SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número2Enfermagem em geral, Enfermagem de Reabilitação em particular e a Sustentabilidade AmbientalA PESSOA SUBMETIDA A ARTROPLASTIA TOTAL DA ANCA POR COXARTROSE índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação

versão impressa ISSN 2184-965Xversão On-line ISSN 2184-3023

RPER vol.4 no.2 Silvalde dez. 2021  Epub 03-Dez-2021

https://doi.org/10.33194/rper.2021.182 

Artigo original reportando investigação clínica ou básica

PROGRAMA DE REABILITAÇÃO PARA A PESSOA COM FRATURA DA EXTREMIDADE SUPERIOR DO FÉMUR: ESTUDO DE CASO

REHABILITATION PROGRAM FOR THE PERSON WITH FRACTURE OF THE UPPER FEMUR END: CASE STUDY

PROGRAMA DE REHABILITACIÓN PARA LA PERSONA CON FRACTURA DEL EXTREMO SUPERIOR DEL FÉMUR: RELATO DE CASO

1Centro Hospitalar Universitário do Algarve

2Instituto Politécnico de Beja Escola Superior de Saúde

3Universidade de Évora


RESUMO

Introdução:

A fratura da extremidade superior do fémur, frequentemente decorrente de quedas em pessoas idosas, pode requer a intervenção cirúrgica e conduzir ao défice da capacidade de autocuidado, com comprometimento do equilíbrio, da marcha e diminuição da capacidade na realização das suas atividades de vida diárias.

Objetivo:

Identificar os contributos dos cuidados de enfermagem de reabilitação para o autocuidado da pessoa com fratura do terço superior do fémur.

Metodologia:

Estudo de caso que respeita as guidelines CAse REport, em que se apresenta o caso de uma pessoa com fratura da extremidade superior do fémur.

Resultados:

Verificaram-se ganhos relativos à prevenção de complicações respiratórias e músculo-esqueléticas, aumento de força muscular, melhoria do equilíbrio, da capacidade funcional para o autocuidado, do conhecimento sobre medidas de segurança e técnicas adaptativas. Manteve-se um risco de queda elevado.

Discussão:

Sugere-se um seguimento mais prolongado para avaliação dos ganhos obtidos a longo prazo e a pesquisa de fatores que possam contribuir para a redução do risco de queda.

Conclusão:

A intervenção do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação na pessoa com fratura da extremidade superior do fémur é fundamental para a restituição da sua autonomia e da capacidade funcional.

DESCRITORES: Enfermagem; Reabilitação; Fratura; Fémur; Autocuidado

ABSTRACT

Introduction:

The fracture of the upper extremity of the femur, often resulting from falls in the elderly, may require surgical intervention and lead to a deficit in the capacity for self-care, with impaired balance, walking and decreased ability to perform their daily life activities.

Objective:

To identify the contributions of rehabilitation nursing care to the self-care of people with fractures of the upper third of the femur.

Methodology:

Case study that respects the CAse REport guidelines, in which the case of a person with a fracture of the upper extremity of the femur is presented.

Results:

There were gains related to the prevention of respiratory and musculoskeletal complications, increased muscle strength, improved balance, functional capacity for self-care, knowledge about safety measures and adaptive techniques. A high risk of falling remained.

Discussion:

It is suggested a more prolonged follow-up to evaluate the gains obtained in the long term and the search for factors that may contribute to the reduction of the risk of falling.

Conclusion:

The intervention of the Specialist Nurse in Rehabilitation Nursing in the person with a fracture of the upper extremity of the femur is fundamental for restoring their autonomy and functional capacity.

DESCRIPTORS: Nursing; Rehabilitation; Fracture; Femur; Self-care

RESUMEN

Introducción:

La fractura de la extremidad superior del fémur, a menudo como resultado de caídas en ancianos, puede requerir intervención quirúrgica y conducir a un déficit en la capacidad de autocuidado, con deterioro del equilibrio, la marcha y disminución de la capacidad para realizar sus actividades de la vida diaria.

Objetivo:

Identificar los aportes de los cuidados de enfermería rehabilitadores al autocuidado de personas con fracturas del tercio superior de fémur.

Metodología:

Estudio de caso que respeta la guía CAse REport, en el que se presenta el caso de una persona con una fractura de la extremidad superior del fémur.

Resultados:

Se obtuvieron ganancias relacionadas con la prevención de complicaciones respiratorias y musculoesqueléticas, aumento de la fuerza muscular, mejora del equilibrio, capacidad funcional para el autocuidado, conocimiento sobre medidas de seguridad y técnicas adaptativas. Quedaba un alto riesgo de caídas.

Discusión:

Se sugiere un seguimiento más prolongado para evaluar las ganancias obtenidas a largo plazo y la búsqueda de factores que puedan contribuir a la reducción del riesgo de caídas.

Conclusión:

La intervención del Enfermero Especialista en Enfermería de Rehabilitación en la persona con fractura de la extremidad superior del fémur es fundamental para restaurar su autonomía y capacidad funcional.

DESCRIPTORES: Enfermería; Rehabilitación; Fractura; Fémur; Autocuidado

INTRODUÇÃO

A esperança média de vida tem vindo a aumentar significativamente a nível mundial, sendo que Portugal integra um grupo de países caracterizado pelo envelhecimento e redução da população jovem1. O envelhecimento caracteriza-se pelo surgimento de diversos declínios que afetam os múltiplos sistemas orgânicos levando à diminuição da capacidade de adaptação e perda de funcionalidade, ou até mesmo à morte2. A fragilidade, caraterística frequente na população idosa, encontra-se correlacionado com a perda de força muscular, fragilidade óssea, diminuição de índice de massa muscular, suscetibilidade ao trauma, capacidade física diminuída e ainda maior risco de infeção, delirium e instabilidade(3, 4).

Decorrente do declínio das capacidades físicas referidas, a queda surge como um acontecimento recorrente, sendo que a Organização Mundial de Saúde refere que aproximadamente 28% a 30% das pessoas com mais de 65 anos apresentam quedas a cada ano, observando-se um aumento destas para 32% a 42% nas pessoas com mais de 70 anos5. A queda surge como uma das principais causas de internamento hospitalar, constituindo um fator significativo de morbilidade e mortalidade, com graves consequências a nível pessoal, familiar, social e financeiro5. Os diagnósticos mais frequentes decorrentes de quedas são fraturas da anca, traumatismos cranianos e lesões dos membros superiores5.

