INTRODUÇÃO
À medida que a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) progride, a perda de função pulmonar, as alterações das trocas gasosas e descondicionamento muscular periférico limitam a pessoa nas suas atividades de vida na interação familiar, social e profissional com graves repercussões na qualidade de vida. A incapacidade da pessoa em realizar determinada tarefa ou atividade física, com intensidade ou duração normalmente tolerada por uma pessoa sedentária e sem patologia associada, representa em termos clínicos a intolerância à atividade 1,2. Esta intolerância leva à adoção de estilos de vida mais sedentários na tentativa de evitar a dispneia e a fadiga com o esforço, resultando no agravamento do descondicionamento muscular e consequente diminuição da capacidade funcional levando as pessoas a percecionarem uma menor capacidade para realizar as Atividades de Vida Diárias (AVD), atividade profissional e social, com repercussão na sua condição física, emocional e social. Estas alterações desencadeiam quadros de ansiedade e depressão, conduzindo a sentimentos de tristeza, frustração, alterações do sono, dificuldades de concentração, preocupações somáticas e isolamento social. Neste sentido, a participação na sociedade fica limitada, com perda de qualidade de vida 3,4,5,6,7,8.
A Reabilitação Respiratória é uma intervenção global, multidisciplinar, destinada a pessoas com DPOC, com o objetivo de controlar os sintomas, melhorar a qualidade de vida física e emocional, aumentar a participação social nas atividades quotidianas, bem como diminuir os gastos em saúde mediante a estabilização ou regressão das manifestações da doença 4,9.
Os Programas de Reabilitação Respiratória (PRR) com integração de Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação (EEER) visam a capacitação da pessoa para melhor gerir a sua doença crónica. No âmbito da sua atividade intervêm em aspetos relacionados com o foco ventilação e intolerância à atividade no sentido de otimizar e melhorar a gestão da dispneia e promover a autonomia da pessoa com DPOC para as AVD 10,11,12. Estes programas incluem diferentes componentes: o Treino de Exercício, módulo de educação e apoio psicossocial, suporte nutricional e alteração comportamental 13,14,15.
A solidão e a falta de objetivos de vida associados às alterações patológicas da DPOC, levam a uma deterioração progressiva da qualidade de vida da pessoa. A avaliação do impacto cognitivo, emocional, comportamental e físico da doença nas atividades de vida é de extrema importância, quer na avaliação do estado de saúde, quer na conceção de cuidados de Enfermagem de Reabilitação. Sendo a DPOC uma doença crónica e progressiva, é frequente que a pessoa sinta que não controla a sua evolução, sendo comuns os sintomas de ansiedade e depressão, que podem levar a um maior isolamento social e uma redução da atividade física 16. Por sua vez, pode diminuir a motivação para adquirir conhecimentos e capacidades para o autocontrolo da doença e deste modo, poderá ser afetada negativamente a sua qualidade de vida. Estes são aspetos que tem merecido a atenção dos EEER e são trabalhados pelos mesmos durantes os PRR.
Estas foram as premissas que levaram à elaboração da questão de partida: qual o impacto das atividades desenvolvidas pelo EEER na capacidade da pessoa para realizar as AVD nomeadamente no domínio do “lazer”? Formulamos assim a seguinte hipótese de investigação: as pessoas com DPOC que realizaram o PRR apresentaram menos limitações na realização das AVD no que se refere ao seu “lazer”.
O EEER através de intervenções tais como: monitorização/supervisão do treino de exercício, técnicas de Reeducação Funcional Respiratória, controlo ventilatório, gestão de dispneia, capacitação para a gestão e otimização do regime terapêutico e ensino de técnicas de relaxamento para controlo do stress/ansiedade promove a autonomia da pessoa com DPOC nas suas AVD no domínio do “lazer” 4. Visto isto, ter melhor sensação de controlo da sua doença e realizar pequenas atividades de carácter social traduzem melhor qualidade de vida.
A realização deste estudo teve como propósito avaliar o impacto na realização das AVD, no domínio do “lazer”, das pessoas com DPOC submetidas a um PRR. Os objetivos delineados foram: caracterizar as pessoas com DPOC que integraram o PRR e comparar a capacidade dos mesmos para o desempenho nas AVD nomeadamente no domínio do “Lazer”.
METODOLOGIA
Realizou-se um estudo retrospetivo-correlacional de natureza quantitativa, tendo como objetivo avaliar o impacto do PRR nas AVD no domínio do “lazer” nas pessoas com DPOC. No presente trabalho, na avaliação da capacidade da pessoa com DPOC para a realização das AVD recorreu-se à escala London Chest Activity of Daily Living (LCADL) que no domínio do “lazer”, avalia aspetos relacionados com a capacidade da pessoa para caminhar dentro de casa, sair socialmente e falar/conversar.
