de qualidade de vida são consideradas o padrão-ouro nos estudos relacionados à saúde 11. O SF-36 v2 avalia a qualidade de vida na componente física e mental. A componente física integra as seguintes dimensões: Função física (FF), Desempenho físico (DF), Dor corporal (DC) e Saúde em geral (SG). Por sua vez a componente mental integra as seguintes dimensões: Vitalidade (VT), Função social (FS), Desempenho emocional (DE) e Saúde mental (SM).
Relativamente ao questionário KOOS este tem como objetivo medir a perceção da funcionalidade/ problemas no joelho. O seu tempo de preenchimento médio é de 10 minutos e visa avaliar cinco dimensões que são pontuadas separadamente: dor (9 itens) outros sintomas para além da dor (7 itens), atividades de vida diária (7 itens), atividades desportivas e de lazer (5 itens) e qualidade de vida relacionada com a funcionalidade do joelho (4 itens). As pontuações por dimensão são apresentadas numa escala de orientação positiva em que 0 corresponde a problemas extremos e 100 corresponde a ausência de problemas no joelho.
Vários estudos mostram que o questionário KOOS apresenta boa evidência confiabilidade e validade de construto 12,13.
O projeto do estudo foi aprovado pela administração do HTQ e todos os utentes aceitaram participar na investigação de forma livre e esclarecida, rubricando consentimento informado. Para evitar vieses os dados foram colhidos pelo mesmo investigador nos dois momentos de avaliação.
Para tratamento da informação recorreu-se ao programa estatístico SPSS (Statistical Packhage for the Social Sciences). Seguiram-se os procedimentos clássicos da estatística descritiva e inferencial. Utilizou-se o teste t para amostras emparelhadas para um nível de significância de referência p <0,05.
RESULTADOS
A amostra ficou constituída por 40 pessoas idosas, pertencendo na sua maioria ao sexo feminino (62,5%). Encontrou-se uma média de idades próxima dos 72 anos e um IMC médio de 27,2Kg/m2. O estado subjetivo de saúde foi avaliado pela primeira pergunta do SF-36 v2, questão que não integra qualquer dimensão do instrumento e é considerado um item de avaliação global da saúde autopercebida. Como se denota pela Tabela 1, verificou-se uma tendência mais favorável de respostas durante o segundo momento de avaliação (M2), onde 55% dos inquiridos referiu que a sua saúde era Boa, valor que compara com os 35% obtidos na primeira avaliação (M1). Por outro lado, observou-se um decréscimo entre M1 e M2 nas categorias saúde Razoável (52,5% vs 37,5%) e Fraca (7,5% vs 2,5%).
Amostra | |||
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Género | |||
Feminino, n (%) | 25 (62,5) | ||
Masculino, n (%) | 15 (37,5) | ||
TOTAL, n (%) | 40 (100,0) | ||
Idade, (M±DP) | 71,6±8,1 | ||
IMC, (M±DP) | 27,2±3,9 | ||
Em geral, diria que a sua saúde é: | Momento 1 | Momento 2 | |
Ótima, n (%) | 1 2,5 | 1 2,5 | |
Muito boa, n (%) | 1 2,5 | 1 2,5 | |
Boa, n (%) | 14 (35,0) | 22 (55,0) | |
Razoável | 21 (52,5) | 15 (37,5) | |
Fraca, n (%) | 3 7,5 | 1 2,5 | |
TOTAL, n (%) | 40 (100,0) | 40 (100,0) |
Na Tabela 2 comparam-se as médias obtidas na componente física do SF-36 v2 (FF, DF, DC e SG) nos dois momentos avaliados. Verificaram-se melhorias estatisticamente significativas (p <0,05) em todas as dimensões da componente física ao segundo momento de avaliação.
Momento 1 | Momento 2 | p | |
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(M±DP) | (M±DP) | ||
Função física (FF) | 48,8±7,0 | 53,6±11,1 | 0,005 |
Desempenho físico (DF) | 52,5±11,0 | 58,4±11,2 | 0,001 |
Dor corporal (DC) | 42,2±12,4 | 71,6±12,0 | <0,001 |
Saúde em geral (SG) | 61,9±11,2 | 67,8±10,0 | <0,001 |
M- Média; DP- Desvio padrão; p- Significância teste t para amostras emparelhadas
Relativamente à componente mental do SF-36 v2, e analisando as variações nas médias registadas em M1 e M2 nas diferentes subescalas (VT, FS, DE, SM) através do teste t para amostras emparelhadas (Tabela 3), concluímos por uma melhoria significativa (p <0,05) na qualidade de vida em todas as dimensões, à exceção da vitalidade (VT) (p=0,062).
Momento 1 | Momento 2 | p | |
---|---|---|---|
(M±DP) | (M±DP) | ||
Vitalidade (VT) | 58,9±7,2 | 62,0±8,3 | 0,062 |
Função social (FS) | 54,3±13,4 | 69,2±9,7 | <0,001 |
Desempenho emocional (DE) | 54,5±14,0 | 66,5±12,6 | <0,001 |
Saúde mental (SM) | 55,3±11,0 | 64,0±7,5 | <0,001 |
M- Média; DP- Desvio padrão; p- Significância teste t para amostras emparelhadas
A comparação entre os valores médios da primeira e segunda avaliação relativa ao questionário KOOS (Tabela 4) revela significância estatística nas dimensões sintomas, dor e qualidade de vida. Já a diferença de médias observadas para as atividades de vida diária e desporto/atividades de lazer não mostraram ter relevância estatística.
Momento 1 | Momento 2 | p | |
---|---|---|---|
(M±DP) | (M±DP) | ||
Sintomas | 62,4±15,4 | 66,5±11,9 | 0,015 |
Dor | 58,6±12,5 | 71,8±15,6 | <0,001 |
Atividades de vida diária | 61,7±13,2 | 64,0±11,1 | 0,060 |
Desporto/ atividades de lazer | 13,6±3,0 | 13,9±11,4 | 0,885 |
Qualidade de vida | 43,8±11,4 | 49,9±11,4 | <0,001 |
M- Média; DP- Desvio padrão; p- Significância teste t para amostras emparelhadas
DISCUSSÃO
O primeiro tópico de discussão refere-se ao facto da amostra estudada ser constituída maioritariamente por elementos do sexo feminino. Em termos epidemiológicos este resultado é corroborado por estudos que encontraram uma maior prevalência de OA nas mulheres, designadamente 72% 14 e 88,5% 15. Estes resultados poderão explicar-se pela osteoporose pós-menopáusica e pelo facto das mulheres apresentarem menor quantidade de massa muscular que os homens 16,17.
Relativamente ao IMC foi obtido um valor médio de 27,2Kg/m2. O excesso de peso, pelo aumento da pressão intra-articular que provoca, é considerado um fator de risco acrescido para o desenvolvimento de OA do joelho. Os resultados do estudo Framingham evidenciam que as mulheres que perderam cerca de 5 kg do seu peso apresentaram uma redução de 50% no risco de desenvolvimento de OA sintomática do joelho 18. Por outro lado, a perda de peso ponderal foi associada a melhoria da função física e redução da dor em múltiplos estudos 19,20.
Quanto ao SF-36 v2, obtivemos mudanças significativas na direção da melhoria do estado de saúde e QV, ao segundo momento de avaliação, relativamente a todas as dimensões da componente física, e a todas as dimensões da componente mental, à exceção da vitalidade. Fracasso e Kaipper (2012) estudaram a perceção de funcionalidade em atividades de vida diária e qualidade de vida em pacientes submetidos a ATJ e verificaram, através da aplicação do MOS SF-36 que houve melhoria na sintomatologia, bem como nas limitações funcionais com tendência à melhoria da qualidade de vida após 15 dias da cirurgia 21. Uma revisão sistemática concluiu que a ATJ melhora a qualidade de vida especialmente no que diz respeito à dor e à funcionalidade 9.
No nosso estudo a análise da perceção da funcionalidade/problemas no joelho foi realizada através do KOOS, concluindo-se por uma melhoria significativa nos sintomas, na dor e na qualidade de vida. Os nossos resultados vão de encontro aos reportados por um estudo que avaliou 13 pacientes no pré-operatório e às 4 semanas após cirurgia, concluindo por uma diminuição significativa da dor nesse período de tempo22. Stevens-Lapsley e colaboradores desenvolveram um estudo com 39 pacientes submetidos a ATJ, avaliados em três momentos distintos (1, 3 e 6 meses após a cirurgia) através de medidas de desempenho funcional, designadamente recorrendo ao teste de 6 minutos de marcha, Timed Up and Go e questionário KOOS 10. Quanto aos resultados do KOOS, a investigação concluiu existir incremento na funcionalidade do joelho, em todos os momentos do seguimento, à exceção da subescala relacionada com as atividades desportivas e de lazer, cuja melhoria só foi notória a partir da avaliação aos 3 meses 10.
CONCLUSÃO
Relativamente à qualidade de vida avaliada pelo MOS SF-36 v2 concluiu-se haver melhorias estatisticamente significativas (p <0,05) em todas as dimensões da componente física (função física, desempenho físico, dor corporal e saúde em geral) ao segundo momento de avaliação. Na componente mental houve melhoria (p <0,05) em todas as dimensões (função social, desempenho emocional e saúde mental), à exceção da vitalidade (p=0,062).
Para as dimensões do questionário utlizado para avaliação a perceção da funcionalidade/problemas do joelho (KOOS), verificou-se que na segunda avaliação houve uma tendência para diminuição da dor e melhoria dos sintomas.
Tendo em conta que o conceito de qualidade de vida se relaciona com o estado de saúde da pessoa e que a dor e a limitação funcional provocada pela OA influenciam negativamente o bem-estar e a realização das atividades de vida diária, pode concluir-se que a ATJ contribui para a melhoria da qualidade e desempenho físico da pessoa. Observou-se ainda que a ATJ além de revelar melhoria no desempenho físico, contribuiu também de forma bastante significativa para a melhoria da atividade emocional e social dos participantes.
O nosso estudo apresenta várias limitações das quais salientamos as decorrentes de um processo de amostragem não-probabilística com um pequeno número de participantes, o que obstaculiza a generalização dos resultados. Contudo, os dados que apresentamos poderão servir como valores comparativos em programas de reabilitação em pacientes submetidos a ATJ. Por outro lado, e dado o pequeno número de estudos realizados em Portugal que recorreram ao questionário KOOS, o presente estudo poderá incentivar o uso desta ferramenta na avaliação da funcionalidade do joelho, ao nível da prática especializada em enfermagem de reabilitação. Sugere-se a realização de novos estudos com amostras mais extensas e com diferentes intervalos temporais de follow-up. Sugere-se ainda, em estudos futuros, a inclusão de outras variáveis relacionadas com o processo de reabilitação, designadamente se o mesmo teve continuidade após a alta da unidade hospitalar.