As fraturas da extremidade superior do fémur, nomeadamente fraturas trocantéricas e do colo do fémur, ocorrem mais frequentemente na mulher após menopausa, sendo que no caso da fratura trocantérica se verifica uma predominância da sua ocorrência na sétima década de vida, enquanto a fratura do colo do fémur é mais comum na oitava década de vida6. A fratura trocantérica, clinicamente, manifesta-se por dor, impossibilidade de realizar carga, rotação externa e encurtamento do membro afetado. Embora se possam encontrar na literatura diversos modelos de classificação para este tipo de fraturas, todas estas assumem dois grandes grupos: as fraturas estáveis e as instáveis. Em qualquer uma delas, o tratamento de eleição inclui intervenção cirúrgica7.

A fratura subtrocantérica do fémur ocorre entre o trocânter menor e o terço proximal do fémur, podendo estender-se até à região intertrocantérica. A intervenção cirúrgica de eleição nestas fraturas é a colocação de uma cavilha endomedular8. Em termos mecânicos, os implantes endomedulares apresentam uma maior resistência à força da carga do que os implantes internos colocados na periferia do osso (por exemplos, as placas), pois estas danificam menos a estrutura óssea quando comparado com a colocação de vários parafusos de fixação9. O processo de reabilitação pretende restabelecer a amplitude de movimento da anca, melhorar a força muscular e principalmente restabelecer o padrão de marcha normal que permita a independência da pessoa. Nestas situações prevê-se um tempo de consolidação óssea de 12 a 16 semanas, sendo que o processo de reabilitação ronda as 16 a 20 semanas8.

O tratamento da fratura, muitas vezes associado a longos períodos de imobilidade, acarreta sempre risco de complicações, tais como broncopneumonias, úlceras por pressão, desequilíbrio hidroeletrolítico, infeção urinária, incontinência urinária, trombose venosa profunda, embolia pulmonar, enfraquecimento muscular, osteoporose agravada, confusão mental, entre outras6. Frequentemente, a fratura encontra-se associada a uma limitação física com consequente diminuição da capacidade para a realização das atividades de vida diárias (AVD), menor capacidade para andar e declínio de qualidade de vida10. Torna-se assim essencial a intervenção do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação (EEER), cujas competências específicas visam contribuir para a independência funcional, capacitação para o autocuidado e melhoria da qualidade de vida.

De acordo com Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), por autocuidado entende-se a “Atividade executada pelo próprio: tratar do que é necessário para se manter, manter-se operacional e lidar com as necessidades individuais básicas e íntimas e as atividades de vida diária”11. Orem considera que a enfermagem deve ter por objetivo assistir as pessoas nas suas necessidades de autocuidado, promovendo o retorno da independência na sua realização. Deste modo, as intervenções implementadas pelo enfermeiro podem ser plenamente compensatórias, parcialmente compensatórias e direcionadas para a educação12.

Perante o supracitado, o presente estudo de caso pretende dar resposta à seguinte questão: “A implementação de um programa de reabilitação a uma pessoa com fratura da extremidade superior do fémur, composto por intervenções específicas do EEER, contribui para a autonomia no autocuidado?”. Neste sentido definiu-se como objetivo geral: identificar os contributos do EEER para o autocuidado da pessoa com fratura do terço superior do fémur. Como objetivos específicos pretende-se: identificar alterações da funcionalidade e possíveis complicações decorrentes da fratura do terço superior do fémur; identificar os principais diagnósticos de enfermagem de reabilitação na pessoa com fratura do terço superior do fémur; avaliar os resultados das intervenções do EEER no autocuidado da pessoa com fratura do terço superior do fémur.

METODOLOGIA

O presente estudo de caso foi elaborado de acordo com as guidelines CAse REport13. Desta forma pretende-se estruturar e organizar a sua apresentação, respeitando os itens sugeridos pelas guidelines com as devidas adaptações de acordo com o caso específico a estudar.

A obtenção da informação relativa à pessoa em estudo ocorreu por consulta do seu processo informático, com acesso aos exames complementares de diagnóstico, entrevista estruturada, observação e exame físico. A pessoa foi informada acerca da realização do presente estudo de caso tendo dado autorização para que este prosseguisse. Foi informada acerca da garantia do seu anonimato verificando-se o respeito pelos seus direitos e confidencialidade. Desta forma a pessoa em estudo será identificada como sra. A.

A avaliação da pessoa foi realizada com recurso aos seguintes instrumentos de avaliação: Escala de Braden14, Escala Medical Research Council Muscle Scale (MRC) (15, Escala de Equilíbrio de Berg16, Escala Medida de Independência Funcional (MIF)17 e Escala de Morse18.

A avaliação diagnóstica foi realizada num 1º momento de avaliação, seguindo-se a identificação de diagnósticos de enfermagem com enfoque nos cuidados especializados do EEER e tendo por base a linguagem da CIPE11. O planeamento do programa de reabilitação realizou-se de acordo com o Padrão Documental dos Cuidados de Enfermagem da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação19. Após implementação das intervenções do EEER procedeu-se a uma 2ª avaliação num momento intercalar (primeiro dia de pós-operatório) e uma 3ª avaliação no momento da alta hospitalar.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Anamenese

Mulher de 76 anos de idade, caucasiana e de nacionalidade portuguesa. Apresenta um nível de escolaridade do 5º ano, viúva desde há um ano, pelo que atualmente reside sozinha, num apartamento localizado no primeiro andar sem elevador; na casa de banho tem base de chuveiro adaptado a anteriores défices do esposo falecido. Tem dois filhos do sexo masculino, casados e com filhos, que residem próximos dela. Nunca exerceu nenhuma profissão, identificando-se como doméstica. Foi cuidadora informal do esposo durante 8 anos (parcialmente dependente) e da mãe durante 10 anos (totalmente dependente).

