INTRODUÇÃO
A evolução sociocultural e o progresso técnico-científico na área da saúde têm vindo a alterar consideravelmente o cenário do processo de viver, adoecer e morrer, especialmente no caso das doenças predominantes. Isso implica que também os profissionais reflitam sobre a melhor forma de sustentar as suas práticas para ir de encontro a estas mudanças.
Ao longo do ciclo vital todos os indivíduos vão precisar de cuidados de reabilitação, seja porque têm acontecimentos inesperados que mudam o curso da sua saúde, seja porque vão envelhecendo1.
A enfermagem de reabilitação surgiu com o intuito de dar resposta aos lesados pós-guerra, para restaurar as funções corporais perdidas e minimizar os seus efeitos: a sua origem foi, portanto, relacionada à violência. Atualmente, os desafios são significativamente diferentes. Após o controlo das doenças agudas, e com o aumento da prevalência das doenças crónicas, torna-se emergente dar resposta às necessidades e aos problemas manifestados pelas pessoas doentes, o que releva a intencionalidade das intervenções no âmbito da enfermagem de reabilitação2.
Os cuidados prestados por enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação têm como principais objetivos melhorar a função, fomentar a independência e a máxima satisfação da pessoa e, desta forma, preservar a sua autoestima. O enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação planeia, desenvolve e monitoriza planos de enfermagem de reabilitação, dirigidos à pessoa tendo em conta as suas especificidades e necessidades3. A sua intervenção visa um diagnóstico precoce, assim como ações preventivas de enfermagem de reabilitação, para desta forma assegurar a manutenção das capacidades funcionais das pessoas, prevenir complicações e evitar possíveis incapacidades. Para além disso, na sequência das intervenções planeadas e implementadas, os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação procuram sempre melhorar as funções residuais, manter ou restabelecer a independência nas atividades de vida diária, e minimizar o impacto das incapacidades já instaladas (quer seja por doença ou acidente) ao nível das funções cardíaca, respiratória, neurológica, ortopédica e outras deficiências ou incapacidades3.
O exposto acima leva a defender que o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação tem que ter um profundo reconhecimento do outro enquanto pessoa, pelo que deve contribuir para que aquele de quem cuida seja aceite nos meios social e interpessoal, independentemente da sua condição. O reconhecimento é visto no sentido de aceitação social, aprovação social, popularidade, status social, ou qualquer qualidade que torne a pessoa uma companhia social desejável e que seja respeitada tal como é.
Sendo a enfermagem de reabilitação uma especialidade abrangente e complexa, é necessário que esta incorpore os aspetos teóricos na sua prática clínica, devendo a atuação dos profissionais desta área ser sustentada nos referenciais teóricos da disciplina de enfermagem, bem como, estrategicamente de outras áreas disciplinares. Neste sentido, no âmbito da enfermagem de reabilitação face à necessidade de compreender os pilares que culminam na autoperceção e no autorreconhecimento da pessoa sobre o seu contributo no processo de reabilitação, recorremos ao referencial teórico de Axel Honneth, designado “Teoria do Reconhecimento”. Neste referencial, Honneth enuncia três domínios essenciais, sendo eles: o Amor, o Direito e a Solidariedade4, que fazem todo o sentido no âmbito da concretização do mandato social da especialização em enfermagem de reabilitação.
A teoria de Honneth vem dar ênfase à intersubjetividade e ao processo reflexivo para modificar as relações sociais. No senso comum, o cuidado em saúde é muitas vezes reconhecido, apenas como um conjunto de procedimentos técnicos com vista a um determinado fim pré-definido. No entanto, na visão de Honneth a prestação destes cuidados envolve uma relação terapêutica entre o sujeito que é cuidado e quem presta os cuidados5. O processo de reabilitação nem sempre é fácil e muitas vezes só quando existe um reconhecimento recíproco é que conseguimos desenvolver os cuidados previamente planeados e caminhar em conjunto para as metas desejadas pela pessoa doente e pelo enfermeiro de reabilitação.
Não há reabilitação sem que a pessoa cuidada o queira, e, para que esta seja capaz de seguir o caminho, tem que sentir o reconhecimento inicialmente pelo enfermeiro de reabilitação e, posteriormente, por parte dela própria e da sociedade.