O presente estudo incluiu pessoas com DPOC que integraram o PRR numa Unidade de Reabilitação de um Centro Hospitalar do Norte do País no período entre janeiro e dezembro de 2018. Utilizou-se o processo de amostragem por conveniência em que foram considerados os seguintes critérios de inclusão: pessoas com diagnóstico de DPOC; pessoas que realizaram a totalidade das sessões que integram o PRR e pessoas com avaliação inicial e final completa.
A recolha dos dados foi autorizada pelo Conselho de Administração e pela Comissão de Ética do Centro Hospitalar onde decorreu o estudo (Autorização nº 288/2019).
Consideraram-se no decorrer deste estudo os procedimentos éticos necessários. Foi garantido o anonimato e a confidencialidade bem como a exclusividade dos dados. Os dados foram recolhidos numa sala reservada, sendo garantida confidencialidade no manuseamento dos processos e só foram retirados os dados estritamente necessários. Neste sentido, foi criada uma base de dados numerada, sem nunca serem identificados os utentes, e a codificação dos dados foi efetuada unicamente pelo investigador e respetivos colaboradores, sendo assegurado o total sigilo.
Na análise estatística descritiva utilizaram-se frequências absolutas (n) e relativas (%); medidas de tendência central: média (M) bem como medidas de dispersão: mínimo (Min), máximo (Max) e desvio padrão (DP). O nível de significância (sig) para o tratamento estatístico foi de 5%. Na análise inferencial foi utilizado o Teste Wilcoxon para amostras emparelhadas.
Por forma a avaliar o nível de limitação das pessoas com DPOC na realização das AVD no domínio do “lazer”, utilizou-se como instrumento a escala LCADL aplicado às referidas pessoas, em dois momentos: antes e após o PRR.
O programa realizado pela amostra do presente estudo (quadro 1) foi constituído por 20 sessões, durante 10 semanas com a duração de 90 minutos cada sessão, sendo realizadas 2 sessões por semana em ambiente hospitalar.
Pela importância que o controlo ventilatório assume, nomeadamente quando se progride para o treino ao esforço, as técnicas de reeducação funcional respiratória revelam-se fundamentais para otimizar o utente na sua gestão de energia e definir estratégias para um melhor desempenho das suas AVD.
Treino | Tipologia/Modalidade | Tempo/Duração/Intensidade |
---|---|---|
Técnicas de RFR | Consciencialização e controlo da respiração Expiração com lábios semicerrados Reeducação diafragmática posterior Abertura costal global Mobilização escapulo-umeral Reeducação costal global com faixa |
15 repetições cada técnica (realizadas na posição de sentado em frente a espelho quadriculado) |
Aquecimento | Exercícios de mobilização global dos membros superiores e membros inferiores sem carga, para ativação global dos grupos musculares e mobilização articular global | 5 minutos |
Exercício aeróbio |
Bicicleta Passadeira Cicloergómetro dos Membros Superiores |
20 minutos 10 minutos Entre 5 a 10 minutos Progressão na intensidade com início a 50% até 80% da carga máxima |
Treino de força muscular** | Treino com halteres livres, bandas elásticas e caneleiras • Bíceps e tríceps braquial • Bíceps femoral, abdutores e gémeos • Dorsais e quadríceps (realizados em máquina dorsais e de quadríceps na posição sentado) |
Carga entre 0,5 e 3 kg * 10 a 15 repetições * 1-3 séries * Duração:15minutos Carga entre 2,5 e 25w* 10 a 20 repetições * |
Alongamentos | Exercícios de alongamento dos principais grupos musculas dos membros superiores e membros inferiores | 5 minutos |
*Carga, número de repetições e séries adaptadas à capacidade funcional de cada pessoa bem como a progressão das mesmas ao longo do programa.
**Durante os exercícios que são executados para o treino de força muscular são trabalhados simultaneamente aspetos relacionados com a flexibilidade e o equilíbrio.
O referido programa é composto por várias componentes: Reeducação Funcional Respiratória, Treino de Exercício e sessões de educação para a saúde. O EEER implementa as sessões educacionais, o programa de treino de exercício e efetua ensino e incentivo ao utente para dar continuidade ao programa no domicílio. Para garantir a efetividade do PRR e a adesão ao mesmo, o EEER define estratégias de adaptação para o domicílio, adequadas a cada pessoa de acordo com as suas características individuais e de acordo com os materiais/ equipamentos que cada pessoa possui em casa.