Após falecimento do esposo iniciou toma de Rivotril® (5 gotas de 2 em 2 dias) e Agomelatina® 25mg (meio comprimido de 2 em 2 dias); alterna a toma destes dois medicamentos conforme necessidade depreendida pela própria. Sem outra medicação habitual. Como único antecedente refere uma fratura do cotovelo esquerdo com intervenção cirúrgica há cerca de 20 anos, sendo que ficou como sequelas a nível da força, que se encontra diminuída no membro referido. Sem alergias conhecidas.

A sra. A foi internada no serviço do Ortopedia com diagnóstico de fratura intertrocantérica do fémur à esquerda decorrente de uma queda na via pública. Anteriormente ao episódio de queda, de acordo com a própria, encontrava-se autónoma na realização de todas as atividades de vida básicas e instrumentais. Aquando a sua admissão no serviço de urgência teve indicação de colocação de tração cutânea no membro inferior esquerdo (MIE) de 2 kg, seguindo-se um período de espera de 7 dias até realização da intervenção cirúrgica, durante o qual cumpriu repouso absoluto no leito. Foi submetida a intervenção cirúrgica com indução de anestesia geral, tendo sido realizada colocação de cavilha céfalo-medular do fémur esquerdo que ocorreu sem intercorrências. O período de internamento da sra. A foi de 18 dias. Foram realizadas duas sessões de intervenção do EEER no período pré-operatório e 7 no período pós-operatório.

Avaliação de Enfermagem de Reabilitação

A avaliação de enfermagem de reabilitação foi realizada no período pré-operatório (3º dia de internamento).

Estado de consciência - consciente, com orientação autopsíquica e alopsíquica.

Linguagem - sem alterações.

Visão - défice visual compensado com utilização de óculos.

Audição - ligeira diminuição da acuidade auditiva não sendo necessários cuidados especiais ou compensação da mesma.

Sensibilidade superficial e propriocetiva - sem alterações.

Força muscular global dos segmentos corporais - Escala MRC - Hemicorpo direito: 4+/5. Membro superior esquerdo: 3/5. Membro inferior esquerdo (fraturado): articulações tibiotársica e falanges dos dedos: 4+/5; não foi possível avaliar a força no restante membro por apresentar uma tração cutânea, ainda assim verificou-se a capacidade da realização de contração muscular dos músculos da coxa.

Função respiratória - exame subjetivo e objetivo sem alterações.

Avaliação cognitiva- Escala MMSE: 29/30 pontos.

Capacidade funcional - MIF: 60/126 pontos, grau dependência modificada com assistência até 50% da tarefa.

Risco de desenvolver úlceras por pressão - Escala de Braden: 14 pontos, alto risco de desenvolvimento de úlceras por pressão.

Risco de Queda - Escala de Morse: 45/135 pontos, risco de queda elevado.

Equilíbrio Corporal - (avaliado no 1º dia pós-cirúrgico, dado o período de repouso) Escala de Equilíbrio de Berg: 4/56 pontos, equilíbrio diminuído com elevado risco de queda.

Diagnósticos de enfermagem de reabilitação

Na sequência da avaliação realizada e de acordo com as necessidades individuais, foram identificados diagnósticos de enfermagem, onde a avaliação efetuada pelo EEER adquire especial importância, pois a sua intervenção integra os cuidados decorrentes das competências do enfermeiro generalista e ainda das competências inerentes à sua área de especialização, neste caso a reabilitação. Assim, de acordo com a terminologia CIPE foram identificados os seguintes diagnósticos:

  1. Risco de úlcera de pressão

  2. Ventilação comprometida

  3. Movimento muscular diminuído do membro inferior esquerdo

  4. Potencial para melhorar conhecimento sobre técnicas de exercício muscular e articular

  5. Equilíbrio corporal comprometido

  6. Potencial para melhorar capacidade para usar técnica de adaptação para posicionar-se

  7. Potencial para melhorar capacidade para usar dispositivo auxiliar para transferir-se

  8. Sentar-se comprometido

  9. Potencial para melhorar capacidade para andar com auxiliar de marcha

  10. Potencial para melhorar a capacidade para usar dispositivo auxiliar para autocuidado: higiene

  11. Potencial para melhorar capacidade para usar técnica de adaptação para autocuidado: ir ao sanitário

  12. Potencial para melhorar capacidade para usar técnica de adaptação para autocuidado: vestuário

Planeamento de intervenções

Após identificação dos diagnósticos de enfermagem de reabilitação foram planeadas as intervenções a implementar no decurso do período de internamento hospitalar.

Para a implementação das intervenções selecionadas foi necessário garantir a existência dos seguintes recursos: 3 almofadas, rolo de areia, uma cadeira de rodas com perneiras de elevação, andarilho, canadianas, folheto informativo.

Tabela 1 Cronograma relativo ao período de implementação das intervenções planeadas 

Diagnósticos Nº da Sessão
1 2 3 4 5 6 7 8 9
1
2, 6
3
4
5
7,8,9,10,11,12

Tabela 2 Programa de reabilitação para a pessoa com fratura da extremidade superior do fémur: diagnósticos e intervenções de enfermagem. 

