INTRODUÇÃO
A especialidade de enfermagem de reabilitação é reconhecida internacionalmente, principalmente pela sua trajetória histórica marcada pelas duas grandes guerras mundiais e necessidade de reintegração laboral dos soldados feridos. Essa especialidade apresenta-se disseminada no contexto europeu e norte-americano, entretanto no cenário brasileiro ainda são urgentes as necessidades epidemiológicas e magnitude da temática, visto que há uma incipiência da especialidade, bem como inexistência do reconhecimento da mesma e fragilização da atenção à saúde das pessoas com deficiência no país. Além disso, reflete-se a estrutura fragmentada da rede de saúde, a qual apresenta-se desarticulada e marginalizadora dessa população, acrescendo à escassa literatura sobre enfermagem de reabilitação na nossa realidade1.
O Laboratório de ensino, pesquisa, extensão e tecnologia em Enfermagem, Saúde e Reabilitação, também intitulado (Re)Habiltiar, é um grupo de pesquisa vinculado ao Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, o qual tem por finalidade investigar o fenômeno do cuidado de enfermagem de reabilitação sob a liderança da Professora Doutora Soraia Dornelles Schoeller. O grupo ainda é jovem, porém debruça-se de maneira incansável por preencher lacunas da literatura acerca da temática. Vale ressaltar que este é o primeiro e único grupo de pesquisa a estudar a enfermagem de reabilitação no Brasil, e assim como seu caráter visionário, esse grupo de estudiosos têm a intenção de desenvolver novas práticas, refletir a realidade e transformar o futuro da enfermagem de reabilitação.
Neste sentido, a presente Nota Prévia apresenta à sociedade acadêmica e assistencial de enfermagem uma proposta inédita de uma teoria de enfermagem de reabilitação, considerando conhecimentos internacionais e a realidade brasileira. Para isso, é necessário revisitar conceitos acerca da própria especialidade e permear as teorias de enfermagem já existentes, para que assim sejam reconhecidas as potencialidades e obstáculos a serem investigados. Isto posto, compreende-se a especialidade de enfermagem de reabilitação como uma estratégia transdisciplinar e multiprofissional de assistir todo e qualquer sujeito, independente da sua situação do ciclo vital, voltado ao autocuidado, prevenção de complicações, promoção de autonomia e implementação de intervenções que maximizem as potencialidades, em uma conceção global e integralizadora do indivíduo em sua dimensão física, emocional e social1.
Percebe-se nas argumentações supracitadas que a reabilitação é um processo complexo e necessita de uma abordagem construtiva de conhecimentos, detalhe também valorizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) através da introdução do modelo integrado para abordagem interdisciplinar e prática de reabilitação. Nesse contexto, os modelos conceituais de incapacidade, tanto o individual, o social e o integrado são muito utilizados pela enfermagem de reabilitação no mundo, auxiliados por teorias de autocuidado, de adaptação ou de consecução de objetivos, formando uma base teórica que fundamenta o cuidado de reabilitação. Esse modelo integrado, lançado pela OMS em 2001, é designado Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), e busca integrar os modelos individuais e sociais de incapacidade para todos, independentemente da idade ou condição de saúde2.
A partir de muitos anos de pesquisa sobre a temática, bem como análises de experiências assistenciais nacionais e internacionais, o grupo (Re)Habilitar buscou um referencial teórico e sociológico que sustentasse a identidade filosófica de enfermagem de reabilitação. Para isso, a líder do grupo de pesquisa desenvolveu seu Pós-doutoramento em Portugal e evidenciou que o teórico Axel Honneth abordava conceções sociais, políticas e culturais interessantes para a fundamentação de um novo olhar para a reabilitação. Esse sociólogo contemporâneo desenvolveu a Teoria do Reconhecimento, a qual propõe um modelo de formação da identidade da pessoa originado a partir de relações sociais de cooperação e de respeito, sendo essa luta conflituosa de interação que possibilita a construção de expectativas individuais e autoimagem, o que pode ser um fator interessante para o processo de relação entre enfermeira e a pessoa em reabilitação3.
Ainda sobre a teoria de Axel Honneth, o autor afirma que no processo de reconhecimento existem três níveis para a elaboração bem-sucedida da personalidade intersubjetiva, sendo estes: o amor, o direito e a solidariedade. O amor é caracterizado pelas relações de autoconfiança, na busca de refletir sobre si mesmo a partir do outro, ou ainda, ampliar a consciência de si. O direito pauta-se nas práticas institucionais da justiça e na convivência solidária na comunidade, isto é, influi para alcançar a possibilidade de autorrealização, considerando que as pessoas lutam, simultaneamente, por dignidade e reconhecimento das suas particularidades e respeito. E por último, a solidariedade é vinculada ao senso de reciprocidade e mutualidade vivencial, à medida que está vinculada à estima social que lhes permita referir-se positivamente a suas propriedades e capacidades3.
