INTRODUÇÃO
Anualmente são registados cerca de 200 milhões de casos de pneumonia viral adquirida na comunidade, atingindo tanto crianças como idosos, apresentando-se este último o grupo mais vulnerável e consequentemente o mais afetado1. Em Portugal, as doenças respiratórias assumiram a 5ª principal causa de internamento em 2014, onde se destacam as pneumonias bacterianas ou virais. Estas últimas incluem uma vasta lista de vírus, tais como influenza A e B, adenovírus, rinovírus, enterovírus, coronavírus humano, vírus da parainfluenza humana, entre outros1-2.
Em dezembro de 2019, um grupo de pessoas é diagnosticado com pneumonia de causa desconhecida na cidade de Wuhan, na China. A 7 de janeiro de 2020 foi isolada uma nova estirpe do coronavírus - SARS-CoV-2, estabelecendo-se como o sétimo membro desta família capaz de infetar o ser humano3-4. O relevante aumento de casos levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarar o novo coronavírus - COVID-19, como uma emergência de saúde pública de interesse internacional a 30 de janeiro de 2020, contabilizando-se até 24 de fevereiro 80.239 casos confirmados em todo o mundo4. A 11 de março de 2020 a COVID-19 é declarada surto de pandemia global pela OMS5. A 6 de maio de 2020 são contabilizados 3 588 773 casos em todo o mundo com 247 503 mortes6.
Para melhor caracterização clínica do novo COVID-19, foram desenvolvidos diversos estudos, essencialmente em Wuhan, que demonstraram uma maior predominância do vírus no sexo masculino, assim como uma idade média de aproximadamente 50 anos7-8. Uma infeção bastante ampla, podendo ser assintomática, leve do trato respiratório, pneumonia viral grave com insuficiência respiratória ou até mesmo causa de morte8.
Atualmente, as estimativas apontam para períodos de incubação em média de 5 e 6 dias, que se podem prolongar até 14 dias7. A apresentação clínica, no que diz respeito a sinais e sintomatologia, foi bastante consensual em diversos estudos, evidenciando-se o surgimento de febre, tosse seca, dispneia, fadiga ou mialgias na maioria dos casos. Com menor incidência são relatados sintomas como a cefaleia, dor de garganta, hemoptises e sintomas gastrointestinais como a diarreia, náusea e dor abdominal4,7-8.
Pessoas com sintomas leves da COVID-19 apresentam inicialmente uma telerradiografia do tórax normal. Contudo, quando a imagem se altera, encontram-se definidas características tais como manchas assimétricas e difusas na opacidade do espaço aéreo9. Estes doentes apresentam consolidações irregulares bilaterais das bases pulmonares ao mesmo tempo que a tomografia computadorizada do tórax revela infiltrados em vidro fosco7,10. Para Ying-Hui Jin e colaboradores, na abordagem dos dados imagiológicos, a resolução apresentada pela telerradiografia do tórax é inferior à tomografia computorizada11, mostrando-se menos sensível. Contudo, nos hospitais italianos e britânicos aplicaram a telerradiografia do tórax portátil como medida minimizadora do risco de infeção cruzada10-11.
Pela indisponibilidade da vacina, à semelhança de outras pneumonias virais, o tratamento fundamenta-se essencialmente no controlo sintomático e de suporte, como a técnica dialítica contínua, a ventilação mecânica invasiva ou até mesmo a oxigenação extracorporal por membrana4,7.
A dispneia assume-se como um dos mais frequentes sintomas de infeção pela COVID-19. Esta sensação de falta de ar resulta de uma avaliação subjetiva do próprio doente, classificando o seu desconforto respiratório cuja intensidade é variável. Assim, apenas o próprio consegue determinar qual a gravidade da sua dispneia, auto avaliando mediante um processo rápido através de registos objetivos12. Fei Zhou e colaboradores, mediante um estudo retrospetivo de coorte multicêntrico, afirmam que a dispneia apresenta uma duração média de 13 dias, podendo variar entre os 9 até 16,5 dias, para os doentes sobreviventes à infeção COVID-198.
A taquipneia, o recrutamento dos músculos acessórios e tiragem intercostal, são evidências da existência de desconforto respiratório pela pessoa. Este desconforto respiratório, além de avaliado subjetivamente pelo doente, deve ser caracterizado mediante um quadro clínico, história e um exame físico. Fatores precipitantes, início e modo de instalação, duração, fatores de agravamento e alívio, sintomas associados e periocidade devem ser igualmente explorados13.