Diagnósticos de Enfermagem Intervenções de Enfermagem
1: Risco de Úlcera de Pressão - Monitorizar risco de úlceras de pressão com recurso à Escala de Braden
- Monitorizar o risco nutricional
- Promover a higienização e hidratação da pele, mantendo-a seca
- Assistir na alteração de decúbito a cada duas horas e sempre que necessário, respeitando os seguintes posicionamentos: decúbito dorsal, decúbito lateral direito e decúbito semi-dorsal direito
- Avaliar a integridade da pele aquando da alteração de posicionamentos
- Providenciar superfícies dinâmicas para redução de pressão nas proeminências ósseas (almofadas e rolos de areia)
2: Ventilação comprometida - Auscultar o tórax
- Executar técnicas respiratórias: dissociação de tempos respiratórios, respiração abdómino-diafragmática, reeducação costal global e tosse dirigida
- Executar técnica de posicionamento: posição de descanso e relaxamento e correção postural
- Incentivar uso de técnicas respiratórias
- Vigiar a ventilação e a respiração
3: Movimento muscular diminuído do membro inferior esquerdo - Monitorizar força muscular com recurso à Escala MRC
- Executar técnica de exercício muscular e articular ativo - assistido das articulações do membro inferior esquerdo, respeitando a amplitude da articulação e a tolerância à dor, com início na porção distal do membro seguindo-se para a região proximal. Executados movimentos de flexão/extensão da tibiotársica; flexão/extensão do joelho; flexão/extensão, abdução/adução (até linha média do corpo) e rotação interna e externa da coxofemoral. Conforme estadio clínico (fase pré ou pós-operatória) e tolerância progredir para mobilizações ativas assistidas e ativas, deste mesmo segmento e respeitando os movimentos citados
- Incentivar a pessoa a executar os exercícios musculares e articulares ativos
4: Potencial para melhorar conhecimento sobre técnicas de exercício muscular e articular - Avaliar o conhecimento acerca da técnica de mobilização muscular e articular
- Ensinar sobre técnicas de exercício muscular e articular
- Providenciar material educativo (folheto informativo) com explicação das técnicas de mobilização muscular e articular
5: Equilíbrio corporal comprometido - Monitorizar equilíbrio corporal através da Escala de Berg
- Avaliar equilíbrio estático sentado, dinâmico sentado, ortostático estático e ortostático dinâmico
- Estimular a manter o equilíbrio corporal através da correção postural
- Executar técnica de treino de equilíbrio: alternância de carga dos membros inferiores, apoio unipodal, contorno de obstáculos e exercícios de coordenação de movimentos
- Orientar na técnica de treino de equilíbrio
6: Potencial para melhorar capacidade para usar técnica de adaptação para posicionar-se - Avaliar capacidade para usar técnica de adaptação para posicionar-se
- Instruir sobre técnica de adaptação para posicionar-se
- Treinar técnica de adaptação para posicionar-se
- Assistir na alteração de decúbito a cada duas horas e sempre que necessário, respeitando os seguintes posicionamentos: decúbito dorsal, decúbito lateral direito e decúbito semi-dorsal direito
- Manter alinhamento do membro inferior esquerdo
7: Potencial para melhorar capacidade para usar dispositivo auxiliar para transferir-se - Avaliar capacidade para usar dispositivo auxiliar para transferir-se (Trapézio e grades da cama)
- Avaliar capacidade para usar técnica de adaptação para transferir-se
- Instruir sobre o uso de dispositivo auxiliar para transferir-se
- Instruir sobre técnica de adaptação para transferir-se respeitando a sequência de ações: iniciar rotação para o lado direito (lado não intervencionado) com almofada entre os membros (para evitar adução do membro inferior esquerdo para além da linha corporal média); mobilizar os membros inferiores para fora da cama e elevar o tronco até à posição de sentada; apoiar os pés no chão; manter o membro inferior intervencionado em extensão e o outro em flexão
- Treinar no uso de dispositivo auxiliar para transferir-se
- Treinar técnica de adaptação para transferir-se
8: Sentar-se comprometido - Avaliar capacidade para usar técnica de adaptação para sentar-se
- Instruir sobre técnica de sentar-se respeitando a sequência de ações: realizar extensão do membro inferior esquerdo, baixar-se lentamente, usando os membros superiores na cadeira como suporte do peso corporal, para levantar executar a técnica da mesma forma
- Treinar técnica de sentar-se
9: Potencial para melhorar capacidade para andar com auxiliar de marcha - Avaliar capacidade para andar com auxiliar de marcha
- Instruir sobre andar com auxiliar de marcha (andarilho): execução de marcha a três pontos com sustentação parcial do peso corporal, cumprindo uma carga parcial do membro intervencionado. Posteriormente progredir para canadianas respeitando o mesmo tipo de marcha
- Treinar andar com auxiliar de marcha
- Treinar manobras de mudança de direção com uso de andarilho, e posteriormente com canadianas
- Instruir sobre condições de segurança no treino de marcha, como controlo de equilíbrio corporal, remoção de obstáculos, uso de calçado confortável e bem-adaptado aos pés
10: Potencial para melhorar a capacidade para usar dispositivo auxiliar para autocuidado: higiene - Avaliar capacidade para usar dispositivo auxiliar para o autocuidado higiene
- Instruir sobre uso de dispositivo auxiliar para o autocuidado higiene: como esponja de cabo comprido, cadeira sanitária, banco para apoio do membro inferior afetado, uso de roupão para secar o corpo após a higiene
- Treinar uso de dispositivo auxiliar para autocuidado higiene
11: Potencial para melhorar capacidade para usar técnica de adaptação para autocuidado: ir ao sanitário - Avaliar capacidade para usar técnica de adaptação para o autocuidado ir ao sanitário
- Instruir sobre técnica de adaptação para autocuidado: ir ao sanitário
- Treinar técnica de adaptação para autocuidado: ir ao sanitário
- Instruir sobre uso de dispositivo auxiliar para autocuidado ir ao sanitário: como as barras de segurança na casa de banho
12: Potencial para melhorar capacidade para usar técnica de adaptação para autocuidado: vestuário - Avaliar capacidade para usar técnica de adaptação para autocuidado: vestuário
- Instruir sobre técnica de adaptação para autocuidado vestuário: vestir-se como início pelo membro afetado e despir-se com início do lado oposto
- Treinar uso de técnica de adaptação para autocuidado vestuário
- Instruir sobre uso de dipositivos auxiliares para autocuidado vestuário: tais como calçadeira de cabo longo e calçador de meias.

RESULTADOS

Durante todo o período de internamento a sra. A. manteve-se vígil, orientada e colaborante na prestação de cuidados. Relativamente à integridade cutânea constata-se que na 1ª avaliação apresentava um alto risco de desenvolver úlceras por pressão, sendo que ao momento da alta este foi reduzido para baixo risco de desenvolver úlceras por pressão. Também se verifica que ao longo do período de internamento a sra. A não desenvolveu nenhuma úlcera por pressão, apesar dos longos períodos de imobilidade relacionados com a fase pré-operatória (com duração de 7 dias e com presença de tração cutânea o que limita a modificação de decúbitos) e pós-operatória imediata.

Tabela 3 Avaliação do Risco de Desenvolver úlceras por pressão através da Escala de Braden. Alto risco de desenvolver úlceras por pressão: pontuação ≤16; Baixo risco de desenvolver úlceras por pressão ≥17. 