Logo, o presente estudo apresenta uma Nota Prévia de uma futura Teoria de Enfermagem de Reabilitação, calcada na Teoria do Reconhecimento, na literatura científica e na prática de enfermagem no contexto nacional e internacional, visando a elaboração de um modelo teórico, validação e aplicação da teoria na realidade de reabilitação, em um formato ortodoxo e metodológico, acreditando-se que o cuidado enquanto processo emancipatório é a chave para o Bem-Viver da pessoa singular e diversa. Com isso, os autores buscam responder a seguinte questão de pesquisa: “Como construir e aplicar um modelo teórico de enfermagem de reabilitação enquanto processo emancipatório?”
MÉTODO
O desenvolvimento de uma teoria é tarefa crucial para o conhecimento científico de várias áreas profissionais. Na enfermagem a construção das teorias tem como objetivos principais esclarecer o campo de atuação e definir a enfermagem enquanto profissão do cuidado. Quando há a construção de uma teoria, a mesma é representada graficamente e explicitada em formato de um modelo. O modelo é uma ideia que possibilita a visualização, simbólica e física, podendo ser desenhado matematicamente, como uma equação ou esquema de símbolos e setas. Nesse sentido, os modelos teóricos constituem-se de afirmações gerais dos fenômenos com os quais uma disciplina está envolvida. Uma teoria, por outro lado, é mais específica e, consequentemente, mais intimamente relacionada à realidade4-5.
Com o intuito de sustentar metodologicamente o estudo, as pesquisadoras elaboraram um modelo teórico fundado em uma metodologia de construção de teoria de enfermagem. Tal metodologia nos possibilita vislumbrar os conceitos, definições e hipóteses que formulam o modelo pretendido. Logo necessitamos delinear o que se pretende por teoria, reconhecendo a multiplicidade de experiências encontradas pelos seres humanos, bem como estabelecendo descrições e previsões de propriedades limitadas da realidade4.
Para isso, a estrutura elaborada pelas autoras é composta por três elementos básicos: 1) Conceitos; 2) Afirmações; 3) Teorias. Também, fazem parte do método de construção do modelo três diferentes abordagens: 1) Análise; 2) Síntese; 3) Derivação. Os pilares da construção de uma teoria de enfermagem são estabelecidos através de conceitos entendidos como uma imagem mental do fenômeno. A articulação entre os conceitos expressa as afirmações. Já as teorias são conceitos agrupados de forma consistente como afirmações relacionais que apresentam uma visão sistemática sobre um fenômeno, sendo estruturada para expressar uma nova ideia dentro de um fenômeno de interesse. Acerca das abordagens para a construção da teoria, a análise tem a função de refinar e apontar direções dos conceitos, afirmações e teorias, sendo especialmente útil em áreas onde ainda não se tem grande corpo de literatura cientifica disponível. Já a síntese compreende o caráter interpretativo da coleta de dados, sendo muito utilizada para a construção de uma nova teoria, ao passo que atribui esperança na seleção de fatores ou relações importantes. Por fim, a derivação emprega analogia ou metáfora na transposição dos elementos básicos da teoria, podendo ser aplicada em áreas onde não existe base teórica, à medida que fornece um meio de construir teoria através da mudança da terminologia ou da estrutura de um campo ou contexto para outro5.
Com o objetivo de construir um modelo teórico temos em vista que não existe a necessidade de coleta de dados empíricos, nem de testagem da teoria formal, uma vez que o modelo deve ser testado enquanto teoria posteriormente a sua construção, logo, a escolha inicial para a construção do modelo deve seguir a análise de conceitos, a análise de afirmações, a síntese de conceitos, a síntese de afirmações e a síntese do modelo teórico.
Uma abordagem especial de avaliação e análise de modelos foi escolhida como forma de guiar, sistematizar e organizacionar os conceitos básicos de Pessoa, Ambiente, Saúde, Enfermagem. Essa abordagem possibilita uma análise profunda dos componentes internos e externos do modelo, tal como estabelece questões norteadoras para o delineamento da teoria. As questões elaboradas foram: Quais as definições desses conceitos, e mais que isso, qual é o entendimento desses conceitos básicos do modelo? Quais são as relações entre esses conceitos? E por fim, a ênfase na relação com a pesquisa, educação e prática de enfermagem quando se explica tais conceitos básicas do modelo. Além disso, os parâmetros do guideline escolhido, estabelece a necessidade de experts para validação e testagem da teoria em seu conteúdo interno, externo e aplicabilidade no “mundo real”. Essa aplicação pode utilizar abordagens metodológicas quantitativas ou qualitativas, sendo que ambos têm como objetivo de afirmar a fidelidade, confiabilidade e reprodutibilidade da teoria na prática. Geralmente opta-se por métodos mistos por serem capazes de analisar e descrever um gama maior de questões levantadas pela teoria, sendo que a coleta de dados é usualmente triangulada para maior abrangência de possíveis respostas a serem analisadas4-5.
RESULTADOS ESPERADOS
A construção da Teoria de Enfermagem de Reabilitação enquanto processo emancipatório é inédita e preenche a lacuna de conhecimento, não somente teórico mas também para a prática de reabilitação. A teoria requer estratégias e intenção de transformar a realidade, e para tal é necessário a busca de literaturas clássicas, formalização sistemática e aplicação triangulada, para que os futuros pesquisadores e enfermeiros possam utilizar-se dos dados achados para melhorar os cuidados prestados e assim a vida de pessoas.