Na avaliação da dispneia, a utilização de instrumentos de monitorização é fundamental para a implementação de um programa de reabilitação respiratória individualizado e adaptado às reais necessidades dos doentes13.
Ao enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação (EEER) é-lhe reconhecida a capacidade de implementar um conjunto de intervenções terapêuticas com ênfase em medidas não farmacológicas, que promovam uma otimização das funções residuais, mantenham e recuperem a independência nas atividades de vida diárias, e que minimizem o impacto das incapacidades ao nível das funções neurológica, respiratória, cardíaca, ortopédica, deficiências e incapacidades14.
Nesta perspetiva, sendo a nova pneumonia pela COVID-19 uma doença do foro respiratório altamente contagiosa que pode causar disfunção respiratória, física e psicológica nos mais diversos doentes, a reabilitação respiratória assume-se como uma importante mais-valia tanto no tratamento clínico como posteriormente na recuperação15. Em Portugal, a enfermagem de reabilitação, além das competências, assenta a sua atuação em conhecimentos e experiência de terreno para responder adequadamente a esta nova pandemia. A sua intervenção é reconhecida no contexto hospitalar (cuidados intensivos e internamento) e nos cuidados de saúde primários16.
A reabilitação respiratória à pessoa com COVID-19 tem como objetivo melhorar a sintomatologia da dispneia, reduzir ou aliviar a ansiedade e depressão, reduzir a ocorrência de complicações, prevenir e melhorar a disfunção, reduzir a taxa de incapacidade e melhorar a qualidade de vida15. Pela intervenção especializada do EEER, é esperada uma redução dos dias de internamento nos diversos contextos hospitalares, e assim, uma maior brevidade no regresso ao domicílio16.
O EEER deve definir planos de intervenção simples, seguros, eficazes e “life-saving”, tal como defendeu Yang Feng e seus colaboradores na definição de diretrizes para a reabilitação respiratória17. As intervenções passíveis de gerar aerossolização de gotículas não são recomendadas, devendo as mesmas ser evitadas18. As medidas de proteção individual são fundamentais para minimizar os riscos de contágio entre e de profissionais de saúde, devendo adequar o equipamento de proteção individual ao nível de cuidados a prestar de acordo com as indicações fornecidas pela Direção Geral de Saúde: Orientação nº03/ 2020 “Prevenção e Controlo de Infeção por novo Coronavírus (2019-nCov)”18.
A pneumonia causada pelo novo coronavírus, é definida como uma patologia restritiva, observando-se o progressivo agravamento da função ventilatória, com a instalação da insuficiência respiratória. Os estudos desenvolvidos neste tipo de patologia, apesar de muito reduzidos na sua evidência, são bastante coerentes quando concluem uma melhoria da sintomatologia, com ganhos na diminuição da dispneia nos objetivos a curto prazo13.
Técnicas como o relaxamento, controlo e dissociação dos tempos respiratórios, posicionamento e posições de descanso, expiração com os lábios semicerrados e respiração abdominodiafragmática, estão atualmente documentadas pela sua eficácia de atuação na dispneia, reduzindo a frequência respiratória, melhorando a ventilação13,15.
Perante o supracitado, o presente estudo de caso tem como questão norteadora “Qual o contributo do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação no controlo e redução da dispneia apresentada por pessoas com COVID-19?”
Este estudo de caso tem como objetivo geral avaliar o impacto da intervenção do EEER no controlo e redução da dispneia apresentada pela pessoa com COVID-19, delineando-se os seguintes objetivos específicos:
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo descritivo do tipo estudo de caso, consistindo numa abordagem metodológica de investigação que possibilita explicar a dinâmica de determinadas doenças, com capacidade de produzir evidência19. Este estudo de caso foi elaborado de acordo com as guidelines da CAse REport(CASE)20.
O presente estudo de caso aborda um paciente com infeção por COVID-19 em regime de internamento em enfermaria convencional, ao qual foi instituído um programa de reabilitação respiratória de modo a evidenciar os resultados obtidos no controlo e redução da dispneia. A colheita de dados foi realizada mediante o processo de anamnese e consulta de processo clínico.
O programa de reabilitação respiratória decorreu no mês de abril de 2020. Tratando-se de uma patologia nova, com pouca evidência disponível e sucessivas indicações atualizadas e regulamentadas em reduzidos intervalos de tempo, o programa foi instituído quando todos os critérios de inclusão foram atingidos, salvaguardando a segurança da pessoa. A pessoa alvo foi designada por indivíduo de modo a ressalvar a confidencialidade de dados e anonimato. Assim, pelo envolvimento de questões pessoais, intransmissíveis e de confidencialidade da clínica hospitalar, foram respeitadas as diretrizes da ética para a investigação em enfermagem, seguindo os princípios da beneficência, não maleficência; fidelidade; justiça, veracidade e confidencialidade, informando sobre riscos e benefícios21. Foi obtido o consentimento livre e esclarecido antes da colheita de dados.
A avaliação da função respiratória foi baseada nos instrumentos documentados no Guia Orientador da Boa Prática para a Reabilitação Respiratória desenvolvido pelo Conselho de Enfermagem e Mesa do Colégio de Enfermagem de Reabilitação da Ordem dos Enfermeiros13. A avaliação incidiu no processo patológico, abordando os sinais e sintomas: toracalgia, avaliada pela Escala Numérica da Dor; a dispneia, avaliada pela Escala de Borg Modificada; tosse e a presença ou ausência de expetoração. O processo corporal incidiu a sua avaliação no exame físico, tendo-se enfatizado a inspeção e a palpação. Foram excluídos na palpação a avaliação do frémito tóraco-vocal e a percussão pelo comprometimento dos resultados obtidos associados à presença de dois pares de luvas. A telerradiografia do tórax sobrepôs-se à auscultação pelo risco de contágio do profissional derivado ao manuseamento do estetoscópio e o risco de este comprometer as medidas de isolamento instituídas pelos equipamentos de proteção individual (EPI). Os valores da gasometria arterial foram considerados.
A seleção do indivíduo seguiu os critérios de inclusão baseados na evidência mais atual partilhada pela Sociedade Chinesa de Medicina de Reabilitação15:
Indivíduo com infeção por Covid-19 em regime de internamento convencional |
Temperatura corporal < 38,0ºC |
Tempo de diagnóstico inicial ≥ 7 dias |
Tempo desde o início até a dispneia ≥ 3 dias |
Dispneia moderada: Escala de Borg Modificada ≤ 3/10 |
Imagem torácica com progresso positivo dentro de 24-48h > 50% |
Saturações de oxigênio no sangue ≥ 95% |
Pressão arterial > 90/60 mmHg ou < 140/90 mmHg |
Para garantir a segurança do indivíduo, foram adotados critérios definidores de interrupção do exercício. Deste modo, de acordo com a mesma fonte supracitada, foi definido que o exercício seria interrompido nas seguintes situações:
Aumento da dispneia: Escala de Borg Modificada > 3/10 |
Aperto no peito, tontura, dor de cabeça, visão turva, palpitações, sudorese, incapacidade para manter o equilíbrio |
Indicação do médico assistente |
Na abordagem ao indivíduo portador de infeção por COVID-19 foram aplicadas as medidas de proteção individual definidas pela Direção Geral de Saúde de acordo com a Orientação nº03/2020 “Prevenção e Controlo de Infeção por novo Coronavírus (2019-nCoV)” para minimização do contágio em manobras potencialmente geradoras de aerossóis e gotículas mais pequenas.
Apresentação do caso
Anamnese
Este caso aborda um indivíduo de 77 anos de idade, do género masculino, caucasiano e de nacionalidade portuguesa. É casado, a residir com a esposa. Atualmente reformado, tendo exercido funções como comerciante numa pequena mercearia.
Tem como antecedentes pessoais conhecidos: Acidente vascular cerebral em 2016 sem sequelas relatadas; Asma brônquica; Fibrilhação auricular não hipocoagulada; Dislipidemia; Carcinoma da próstata com braquiterapia prostática em 2012; Gastrectomia parcial há 30 anos; Polipectomia e Hipoacusia.
Recorreu ao serviço de urgência no dia 27 de março de 2020 apresentando tosse com expetoração esverdeada, sensação de falta de ar e mialgias, com 10 dias de evolução. Por não apresentar critérios de internamento, realizou pesquisa para COVID-19 e tem alta, medicado com azitromicina durante 5 dias com referenciação e acompanhamento para COVID-19 em domicílio. Recorre novamente ao serviço de urgência a 5 de abril com agravamento da dispneia associado a mialgias. Refere ter cumprido medicação broncodilatadora habitual sem melhoria. Nega presença de febres, náuseas ou vómitos, odinofagia ou cefaleias.