Escala de Braden 1ª Av. 2ª Av. 3ª Av.
Perceção Sensorial 3 4 4
Humidade 4 4 4
Atividade 1 3 3
Mobilidade 2 2 4
Nutrição 3 3 3
Fricção e forças de deslizamento 1 2 3
Pontuação 14 18 21

No que diz respeito à implementação das técnicas que visam a melhoria da ventilação pulmonar foi possível constatar que a sra. A demonstrou ter compreendido a informação transmitida através da correta execução da técnica, sendo que, segundo a própria, realizou este procedimento cerca de 4 vezes por dia no período pré-operatório, tendo-se estendido até ao 2º dia de pós-operatório. Como resultado verificou-se que não ocorreu qualquer complicação respiratória durante o período de internamento.

Relativamente à força muscular global dos segmentos não intervencionados constatou-se que a sra. A manteve o nível de força que apresentava no momento da 1ª avaliação, sem que se tenha verificado diminuição significativa desta ao longo do período de mobilidade reduzida. No que concerne à força muscular global do membro inferior esquerdo (intervencionado), constatou-se um aumento progressivo da mesma, sendo que no momento da alta, pelo recurso à Escala MRC, apresentava força 3/5.

Tabela 4 Avaliação da força muscular global através da Escala MRC. Sem contração muscular palpável ou visível: 0; Contração palpável ou visível, mas sem movimento do membro: 1; Movimento sem vencer a gravidade ao longo da quase totalidade da amplitude articular: 2; Movimento que vence a gravidade ao longo da totalidade da amplitude articular, mas não a resistência: 3; Movimento contra resistência moderada ao longo da totalidade da amplitude articular, que vence a gravidade e a resistência: 4; Força normal: 5 

MRC 1ª Av. 2ª Av. 3ª Av.
Membro Inferior Esq. 1 2 3
Membro Inferior Dto. 4+ 4+ 4+
Membro Superior Esq. 3 3 3
Membro Superior Dto. 4+ 4+ 4+

A avaliação do equilíbrio corporal iniciou-se no primeiro dia de pós-operatório, coincidente com o episódio inaugural de saída do leito e assunção da posição ereta. A diminuição do equilíbrio (Escala de Equilíbrio de Berg=4) e o risco elevado de queda encontrados enquadram-se nos contextos de imobilidade no leito durante 8 dias e cirúrgico, mesmo com o controlo de sintomas (e.g. dor). No momento da alta obteve-se uma pontuação de 35, que corresponde a equilíbrio médio com riso de queda médio. Apesar da intervenção cirúrgica ao membro inferior esquerdo, que requer a diminuição de carga sobre este membro, a sra. A conseguiu readquirir parcialmente a sua capacidade de equilíbrio estático e dinâmico na posição de ortostatismo. O seu equilíbrio estático e dinâmico na posição de sentada nunca se encontrou alterado.

Tabela 5 Avaliação do equilíbrio corporal através da Escala de Equilíbrio de Berg. Equilíbrio diminuído com elevado risco de queda: 0-20 pontos; Equilíbrio médio com risco de queda médio: 21-41 pontos; Equilíbrio bom com baixo risco de queda: 41-56 pontos 

Escala de Equilíbrio de Berg 1ª Av. 2ª Av. 3ª Av.
Pontuação 4 18 35

A capacidade funcional da sra. A foi avaliada com recurso à MIF. De uma forma geral verificaram-se ganhos a nível da capacidade funcional, sendo que pelo recurso à escala mencionada, na 1ª avaliação apresentava uma pontuação de 60 (correspondente a dependência modificada com necessidade de assistência até 50% das tarefas) e no momento da alta apresentava uma pontuação de 108 (correspondente a independência completa/modificada). De salientar que ao longo deste período constatou-se a manutenção das seguintes funcionalidades: controlo de esfíncteres, comunicação e consciência do mundo exterior. Os ganhos obtidos verificaram-se essencialmente a nível dos autocuidados (alimentação, higiene pessoal, banho, vestir as metades superior e inferior, utilização de sanita) e da mobilidade (com a realização de transferências, locomoção com auxiliar de marcha e subir/descer escadas com auxiliar de marcha).

Tabela 6 Avaliação da capacidade funcional através da Medida de Independência Funcional (MIF). Dependência total: 18 pontos; Dependência modificada com assistência até 50% da tarefa: 19-60 pontos; Dependência modificada com assistência até 25% da tarefa; 61-103 pontos; Independência completa: 104-126 pontos. 

Medida de Independência Funcional (MIF) 1ª Av. 2ª Av. 3ª Av.
Autocuidado 11 19 35
Controlo de esfíncteres 12 14 14
Transferências 3 9 15
Locomoção 2 3 10
Comunicação 14 14 14
Consciência do mundo exterior 18 18 20
Pontuação 60 77 108

De salientar que a sra. A aparenta potencial físico e capacidades cognitivas preservadas estimando-se por isso a posterior aquisição de total independência na execução dos autocuidados transferência e locomoção, no entanto ainda apresenta défice de equilíbrio decorrente do comprometimento do membro intervencionado. Neste sentido, decorrente da parceria de trabalho existente entre o EEER e a assistente social, a sra. A foi direcionada para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), onde poderá dar continuidade aos cuidados de reabilitação iniciados no período de internamento hospitalar, integrando uma Unidade de Convalescença durante um período previsto de 30 dias. Tal como referido anteriormente, dada a situação clínica, estima-se um período de recuperação de 16 a 20 semanas.

Importa ainda referir que a sra. A já possui no seu domicílio os produtos de apoio recomendados, como forma de lhe proporcionar maior autonomia na realização dos autocuidados, nomeadamente: calçadeira de cabo comprido, esponja de cabo comprido, cadeira no local do duche, banco para apoio de membro inferior intervencionado e canadianas.

Através da monitorização do risco de queda, com recurso à Escala de Morse, verificou-se que na 1ª avaliação apresentava uma pontuação de 45 (elevado risco de queda) sendo que no momento da alta se obteve uma pontuação de 50. O aumento deste risco entre a 1ª e a 2ª avaliação pode justificar-se pelo facto de no momento da 1ª avaliação a sra. A se manter acamada devido à presença de uma tração cutânea. Após realização do levante apresentava um risco de queda de pontuação 80. Dada a necessidade da utilização de auxiliar de marcha (por não poder realizar carga total no membro intervencionado) e manter défice a nível do equilíbrio, o risco de queda mantém-se elevado apesar de ter diminuído deste o momento do primeiro levante.