As sessões educacionais realizadas estão evidenciadas na tabela 1.
Sessões educacionais | Duração/frequência/Metodologia |
---|---|
Fisiopatologia da DPOC; | Cada sessão tem a duração de 45 minutos, de 15 em 15 dias; Expositiva/Participativa. |
Gestão do regime terapêutico; Técnica inalatória; | |
Técnicas da tosse/relaxamento/ controlo ventilatório; | |
Técnicas de gestão de energia; Treino de AVD; | |
Adaptação do exercício para o domicílio; | |
Nutrição. |
RESULTADOS/DISCUSSÃO
No período de janeiro a dezembro de 2018 foram admitidos para tratamento na unidade de reabilitação, 108 pessoas. Destas, 27 não apresentaram diagnóstico de DPOC, 20 não concluíram o PRR (3 por falecimento, 9 por agudização e 8 por motivo desconhecido) e as restantes 15 pessoas não apresentaram dados suficientes na avaliação inicial ou final. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, a amostra ficou constituída por 46 pessoas com diagnóstico de DPOC, que integraram o PRR numa unidade de reabilitação de um Centro Hospitalar do Norte do País.
Variáveis | n | % | |
---|---|---|---|
Género | Masculino | 31 | 67,4% |
Feminino | 15 | 32,6% | |
Grau de escolaridade | Sem habilitações | 1 | 2,2% |
Básico (1º ciclo) | 24 | 52,2% | |
Básico (2º ciclo) | 12 | 26,1% | |
Básico (3º ciclo) | 4 | 8,7% | |
Secundário | 5 | 10,9% | |
Idade do utente [anos] | 40-49 | 3 | 7% |
50-59 | 16 | 35% | |
60-69 | 14 | 30% | |
70-79 | 11 | 24% | |
80-89 | 2 | 4% |
A análise das características sociodemográficas (tabela 2) da amostra permite inferir que a maioria dos participantes com diagnóstico de DPOC é do género masculino (67,39%) e 32,6% do género feminino. A idade dos participantes situa-se entre os 40 e os 89 anos, para uma média de idade de 63 anos (DP=10,5). A maioria dos participantes deste estudo apresentam como nível de escolaridade o ensino básico. Os resultados alcançados corroboram outros estudos, particularmente um estudo que pretendia avaliar a confiabilidade do índice de autoeficácia adaptado para reabilitação pulmonar em utentes com patologia respiratória, o qual integrou 150 pacientes com uma idade média de 67 anos. Dos participantes, 46.7% tinham DPOC e 54% eram do sexo masculino 17. Num outro estudo, que visava avaliar o impacto da doença respiratória crónica nos autocuidados antes e após o PRR, foi considerada uma amostra de 38 participantes, sendo 71,9% do sexo masculino com uma idade média de 67 anos 1. Esta evidência foi também obtida na realização de um estudo que pretendia aferir os efeitos de um programa de reabilitação pulmonar na resposta fisiológica e no desempenho das AVD em pessoas com DPOC. Foram incluídas 31 pessoas, na sua maioria homens (71%), com idade média de 64,2 anos 18.
A idade média dos participantes permite refletir acerca da importância da realização de PRR nesta faixa etária, isto porque são utentes socialmente ativos. É importante o controlo desta doença e investir na capacitação destas pessoas para a gestão da sua doença crónica, aumentando a longevidade e a qualidade de vida. As guidelines têm vindo a reforçar cada vez mais que perante fatores de risco devem ser efetuados diagnósticos precoces, intensificando a relevância da gestão da doença e da atividade física, pelo que é fulcral realizar PRR em faixas etárias mais jovens 19.
No que diz respeito ao nível de escolaridade, no presente estudo 52,2% da amostra, possuía o 1º ciclo do ensino básico, 14 participantes concluíram o 2º ciclo do ensino básico (26,1%) e 4 participantes (8,7%) frequentaram o 3º ciclo do ensino básico. O ensino secundário foi frequentado por 5 participantes (10,9%). Estes achados estão em linha com outro estudo, onde os participantes, maioritariamente (55%), frequentaram o ensino básico 20.
O facto de a maioria dos participantes possuir o ensino básico remete para a necessidade de adequar os conteúdos das sessões de educação ao nível de compreensão e conhecimentos dos participantes.
