INTRODUÇÃO
Os Enfermeiros de Reabilitação a prestarem cuidados na comunidade deparam-se com uma população cada vez mais envelhecida, que para além dos problemas que surgem nas transições que ocorrem ao longo da vida, apresentam vulnerabilidade para doenças crónicas e degenerativas, com implicações na sua capacidade funcional, cognitiva e qualidade de vida1.
A par das condições de saúde e dos processos patológicos que ocorrem com o envelhecimento, o sedentarismo e os hábitos nutricionais inadequados continuam a ser os principais fatores de risco de perda de anos de vida saudável2.
A Direção Geral de Saúde (DGS), em conformidade com as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) salienta a importância de todas as medidas que contribuam para a criação de ambientes seguros e de condições que permitam o acompanhamento dos idosos através da vigilância de saúde e promoção de estilos de vida saudáveis, prevenção da doença, gestão dos processos de comorbilidade, inclusão social e apoio em situações de vulnerabilidade e limitação da atividade3.
São vários os programas de envelhecimento ativo e promoção da saúde em diferentes contextos descritos na literatura, contudo ainda são poucos os que são implementados por enfermeiros de reabilitação. As áreas de intervenção de enfermagem descritas nestes programas de envelhecimento ativo são a promoção do exercício físico4-15),a prevenção de quedas16-17, o fortalecimento da musculatura pélvica18, a estimulação cognitiva4,5,10 o ensino sobre hábitos alimentares saudáveis4-10,12-15),a prevenção e a gestão de doenças crónicas4-6,9-10,13-14),a gestão do regime medicamentoso4-6,9-10,13-14 e a promoção da interação social4-7,13 .
O enfermeiro de reabilitação tem competências que lhe permitem conceber e desenvolver planos e programas de envelhecimento ativo que maximizem a capacidade funcional, criar condições e oportunidades para promover estilos de vida saudáveis, identificar as barreiras que dificultam a participação social e cooperar com as estruturas da comunidade de modo a promover um ambiente seguro e inclusivo das pessoas idosas19-20.
Neste sentido, atendendo à relevância destes programas numa população cada vez mais envelhecida, um grupo de enfermeiros de reabilitação após conhecer as condições sociodemográficas e de saúde dos idosos que residem no domicílio de uma região urbana do norte de Portugal e depois de efetuar uma revisão da literatura dos últimos 10 anos, concebeu e implementou um programa de envelhecimento ativo em contexto comunitário adaptado às suas necessidades.
Este estudo teve como objetivo analisar o impacto de um programa de envelhecimento ativo na capacidade funcional e estilos de vida dos idosos, tendo sido formulada a seguinte pergunta de investigação: “Qual o impacto de um programa de envelhecimento ativo na capacidade funcional e estilos de vida dos idosos?”
MÉTODO
Trata-se de um estudo de caso multisujeitos realizado nas instalações de uma junta de freguesia da região urbana do norte de Portugal, no período de outubro de 2019 a janeiro de 2020.
A população em estudo foram pessoas com mais de 65 anos da referida freguesia e a residir no domicílio. A técnica de amostragem usada foi não probabilística de conveniência, sendo a amostra constituída por 8 idosos. Os critérios de inclusão foram: idosos referenciados pelos enfermeiros de família de uma unidade de saúde dessa região urbana do norte de Portugal por apresentarem benefício terapêutico na implementação do programa de envelhecimento ativo e aceitarem participar neste projeto de investigação. Foram excluídos todos os idosos que apresentavam instabilidade clínica, incapacidade para se deslocar para participar no programa ou evidenciassem défice cognitivo moderado a grave. Para averiguar a capacidade cognitiva, efetuávamos avaliação das pessoas nas seguintes áreas: orientação; memória; pensamento concreto, disponibilidade e volição.
O estudo de caso abrangeu quatro fases: 1) seleção dos idosos participantes mediante critérios de inclusão no estudo; 2) colheita de dados inicial com aplicação de um formulário e convite para a participação no programa de envelhecimento ativo; 3) implementação do programa de envelhecimento ativo; 4) colheita de dados com aplicação do mesmo formulário para avaliação do impacto do programa de envelhecimento ativo na capacidade funcional (equilíbrio, força de preensão manual) e estilos de vida adotados.
O formulário construído pelos investigadores para avaliação dos utentes pré e pós programa foi composto por cinco partes, conforme quadro 1.
O programa de envelhecimento ativo foi realizado durante 16 semanas, com 2 sessões por semana de 60 minutos cada, uma sessão era de promoção do exercício físico, conforme figura 1, e a outra sessão era centrada na autogestão da doença crónica. Optamos por realizar apenas uma sessão de exercício físico presencialmente, e não duas a três vezes por semana como recomenda a literatura, devido à dificuldade de deslocação dos idosos à junta de freguesia para realizar as atividades7-8,17. No entanto, em cada sessão de exercício físico, eram definidos exercícios para os idosos replicarem no domicílio durante essa semana. No total, os idosos tiveram 15 sessões de exercício físico e duas sessões em conjunto, uma de boas vindas e outra de encerramento do programa.
Variáveis | Dimensões |
---|---|
Caraterísticas socio-demográficas | Género, idade, estado civil, número de elementos do agregado familiar, número de filhos, nível de escolaridade, fonte de rendimento |
Condições de saúde | Perceção do estado de saúde, conhecimento de processos patológicos, perceção de sintomas, regime medicamentoso, peso, altura, registo de quedas e perceção do risco de queda e número de horas de sono |
Equilíbrio estático e dinâmico | Índice de Tinetti Tapete de avaliação da marcha |
Força de preensão manual | Teste de força de preensão manual com recurso a dinamómetro de Jamar |
Estilos de vida | Instrumento Perfil do Estilo de Vida Individual de Nahas |
A análise e tratamento estatístico dos dados foi efetuado com recurso ao software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0, e utilizada estatística descritiva e analítica através do cálculo de frequências absolutas (N), relativas (%); medidas de tendência central (média e mediana), medidas de dispersão (mínimo, máximo e desvio padrão), teste de Kruskall-Wallis, teste de Wilcoxon-Mann-Whitney e teste de Friedman. Para a análise de dados foi adotado o valor de p <0,05 como estatisticamente significativo. Verificou-se que as escalas adotadas para o formulário, na amostra em estudo, tiveram um alfa cronbach entre 0,7 e 0,9, o que certifica a consistência interna do instrumento21.
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde da região do Norte de Portugal, conforme Parecer nº 1/2018. Os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos e finalidade do estudo e assinaram o consentimento informado.
RESULTADOS
No estudo de caso participaram 8 idosos, predominantemente do género feminino (87,5%), com idade média de 74,75 anos (desvio padrão= 9,3), igual percentagem do estado civil de casado e de viúvo (37,5% cada), em média com: 2 elementos no agregado familiar (desvio padrão=0,92), 4º ano de escolaridade (desvio padrão=4,99 ), com 1,63 filhos (desvio padrão=0,92) e tendo a reforma como principal fonte de rendimento (75%).
A maioria dos idosos (87,5%) apresentaram processos patológicos, destacando-se as doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e musculosqueléticas (37,5% cada). Em relação aos grupos farmacológicos prevaleceram os fármacos para sistema cardiovascular (50%), os analgésicos (37,5%), os anti-inflamatórios (37,5%), a insulina (37,5%), os antidepressivos (25%), e os antidiabéticos orais (25%). Apenas 25% não soube mencionar os medicamentos que toma.
O programa de envelhecimento ativo promoveu ganhos em saúde em diversos domínios, nomeadamente redução de sintomas como dores musculosqueléticas, perceção de desequilíbrio constante, risco de queda, perdas de urina, sentimentos de tristeza e alterações da memória, conforme tabela 1.
Variáveis | Antes do programa | Depois do programa |
---|---|---|
Sintomas | % | % |
Dores musculosqueléticas | 87,5% | 62,5% |
Perceção de desequilíbrio constante | 62,5% | 50% |
Perceção de risco de queda | 62,5% | 50% |
Sentimentos de tristeza | 37,5% | 25% |
Alterações da memória | 37,5% | 25% |
Perdas de urina | 25% | 12,5% |
Também ocorreu melhoria da capacidade funcional (equilíbrio estático, equilíbrio dinâmico e força de preensão manual) e mudança positiva nos estilos de vida, contribuindo assim para a melhoria da qualidade de vida dos idosos, conforme tabela 2.
Variáveis | Antes do programa | Depois do programa | ||
---|---|---|---|---|
Domínios | Média | Desvio Padrão | Média | Desvio Padrão |
Equilíbrio estático- Índice de Tinetti | 20,38 | 3,2 | 23,88 | 1,49 |
Equilíbrio dinâmico- Índice de Tinetti | 17,88 | 3,64 | 21,13 | 1,72 |
Força de preensão manual direita- Dinamómetro de Jamar | 20,5 | 7,838 | 21,75 | 8,714 |
Força de preensão manual esquerda- Dinamómetro de Jamar | 19,5 | 7,540 | 19,75 | 7,592 |
Estilo de vida global- Instrumento Perfil do Estilo de Vida Individual | 42,88 | 7,14 | 49 | 8,49 |
Analisando os resultados de todos os domínios dos Estilos de vida, verificamos que as variáveis onde ocorreu maior mudança positiva foi a gestão de stress, exercício físico e comportamento preventivo. Contudo, verificamos que também houve melhoria na adesão a hábitos alimentares adequados, assim como nos comportamentos relacionais, conforme tabela 3.
Variáveis | Antes do programa | Depois do programa | ||
---|---|---|---|---|
Domínios do Instrumento Perfil do Estilo de Vida Individual | Média | Desvio Padrão | Média | Desvio Padrão |
Gestão do Stress | 6,88 | 2,23 | 8,63 | 2,50 |
Atividade Física | 6,5 | 2,51 | 8 | 2,33 |
Comportamento preventivo | 15,25 | 3,28 | 16,75 | 2,05 |
Comportamentos relacionais | 7,5 | 2,39 | 8,25 | 2,12 |
Nutrição | 9 | 2,14 | 9,88 | 2,17 |
Ao analisar a associação entre as diferentes variáveis em estudo, com recurso ao Teste U de Mann-Whitney, verificou-se existir diferenças estatisticamente significativas antes e após o programa de envelhecimento ativo, sobretudo no equilíbrio estático e dinâmico, sendo p de 0,05 e 0,02 respetivamente.
DISCUSSÃO
A maioria dos idosos desta amostra descrevem sintomas em consonância com as doenças crónicas que apresentam. As doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e musculosqueléticas foram as mais prevalentes (37,5% cada), indo de encontro com os dados da OMS e do Ministério da Saúde, que relatam as doenças cerebrocardiovasculares como as patologias crónicas com maior prevalência e as principais causas de morte (29,7%) na população idosa1,2. Também a doença musculosquelética é frequente nos idosos, repercutindo-se em dores crónicas na maioria dos idosos da amostra (87,5%) antes da implementação do programa. Num estudo na Noruega que avaliava a prevalência da dor nos idosos, observou-se que a dor crónica afetava mais de 50% da população22. O fato do idoso apresentar dor frequente provoca diminuição da sua participação nas atividades de vida diária, exercício físico e participação social23. Também o sedentarismo acentua a perda funcional, ocasiona maior desequilíbrio e risco de queda, maior perceção de dor, isolamento social e sentimentos de tristeza. A perceção de desequilíbrio constante e risco de queda foi elevada na amostra de idosos em estudo antes da implementação do programa (62,5%), o que vai de encontro ao descrito num estudo que relata que o desequilibrio e o medo de cair é frequentemente assumido por 67,9% dos idosos24. O medo de cair e a perceção de barreiras como limitação física condiciona à inatividade e este ciclo vicioso tem forte impacto na vida dos idosos, tornando-os dependentes de terceiros25-27.
Neste estudo de caso confirmou-se os relatos descritos na literatura, ou seja, após o programa de envelhecimento ativo de 16 semanas com enfoque no exercício físico, os idosos descreveram diminuição significativa da intensidade da dor, maior força de preensão manual, maior score de equilíbrio estático e na marcha, ocasionando assim menos quedas entre os idosos, de tal forma que a perceção de desequilíbrio reduziu cerca de 15,5%. Um estudo desenvolvido com idosos em Portugal, onde foi implementado um programa de enfermagem de reabilitação de 12 semanas com treino de equilíbrio, coordenação, resistência e flexibilidade denotou melhorias significativas no equilíbrio e redução do risco de queda nos idosos16. Também na Aústria foi implementado um programa de exercícios de mobilidade e equilíbrio durante 12 semanas, duas vezes por semana no domicilio dos idosos e verificou-se redução da dor e do medo de cair e melhoria da capacidade funcional17. Na Austrália por seu lado, foi testado um programa de treino de força e equilíbrio com idosos durante 18 semanas observando-se melhorias na capacidade funcional e na redução da fragilidade7. Outros estudos acrescentam que estes programas aumentam a força de preensão manual dos idosos, repercutindo-se na capacidade funcional dos idosos8.
Em relação ao ensino e treino de exercícios de fortalecimento do assoalho pélvico, verificamos que estes promoveram a diminuição em cerca de 12,5% das perdas de urina nos idosos, o que corrobora os dados descritos na literatura, em que os exercícios de fortalecimento da musculatura pélvica não só melhoram substancialmente a incontinência urinária dos idosos, como melhoram a autoestima dos idosos18.
Também, os estilos de vida dos idosos mudaram de uma forma positiva com o decorrer do programa de envelhecimento ativo, estando agora os idosos mais capacitados para autogerir o stress, sinais e sintomas relacionados com os processos patológicos, fazer escolhas de hábitos alimentares adequados, adotar comportamentos preventivos e procurar com maior vontade estabelecer relacionamentos quer com a família, quer com a sociedade. Vários idosos relataram que a interação e o convívio entre o grupo fez com que os sentimentos de tristeza diminuissem. Os idosos perceberam que devem ser agentes ativos na promoção da sua saúde e não apenas na gestão da doença, pois envelhecer não tem de ser sinónimo de incapacidade. Estes relatos vão de encontro aos estudos descritos na literatura, que relatam que a implementação de programas de promoção da saúde a idosos frágeis melhoram a capacidade dos idosos para gerir sinais e sintomas, gerir a doença, assim como aumentar a participação nas atividades de vida diária, atividades de lazer e participação social10,13,15. Em Espanha, num estudo onde foi implementado um programa multicomponente de promoção da literacia em saúde com idosos concluiu-se que a educação para a saúde é eficaz quer no aumento de conhecimentos, quer na capacitação para a adesão a estilos de vida saudáveis e medidas de prevenção de quedas14.
Sabendo que a esperança de vida saudável depende muito dos comportamentos individuais, a promoção do envelhecimento ativo deve ser um investimento primordial dos enfermeiros de reabilitação, incentivando assim os idosos a manter uma variedade de atividades após a reforma, preservando a utilidade social e prevenindo o declínio funcional, a solidão, a depressão e a fragilidade que ocorrem a par do envelhecimento. O exercício físico aliado à capacitação de hábitos de vida saudáveis e a gestão de sintomas melhora não só a condição de saúde dos idosos, como a sua condição de vida.
CONCLUSÕES
Os idosos que participaram no estudo têm um perfil tradutor das alterações sociodemográficas e de saúde atuais. Também no que concerne às patologias e sintomas identificam-se com o que encontramos na revisão da literatura para a construção do programa. Evidenciam-se as alterações do equilíbrio, da força de preensão manual e dos estilos de vida. Após a implementação do programa de envelhecimento ativo com sessões de promoção do exercício físico e autogestão da doença crónica, os idosos melhoraram a perceção de saúde e os hábitos de vida, diminuíram os sentimentos de tristeza e melhoraram a capacidade funcional sobretudo ao nível do equilíbrio estático e dinâmico, com repercussões na participação nas atividades de vida diária e interação social.
A implementação deste programa teve impacto significativo não só na melhoria da satisfação com a saúde, sentimentos relatados e qualidade de vida dos idosos, como também, no conhecimento científico da enfermagem de reabilitação, comprovando o seu importante contributo na promoção da autonomia, inclusão social dos idosos, dando vida aos seus anos.
O número reduzido de idosos que aderiram ao programa de envelhecimento ativo limitou a constatação de diferenças significativas, sendo que futuramente o programa será implementado a um maior número de idosos e noutros locais do país.
Apesar das limitações, os resultados deste estudo comprovam a necessidade dos enfermeiros de reabilitação participarem em atividades de promoção da saúde junto dos mais idosos, pois além dos ganhos em saúde com a sua intervenção, quer a nível funcional, quer a nível psicológico, promovem ganhos económicos ao retardar a dependência dos idosos e perda de anos de vida saudáveis.