Tabela 7 Avaliação do risco de queda através da Escala de Morse. Risco de queda baixo: 0-24 pontos; Risco de queda médio:25-44 pontos; Risco de queda elevado: superior a 45 pontos 

Escala de Morse 1ª Av. 2ª Av. 3ª Av.
Historial de quedas 25 25 25
Diagnóstico secundário 0 0 0
Ajuda para caminhar 0 15 15
Terapia endovenosa 20 20 0
Postura no andar e na transferência 0 20 10
Estado mental 0 0 0
Pontuação 45 80 50

DISCUSSÃO

Hoeman define como objetivos para as pessoas portadoras de alterações musculoesqueléticas “adquirir e manter a máxima independência e funcionalidade, conforto e segurança.”12. Ainda segundo a mesma autora, a educação e instrução da pessoa contribui para diminuir a incidência de complicações pós-operatórias, controlar a dor e promover a recuperação com progressos a nível o plano de reabilitação. Em consonância com a autora as intervenções do EEER incluíram instrução e treino adaptado às diferentes fases do processo. Os conhecimentos adquiridos pela utente capacitaram-na para participar nas diferentes atividades e recuperar a funcionalidade.

Tal como anteriormente mencionado, da fratura da extremidade superior do fémur podem ocorrer diversas complicações, imediatas ou tardias. Como forma de prevenir este tipo de complicações, as intervenções do EEER devem ter início ainda no período pré-operatório e devem ser direcionadas para a promoção do conforto com alívio da dor, promoção de uma alimentação e hidratação adequadas, manutenção da perfusão tecidual adequada, reeducação funcional motora (com exercícios isométricos e isotónicos) e reeducação funcional respiratória7,10.

No presente estudo de caso, a abordagem do EEER iniciou-se ainda no período pré-operatório, através da implementação das intervenções planeadas para os diagnósticos 1, 2, 3, 4 e 6, não se verificando nenhuma das complicações anteriormente referidas. Num estudo acerca dos efeitos de um programa de enfermagem de reabilitação à pessoa com fatura proximal do fémur, verificou-se uma melhoria da capacidade funcional através implementação de exercícios de reeducação funcional motora e de exercícios de reeducação funcional respiratória, na medida em que estes permitiram manter a força do membro intervencionado e preveniram a ocorrência de complicações20. O mesmo autor refere que durante o período de imobilização pré- cirurgia constata-se uma perda de força muscular, que posteriormente é recuperada durante o período pós-operatório através da realização do primeiro levante e implementação de exercícios isométricos, isotónicos e de amplitude articular20.

No período pós-operatório imediato preconiza-se a adoção do decúbito dorsal com alinhamento do membro intervencionado em posição neutra, se necessário com uma flexão do joelho de cerca de 20º de forma a promover relaxamento da região operada. Encontra-se contraindicado o decúbito homolateral à cirurgia, sendo que o decúbito contralateral pode ser uma opção, conforme tolerância à dor7. As intervenções relacionadas com o diagnóstico 6 encontram-se de acordo com o que a literatura refere, sendo que não se verificaram complicações pós-operatórias relacionadas com o posicionamento.

O programa de reabilitação no período pós-operatório, que deve ser iniciado precocemente e dar continuidade ao estabelecido no pré-operatório, remete para a reeducação funcional respiratória e reeducação funcional motora com a realização de exercícios isométricos (para fortalecimento da musculatura peri-articular da coxofemoral) e exercícios isotónicos. Deve incluir treino de mobilizações ativas e ativas assistidas de todos os segmentos articulares do membro intervencionado, de acordo com a amplitude articular e tolerância à dor; treino de mobilizações ativas assistidas, livres ou resistidas dos restantes segmentos livres. Estes exercícios visam manter e intensificar o fortalecimento muscular7,10. Neste sentido foram instituídas as intervenções relacionadas com o diagnóstico 3, tendo contribuído para o fortalecimento muscular do membro intervencionado e manutenção da força dos restantes membros, como foi possível constatar pelo recurso da Escala MRC. Também Soares, no estudo que realizou acerca da intervenção do EEER no idoso com défice de mobilidade por fratura do fémur, pela implementação de intervenções similares às descritas neste estudo de caso, constatou um aumento da força muscular22.

A pessoa deve ainda ser instruída acerca da execução de técnicas que promovam o seu autocuidado, nomeadamente na realização de treino de equilíbrio, treino de transferências, sentar-se e levantar-se, uso do sanitário e treino de marcha com correta utilização de auxiliares de marcha, de forma a não realizar carga total sobre o membro intervencionado7,10,12. De acordo com o preconizado foram implementadas as intervenções relacionados com os diagnósticos 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12, sendo que com recurso à Escala MIF se verificaram ganhos relativos à realização dos autocuidados identificados, e consequentemente ganhos relativos à autonomia e independência da pessoa.

Tal como anteriormente referido os ganhos obtidos verificaram-se essencialmente a nível dos autocuidados alimentação, higiene pessoal, banho, vestir-se, transferir-se, andar com auxiliar de marcha. Estes resultados encontram-se de acordo com o estudo desenvolvido por Fernandes que, ao avaliar a funcionalidade do idoso com fratura proximal do fémur após intervenção do EEER, verificou uma melhoria da independência funcional, sendo esta estatisticamente mais significativa nas dimensões da alimentação, higiene corporal, uso do sanitário, deambulação, transferência cadeira/cama e subir escadas21. Os ganhos a nível da funcionalidade através da implementação de intervenções do EEER semelhantes às delineadas para este estudo de caso são igualmente reconhecidos nos estudos desenvolvidos por Pino e Soares20,22).

Os dispositivos de apoio são usados para melhorar a função, atenuando o impacto das limitações funcionais e permitindo que a pessoa seja capaz de realizar as tarefas de forma segura e independente, potencializando-a para o seu autocuidado12. A sra. A foi instruída quanto à possibilidade de recorrer a diversos produtos de apoio, nomeadamente calçadeira de cabo comprido, esponja de cabo comprido, cadeira no local do duche, banco para apoio de membro inferior intervencionado.