Em sequência do mencionado, neste artigo para além de se evidenciar o contributo do referencial de Honneth para o exercício profissional dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, pretende-se sensibilizar estes profissionais para a utilização deste referencial como mais um contributo à imprescindível sustentação da sua prática profissional.
MÉTODO
Estudo teórico reflexivo, fundamentado no referencial teórico de Axel Honneth e nas competências específicas dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação. O percurso metodológico incluiu, primeiramente, a identificação de um modelo teórico de âmbito filosófico, seguido de pesquisa nas bases de dados CINHAL (via EBSCO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e, também, no Google Académico, com os descritores “Rehabilitation”; “Models, Theoretical”; “Social Desirability” e o operador boleano “and”.
Para a reflexão realizada foram selecionados artigos escritos em língua portuguesa, espanhola e inglesa, disponíveis em texto integral, publicados no período de 2000 a 2020, e que focavam a Teoria do Reconhecimento e os seus contributos. Atendendo aos critérios definidos, foram encontrados 38 artigos. Para a seleção dos estudos com contributo relevante na elaboração deste artigo teórico reflexivo foram seguidas algumas etapas: 1 - leitura dos títulos para rejeitar os artigos que não se integravam nos critérios definidos; 2 - leitura do resumo para validar que artigos atendiam aos critérios previamente enunciados; 3 - leitura integral dos artigos a ser incluídos. Na etapa 1, dos trinta e oito artigos encontrados, foram selecionados vinte e três, tendo sido, posteriormente, lidos os resumos desses vinte e três artigos. Dos catorze artigos selecionados para leitura integral, foram incluídos para análise cinco artigos.
Atendendo ao reduzido número de artigos encontrados foi também usada uma referência primária do autor, a obra “Luta pelo Reconhecimento”4, que facilitou a compreensão da respetiva Teoria do Reconhecimento.
Além da fundamentação nas competências específicas do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação3, ao longo da reflexão será efetuada uma abordagem socioprática e transformadora da realidade do exercício profissional dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, afim de contribuir para o fortalecimento das reflexões críticas que decorrerem da interpretação e da análise dos elementos teóricos selecionados.
RESULTADOS
Na sequência do objetivo definido, para a clarificação dos conteúdos abordados, optamos por dividir esta componente do artigo em duas partes. Na primeira, será apresentado o referencial teórico de Axel Honneth e, na segunda parte, será abordado o contributo deste referencial para a sustentação da prática dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação.
Referencial teórico de Axel Honneth
Honneth desenvolveu a Teoria de Reconhecimento constituída por 3 pilares cruciais ao bem viver: o amor, o direito e a solidariedade. O bem viver implica que a pessoa se sinta amada, usufrua dos seus direitos de cidadania e se sinta valorizada socialmente. Na sua perspetiva, a integridade do ser humano deve-se ao reconhecimento e, quando este não acontece, há o desrespeito4, que pode deixar nas pessoas marcas psíquicas significativas6.
Numa tentativa de compreender como o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação deve intervir de forma a reconhecer a pessoa em processo de reabilitação, por meio de uma ajuda profissional, que objetive o bem viver, importa aprofundar a reflexão sobre os pilares que precisam ser valorizados na intervenção destes profissionais.
O amor para Honneth é explicado de uma forma neutra, aqui estão incluídas todas as relações primárias, nomeadamente a relação a dois, amizades, relações entre pais e filhos e fortes ligações sentimentais. O amor é o primeiro nível de reconhecimento recíproco, pois os sujeitos reconhecem-se enquanto seres necessitados e estão unidos na dependência mútua ao nível da necessidade. O autor no desenvolvimento do primeiro pilar evidencia essencialmente a relação simbiótica entre mãe e filho, demonstrando a necessidade que as crianças têm de reconhecimento e de apoio através de relações emocionais para vencer a relação simbiótica inicial4,6.
