INTRODUÇÃO
Atualmente, o Ser Humano está a vivenciar uma fase particular da história. Sabe-se que a humanidade está rodeada de uma variedade de vírus já descobertos e ainda por descobrir. Enquanto que alguns vírus permanecem em hospedeiros específicos, existem outros que devido à sua rápida distribuição, afetam o ser humano, resultando em pandemias com elevada morbilidade e mortalidade; destas infeções, destacam-se as infeções do sistema respiratório.
No último século, a humanidade deparou-se com grandes pandemias como a gripe por Influenzavirus A subtipo H1N1 em 1918 (gripe espanhola), a H1N1 influenza em 2009, a Severe Acute Respiratory Syndrome por coronavírus (SARS-CoV) em 2003 e a Middle East Respiratory Syndrome coronavirus (MERS-CoV) em 2012. Estas pandemias apresentavam manifestações a nível respiratório, mas com grande risco cardiovascular e possível falência de órgãos (1.
Atualmente há uma nova crise de saúde pública que ameaça o mundo, ou seja o surgimento e disseminação do novo coronavírus de 2019 (2019-nCoV) ou Severe Acute Respiratory Syndrome por coronavírus 2 (SARS-CoV-2)(1-2. A Coronavirus Disease-2019 (COVID-19) é o resultado da SARS-Cov-2, causando síndrome de dificuldade respiratória3.
O início da epidemia deu-se em Wuhan, China, em dezembro de 2019. As pessoas infetadas apresentavam sintomas relacionados com uma pneumonia, tendo sido posteriormente diagnosticados com o novo coronavírus (Covid-19). Devido à rápida disseminação do vírus, para outras regiões no país, mas também pelo mundo, incluindo o continente europeu, o continente americano, continente africano e na Oceânia, a Organização Mundial de Saúde, em março o presente ano, declarou a Covid-19 como uma pandemia 3.
Primeiramente, a sintomatologia associada à infeção por SARS-CoV-2 inclui a presença de febre, mialgia ou fadiga, tosse produtiva e/ou tosse não produtiva dispneia, fadiga ou mialgias na maioria dos casos. Existem ainda relatados de sintomas como a cefaleia, dor de garganta, hemoptises e sintomas gastrointestinais como a diarreia, náusea e dor abdominal, mas com menor incidência3-6.
Neste contexto da pandemia COVID-19 a maioria dos doentes infetados com SARS-CoV-2 apresenta doença ligeira (cerca de 80%), com prognóstico favorável7. Doentes com sintomatologia severa, podem desenvolver dispneia e hipoxemia, no período de 1 semana de infeção, que pode progredir rapidamente para Síndrome de Dificuldade Respiratória Aguda no Adulto/ acute respiratory distress syndrome (SDRA/ARDS) ou falência orgânica3. Estima-se que entre 6 a 10% dos doentes infetados tenham necessidade de hospitalização, com necessidade de internamento em Unidades de Cuidados Intensivos7, em que os doentes mais idosos ou doentes com doenças crónicas (como hipertensão, diabetes mellitus, etc), podem ter um prognóstico mais reservado3.
A ARDS foi inicialmente definida em 1967, sendo que a sintomatologia associada inclui hipoxemia, edema pulmonar não cardiogénico, redução da compliance pulmonar, aumento do trabalho respiratório e a necessidade de ventilação com pressão positiva, em situações como trauma, pneumonia, sépsis e aspiração (p.e. conteúdo gástrico) 8.
Uma das intervenções propostas para coadjuvar o tratamento em pessoas com ARDS em contexto de COVID é o decúbito ventral ou Prone Position3.
Os primeiros estudos sobre decúbito ventral, não demonstraram qualquer impacto na mortalidade, apesar de terem sido realizados numa fase da ventilação protetora, em que os doentes que se encontravam nesta posição apresentavam ARDS ligeira e permaneciam nela por curtos períodos. Posteriormente, com o desenvolvimento da ventilação protetora verificou-se que a mortalidade, nos doentes com ARDS severo em decúbito ventral, diminui significativamente quando comparada com a posição supina ou decúbito dorsal9. Assim, uma meta-analise conclui que um doente com ARDS moderado a severo, conectado a ventilação mecânica em decúbito ventral, no máximo até 16 horas, apresentaram uma diminuição da mortalidade10.
A posição de decúbito ventral torna a ventilação mais homogénea, diminuindo a distensão alveolar ventral e o colapso alveolar dorsal. Neste contexto, existe uma redução da compressão pulmonar, levando a um aumento da perfusão11. Seguidamente é utilizada maioritariamente em doentes com ARDS moderado a severo em que a relação pressão parcial de oxigénio (PaO2) / fração de oxigénio FiO2 se encontra abaixo de 150 mmHg e necessitam de um FiO2 acima de 0.6 (60%)12.
Podemos afirmar que a ARDS é uma consequência da SARS-Cov-2, sendo estimado que dos doentes infetados, 17% possa a vir desenvolver ARDS13. Assim, visto que o decúbito ventral é um tratamento não invasivo da ARDS, doentes infetados com SARS-Cov-2 podem também vir a beneficiar deste posicionamento.
Por fim, esta intervenção também veio apresentar contraindicações como em doentes com instabilidade da coluna, doentes que sofreram um trauma ou foram submetidos a uma cirurgia cardíaca no período de 24 horas e também doentes sob técnica de Extra Corporeal Membrane Oxygenation (ECMO) veno-arterial 12.
O objetivo desta revisão foi identificar os efeitos da posição ventral (prone position) no tratamento de doentes com ARDS causada por SARS-Cov-2.
MATERIAL E MÉTODOS
Aspetos éticos
Por se tratar de um estudo de revisão, não houve necessidade de submeter o protocolo da pesquisa a uma comissão de ética. No entanto, em toda revisão foram respeitadas as ideias, conceitos e definições dos autores dos artigos que compuseram este estudo.
Tipo de estudo
Este estudo apresentam o desenho de uma Revisão Integrativa da Literatura (RIL)(14-15. É um método que permite a síntese de conhecimento e a incorporação dos resultados de estudos significativos na prática clínica. Este tipo de revisão tem sido apontado como uma ferramenta importante na síntese da evidência disponíveis sobre determinada temática e direciona a prática fundamentada em conhecimento científico, ou seja, para a prática baseada na evidência15.
Colheita de dados
Neste estudo seguiram-se as seis etapas de RIL: identificação do tema e elaboração da questão de pesquisa, amostragem ou pesquisa da literatura, colheita de dados, análise crítica dos estudos incluídos, interpretação e discussão dos resultados e apresentação da revisão/ síntese de conhecimento15.
Tendo em consideração objetivo desta RIL, a formulação a seguinte questão norteadora com base no acrónimo PICo16: Quais os efeitos da posição de ventral/prono position (I - Interest phenomenon ) em doentes com ARDS (P - Patient) causada por SARS-Cov-2 (Co - Context).? O levantamento das produções científicas foi efetuado em maio de 2020 nas seguintes bases de dados eletrónicas: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), SCOPUS e complementada no google académico.
O acesso às bases de dados eletrónicas selecionadas foi realizado através do Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e SCOPUS. Foi utilizada a equação booleana (Prone Position) AND ((COVID-19) OR (SARS-Cov-2)), no campo destinado à pesquisa em “Título, resumo, assunto”. A Figura 1 mostra o fluxograma das etapas seguidas até a obtenção da amostra final.
Os critérios de inclusão adotados para a amostra deste estudo foram os seguintes: estudos do tipo relato de experiência, estudo de caso e artigos originais, veiculados em periódicos nacionais e internacionais; que tenham utilizado abordagens qualitativas, quantitativas e quanti-qualitativa; publicados entre janeiro de 2019 e maio de 2020, nos idiomas português, espanhol e inglês; disponíveis online e com texto na íntegra. Os critérios de exclusão são: estudos que trataram da posição de ventral (Prone position) em outras situações de ARDS que não por SARS-Cov-2 ou que não respondessem à questão norteadora.
Extração e Análise dos dados
Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão restaram 13 artigos que constituíram a amostra final desta RIL, conforme demonstrado na tabela 1, destacando o título, país, o ano de publicação e os principais resultados de cada artigo selecionado. Nesta etapa, os dados foram avaliados, com o objetivo de constatar sua adequação ao tema da pesquisa. Foi realizada uma triagem por meio da leitura crítica dos estudos selecionados, os quais responderam à questão norteadora desta RIL. Utilizou-se um instrumento de coleta de dados, previamente elaborado para este fim, contendo dados de identificação (autores, ano de publicação e país), revista, objetivos, resultados/ conclusões e desenho/nível de evidência. Os níveis de evidência (NE) dos estudos foram classificados de acordo com critérios da Registered Nurses Association of Ontario: NE III - estudos descritivos e estudos de coorte, series de caso; NE IV - artigos de opinião de peritos, revisões narrativas17.
RESULTADOS
Foram identificados 241 artigos com a equação booleana nas bases de dados SCOPUS, MedLine e Google académico, após leitura do título, resumo e aplicação dos critérios de elegibilidade foram incluídos 1318-30 artigos (figura 1).
Todos os artigos foram publicados em 2020, são oriundos da Alemanha19, Brasil28, Canadá29, China25, Espanha18, Estados Unidades da América20,23, França22,30, Irão26 e Itália(21,24, 27). As amostras variam entre 1 caso23,30 e 6227 doentes com COVID-19 com ARDS moderada submetidos a Ventilação não invasiva (VNI). O nível de evidência varia entre III18,20-24,26-28,30 e IV19,25,29.
Os dados foram sintetizados em 3 grandes temas, indicações, frequência da alternância de decúbito e duração e por últimos efeitos do decúbito ventral.
As indicações do decúbito ventral por SARS-CoV-2 moderada a grave, em contexto de unidade de cuidados intensivos (UCI)18-19,21-22,25, acordados e não ventilados20, em enfermaria para doentes COVID 19 26-28 com oxigénio por cânula nasal23, ventilação não invasiva (VNI) com capacete24, grávida de 25 semanas em UCI 30.
A alternância de decúbitos entre decúbito ventral e lateralizações deve ser efetuada de 2 em 2 horas30, 12 a 16 horas por dia nas situações de ARDS grave a moderado19.
Os principais benefícios identificados foram: melhoria dos parâmetros ventilatórios nomeadamente, diminuição da sensação de dispneia26, frequência respiratória menor 27, melhoria da mecânica ventilatória e trocas gasosas25, melhoria das saturações de Oxigénio20-21,23,27-30 e valores de gasometria22,29-30, relação PaO2/FiO221, melhoria do fluxo para as áreas de ventilação/perfusão24, evitou-se intubação para ventilação mecânica invasiva18, alta precoce18,23-24, diminuição da média de internamento26, diminuição da mortalidade21,25-26 aos 28dias25 e aos 90 dias25. Não houve aumento das úlceras por pressão (UPP)22.