Tal como referido anteriormente, a queda no idoso é reconhecida como um acontecimento recorrente que acarreta graves consequências, quer a nível pessoal e familiar, quer a nível social e financeiro5. O estudo desenvolvido por Lurie et al., constatou que a implementação do treino de força muscular, equilíbrio, correção postural e educação para a saúde, contribui não só para a redução do risco que queda e lesões associadas a esta, como também para uma melhoria significativa do equilíbrio e confiança no equilíbrio.23 Por outro lado, a identificação de barreiras arquitetónicas e instrução acerca da gestão do ambiente físico através do melhoramento das acessibilidades e desobstrução do espaço por onde a pessoa circula, também deve constituir uma preocupação do EEER10. Assim, a implementação das intervenções inerentes ao programa de reabilitação, pretenderam contribuir para a diminuição do risco de queda e respetivas complicações, não só através do treino de força e equilíbrio, como também pela adotação de comportamentos e respostas adaptativas perante a presença de barreiras arquitetónicas. Pelo recurso da Escala de Morse verificou-se que a sra. A mantém um elevado risco de queda, embora a pontuação referente a esta escala revele um risco menor do que quando comparado com o momento em que se encontrava no período pós-operatório imediato. Ainda assim é importante ressalvar que apesar de apresentar um risco de queda elevado a sra. A não apresentou nenhum episódio de queda durante este período. Tal fato poderá estar relacionado com as intervenções implementadas, nomeadamente a execução dos exercícios e treinos mencionados e educação para a saúde.

De acordo com um estudo realizado em Portugal, as variáveis que mais influenciaram a reaquisição da funcionalidade do idoso após fratura da extremidade superior do fémur foram a idade (quanto mais elevada a idade menor a capacidade funcional) e o número de sessões de reabilitação, em que quanto maior o número de sessões realizadas melhor os resultados obtidos quanto à funcionalidade da pessoa10. Neste sentido, considera-se que a presença diária de um EEER de forma a proporcionar a realização de um maior número de sessões de reabilitação, teria sido essencial para a maximização dos ganhos obtidos, nomeadamente no que diz respeito à melhoria do equilíbrio e à diminuição do risco de queda.

Assim, mais uma vez se revela o contributo do EEER no que diz respeito ao aumento da autonomia e da qualidade de vida da pessoa. A necessidade de referenciação para a RNCCI, com posterior direcionamento para uma Unidade de Convalescença após a alta hospitalar, reforça a importância e necessidade de cuidados de reabilitação no período pós-cirúrgico.

Pretendendo-se dar continuidade aos cuidados de reabilitação, poderia ter mantido contacto com a sra. A, de forma a incentivar ao cumprimento dos exercícios instruídos e treinados ao longo deste período, o que permitiria perspetivar por melhores resultados decorrentes da manutenção do programa de reabilitação. O recurso a uma escala que permitisse avaliar o medo de cair, como a Falls Efficacy Scale, poderia ter contribuído para compreender o porquê da sra. A manter um risco de queda elevado, e partindo dos fatores precipitantes, poderia adotar intervenções que permitissem superar as dificuldades identificadas, pretendendo-se a obtenção de melhores resultados.

De uma forma geral, é notório que as intervenções do EEER na pessoa com fratura da extremidade superior do fémur se traduzem em múltiplos benefícios, nomeadamente no que concerne à promoção do autocuidado. Os resultados obtidos neste estudo de caso vão ao encontro do que está descrito na literatura e noutros estudos similares realizados a nível nacional.

CONCLUSÃO

Considerando os resultados anteriormente apresentados, conclui-se que a implementação de um programa de reabilitação à pessoa com fratura da extremidade superior do fémur se revela fundamental para a restituição da sua autonomia e da capacidade funcional, na medida em que contribuíram para a ausência de complicações no período pré e pós-cirúrgico e para melhorias a nível de: equilíbrio, força muscular, marcha, capacidade funcional para as atividades de vida diárias, conhecimento de estratégias adaptativas, conhecimento acerca de estratégias de segurança e prevenção de queda.

No momento da admissão, a funcionalidade da pessoa encontrava-se comprometida pela presença de dor e pela limitação funcional do membro fraturado. Deste comprometimento resultou um défice de autocuidado com incapacidade de realização das diversas AVD, défice de força muscular, risco de desenvolver complicações decorrentes da imobilidade (tais como úlceras por pressão, pneumonia, trombose venosa profunda entre outras), e ainda défice de equilíbrio no período pós-operatório. Considerando os défices identificados, os diagnósticos do EEER centram-se na prevenção deste tipo de complicações e potencialização da funcionalidade da pessoa através do treino de AVD e instrução de comportamentos que visassem a sua reinserção social. O presente estudo de caso, tal como outros estudos desenvolvidos a nível nacional, reflete que a intervenção do EEER contribui para a prevenção das complicações mencionadas e para a melhoria da força muscular e equilíbrio, da capacitação para o autocuidado, com consequente melhoria da qualidade de vida e bem-estar da pessoa com fratura do terço superior do fémur.

A sra. A foi questionada acerca da sua opinião no que diz respeito à necessidade e importância da implementação de intervenções por parte do EEER, sendo que esta os referiu como fundamenais e indispensáveis para o seu retorno a uma vida autónoma, o mais precocemente possível. Verifica-se então que a intervenção do EEER junto desta senhora deu resposta às competências do EEER definidas pelas Ordem dos Enfermeiros no Regulamento n.º 392/201924 na medida em que através da implementação de um programa de treino motor e respiratório, com recurso a instrumentos de avaliação para a medição dos ganhos obtidos, contribuiu para a capacitação funcional na realização de AVD´s, promovendo a autonomia, a qualidade de vida e a inserção social e familiar.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Centro Hospitalar Universitário do Algarve.

