INTRODUÇÃO
Atualmente com o aumento da expectativa de vida, da evolução tecnológica e científica e da interação multidisciplinar no âmbito da saúde, mais concretamente nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), verifica-se um aumento da sobrevida da pessoa em situação crítica. Esta realidade acarreta riscos de uma hospitalização prolongada e imobilidade imposta, pois acreditava-se que o repouso no leito trazia benefícios para a sua estabilização. As sequelas de um internamento prolongado são nefastas, comprometendo a capacidade funcional, neuropsiquiátrica e a perceção geral da qualidade de vida destes indivíduos, sendo hoje motivo de preocupação quando se avaliam os resultados em saúde, mais especificamente o prolongamento do tempo de internamento em UCI, o aumento do índice de morbilidade e mortalidade e custos mais elevados (Devlin et al., 2018). O profissional/enfermeiro especialista de reabilitação em Cuidados Intensivos está essencialmente vocacionado para a aplicação precoce de técnicas de reabilitação específicas com o fim de evitar sequelas e complicações inerentes à situação clínica da pessoa em situação crítica e imobilidade, contribuindo para a otimização das funções cognitiva, respiratória, neuromuscular e osteoarticular (Azevedo & Gomes, 2015).
A implementação dos programas de reabilitação visam prestar cuidados de enfermagem de reabilitação de forma sistematizada e segura; prevenir as sequelas associadas à imobilidade e promover o levante do leito o mais precocemente possível, o que posteriormente se irá traduzir em ganhos de saúde para a pessoa, mais especificamente: diminuição da incapacidade; aumento da independência funcional; desmame ventilatório mais precoce; diminuição do número de dias de internamento; diminuição do número de reinternamentos; favorecimento da reintegração familiar e social e maior satisfação (Balas et al., 2018).
O programa consta, numa primeira fase, em cuidados de postura e posicionamento (fonte de estimulação sensoriomotora e prevenção das sequelas nefastas associadas à imobilização), mobilização passiva polisegmentar (manutenção da mobilidade articular), electroestimulação neuromuscular e, de acordo com a tolerância da pessoa, progredindo para mobilização ativa/ativa resistida para reativação e reforço muscular (manutenção do comprimento do tecido muscular), e automobilização no leito, treino de transferências, de equilíbrios (estáticos e dinâmicos: sentado e em pé), marcha e outras atividades de vida diária. Este deve ser adaptado continuamente à evolução clínica do doente, assim como à sua capacidade de tolerância de atividade. São considerados critérios de exclusão para início do programa de reabilitação a instabilidade hemodinâmica, a disfunção neurológica grave ou falência respiratória (Marra et al., 2017).
Perante a relevância da implementação de programas de reabilitação à pessoa em situação crítica durante o internamento em UCI, este artigo tem como objetivos:
METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho, respeitaram-se os critérios ético-deontológicos, foram salvaguardados todos os direitos dos utentes assim como a sua valorização para a tomada de decisão. Assim como ao nível da informação o direito de anonimato e preservação de informação (CDE - art.º 85º) e respeito dos valores humanos (CDE - art.º 81º) (OE, 2005).
Trata-se de um estudo descritivo e quantitativo, com análise estatística descritiva como a média, frequências absolutas, relativas e percentagens. O tratamento e análise de dados efetuado com o recurso ao programa informático Microsoft Excel e o software Tableau 10.1.
A colheita de dados foi efetuada através do registo de dados em folha própria da enfermagem de reabilitação, construída para o efeito, durante cinco meses, com início a 01/08/2013 e términus a 30/12/2013 pelos cinco enfermeiros especialistas de reabilitação dos serviços envolvidos do SMI dos CHUC, polo HUC, que implementaram os programas de reabilitação. A colheita incluiu dados:
pessoais (idade e sexo); avaliação de sinais vitais antes e após a realização do programa; dias de internamento; diagnóstico; número de sessões de reabilitação e dimensões (reabilitação motora, cinesiterapia respiratória, fortalecimento muscular); eventos adversos observados durante o programa de reabilitação; número de levantes, data do primeiro levante e sua tipologia; complicações motoras; avaliação da força muscular e ganhos de força muscular.
No processo de amostragem, o critério de inclusão para o início precoce do programa de reabilitação foi a estabilidade hemodinâmica, ventilatória e neurológica do doente:
a reserva cardiovascular: Frequência Cardíaca (FC) de repouso é < 60% da FC máxima para a idade; Variação da Pressão Arterial (PA) < 20%; electrocardiograma sem alterações; ausência de doenças cardíacas;
reserva respiratória: uma relação da Pressão parcial de oxigénio (Pao2)/Fracção inspiratória de oxigénio (Fio2) > 300; Saturação de oxigénio no sangue (Spo2)> 90% e padrão respiratório da pessoa e sincronia com o ventilador;
doente consciente ou com presença de disfunção neurológica estável.
Como critérios de exclusão selecionaram-se os seguintes:
instabilidade hemodinâmica (PA sistólica <90 ou >180 mmHg, FC > 140 batimentos/minuto, arritmias não controladas, necessidade de suporte vasopressor contínuo ou balão intra-aórtico);
disfunção neurológica grave (quadro neurológico instável ou progressivo, pressão intracraniana > 20);
falência respiratória (Fio2> 80%, Pressão Positiva no final da Expiração (PEEP)> 10 cm H2O, Frequência Respiratória (FR)> 35 ciclos/minuto, necessidade de ventilação com pressão controlada ou bloqueio neuromuscular);
considerações ortopédicas e cirúrgicas como a ausência de fixação cirúrgica de fraturas instáveis e pós-operatórios imediatos de cirurgias major.
A força muscular foi avaliada com a escala numérica de graus de força muscular da Medical Research Council (MRC1).
RESULTADOS
A população do estudo corresponde a um total de 213 casos.
A amostra selecionada representa o número de doentes que apresentavam critérios para o programa de reabilitação num total de 146, com 800 sessões de reabilitação. Com uma média de idade de 63,9 anos e uma média de dias de internamento por pessoa de 20,6.
Caracterização da Amostra
A amostra é predominantemente masculina, 63,01%, com uma média de idade de 63,9 anos e uma média de dias de internamento 20,6.

Tabela 1 Caracterização da Amostra segundo o Diagnóstico, a Média de Idades e a Média do tempo de Internamento
A análise da tabela 1, revela que a média de idades mais elevada corresponde ao diagnóstico de Insuficiência Respiratória Aguda (IRespA) e a média mais baixa foi observada no caso das pessoas com traumatismo torácico.
A média de dias de internamento mais elevada ficou a cargo do grupo de Politraumatizados com 44,78 e a mais baixa foi do grupo da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) com 6,33.
Implementação do Programa de Reabilitação - Mobilização Precoce
No gráfico 1, observa-se que o início do programa de reabilitação foi efetivado em 56,62% da amostra até ao 3º dia.
O gráfico 2 revela que grupo dos Politraumatizados apesar de não ser o que tem maior número de casos (23), é o que usufrui de maior número de sessões de reabilitação (180), logo seguido da Pneumonia (134).
O número de levantes foi realizado em maior número nas pessoas com Pneumonia (52) e nos Politraumatizados (50).
Quanto aos de Trauma Torácico e DPOC obtiveram menos sessões de reabilitação, mas com um número significativo de levantes.
No que concerne ao procedimento levante, os dados da tabela 2 indicam que foram efetuados 200, correspondendo a 25% das sessões de reabilitação. Sendo a tipologia sentado no leito com pés pendentes o mais representativo com 110 casos, ou seja, 55% dos levantes efetuados.
Segurança do Programa de Reabilitação
A leitura do gráfico 3 mostra que na totalidade das 800 sessões de reabilitação, apenas se identificaram 68 complicações motoras (8,5%), a grande maioria relacionadas com o diagnóstico, sendo a mais frequente a rigidez articular, com 22 registos. Seguida da espasticidade, com 19 situações. Importante salientar a ausência de lesões do pé equino. De igual forma, os Politraumatizados e os Neurocríticos constituíram os diagnósticos com maior número de complicações motoras, perfazendo os dois 73,5%.
Quando se analisam os eventos adversos observados no total das 800 sessões de reabilitação (gráfico 4), denota-se que foram examinados 58 eventos (7,25%). Sendo o aumento da Tensão Arterial (TA) o mais significativo com 29 registos, mais especificamente metade dos eventos, seguido do aumento da FC com 15 registos.
Os efeitos adversos foram mais significativos nas pessoas com o diagnóstico de Pneumonia e Choque Séptico com um total de 30 registos.
Quando se aborda a relação dos eventos adversos com os levantes efetuados (gráfico 5), os grupos Pneumonia e Politraumatizados, emergem com o maior número de levantes (52 e 50) e igualmente com o maior registo de eventos adversos (12 e 20). Os grupos TVM, DPOC e IRespA não apresentam registos de eventos, contudo correspondem também aos diagnósticos com menor número de levantes.
Ganhos de Força Muscular
Perante a avaliação da força muscular inicial de 0, os ganhos foram mais significativos nos grupos com graus de força final grau 2 e 4, com um total de 42 casos, o que corresponde a 61,2% (gráfico 6). A média de ganhos de força muscular periférica foi superior nas pessoas com diagnóstico de TVM, mesmo não tendo sido efetuado nenhum levante (gráfico 7).
DISCUSSÃO
O propósito deste estudo consistiu em demonstrar a relevância da implementação de programas de reabilitação desenvolvidos pelo enfermeiro especialista de reabilitação à pessoa em situação crítica durante o internamento em UCI. Mais concretamente avaliar a sua segurança, se é instituído de forma precoce e por fim, descrever os ganhos (em força muscular periférica e nível de mobilidade).
Objetivo 1 - Segurança do Programa de Reabilitação
No que concerne à avaliação da segurança do programa de reabilitação, os dados demonstraram que é um procedimento seguro, com uma taxa de 7,25% de eventos adversos de fácil resolução e de 8,5% em complicações decorrentes da imobilidade, maioritariamente relacionadas com o diagnóstico. A monitorização durante e após a mobilização é mandatória e recomenda-se a avaliação das variáveis cardiorvasculares e respiratórias, assim como o nível de consciência da pessoa, devendo ser levada em consideração uma avaliação global, dos riscos e benefícios do procedimento. Os estudos apontam para que os eventos adversos sejam transitórios e benignos (Hogson et al., 2014; Nydahl et al., 2017). A cinesioterapia/mobilização precoce numa UCI é segura e viável e pode ser ativa ou passiva consoante o nível de consciência e colaboração da pessoa em situação crítica, da sua estabilidade hemodinâmica, do nível de suporte ventilatório e da resposta da mesmo ao programa.
Hogson et al., 2018 num consenso internacional, após revisão sistemática da literatura, preconizam a uniformização das considerações de segurança na mobilização da pessoa em situação crítica. Este consenso identifica e define recomendações relativas às barreiras e aos processos facilitadores à mobilização precoce. As que são relacionas com a pessoa em situação crítica são agrupadas em quatro categorias:
Respiratória: incluindo a necessidade de via artificial, parâmetros ventilatórios e terapias adjuvantes;
Cardiovascular: incluindo a presença de monitorização invasiva, outros equipamentos, (ECMO), pressão arterial e arritmias;
Neurológica: o nível de consciência, o delirium e a pressão Intracraniana
Outras: considerações ortopédicas, cirúrgicas e médicas.
Objetivo 2 - Implementação Precoce do Programa de Reabilitação
Em relação à implementação precoce do programa de reabilitação, os dados indicam que a mesma é efetuada até as primeiras 72 horas (56,62%). A mobilização precoce (também denominada mobilidade progressiva), descreve um padrão de aumento da atividade com início imediatamente após a estabilidade hemodinâmica e respiratória, o que se consegue mais ao menos às 24 a 48 horas, após a admissão (Hogson et al, 2015, The TEAM Study Investigators).
Embora na literatura não exista consenso quanto à intensidade, frequência e duração das intervenções, a evidencia sugere que programas estruturados e individualizados melhoram o status funcional e o desmame ventilatório. (Ntoumenopoulos, 2015).
De igual forma, um crescente corpo de literatura tem demonstrado que a implementação de um programa de reabilitação na pessoa em situação crítica submetida a ventilação mecânica, é segura e exequível com inúmeros benefícios: em termos funcionais, psicológicos e ventilatórios (favorecendo o desmame ventilatório) (Hogson et al, 2018).
Objetivo 3 Identificar os ganhos resultantes da implementação do programa de reabilitação.
Pela análise dos nossos dados podemos concluir que se verificou um aumento de força muscular periférica em todos os grupos diagnósticos, com uma média de 0,364 correspondente a 2,6 graus de força.
Os nossos dados permitem ainda afirmar que foram efetuados 25% de levantes do total dos programas de reabilitação, com uma maior representatividade do levante no leito com pés pendentes.
Estes dados permitem inferir que a intervenção do enfermeiro de reabilitação traduz ganhos de saúde para a pessoa em situação crítica, dados corroborados com os achados bibliográficos. Balas, et al (2018) referem que a aplicação de um programa de mobilização precoce, combinado com a interrupção diária da sedação e treino de ventilação espontânea, pode ser preditivo da diminuição do período de ventilação mecânica e do delírium do doente crítico e promover a recuperação da força muscular e melhoria do estado funcional após alta da UCI.
CONCLUSÕES
As evidências dos estudos científicos dos últimos 15 anos, contribuíram para uma mudança nas práticas clínicas em UCI, onde inicialmente as pessoas encontravam-se imobilizadas no leito. Atualmente preconiza-se a implementação da mobilização o mais precocemente possível.
Os objetivos do enfermeiro especialista de reabilitação, segundo a aplicação de práticas sistematizadas e estruturadas, centram-se em prevenir as complicações decorrentes da imobilidade no leito, minimizar a perda da mobilidade, maximizar a independência funcional e melhorar a qualidade de vida das pessoas em situação crítica. A mobilização na pessoa em situação crítica proporciona benefícios a diferentes níveis e mostrou ser uma prática segura, precoce, viável e com ganhos em saúde para a pessoa.
Como todos os estudos, o mesmo apresenta limitações, reflete a realidade de apenas uma UCI Portuguesa, tornando a amostra pequena e pouco significativa, não permitindo a generalização dos resultados. Os níveis de evidência que suportam estas recomendações são limitados, sendo necessário no futuro estudos sistemáticos em UCI nacionais para a avaliação destas recomendações.
Em jeito de conclusão os enfermeiros são profissionais de referência, verdadeiros resilientes e agentes de mudança. Mudança futura que passa por derrubar algumas das barreiras à mobilização, tais como: receio que determinadas manobras ditas mais agressivas (levante) aumentem o risco de complicações cardiovasculares e neurológicas; preparação da equipa (dotações seguras); limitações na comunicação interdisciplinar; resistência à mudança de comportamentos; constrangimentos económicos; barreiras físicas e equipamentos suficientes e adequados (Dubb et al., 2016; Hogson et al, 2018).