Por forma a comparar a capacidade para o desempenho das AVD das pessoas com DPOC antes e após o PRR, compararam-se os resultados obtidos através da aplicação do instrumento LCADL em dois momentos distintos, antes e após o PRR (tabela 3).
n | Mínimo | Máximo | Média | DP | Extremos possíveis | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
LCADL | antes | 46 | 6 | 53 | 25,07 | 10,53 | 0-75 |
após | 46 | 9 | 50 | 19,57 | 9,25 | ||
Domínio “lazer” | antes | 46 | 0 | 10 | 4,50 | 2,32 | 0-15 |
após | 46 | 0 | 10 | 3,52 | 2,14 |
Verifica-se que antes da realização do PRR a média do score total do instrumento LCADL é 25,07, sendo que o mínimo é 6 e o máximo 53 (DP=10,53). Após o PRR, a média do score total é de 19,57 tendo como mínimo um score de 9 e como máximo um score de 50 (DP=9,25).
Estes achados revelam uma redução da intolerância na realização das AVD dos participantes, considerando uma diminuição da média dos scores totais de 25,07 para 19,57, antes e após o PRR, respetivamente, sendo que a diferença mínima com significado clínico para a LCADL é de 4 unidades21, e no presente estudo essa diferença é de 5,5 unidades, considera-se que os resultados obtidos tem significado clínico. Os resultados do presente estudo seguem a evidência de outros estudos. Um deles incluiu 3608 pessoas com diagnóstico de DPOC, sendo o valor do score total da LCADL de 29,6 nas pessoas com DPOC grave e muito grave e 21,4 nas pessoas com DPOC moderada 22. Num outro estudo participaram 60 pessoas com DPOC e também foram demonstradas diferenças estatísticas nos diferentes domínios da escala LCADL 11.
Os resultados obtidos remetem para a importância do papel do EEER na capacitação do utente/ cuidador para as AVD, atenuando as limitações que os utentes ostentam, ajudando na gestão das incapacidades subjacentes à doença crónica.
No domínio “lazer” os participantes referem limitação nas AVD, com um score médio de 4,50. Após o PRR o score neste domínio diminuiu, com a média de 3,52.
Observando a tabela 4, comparando os resultados do domínio “lazer” antes e após o PRR, verificam-se através do teste não paramétrico de Wilcoxon para amostras emparelhadas diferenças estatisticamente significativas (Z=-3,395, p=0,001). Verifica-se aumento da autonomia para a realização das AVD no que se refere ao domínio do “lazer”, confirmando a hipótese de investigação inicialmente formulada.
Z | Sig. | |
---|---|---|
Domínio “lazer” após PRR - Domínio “lazer” antes PRR | -3,395 | 0,001 |
LCADL após PRR - LCADL antes PRR | -4,935 | <0,001 |
Estes resultados remetem para a importância da valorização das intervenções do EEER durante o PRR nomeadamente a capacitação da pessoa para a realização das AVD através de estratégias adaptativas que traduzem ganhos na capacidade para a execução das mesmas, promovendo a qualidade de vida. Este facto demonstra a importância de incluir no plano as atividades de lazer que a pessoa poderá continuar a realizar e ajudá-la a encontrar estratégias adaptativas para a sua continuidade, para que isto não resulte de um menor investimento da sua parte ou até mesmo um desinvestimento na sua realização levando a um maior isolamento.
O ERR tem um papel central no desenvolvimento e implementação destas terapêuticas, através da conceção, implementação e gestão das terapêuticas que visem o desenvolvimento na pessoa com DPOC de conhecimentos e capacidades para o autocontrolo da doença, e do seu impacto no quotidiano.
CONCLUSÃO
A finalidade deste estudo consistiu em aferir o impacto do PRR, realizado por EEER nas AVD das pessoas com DPOC nomeadamente no domínio do “lazer” da LCADL. Os resultados do mesmo demonstram ganhos clínicos após a realização do PRR, traduzidos na diminuição das limitações na realização das AVD, por avaliação da escala global.
A realização deste trabalho salienta o papel ativo que o EEER tem nos PRR, contribuindo ao nível da autonomia para as AVD, por um lado, na capacitação para a gestão da doença crónica e definição de estratégias adaptativas para as AVD, e por outro, na implementação dos programas de treino para melhorar a intolerância à atividade, mitigando um conjunto de alterações emocionais, afetivas e educacionais.
Podemos concluir que o PRR que integra este estudo contribui para a diminuição da limitação na realização das AVD, verificando-se melhoria estatisticamente significativa no domínio “lazer” da escala LCADL.
Sugere-se que os PRR tenham continuidade na comunidade onde já existem os PRR com EEER nas Unidades de Cuidados na Comunidade para manter a vigilância e acompanhamento destas pessoas, bem como a realização de estudos que associem a monitorização da tolerância ao exercício.