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

1 Instituto Nacional de Estatística. Estatísticas demográficas. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística. [Online] 2019.: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=71882686&PUBLICACOESmodo=2. [ Links ]

2 Spirduso, W. Dimensões físicas do envelhecimento. Barueri: Editora Manole¸2005. [ Links ]

3 Bicudo, M. Do envelhecimento saudável à longevidade com qualidade contributos dos enfermeiros. [Lopes, M.]. O cuidado de enfermagem à pessoa idosa. Loures: Lusociência; 2013: 39-74. [ Links ]

4 Esquenazi, D., Silva, S., & Guimarães, M. Aspectos fisiopatológicos do envelhecimento humano e quedas em idosos. Revista HUPE, 13(2): 11-20. [Online] 2014. DOI: 10.12957/rhupe.2014.10124. [ Links ]

5 Despacho n.º 1400-A/2015 de 1º de fevereiro. Diário da Républica n.º 28/2015 - Série II. Ministério da Saúde. [Online] 2015. https://dre.pt/application/conteudo/66463212. [ Links ]

6 Serra, L. Critérios fundamentais em fracturas e ortopedia. 2 ed. Lisboa: Lidel; 2001. [ Links ]

7 Chainça, L., Rebelo, O., & Almeida, T. Fracturas do terço superior do fémur. [Cruz, A. & Armenio, C.] Enfermagem em Ortotraumatologia. Coimbra: Formasau; 2009. [ Links ]

8 Hoppenfeld, S. & Murthy, V. Fracturas tratamiento y rehabilitación. Madrid: Marbán Libros, S.L.; 2004. [ Links ]

9 Cunha, E. Enfermagem em ortopedia. Lisboa: Lidel; 2008. [ Links ]

10 Sousa, L. & Carvalho, M. Pessoa com fratura da extremidade superior do fémur. [Marques-Vieira, C. & Sousa, L.]. Cuidados de enfermagem de reabilitação à pessoa ao longo da vida. Loures: Lusodidacta; 2017: 421.431. [ Links ]

11 International Council of Nurses. Navegador da CIPE. [Online] 2019. https://www.icn.ch/what-we-do/projects/ehealth-icnptm/icnp-browser. [ Links ]

12 Hoeman, S. Enfermagem de reabilitação: prevenção, intervenção e resultados esperados. 4 ed. Loures: Lusodidacta; 2011. [ Links ]

13 Riley, D., Barber, M., Kienle, G., Aronson, K., Schoen-Angerer, T., Kiene, P., Gagnier., J. CARE guidelines for case reports; explanation and elaboration document. Journal of Clinical Epidemiology, 89: 218-235. 2017. [ Links ]

14 Direção-Geral da Saúde. Escala de Braden: versão adulto e pediátrica (Braden Q). [Online] 2011a. https://www.dgs.pt/departamento-da-qualidade-na-saude/ficheiros-anexos/orientacao_ulceraspdf-pdf.aspx. [ Links ]

15 Medical Research Coucil. Aids to the examination of the peripheral nervous system. [Online] 1943. https://mrc.ukri.org/documents/pdf/aids-to-the-examination-of-the-peripheral-nervous-system-mrc-memorandum-no-45-superseding-war-memorandum-no-7/ [ Links ]

16 Silva, A., Almeida, G., Cassilhas, R., Cohen, M., Peccin, M., Tufik, S., Mello, M. Equilíbrio, coordenação e agilidade de idosos submetidos à prática de exercícios físicos resistidos. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, 14(2): 88-93. [Online] 2008. https://www.scielo.br/pdf/rbme/v14n2/01.pdf. [ Links ]

17 Direção-Geral da Saúde. Acidente vascular cerebral: prescrição de medicina física e de reabilitação. [Online] 2011. https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0542011-de-27122011-jpg.aspx. [ Links ]

18 Direção-Geral da Saúde. Prevenção e intervenção na queda do adulto em cuidados hospitalares. [Online] 2019. https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0082019-de-09122019-pdf.aspx. [ Links ]

19 Ordem dos Enfermeiros. Padrão Documental dos Cuidados de Enfermagem da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação. [Online] 2015b. https://www.ordemenfermeiros.pt/arquivo/colegios/Documents/2015/MCEER_Assembleia/PadraoDocumental_EER.pdf. [ Links ]

20 Pino, H. Efeitos de um programa de enfermagem de reabilitação à pessoa com fratura proximal do fémur. [Online] 2019. https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/29027/1/RF_helder_pino_versao_difinitiva_Prog_enf_reab_femur_apos_discussao.pdf. [ Links ]

21 Fernandes, A. A intervenção dos enfermeiros de reabilitação nos idosos com fratura proximal do fémur. [Online] 2016. https://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/8776/1/Andrea_Fernandes_MGO_2015-2016_ramogestaodeunidadesdesaude.pdf. [ Links ]

22 Soares, M. A enfermagem de reabilitação no idoso com défice de mobilidade por fratura do fémur. [Online] 2019. https://repositorio.ipbeja.pt/bitstream/20.500.12207/4892/1/RELAT%c3%93RIO_Final_Maria_Soares.pdf. [ Links ]

23 Lurie, J., Zagaria, A., Ellis, L., Pidgeon, D., Gill-Body, K., Burke, C., Armbrust, K., Cass, S., Spratt, K., & MacDonough, C. Surface perturbation training to prevent falls in older adults: a highly pragmatic, randomized controlled trial. Phys Ther, 100(7): 1153-1162. [Online] 2020. http://doi/org/10.1093/ptj/pzaa023. [ Links ]

24 Regulamento n.º 392/2019 de 3 de maio. Diário da República n.º 85/2019- Série II. Ordem dos Enfermeiros. [Online] 2019. https://dre.pt/application/conteudo/122216893. [ Links ]

Financiamento: Este trabalho não recebeu nenhuma contribuição financeira ou bolsa.

Declaração de consentimento informado: O consentimento informado por escrito para publicar este trabalho foi obtido dos participantes.

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisto externamente por pares.

Recebido: 30 de Junho de 2021; Aceito: 01 de Setembro de 2021; Publicado: 13 de Setembro de 2021

Autor correspondente: João Vieira, joao.vieira@ipbeja.pt

Contribuição do(s) autor(es):

Conceptualização: MP, HT, HP, JVV;

Metodologia: MP, HP, JVV; MJB.

Validação: MP, HT, JVV; MJB

Análise formal: MP, HP, JVV;

Investigação: MP, HT, HP, JVV;

Tratamento de dados: MP, HT, HP, JVV;

Preparação do rascunho original: MP, JVV; MJB;

Redação e edição: MP, HT, JVV; MJB;

Revisão: MP, HT, JVV; MJB.

Todos os autores leram e concordaram com a versão publicada do manuscrito.

Conflitos de interesse:

Os autores não declaram nenhum conflito de interesses.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons