INTRODUÇÃO
A educação da pessoa, no âmbito da saúde, na perspetiva crítica, deve ser vista como processo, em que aprender implica construir e não adquirir conhecimentos; significa desenvolver habilidades pessoais e sociais e não adaptar ou reproduzir comportamentos1.
Na educação para a saúde tem-se dado um novo enfoque nas práticas educativas, de modo a fortalecer a capacidade de escolha das pessoas, ou seja, tem de permitir que estas participem ativamente no processo de tomada de decisão e de implementação de estratégias para a melhoria das suas condições de saúde2.
Capacitar, no contexto da educação para a saúde, é um processo multidimensional que envolve conhecimento, decisão e ação. Os conhecimentos são os saberes construídos e alicerçados nos valores da pessoa, que se modificam ao longo da vida e são influenciados por fatores, nomeadamente de ordem social, cultural e religiosa3.
O empoderamento está relacionado com o conhecimento e a autonomia na tomada de decisão. A autonomia define-se com a liberdade da pessoa em gerir livremente a sua vida efetuando, racionalmente, as suas próprias escolhas4. Neste sentido, o processo de empoderamento tem como fim a emancipação da pessoa, mediante a promoção da autonomia e alcance de medidas terapêuticas disponíveis, independentemente dos recursos didáticos e avaliativos disponíveis5.
Além disso, a (re)construção do conhecimento condiciona a decisão sobre a ação a qual se altera no decurso do tempo, sendo o resultado de um conjunto de fatores como a decisão tomada, a sua capacidade (limitação da atividade) e os recursos disponíveis para a executar. Nesta perspetiva, a capacitação é um processo que envolve os domínios cognitivo, físico e material3.
Importa então refletir como os enfermeiros contribuem especificamente para o empoderamento e capacitação a partir do conhecimento desta área do saber. De facto, o pensamento teórico em enfermagem evoluiu e, continua a evoluir num percurso de significativa riqueza concetual, que deveria ser apropriada pelos enfermeiros,6 pelo que faz sentido compreender estes dois conceitos suportados num referencial teórico.
Procurar significado teórico para a intervenção dos enfermeiros, é relembrar que a disciplina de enfermagem está relacionada com as experiências humanas de transição, nas quais a saúde e o bem-estar podem ser considerados resultados da sua intervenção. A pessoa sofre descontinuidades no processo de vida em que a doença pode ser um dos motivos. Esta mudança consciente e paulatinamente integrada no íntimo da pessoa vai provocar alterações que levam a que pessoa enfrente a nova situação de forma mais saudável.
Nesse sentido, o desafio para os enfermeiros é entender os processos de transição e desenvolver terapêuticas efetivas que ajudem as pessoas a recuperar a estabilidade e o bem-estar7-8 logo a ficarem empoderadas e capacitadas para fazer face à continuidade da sua vida.. Assim, quando se realiza a capacitação de um cuidador familiar, faz-se porque este desempenha um conjunto de tarefas no quotidiano que necessitam de conhecimento e treino, tais como atividades de vida diárias, resolução de problemas, tomada de decisão, atividades que requerem competências comunicativas e organizacionais, assim como cuidados antecipatórios e de vigilância9.
Os processos de capacitação são adaptações que podem ocorrer de forma progressiva, em associação com as alterações que ocorrem ao longo do ciclo vital ou, então, bruscamente, causadas por intercorrências vivenciais3 além disso, tem de se ter em consideração que pessoa vive distintas transições em simultâneo e que tem o direito a conhece-las para tomar decisões de forma autónoma.
OBJETIVO
Discutir a contribuição da Enfermagem de Reabilitação para o Empoderamento e a Capacitação da pessoa em processos de transição saúde-doença.
MÉTODO
O método utilizado para o desenvolvimento do presente artigo foi a prática reflexiva. Para tal, começou-se por selecionar o tema a abordar; após esta seleção procedeu-se à discussão entre os autores, à escolha dos artigos que serviram de base para o presente artigo e que permitiram a discussão reflexiva do tema. Esta discussão reflexiva teve como base a Teoria das Transições de Afaf Ibrahim Meleis7-8 e os diagnósticos de enfermagem segundo a linguagem da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE)10 e as competências específicas do enfermeiro de reabilitação definidas pela Ordem dos Enfermeiros11.
RESULTADOS
Os resultados do presente artigo são apresentados mediante discussão reflexiva sobre a contribuição da Enfermagem de Reabilitação para o Empoderamento e a Capacitação da pessoa em processos de transição saúde doença. Os Enfermeiros de reabilitação desenvolvem um processo de capacitação privilegiando o foco de atenção o conhecimento e aprendizagem de capacidades, desenvolvendo intervenções no sentido contribuir para indicadores específicos deste processo de transição.
Estes resultados assentam em conceitos subsidiadores de boas práticas preconizadas com a finalidade de contribuir para a uniformização da linguagem e da terminologia dos enfermeiros de reabilitação.
DISCUSSÃO
A teoria de médio alcance sobre as transições é constituída pela natureza das transições (tipos, padrões e propriedades); condicionantes facilitadores e inibidores da transição (pessoais, comunidade e sociedade); padrões de resposta (indicadores de processos e indicadores de resultados) e terapêutica de enfermagem. As transições resultam das mudanças na vida, na saúde, nos relacionamentos e nos ambientes. Este processo de transição é caraterizado pela sua singularidade, diversidade, complexidade e múltiplas dimensões que geram significados variados e são determinados pela perceção de cada indivíduo7-8.
Considerando a teoria de Meleis8, a transição é uma passagem de um estado estável para outro estado estável a partir de um processo que emerge a partir de uma mudança, por isso as transições tornam-se dinâmicas mas também marcos de viragem, podendo ser caraterizadas a partir deste processo ou de resultados finais.
A consciencialização está relacionada com a perceção, o conhecimento e o reconhecimento de uma experiência de transição. É uma característica definidora de transição, cuja ausência significa que a pessoa pode não ter iniciado a experiência de transição. A pessoa só pode envolver-se depois de se consciencializar das mudanças físicas, emocionais, sociais ou ambientais7.
Os indicadores de processo referem-se: sentir-se ligado às redes de apoio como família/amigos/profissionais de saúde; o interagir com pessoas que estão na mesma situação, profissionais de saúde, cuidadores familiares de modo a clarificar e ajustar os comportamentos de resposta às transições; o estar situado no tempo, espaço e relações, pois possibilita que a pessoa se desprenda de seu passado e enfrente novos desafios; e o desenvolver confiança e ajustamento, que se manifesta pelo nível de compreensão dos diferentes processos relativos à necessidade de mudança, utilização de recursos e desenvolvimento de estratégias para ganhar confiança e lidar com a situação7.
Os indicadores de resultado estão relacionados com mestria, ou seja, ao domínio de novas competências; e à integração fluida de identidade que se refere à reformulação da identidade, de modo a ficar mais fluida e dinâmica. Nesta ótica, a capacidade ou habilidade para desenvolver novas competências é fundamental para fazer a transição com sucesso7.
As terapêuticas de enfermagem e os indicadores de processo e resultado podem ser observados nas competências especificas do enfermeiro de reabilitação no âmbito da capacitação da pessoa para lidar a transição em que se encontra e respetivos ensinos e treinos que são realizados pelo enfermeiro de reabilitação.
A competência específica do enfermeiro de reabilitação enuncia que este “J2 - Capacita a pessoa com deficiência, limitação da atividade e/ou restrição da participação para a reinserção e exercício da cidadania” e apresenta a unidade de competência “J2.1 - Elabora e implementa programa de treino de atividades de vida diária visando a adaptação às limitações da mobilidade e à maximização da autonomia e da qualidade de vida.” Com os seguintes critérios de avaliação “J2.1.1 - Ensina a pessoa e/ou cuidador técnicas e tecnologias específicas de autocuidado; J2.1.2 - Realiza treinos específicos de atividades de vida diária, nomeadamente utilizando produtos de apoio (ajudas técnicas e dispositivos de compensação), assim como os treinos inerentes à atividade e exercício físico; e J2.1.3 - Ensina e supervisa a utilização de produtos de apoio (ajudas técnicas e dispositivos de compensação) tendo em vista a máxima capacidade funcional da pessoa”11.
No processo de capacitação da pessoa com deficiência, limitação da atividade e restrição da participação, o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação tem dois focos de atenção - o “conhecimento” e a “aprendizagem de capacidades”. Vai utilizar o conhecimento para empoderar a pessoa para a tomada de decisão de modo a maximizar a sua autonomia, por um lado, e por outro vai servir-se da aprendizagem de capacidades para tornar a pessoa mais independente na realização das atividades de vida diária.
É ainda de salientar que o processo de capacitação não se limita à pessoa enquanto individualidade singular, mas também o seu contexto como seja a família, o ambiente de trabalho e social, porque os conhecimentos e as aprendizagens não se limitam às pessoas com deficiência.
O enfermeiro de reabilitação tendo como foco de atenção o conhecimento, prescreve intervenções como “Ensinar sobre (…)”, “Orientar para o uso de (…)” de modo a obter ganhos em conhecimento, permitindo assim melhorar a tomada de decisão e autonomia. Contribui, deste modo para a obtenção de indicadores de processo de uma transição bem-sucedida, nomeadamente sentir-se ligado, interagir, estar situado, assim como desenvolver confiança e ajustamento. Além disso, existem outros indicadores relacionado com o foco conhecimento que podem ser analisados do ponto de vista de estrutura, processo e resultado (Figura 1 e Quadro 1).
A aprendizagem de capacidades implica passar para ação o que se adquiriu como o empoderamento e tomada de decisão, de modo a tornar a pessoa mais independente na execução das atividades básicas e instrumentais de vida diária, contribuindo assim para uma transição com sucesso, verificada pela perceção de mestria na execução dessas atividades e integração de uma nova identidade (consciencialização de que é capaz e está diferente da situação anterior). Associado a estes indicadores de resultado de transição saudável e bem-sucedida, os enfermeiros com as intervenções “instruir sobre (…)”, “treinar a técnica de (…)” e “treinar o uso de (…)” podem medir a efetividades destas a nível dos ganhos em aprendizagem de capacidades através de indicadores de estrutura, processo e resultado (Figura 1 e Quadro 1).
Foco/Diagnóstico de enfermagem | Intervenções de enfermagem | Indicadores |
---|---|---|
Conhecimento sobre […], não demonstrado Potencial para melhorar o conhecimento sobre […] |
Avaliar conhecimento sobre […] Avaliar conhecimento sobre técnica de adaptação sobre […] Ensinar sobre adaptação […] Ensinar sobre técnica de adaptação sobre […] Providenciar material sobre […] Advogar o uso de […] Orientar para o uso de […] |
Estrutura - Percentagem de material educativo sobre adaptação […] disponibilizado aos clientes que acompanham (Número de dipositivos de educação sobre as técnicas de adaptação […] face ao número de clientes seguidos) Processo - Percentagem de clientes com potencial para melhorar conhecimento sobre técnica de adaptação […] (Número de clientes com potencial de melhorar os conhecimentos sobre as técnicas de adaptação […] face ao número de clientes seguidos) Resultado - Ganhos em conhecimento sobre adaptação […] (Número de clientes que demonstraram os conhecimentos sobre a adaptação […] face ao número de clientes seguidos) Resultado - Ganhos em conhecimento sobre técnica de adaptação […] (Número de clientes que demonstraram os conhecimentos sobre técnicas de adaptação […] face ao número de cientes seguidos) |
Aprendizagem de capacidades sobre […], não demonstrada Potencial para melhorar a aprendizagem de capacidades […] |
Avaliar capacidade para […] Instruir técnica de adaptação […] Instruir sobre o uso de dispositivo […] Treinar técnica de adaptação[…] Treinar o uso de dispositivo […] |
Processo - Percentagem de clientes com potencial para melhorar capacidade […] (Número de clientes com potencial de melhorar a aprendizagem sobre as técnicas de adaptação […] face ao número de clientes seguidos) Resultado - Ganhos em capacidade para […] (Número de clientes que demonstraram aprendizagem de capacidade sobre técnicas de adaptação […] face ao número de cientes seguidos) |
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
Os diagnósticos de enfermagem do foco conhecimento e aprendizagem de capacidades podem ser alvo de intervenção dos enfermeiros de reabilitação, uma vez que as competência “J2 - Capacita a pessoa com deficiência, limitação da atividade e/ou restrição da participação para a reinserção e exercício da cidadania” e “J3 - Maximiza a funcionalidade desenvolvendo as capacidades da pessoa”11 os habilitam para o desenvolvimento e implementação de ações autónomas a nível do ensino, instrução e treino (Quadro 1) para capacitar a pessoa na realização de atividades básicas e instrumentais de vida diária e para melhorar os processos de transição e a qualidade de vida.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
Os diagnósticos de enfermagem do foco conhecimento e aprendizagem de capacidades podem ser alvo de intervenção dos enfermeiros de reabilitação, uma vez que as competência “J2 - Capacita a pessoa com deficiência, limitação da atividade e/ou restrição da participação para a reinserção e exercício da cidadania” e “J3 - Maximiza a funcionalidade desenvolvendo as capacidades da pessoa”11 os habilitam para o desenvolvimento e implementação de ações autónomas a nível do ensino, instrução e treino (Quadro 1) para capacitar a pessoa na realização de atividades básicas e instrumentais de vida diária e para melhorar os processos de transição e a qualidade de vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O enfermeiro de reabilitação tem como competência capacitar a pessoa com deficiência, limitação da atividade e/ou restrição da participação, de modo a maximizar a autonomia, facilitar a realização das atividades básicas e instrumentais de vida diária, melhorar a participação na sociedade e consequentemente a perceção da qualidade de vida relacionada com a saúde, tomando particular ênfase no processo de transição saúde-doença.
A intervenção nos focos conhecimento e aprendizagem de capacidades da pessoa permite o empoderamento, a tomada de decisão e a passagem à ação, de modo a desenvolver habilidades e assim sentir-se capacitada para lidar com os desafios que surgem no dia a dia, decorrentes de processos de transição.
Pode-se afirmar que o foco de atenção conhecimento e aprendizagem desenvolvida pelos enfermeiros de reabilitação transcende a intervenção do cliente enquanto pessoa, mas também, se desenvolve no sentido do cliente família e comunidades.
Com esta reflexão acreditamos que fica sustentada a intervenção dos enfermeiros de reabilitação com a finalidade de proporcionar Capacitação à pessoa com deficiência, limitação da atividade e/ou restrição da participação, contudo acreditamos que o modelo não traz contributos suficientes para a intervenção, afim de fazer face à reinserção e exercício da cidadania em plena por isso era importante trabalhar o sucesso das pessoas após as transições efetuadas. Esta limitação deixa em aberto a necessidade de continuar a refletir e a investigar as transições bem-sucedidas.