A necessidade e a dependência da criança, assim como, a atenção total por parte da mãe para a satisfação das suas necessidades, fazem com que não exista nenhum tipo de individualidade entre ambos e se sintam como uma unidade. Ao longo do tempo, com o retomar progressivo às atividades de vida diária, este estado de simbiose vai-se decompondo por meio de um processo de ampliação da independência de ambos, até porque a mãe com o retorno às suas atividades, deixa de estar em condições de atender às necessidades da criança de forma imediata4,7.
A partir dos 6 meses de vida, a criança deve começar a habituar-se à ausência da mãe, pois assim é estimulada a desenvolver capacidades que a tornem capaz de se diferenciar do seu meio ambiente. Nesta etapa, a criança deixa de identificar a mãe como uma parte do seu mundo subjetivo e sim, como alguém com direitos próprios. As fases deste processo devem ser corretamente ultrapassadas para que haja uma relação de reconhecimento, e para que seja preparado um caminho para o autorrelacionamento, em que as pessoas alcancem uma autoconfiança, e sejam capazes de desenvolver atitudes de autorrespeito7. O referido reporta-se a um processo em que tanto a mãe, como o filho, lutam pelo reconhecimento como seres diferenciados, embora unidos por um amor recíproco8.
O segundo pilar da Teoria do Reconhecimento é o direito. Na visão de Honneth, apenas podemos atingir uma compreensão de nós mesmos enquanto titulares de direitos se inversamente possuirmos uma compreensão sobre as nossas obrigações. Para ser titular de direitos, a pessoa tem de ser reconhecida socialmente como elemento de uma comunidade e ter um papel socialmente aceite. Após estar inserida como membro de uma comunidade, a pessoa tem direitos que pode reclamar recorrendo a uma autoridade4,6.
Na transição para a atual era mais moderna, Honneth reconhece uma alteração estrutural na base da sociedade, esta corresponde também a uma mudança nas relações de reconhecimento: o sistema jurídico não pode permitir exceções e privilégios a pessoas de um estatuto superior, pelo contrário, deve ser o sistema jurídico a combater essas desigualdades. Os direitos devem ser gerais para estarem acessíveis a toda a comunidade4. Além disso, para que exista reconhecimento jurídico entre os elementos de uma sociedade, é indispensável o respeito mútuo, enquanto pessoas de direito6.
Nas ciências jurídicas existe uma distinção dos direitos, nomeadamente direitos de liberdade, direitos de participação política e direitos sociais. Os direitos de liberdade dizem respeito aos direitos que protegem a pessoa de intervenções não autorizadas, no que se refere à sua liberdade, à sua vida e à sua propriedade; os direitos de participação política dizem respeito à participação em processos de formação da vontade pública, e por fim, os direitos sociais referem-se à distribuição de bens de forma equilibrada4.
O autorrespeito insere-se dentro da relação jurídica pois os direitos permitem que se forme nas pessoas a consciência de que se podem respeitar a si mesmos e merecer o respeito dos outros. Desta forma, reconhecer-se reciprocamente como pessoas jurídicas, contempla não só o direito, mas também as capacidades necessárias para uma vida digna e com autorrespeito4,6.
O terceiro e último pilar refere-se à solidariedade. Neste pilar o autor aborda o conceito de valorização social fazendo um paralelismo entre este conceito e o reconhecimento jurídico. A valorização social traduz-se numa confiança emocional em produzir ou possuir capacidades que são reconhecidas pelos restantes membros da sociedade como essenciais, levando ao desenvolvimento do autorrespeito, autoconfiança e, consequentemente, autovalorização4. Neste sentido, a reputação social de uma pessoa é avaliada pela adoção de comportamentos eticamente esperados e congruentes com as expectativas coletivas, traduzindo a sua honra social6.
Na nossa sociedade, o conceito de solidariedade está associado às relações sociais de valorização simétrica entre pessoas, pois é necessário compreender que as propriedades do outro são importantes para a vivência comum. O conceito de simétrico não significa uma valorização exatamente igual, mas sim que qualquer pessoa deve ter oportunidade de se mostrar valiosa para a sociedade dentro das suas capacidades. Estas relações são designadas como “solidárias” pois despertam uma tolerância e um desenvolvimento efetivo face à outra pessoa. Para que as pessoas possam desenvolver um autorrelacionamento positivo e de forma saudável, têm de vivenciar a sua ideologia de bem viver sem experienciarem situações anteriores negativas, nomeadamente de desrespeito4.
O conceito de desrespeito e/ou ofensa, na linguagem comum tem diversos graus de profundidade de lesão psíquica de uma pessoa: “entre a humilhação palpável que está associada à usurpação de direitos fundamentais elementares e a humilhação subtil que consiste na alusão pública ao insucesso de uma pessoa (…)” (4:180) . Honneth define direito como “(…) aquelas pretensões individuais cujo provimento social uma pessoa pode legitimamente esperar, dado que participa na ordem institucional de uma comunidade enquanto membro de pleno valor e em pé de igualdade (…) (4:182). A impossibilidade de usufruir dos seus direitos é na perspetiva de Honneth uma forma de desrespeito6. A privação de direitos fundamentais e a exclusão social não se expressa apenas na restrição da autonomia da pessoa, mas manifesta-se também no sentimento de não possuir um papel ativo na sociedade, sendo-lhe negados direitos sociais, levando a que haja uma perda do autorrespeito, ou seja, o indivíduo deixa de se ver como um parceiro de interação em igualdade com o seu semelhante.
Neste seguimento, Honneth definiu para cada um dos seus pilares a correspondente negativa, pois para cada pilar de reconhecimento pode emergir o equivalente negativo, levando a que essa experiência de desrespeito/ofensa possa servir de motivação para uma luta pelo reconhecimento7. O autor definiu 3 formas de desrespeito, sendo a primeira a violação, a segunda a privação de direitos e, por fim, a degradação.
A primeira forma de desrespeito, a violação, corresponde ao primeiro pilar, o amor. Nesta forma de desrespeito o componente da personalidade agredido é o da integridade psíquica, ou seja, a integridade física não é agredida diretamente, mas sim o autorrespeito que cada um tem do seu corpo. Ao segundo pilar, o direito, corresponde a privação de direito. Nesta forma de desrespeito a componente lesada é a integridade social. Honneth considera que todo o tipo de privação violenta da autonomia deve estar associado a um sentimento de injustiça, que posteriormente passa a ser considerado uma situação de desrespeito jurídico. Ao terceiro pilar, a solidariedade, corresponde a degradação, aqui ele foca-se na degradação da autoestima, em que a pessoa não desenvolve uma autoestima positiva de si mesma, ou seja, é privada dessa possibilidade7.
O facto de a população poder reagir sem neutralidade emocional a insultos sociais, tais como abusos físicos, privação de direitos e a degradação, faz com que os modelos normativos de reconhecimento tenham a possibilidade de ser colocados em prática na vida social. Cada experiência negativa de desrespeito deve dar ao sujeito ferramentas para lutar contra a injustiça de que foi vítima4.
Contributo do Referencial teórico de Honneth para a enfermagem de reabilitação
A enfermagem de reabilitação é uma área de especialidade que atua ao longo do ciclo vital, desde o nascimento até à velhice, com especial enfoque para as diversas transições vivenciadas pelas pessoas. É orientada para a pessoa, família e grupos, com a finalidade de promover mudanças nos estilos de vida e capacitar as pessoas com défices de funcionalidade, tornando-os cidadãos com competências para contribuir socialmente, interagir e bem viver9.
O progresso no conhecimento exige que o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação incorpore na sua prática diária as novas descobertas de investigação, desenvolvendo uma prática baseada na evidência. Além disso, os cuidados prestados pelo enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação são voltados para o outro, inserindo-o no seu quotidiano, de forma a que desenvolva o máximo de autonomia.
A primeira forma de reconhecimento que Honneth refere é o amor, este pilar diz respeito às relações que convergem no autorrelacionamento, bem como na conquista da autoconfiança8. Durante a prestação de cuidados, o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação depara-se muitas vezes com clientes deprimidos, sem confiança e sem motivação. Para além disso, o processo de saúde/doença muitas vezes marcado pela transição independência/dependência conduz ao comprometimento da autoconfiança e do autorreconhecimento, na medida em que as pessoas doentes apresentam alterações funcionais e estruturais e, consequentemente, necessidade de cuidados de enfermagem de reabilitação.
Faz parte das competências do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação determinar os aspetos psicossociais que interferem nos processos adaptativos de saúde/ doença de forma a facilitar o envolvimento da pessoa no processo de recuperação, assim como criar uma relação terapêutica, para que a mesma, numa primeira fase, confie nas decisões do enfermeiro e, posteriormente, seja capaz de desenvolver confiança nela própria3.
O segundo pilar é o direito, através do qual o indivíduo é reconhecido como uma pessoa de direito, com liberdade e autonomia para agir na sociedade, e, consequentemente, conquistar o seu autorrespeito8. Enquanto membros de uma comunidade as pessoas têm direitos que devem ser concretizados, emergindo com especial destaque o direito a que lhe sejam prestados os cuidados adequados à sua atual condição. Além disso, o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação deve durante a prestação de cuidados fomentar o autorrespeito, concebendo um plano de cuidados adaptado às reais necessidades das pessoas, seja por uma limitação da atividade ou deficiência, tendo em vista a inclusão e reintegração da mesma na sociedade, para que desta forma possa ter um papel ativo. Honneth chama ainda a atenção para as ciências jurídicas e para os três direitos, de liberdade, de participação e direitos sociais, sendo que na sua prática clínica, o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação deve incluir estes direitos de forma a estimular o autorrespeito. Para tal, durante o processo de reabilitação, o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação deve incluir a pessoa doente/família ou a pessoa significativa no planeamento e implementação dos cuidados e na preparação da alta, de forma a respeitar a sua liberdade, as suas opiniões e crenças, bem como a garantir uma maior adesão ao seu processo de recuperação10.
A concretização do segundo direito, o de participação, deve constituir um objetivo do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação pois a reintegração social deve ser uma prioridade, para que a pessoa possa ter uma contribuição ativa na sociedade. Existem várias barreiras para estas pessoas doentes, de que são exemplo as barreiras arquitetónicas, bem como as barreiras sociais, sendo que o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação deve promover o desenvolvimento da autoconfiança para trabalhar o Eu interior de cada pessoa, mas também deve cooperar com a equipa multidisciplinar para avaliar as dificuldades que a pessoa vai encontrar, procurando posteriormente dar resposta às suas necessidades. A promoção da acessibilidade deve ser tida em consideração na conceção dos cuidados, posteriormente executados pelos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, pois esta é uma componente fundamental para que as pessoas melhorem a sua qualidade de vida, e para que possam usufruir dos seus direitos na totalidade enquanto membros ativos de uma sociedade11.
O último direito jurídico, referente ao direito social, deve estar presente diariamente na prestação de cuidados. Enquanto profissionais de saúde, os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação devem estar atentos à igualdade de direitos, independentemente da idade, do género, da situação social e da condição de saúde. Sempre que a pessoa não apresente condições socioeconómicas para aquisição de ajudas técnicas necessárias para o seu processo de reabilitação ou para a eliminação de barreiras arquitetónicas no seu domicílio, o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação deve intervir junto da equipa multidisciplinar e da comunidade de forma a conseguirem dar resposta a essas necessidades, como apelam as competências comuns do enfermeiro especialista12, bem como as competências específicas do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação3.
O último pilar é o da solidariedade, em que o filósofo se foca, essencialmente, na autovalorização e, consequentemente, na autoestima8. O processo saúde/doença é complexo, durante este processo as pessoas perdem muitas vezes a sua autoestima, acabando por se sentir um “fardo” para a sua família e para a sociedade, pois não se acham capazes de contribuir para a sociedade de forma ativa. Neste contexto, ao longo do processo de reabilitação, o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação deve capacitar a pessoa para o desenvolvimento de novas competências e para a sua reintegração na sociedade, de forma a poder exercer um papel ativo, ainda que diferente do anterior, mas que da mesma forma, seja um contributo para o bem comum.
DISCUSSÃO
Independentemente de as pessoas se encontrarem no seu domicílio, hospitalizadas ou institucionalizadas, é consensual que os seus direitos devem ser garantidos, para que o seu reconhecimento não seja violado. No âmbito da prestação de cuidados, o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação deve durante a sua intervenção fomentar o respeito pela diferença, pelas particularidades de cada pessoa, contribuindo desta forma para o desenvolvimento do autorrespeito. Para além disso, é crucial incentivar a pessoa a adotar um papel ativo, dando-lhe a possibilidade de desenvolver capacidades que potenciem as interações sociais em condições de igualdade e de máxima autonomia.
A par das competências comuns e específicas do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação, o referencial teórico de Axel Honneth complementa a base concetual para a sustentação da prática profissional de enfermagem de reabilitação, uma vez que orienta os profissionais a terem uma visão holística dos três pilares, que traduzindo aspetos essenciais, deverão ser invioláveis no âmbito da prestação de cuidados gerais, e particularmente, no âmbito dos cuidados especializados em enfermagem de reabilitação (Figura 1).
O modelo representado na Figura 1 conduz à reflexão dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação sobre o caminho para um autorrelacionamento positivo com as pessoas que cuidam, como estratégia que consolida a qualidade dos cuidados que prestam. A segurança e qualidade dos cuidados, incorpora o empoderamento e o envolvimento dos profissionais, o que resultará em melhor desempenho e maior qualidade na assistência em saúde13. Na sequência do referido envolvimento, acresce ainda um reforço à visibilidade diferenciada dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação.
Partindo de uma estrutura que engloba três formas de reconhecimento e três formas correspondentes de desrespeito, fica claro para os enfermeiros, e particularmente, para os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, a necessidade de reconhecer cada pessoa como única e detentora de um projeto de saúde que importa conhecer3. Além disso, de modo a respeitar a dignidade e integridade da pessoa, os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação devem considerar as três esferas de reconhecimento abordadas por Honneth: o amor, o direito e a solidariedade8. Qualquer atuação que esteja desvinculada destas esferas, pode vir a ser considerada como um comportamento de desrespeito.
Vários estudos demonstram que os enfermeiros especialistas, nomeadamente os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, têm uma preocupação acrescida no desenvolvimento de capacidades adaptativas à nova condição de vida da pessoa doente10, até porque não têm dúvidas que essas capacidades facilitam o processo de transição que a pessoa está a vivenciar e fomentam o desenvolvimento do autorrespeito, assim como, a autovalorizarão, instrumentos que são essenciais para a autorrealização da pessoa.
Tal como defendido por Honneth, não há justiça sem reconhecimento, logo, o que as pessoas esperam da sociedade e, particularmente, dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, é que sejam reconhecidas as suas capacidades, as suas potencialidades, mas também as futuras contribuições que ainda poderão dar no contexto social14.
Neste seguimento, os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação devem unir esforços entre os vários contextos para poderem atender às necessidades reais das pessoas, de acordo com o ambiente em que estas se encontram. Como é conhecido, o exercício profissional do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação não se restringe apenas ao hospital ou a outras tipologias de unidades de saúde, vai muito além disso, passa pela análise das barreiras que a pessoa irá encontrar no exterior, mas também no seu domicílio, de forma a integrar o doente na sociedade e torná-lo o mais ativo e autónomo possível15. Honneth defende que a pessoa deve ser integrada no seu contexto social independentemente da sua condição de saúde, devendo existir no âmbito da relação terapêutica, uma valorização simétrica4, que potencie a oportunidade da pessoa continuar a dar um contributo singular à sociedade.
CONCLUSÃO
A prática dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação deve estar sustentada nos documentos que regulam o exercício profissional, bem como nos referenciais teóricos da disciplina, ou em casos específicos, de outras áreas disciplinares, de que é exemplo o referencial de Axel Honneth.
Tal como enunciado anteriormente, neste artigo pretendeu-se mostrar o contributo do referencial teórico de Axel Honneth no exercício profissional do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação. Com a reflexão realizada ao longo do artigo, ficou claro que no âmbito do processo de reabilitação, a par da importância do reconhecimento da pessoa doente, só será possível respeitá-la na sua globalidade, se forem integrados no exercício profissional dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação os três pilares enunciados: o amor, o direito e a solidariedade. Eles constituirão ainda a garantia de uma relação terapêutica efetiva, capaz de potenciar os ganhos em saúde na pessoa doente.