A telerradiografia do tórax apresenta agravamento desde dia 27 de março, com uma hipodensidade no apical direito e infiltrados na base esquerda e região subpleural inferior esquerda.
Para este dia, em ar ambiente, apresenta os seguintes resultados da gasometria arterial: pH 7,46; pCO2 33mmHg; pO2 74mmHg; HCO3 23mmol/L; spO2 95,8%; Lactato 1,47mmol/L.
A tomografia computorizada de tórax revela aspetos compatíveis com infeção por COVID-19, com envolvimento moderado/grave.
Foi pedido perfil de internamento COVID-19 e internado para vigilância em enfermaria de contenção. À chegada na enfermaria, apresentava uma tensão arterial de 139/88mmHg, frequência cardíaca de 92bpm com pulso arrítmico, temperatura de 36,6ºC, frequência respiratória de 20c/min com oximetrias periféricas de 97% em ar ambiente.
Internado com pneumonia grave a COVID-19, apresenta desfavorecimento tanto clínico como radiológico a dia 6 de abril, com necessidade de reavaliação pela Pneumologia, iniciando ventilação não invasiva na modalidade cPAP 10cmH20 e aporte de O2 a 1L/min, verificando-se sintomatologicamente melhorado. Realizou desmame progressivo, terminando a ventilação não invasiva a 13 de março.
Resultados da pesquisa SARS-CoV-2 ao longo do percurso do indivíduo:
Avaliação de Enfermagem de Reabilitação
Para a avaliação da situação clínica é importante que o EEER complemente os dados obtidos pela anamnese com a avaliação sintomatológica, recorrendo a exames complementares de diagnóstico e exame físico13,22.
Esta é uma nova doença que apela a medidas de controlo de infeção rigorosas. O exame físico foi baseado na inspeção e palpação derivado ao risco de contágio e limitações e/ou falsas interpretações impostas pelas medidas de equipamento de proteção individual. Os meios de diagnósticos permitiram identificar o estadiamento da doença que, concomitantemente com a sintomatologia apresentada, permitiram a elaboração de diagnósticos de enfermagem de reabilitação e por sua vez, a adequação de uma intervenção dirigida às reais necessidades do indivíduo. Os instrumentos foram aplicados antes e após a implementação do programa de reabilitação respiratória de acordo com o nível de evidência científica C recomendada pela American Association of Cardiovascular & Pulmonary Rehabilitation13,23, de forma a identificar os ganhos sensíveis aos cuidados de enfermagem de reabilitação.
A intervenção contemplou exercícios de reabilitação respiratória e aeróbios contínuos com um cicloergómetro de membros superiores. A sua monitorização foi contínua de acordo com os valores de oximetria periférica de oxigénio, da frequência cardíaca e da Escala de Borg Modificada.
Os últimos resultados das análises sanguíneas de rotina foram colhidos a dia 21 de abril, não se verificando valores impeditivos da intervenção. Relativo à gasometria arterial, do dia 16 de abril, verifica-se um pH 7,501; pCO2 33mmHg; pO2 82,3mmHg; HCO3 25,2mmol/L; Lactato 0,880mmol/L.
A intervenção foi implementada nos dias 22 e 23 de abril de 2020, culminando com a alta clínica para domicílio a aguardar critérios de cura nos 14 dias de quarentena.
Diagnósticos de Enfermagem
No âmbito do programa de reabilitação respiratória, com base na linguagem da CIPE®, foi identificado o diagnóstico de enfermagem relacionado com o foco “ventilação”:
Programa de Reabilitação Respiratória
As intervenções que contemplam o programa de reabilitação respiratória encontram-se direcionadas ao diagnóstico definido mediante a avaliação do indivíduo de modo a identificar quais os ganhos obtidos no controlo e redução da dispneia. Fundamentadas no preconizado pelo Padrão Documental dos Cuidados de Enfermagem da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação24, pelo Guia Orientador da Boa Prática da Reabilitação Respiratória13 e pela linhas definidoras da Nova Orientação para a Reabilitação Respiratória de Coronavírus Pneumonia 2019 (segunda edição) da Sociedade Chinesa de Medicina de Reabilitação - Comitê Especial de Respiração e Reabilitação da Sociedade Chinesa de Medicina de Reabilitação15.
A implementação deste plano de exercícios irá prossupor uma intervenção ao nível do diagnóstico “ventilação comprometida” e uma otimização do condicionamento físico resultante das limitações instituídas pelas medidas hospitalares definidas: Confinamento ao leito/quarto pelos circuitos sujo, semi sujo e limpo instituídos na enfermaria.
A planificação deste exercício foi definida de acordo com os critérios de prescrição apresentados a nível internacional25 e com as normas orientadoras partilhadas pela Sociedade Chinesa de Medicina de Reabilitação15. O quadro 4 é ilustrativo da planificação do protocolo de treino implementado:
Intensidade | Score na escala de Borg Modificada ≤ 3 |
Duração | 15 a 45min |
Frequência | Bidiário |
Tipo de treino | Aeróbio e exercícios de reabilitação respiratória |
A implementação da intervenção teve início 18 dias após o indivíduo ter recorrido ao serviço de urgência. Este episódio relata um internamento com agravamento do estado clínico na sua primeira metade, acabando por se verificar uma alteração no seu prognóstico. Atingidas as normas de inclusão instituídas, concomitantemente com o parecer positivo do clínico assistente, este foi o primeiro caso de uma pessoa com COVID-19 positivo submetida a um programa de reabilitação respiratória neste internamento.
Os critérios de segurança clínica foram sempre validados, conseguindo-se implementar as sessões de treino em dois momentos distintos do dia: a primeira com uma duração de 25 a 30 minutos, contemplava exercícios de reabilitação respiratória com trabalho aeróbio nos últimos 5 minutos; a segunda com uma duração de 15min abordava exclusivamente trabalho aeróbio.
Diagnóstico de Enfermagem | Ventilação comprometida |
---|---|
Intervenções de Enfermagem | • Observar tórax [coloração, deformações, simetria, antes e 30 minutos após a intervenção] • Vigiar ventilação [Expansibilidade, tipo, ritmo, amplitude, tempos inspiratórios e expiratórios, resgate da musculatura acessória, antes e 30 minutos após intervenção] • Monitorizar [Oximetrias periféricas de oxigénio; Escala de Borg Modificada, antes, durante e 30 minutos após a intervenção] • Monitorizar a frequência respiratória • Observar exame [Gasometria arterial e telerradiografia do tórax] • Otimizar a ventilação através da técnica de posicionamento [Posição de descanso e técnica de relaxamento, Cabeceira a 30-45º] • Executar técnicas respiratórias [Controlo e dissociação dos tempos respiratórios; expiração com lábios semicerrados 5 séries de 10 repetições; reeducação abdominodiafragmática posterior com resistência 0,5 kg 3 séries de 10 repetições; reeducação costal inferior esquerda 3 séries 10 repetições] • Executar cinesiterapia respiratória [Exercício de rotação da escapulo umeral; abertura costal seletiva à esquerda 3 séries de 10 repetições; Exercício de débito inspiratório controlado (EDIC) 3 séries de 5 repetições; Cicloergômetria de braços] |
RESULTADOS
Os resultados obtidos nesta intervenção contemplam um total de três sessões de reabilitação respiratória às quais o indivíduo se mostrou participativo, culminado com a alta clínica para o domicílio.
A implementação de um plano de exercícios fundamentado em exercícios respiratórios e treino aeróbio (imagem 2), induziu no indivíduo alterações que o próprio atribuiu como positivas na perceção da sintomatologia causada pela infeção por COVID-19. De acordo com a metodologia abordada, foram identificadas alterações na avaliação tanto do processo patológico como do corporal.
Em nenhuma das intervenções foi relatado pelo indivíduo a existência de toracalgia antes, durante e após as atividades, assim como de qualquer outra dor, avaliando com recurso à Escala Numérica da Dor em 0/10.
A dispneia, assumida pela variada bibliografia como um dos principais sintomas manifestados, foi monitorizada de modo contínuo pelo indivíduo após ter sido realizada uma apresentação e capacitação por parte do mesmo para recorrer à Escala de Borg Modificada. Esta esteve sempre disponível para consulta, e em nenhum momento se verificou uma avaliação superior a 3/10 - moderado (gráfico 1).
A intervenção teve início no limite máximo definido pela literatura como critério para a reabilitação respiratória na pessoa com COVID-1915, verificando-se com o decorrer das intervenções uma diminuição na sensação de dispneia relatada pelo indivíduo. Porém, até ao momento de alta não se verificou ausência completa de dispneia, classificando a sua presença como algo “leve”. O tempo e as intervenções implementadas foram adequados à tolerância demonstrada pelo indivíduo ao esforço. Não foi atingido o critério para interrupção, mas a constante avaliação de 3 em 10 (gráfico 1, linha laranja) em todas as sessões obrigaram a uma monitorização rigorosa e contínua da dispneia pelo indivíduo.
A presença de tosse, essencialmente seca, coincidiu com o mais recente relato bibliográfico4. A tosse era esporádica e não necessitou de intervenção especializada pelo EEER nesse foco, não conferindo limitação no plano instituído, reduzindo a aerossolização de gotículas. A administração de medicação inaladora prescrita foi devidamente agilizada com a equipa de enfermagem em prestação de cuidados para ser administrada antes das intervenções.
Os parâmetros vitais foram criteriosamente avaliados de modo a identificar antecipadamente a necessidade de reajuste do plano de intervenção, ou até mesmo a sua interrupção de acordo com os critérios definidos (tabela 1).
Data (2020) | 1ª sessão 22/04 | 2ª sessão 22/04 | 1ª sessão 23/04 | |||
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Início | Final | Início | Final | Início | Final | |
Tensão Arterial (mmHg) | 120/73 | 116/67 | 112/65 | 104/68 | 110/66 | 113/66 |
Frequência Cardíaca (bpm) | 95 | 95 | 96 | 97 | 85 | 92 |
Frequência Respiratória (ciclos/min) | 24 | 24 | 24 | 24 | 23 | 24 |
Temperatura (ºC) | 36,3 | 36,4 | 36,6 | 36,5 | 36,0 | 35,9 |
Oximetrias Periféricas (%) | 96 | 99 | 96 | 97 | 98 | 98 |
O presente registo descartou o comprometimento do plano de intervenção, demonstrando tolerância por parte do indivíduo face aos exercícios propostos. Os valores relativos à tensão arterial e frequência cardíaca demonstraram estabilidade dentro dos critérios definidos previamente, não se registando alteração significativa nos diferentes tipos de treino: exercícios respiratórios e exclusivo aeróbio. Os exercícios implementados previam a redução da dispneia, redução da frequência respiratória com melhoria da capacidade inspiratória, e de acordo com os valores presentes no gráfico, observou-se a melhoria nos valores das oximetrias periféricas de oxigénio com as primeiras intervenções. A frequência respiratória manteve-se constante antes da intervenção e após o descanso, com valores superiores a 20 ciclo/minuto, designando-se taquipneia (valores normais entre 12 - 20 ciclo/minuto)13, independentemente do padrão respiratório ser mais irregular ou regular (tabela 2).
No presente estudo de caso, a avaliação do processo corporal abordou essencialmente a avaliação por inspeção e alguma avaliação mediante palpação. Este processo foi incompleto de acordo com a bibliografia, mas suficiente para a avaliação e complementação da descrição na dispneia.
A administração de terapêutica inaladora foi realizada mediante a prescrição médica e por meio de câmara expansora, promotora de uma diminuição na aerossolização. Esta medida foi mais incidente na primeira sessão do dia pelo horário introduzido na prescrição médica.
Não foram observadas assimetrias/deformações do tórax nem deformações da coluna que pudessem comprometer a ventilação, contudo foi visível que o indivíduo no momento prévio à intervenção recorria discretamente à musculatura acessória associada à anteriormente referida taquipneia, acabando por beneficiar dos exercícios dirigidos ao descanso e relaxamento contemplados no plano de intervenção - massagem dos músculos acessórios e exercícios de rotação da escapulo umeral.
Data (2020) | 1ª sessão 22/04 | 2ª sessão 22/04 | 1ª sessão 23/04 | |||
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Início | Final | Início | Final | Início | Final | |
Aporte de oxigênio (L/min) | - | - | - | - | - | - |
Inaloterapia | Sim | Não | Não | Não | Sim | Não |
Simetria torácica | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim |
Deformações do tórax | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Tipo de respiração | Mista | Mista | Mista | Mista | Mista | Mista |
Ritmo | Irreg. | Irreg. | Irreg. | Irreg. | Irreg. | Regular |
Amplitude | ↓esq. | ↓esq. | ↓esq. | ↓esq. | ↓esq. | ↓esq. |
Músculos acessórios | Sim | Não | Sim | Não | Sim | Não |
Cianose central | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Cianose periférica | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
O tipo de respiração assumiu um predomínio torácico-abdominal em todas avaliações, mantendo a necessidade de intervir com técnicas como a reeducação abdominodiafragmática com resistência, intervindo também nas consequências inerentes a um maior confinamento no leito. Na expansão torácica foi observada uma diminuição mais acentuada à esquerda, comprovada pela palpação (tabela 3).
Data (2020) | 1ª sessão 22/04 | 2ª sessão 22/04 | 1ª sessão 23/04 | |||
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Início | Final | Início | Final | Início | Final | |
Traqueia centralizada | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim |
Elasticidade | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ | ↓ |
A palpação bilateral comprovou uma ligeira diminuição da elasticidade pulmonar à esquerda, sugestiva de possível condensação pulmonar localizada, posteriormente comprovada pela telerradiografia do tórax mais recente (imagem 4).
Comparativamente com a telerradiografia do tórax à entrada, é possível verificar uma melhoria da hipodensidade ao nível do lobo apical direito embora se mantenha a condensação pulmonar do lobo inferior esquerdo. Não existiu agravamento imagiológico comprometedor para a intervenção da reabilitação respiratória, permitindo até realizar um plano mais dirigido às reais necessidades do indivíduo, introduzindo técnicas dirigidas às alterações obtidas mediante a avaliação (imagem 5).
A gasometria arterial realizada a dia 16 de abril apresentou um pH 7,501; pCO2 33mmHg; pO2 82,3 mmHg, descartou um quadro de hipoxemia grave e conferiu segurança nos exercícios implementados. Os exames complementares de diagnóstico não foram alvos de reavaliação após a intervenção por motivos de controlo de infeção e gestão de EPIs, reunindo consenso.
DISCUSSÃO
A apresentação deste estudo de caso demonstra que a reabilitação respiratória desempenhada pelo EEER se assume como uma medida terapêutica complementar no tratamento de pessoas com COVID-19, mais precisamente na sintomatologia apresentada como no caso da dispneia.
A literatura defende que os programas de reabilitação respiratória estão assentes em três pilares essenciais, e esta nova situação, conduzida pelo desconhecimento e incerteza, necessita que os mesmos estejam presentes quando se decide iniciar a intervenção: Multidisciplinaridade; Individualidade; Fatores Físicos, sociais e psicológicos13.
Em 2016, a OMS definiu um terceiro indicador de resultado clínico além dos indicadores definidores de cura e morte. O indicador de funcionalidade surgiu no contexto de todas as doenças acompanhadas de disfunção e que podem não ser totalmente curadas, como no presente contexto COVID-19. A reabilitação, que procura melhorar a função, assume-se como uma importante medida no alcance deste indicador26.
A avaliação inicial em processo informatizado e os meios complementares de diagnóstico são a via de acesso de informação prioritária ao serem obtidos por meio de circuito limpo. Neste momento deve ser recolhido o máximo de informação que permita preencher todos os critérios de inclusão assim como estabelecer uma estrutura inicial do plano de intervenção mais individualizado. Os EPIs podem ser escassos e o risco de infeção entre profissionais de saúde não deve ser ignorado1, tornando a multidisciplinaridade essencial para a complementação de dados13.
O exame físico, essencial para uma melhor adequação do plano inicial, teve necessidade de ser ajustado a este novo tipo de doente do foro respiratório, focando-se na inspeção e palpação. A presença do EPI estabeleceu limitações e riscos de contágio de infeção nas restantes avaliações estabelecidas pelo Guia Orientador da Boa Prática13, percussão e auscultação.
Os exercícios de técnicas respiratórias como massagem e relaxamento, controlo e dissociação dos tempos respiratórios com lábios semicerrados, respiração abdominodiafragmática, com evidência e indicação na redução da dispneia, controlo do ritmo e da frequência respiratória foram adequadas e bem toleradas, confirmando o suporte pela bibliografia mais atualizada15,28. A presença de dispneia no momento da alta, classificada como “leve”, tem sido comum e encontra-se relatada num estudo apresentado pelo Hospital Provincial de Hubei na China, com 57,9% das altas para domicílio a apresentarem dispneia leve26. Não se verificou redução da frequência respiratória, podendo este facto estar associado à baixa resistência (61,4%)26 derivada à limitação da mobilidade destes doentes pelo isolamento, febre, fadiga e mialgias, levando à redução da força muscular, assim como, os quadros de ansiedade 27.
Nesta perspetiva, fundamentado por Luigia Brugliera e colaboradores, além da importância que o treino aeróbio tem na dinâmica respiratória da segunda fase da infeção por COVID-19 que contempla essencialmente uma progressiva recuperação, este confere concomitantemente benefícios nas alterações motoras e descondicionamento físico27. Esta reduz complicações, melhora a cognição e o estado emocional, promove a qualidade de vida e alta precoce para domicílio27. Os resultados obtidos são corroborados com a experiência relatada por Li Jianan quando afirma que em doentes cuja sintomatologia é leve, existe consenso na realização de treino respiratório e aeróbio leve26.
A telerradiografia do tórax apresentou a possibilidade de ocorrer uma condensação localizada, como alternativa às consolidações irregulares bilaterais das bases pulmonares7,10. Nesta situação, intervenções seletivas como a abertura costal e o EDIC, além de serem mais adequadas também promovem a intervenção designada como “4S” defendida por Yang Feng e colaboradores nas suas diretrizes17, colocando a projeção de aerossolização do indivíduo no sentido oposto ao profissional (imagem 5). No caso especifico do EDIC, este ainda permite adicionar em maior segurança o inspirómetro de incentivo adequado ao perfil de uma patologia restritiva13.
A monitorização dos exercícios mediante oximetrias periféricas, frequência cardíaca e respiratória conferiu segurança para realizar a intervenção e ao mesmo tempo descartar o surgimento dos critérios de interrupção, tal como a experiência clínica demonstrada por Stefano Carda e colaboradores, em especial nas fases iniciais29.
A implementação da Escala de Borg Modificada como instrumento de avaliação demonstrou a importância que lhe foi atribuída nas diretrizes definidas pela Associação Chinesa de Reabilitação15, mostrando-se sensível ao cansaço percecionado pelo indivíduo na realização dos exercícios, resultante da hipoxemia induzida pelo esforço, característica da pneumonia intersticial não específica13.
Todos os hospitais foram sujeitos a grandes alterações para travar a propagação do coronavírus, surgindo diretrizes no controlo de infeção cada vez mais rigorosas. O evitar de transportar dispositivos para os circuitos sujos e contacto com superfícies partilhadas, a contenção e ponderação no recurso a meios complementares de diagnóstico para identificar ganhos sensíveis aos cuidados, as limitações que alguns EPIs podem induzir na liberdade de movimentos dos profissionais, a dificuldade em cumprir treinos bidiários pela falta de profissionais ou a necessidade destes no tratamento da fase aguda da doença, a escassa evidência ainda disponível da reabilitação respiratória nestes doentes, são limitações de um estudo neste contexto.
Teria sido benéfico para este estudo mais dias de atuação, porém foi demonstrada a importância que a intervenção especializada do EEER tem no alívio da sintomatologia respiratória apresentada por pessoas portadoras da COVID-19 num internamento convencional. Neste seguimento deve ser considerado a importância da telereabilitação29 e programas de reabilitação domiciliária ou ambulatórias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo de caso permitiu verificar a efetividade das intervenções de enfermagem de reabilitação na implementação de um plano de intervenção numa pessoa portadora da COVID-19 direcionado para o controlo e redução da dispneia. Apesar do exponencial surgimento de bibliografia referente aos cuidados de reabilitação nestes doentes, existe ainda reduzida evidência no seu benefício, assim como, no momento mais adequado da fase da doença para se intervir. Pretende-se que os EEER repliquem mais programas de reabilitação direcionados para estes doentes, identificando os ganhos sensíveis aos cuidados de enfermagem.
Intervenções fundamentadas nas diretrizes mais atuais, baseadas em técnicas de relaxamento e controlo das diferentes fases respiratórias e ainda, a atividade aeróbia permitiram identificar ganhos na perceção da dispneia, com redução da mesma; alteração do ritmo respiratório para o padrão mais regular; melhoria das oximetrias periféricas de oxigénio e relaxamento dos músculos acessórios, culminando com alta para domicílio.
Os critérios de inclusão definidos pela diversa bibliografia mostraram-se adequados e ajustados a uma prática segura. Estes caracterizam doentes próximos de serem propostos a critérios de cura, com vista a uma alta breve para realizar restante quarentena em domicílio e assim, permitir uma gestão das instituições de saúde mais eficiente.