Autor/ país /ano | Revista | Objetivo | Resultados/conclusões | Desenho/ Nível Evidência |
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Barrasa et al., 2020, Espanha(18) | Anaesthesia Critical Care & Pain Medicine | Relatar a epidemiologia dos primeiros doentes admitidos com SARS-CoV-2 em Unidades de cuidados intensivos (UCI) espanholas, vinte dias após o primeiro internamento num hospital de Espanha. | Incluídos 48 doentes. No início desta doença, doentes não intubados podem se beneficiar do decúbito ventral antes da intubação. Três dos doentes foram tratados dessa maneira sem intubação e tiveram alta precoce. O benefício do decúbito ventral em doentes intubados e a ventilação protetora deve ser restrita àqueles que desenvolvem lesão pulmonar aguda. | Estudo prospetivo NE: III. |
Bein et al., 2020; Alemanha(19) | Anästhesiol Intensivmed Notfallmed Schmerzther | Descrever o conhecimento sobre o disgnóstico e tratamento do COVID 19 | O decúbito ventral está recomendado no doente COVID-19 com ARDS moderada a grave, 12-16 horas por dia |
Revisão narrativa NE: IV |
Caputo et al, 2020, Estados Unidos América(20) | Academic Emergency Medicine | Descrever o uso do decúbito ventral precoce em doentes COVID-19 acordados e não intubados. | Foram incluídos 50 doentes. Após 5 minutos em decúbito ventral as saturações melhoraram 94% (amplitude interquartil entre 90 a 95). A auto-pronação precoce no departamento de emergência demonstrou uma melhor saturação de oxigênio nos doentes positivos para COVID-19. |
Estudo piloto NE: III |
Carsetti et al., 2020, Itália(21) | Critical Care | O objetivo deste relatório foi avaliar a viabilidade e eficácia da ventilação em decúbito ventral além das 16 h usuais. | Estudo com 10 doentes. A ventilação em decúbito ventral é um método estabelecido para melhorar a oxigenação na síndrome do desconforto respiratório agudo grave (ARDS), e sua aplicação pode reduzir a taxa de mortalidade. A oxigenação melhorou significativamente durante a ventilação em decúbito ventral. Curiosamente, a PaO2 / FiO2 registada na posição supina após um teste de pronação prolongado foi significativamente maior do que a PaO2 / FiO2 medida antes da pronação. Não houve aumento de incidência de úlcera por pressão. | Estudo retrospetivo NE: III |
Elharrar et al. 2020, França(22) | JAMA | Avaliar o efeito do decúbito ventral em doentes não intubados com COVID-19 e com insuficiência respiratória aguda hipoxémica | Em 24 doentes com insuficiência respiratória aguda hipoxémica o uso do decúbito ventral não alterou o suprimento de oxigênio ou fração de oxigênio (FIO2). Quatro doentes não toleraram o decúbito ventral por mais de uma hora (exigindo intubação posterior); 6 de 15 doentes que toleraram o decúbito ventral mostraram aumento média da PaO2 superior a 20% em relação à linha de base. |
Estudo serie de casos, Com avaliação Antes e depois. NE: III |
Elkattawy, Noori; 2020, EUA(23) | Respiratory Medicine Case Reports | Verificar o efeito do decúbito ventral num caso de coronavírus | O doente estava inicialmente com insuficiência respiratória hipoxémica aguda e foi colocado uma cânula nasal. No entanto, dentro de algumas horas em pronação, ele apresentou alívio sintomático significativo com a melhoria da oxigenação. Tendo alta após um dia de pronação. | Relato de caso. NE: III |
Longhini et al, 2020, Itália(24) | Pulmonology | Discutir a utilização da Pressão positiva contínua nas vias aéreas (hCPAP) por capacete e o decúbito ventral | Referem que os doentes com COVID-19 podem beneficiar da combinação de hCPAP precoce em níveis moderados de PEEP (ou seja, 10 cmH2O) e decúbito ventral, para evitar sobredistensão das áreas saudáveis do pulmão, retardando a progressão da doença e permitindo que ganhem tempo na recuperação. O hCPAP provavelmente será eficaz, mantendo o pulmão aberto e reduzindo a mistura venosa, desviando o fluxo para melhores áreas de ventilação/perfusão | Opinião de peritos. NE: III |
Meng et al., 2020, China, (25) | Anesthe- siology |
Resumir os resultados das discussões, baseadas em experiências em primeira mão com o tratamento de doentes críticos em Wuhan | Ventilação em decúbito ventral melhora a mecânica pulmonar e troca de gasosas sendo atualmente é recomendado pelas diretrizes. Este posicionamento, quando planeado, não deve ser uma tentativa final desesperada, mas deve ser considerada no início estágios da doença, pois as evidências sugerem que a aplicação precoce da ventilação prolongada em decúbito ventral diminui a mortalidade aos 28 e aos 90 dias nos doentes com ARDS grave. Atualmente, a ventilação em decúbito ventral é amplamente utilizada em doentes críticos em Wuhan. | Relato de experiência (opinião de peritos) NE: IV |
Moghadam et al, 2020, Irão(26) | Brazilian Journal of Anesthesiology | Relatar a experiência de 10 casos submetidos a decúbito ventral | Aplicação de decúbito ventral em 10 doentes selecionados aleatoriamente, que tinham COVID-19 (70% do sexo masculino e 30% do sexo feminino) e foram internados numa enfermaria específica para doentes COVID-19. A sensação de dispneia diminuiu em 40% dos casos e todos doentes tiveram alta do hospital. O tempo médio de internamento foi de 4,8 dias e não houve óbitos. | Relato de casos. NE: III |
Sartini et al., 2020, itália(27) | JAMA | identificar todos os doentes submetidos à VNI em decúbito ventral fora da UCI, independentemen-te do dia em que começa-ram a usar essa técnica. | A utilização de VNI em decúbito ventral em 62 doentes com COVID-19 e ARDS nas enfermarias gerais de um hospital na Itália foi viável. A frequência respiratória foi menor e a oxigenação foi maior durante e após o decúbito ventral do que no início. Ainda não foi determinado se a intubação foi evitada ou atrasada. | Estudo descritivo transversal Série de casos NE: III |
Sztajnbok et al, 2020, Brasil(28) | Respiratory Medicine Case Reports | Relatar de dois caso doentes com pneumonia por COVID-19 | O decúbito ventral é uma estratégia bem conhecida de suporte ventilatório para melhorar os níveis de oxigenação. O autoposicionamento em ventral pode ser usado no tratamento de doentes com pneumonia por COVID-19 | Relato de caso. NE: III |
Telias et al., 2020, Canadá(29) | JAMA | Discutir a utilidade do decúbito ventral durante a respiração espontânea em doentes com COVID-19 | O decúbito ventral durante a respiração espontânea e assistida em doentes com insuficiência respiratória hipoxémica aguda pode tornar-se uma intervenção terapêutica num futuro próximo. A tolerância é uma limitação da técnica, os efeitos fisiológicos não são esclarecidos e os benefícios de sessões muito curtas podem ser questionáveis. A melhoria da oxigenação durante o decúbito ventral pode impedir que os médicos tomem decisões sobre a intubação apenas com base na hipoxemia. | Opinião de peritos NE: IV |
Vibert et al, 2020, França(30) | Gynecology, and Reproductive Biology | Relatar o caso de uma mulher de 21 anos, gravida de 25 semanas | O doente foi lateralizado por períodos de 2 horas durante o dia. O estado respiratório da doente melhorou com decú-bito ventral e lateralização. A SatO2 aumentou enquanto os parâmetros do oxigênio de alto fluxo permaneceram estáveis e também houve melhoria dos parâmetros gasimétricos. No 16º dia na UCI, foi transferida para o departamento de obstetrícia e recebeu alta 8 dias depois. | Relato de caso. NE: III |
DISCUSSÃO
O tempo de permanência dos doentes em cuidados intensivos, devido a SARS-CoV-2 parece ser relativamente longo, implicando a imobilização no leito e muitas horas decúbito ventral. 31. O recurso a este posicionamento é também defendido em ambiente de enfermaria pela Sociedade de Cuidados Intensivos do Reino Unido defende o uso de decúbito ventral em doentes conscientes na enfermaria que requerem ≥28% de oxigênio 32.
A utilização do decúbito ventral tem benefícios em doentes em enfermaria, através do autoposicionamento28, associado a oxigénio por cânula nasal23, oxigênio de alto fluxo30, VNI com capacete24 e ventilação mecânica invasiva (VMI)18-19,21-22,25. Está indicada nas situações de pneumonia associada a SARS-CoV-2 moderada a grave em contexto de UCI18-19,21-22,25,30, na enfermaria especifica para COVID 1926-28. A sua utilização em contexto de enfermaria e nos serviços de urgência/emergência pode evitar intubações invasivas18 e favorecer a alta precoce18,23-24. Como foi referido anteriormente existem benefícios documentados da combinação do decúbito ventral associados a outras intervenções terapêuticas como um suplemente de oxigénio por cânula nasal, oxigénio de alto fluxo, VNI com capacete e VMI, pois permite o recrutamento alveolar, melhorando a mecânica ventilatória e trocas gasosas25) , promovendo o desvio do fluxo para as áreas de melhor ventilação/perfusão25, com consequente melhoria das saturações periféricas20-21,23,27-30 e valores gasimétricos 22,29-30,
O fato da intervenção em decúbito ventral ser recomendada entre 12 a 16 horas19, com alternâncias para lateralização de 2 em 2 horas30, implica uma sobrecarga nos recursos humanos envolvidos nos cuidados a estes doentes. A mobilização e posicionamento do doente sob VMI em decúbito ventral deve ser realizado por profissionais de saúde (4-5 elementos) devidamente treinados33 que devem ter atenção da possível desconexão do tubo orotraqueal do ventilador11.
Apesar dos benefícios, existem estudos que referem o aumento do risco de desenvolvimento de UPP e a obstrução do tubo orotraqueal com a utilização do decúbito ventral11. Contudo, num estudo incluído refere que não houve aumento da incidência do UPP22.
Outra complicação que pode surgir com o decúbito ventral, tanto em doentes conscientes quanto nos submetidos à VMI, é a ocorrência de paragem cardíaca na posição32, neste sentido tem de haver uma permanente acompanhamento e monitorização para detetar precocemente mudanças significativas no estado do doente e consequentes complicações.
Implicações para a prática de enfermagem e políticas de saúde
Os profissionais de saúde mais habilitados para realizar estas intervenções, são os enfermeiros e os enfermeiros de reabilitação, uma vez que possuem conhecimento científico e clínico essencial à redução do risco de complicações12. Por conseguinte, para garantir a segurança do doente e do profissional é recomendado o conhecimento e treino da técnica, assim como, o uso adequado dos equipamentos de proteção individual11. Além disso, o conhecimento das complicações e a sua prevenção são a chave para a segurança do doente quando posicionado em decúbito ventral12.
Limitações do estudo
Esta pesquisa foi efetuada recorrendo a base de dados com grande fator de impacto, no entanto, foram utilizados apenas estudos em inglês e de evidência III e IV. Recomendam-se outros estudos, que envolvam outras línguas para ter uma maior abrangência do conhecimento. Recomenda-se a realização de estudos primários com um desenho experimental ou quasi-experimental, com amostra mais robustas para aumentar o NE.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com estas pesquisa alcançou-se o objetivo previamente definido, foi possível identificar as indicações, cuidados e efeitos do decúbito ventral como coadjuvante ao tratamento da SARS-CoV-2. Além de melhorar os parâmetros ventilatórios e gasimétricos, melhora os sintomas de dispneia, facilita a recuperação, com consequente, alta precoce, diminuição dos dias de internamento e redução da mortalidade aos 28 e 90 dias.
Os enfermeiros em geral e os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação em particular, neste contexto devem ser possuidores de conhecimento científico baseado nas últimas evidencias e devem ser treinados, com recurso a simulação virtual e/ou física, não só na realização da técnica correta como também na utilização dos materiais de proteção individual para que seja assegurada a segurança para o doente e da equipa de saúde envolvida no procedimento.