INTRODUÇÃO
Considerando que milhões de brasileiros com deficiência física e mobilidade reduzida carecem de atendimentos regulares em programas públicos de reabilitação para a reconquista de melhorias na capacidade funcional, a acessibilidade emerge como condição fundamental para tal, pois possibilita direito ao acesso e utilização independente dos espaços, promovendo a inclusão e o exercício da cidadania, sem discriminação. Nesse sentido, um espaço público ou privado acessível deve ser de fácil compreensão, permitindo a pessoa se locomover, comunicar-se, além de usufruir deste espaço com segurança, conforto e autonomia, independentemente de suas restrições1, o que justifica o propósito relevante e pertinente do presente estudo.
A deficiência é entendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o resultado da interação entre uma condição de saúde e fatores pessoais e ambientais. Portanto, dados abrangentes sobre fatores ambientais são essenciais para entender e influenciar a incapacidade 2. Aspetos dificultadores ou facilitadores do ambiente são determinantes para que pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida estimem os impactos em termos de capacidade funcional, quando se deparam com barreiras de acessibilidade no cotidiano das suas vidas, sobretudo no trajeto de casa para os centros de atendimentos em programas de reabilitação física.
Numa pesquisa das normativas brasileiras que definem a acessibilidade, percebe-se que o seu conceito apresenta, na atualidade, indicativos para a remoção de barreiras - obstáculos - que dificultem a participação de pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida nos mais diversos contextos sociais. De acordo com o sublinhado nos princípios da Lei 12.587/20123, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, o planeamento urbano das cidades brasileiras deverá conter um plano de ruas acessíveis que disponha sobre os passeios públicos a serem implantados ou reformados pelo poder público, com vistas a garantir acessibilidade da pessoa com deficiência à todas as ruas e vias existentes. Prioritariamente, nos logradouros que concentrem focos de maior circulação de pedestres, como os órgãos públicos e os locais de prestação de serviços públicos e privados de saúde, reabilitação, assistência social, entre outros, sempre que possível de maneira integrada com os sistemas de transporte coletivo de passageiros.
Assim sendo, a mobilidade urbana é considerada sustentável quando promove o acesso universal das pessoas à cidade e às oportunidades por ela oferecidas4. A falta de planeamento urbano e, por conseguinte, de garantias de acessibilidade para que a pessoa com deficiência física ou mobilidade reduzida se desloque nas regiões metropolitanas no Brasil, onde os serviços e programas de reabilitação estão concentrados, representa uma maior dificuldade para que essas pessoas sejam atendidas com regularidade suficiente que permita ganhos na saúde e na promoção da sua independência nas atividades de vida diária.
Nessa perspetiva, as pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida precisam de força e determinação para superar as suas limitações e incapacidades funcionais para enfrentar barreiras arquitetónicas, instrumentais, comunicacionais, atitudinais, com que se deparam logo ao sair de casa e ao longo do percurso externo que conduzem a sentimentos de exclusão social injustificável do ponto de vista dos direitos constitucionais e humanos.
Assim, a acessibilidade não se restringe apenas à inserção da pessoa com deficiência física ou mobilidade reduzida no sistema de transporte público e nas infraestruturas urbanas uma vez que também compreende a solução de uma série de problemas relativos às condições mínimas de usabilidade, pertencimento, satisfação, segurança e conforto no uso do meio ambiente5.
É importante esclarecer que a presença de acessibilidade no meio urbano é uma exigência legal, cujo objetivo deve ser permitir ganhos de autonomia e de mobilidade a um maior número de pessoas, para que possam usufruir dos espaços urbanos com mais segurança, confiança e comodidade 1.
Cabe enfatizar que um programa de reabilitação eficiente requer dos profissionais integrantes das suas equipas terapêuticas, uma melhor compreensão sobre acessibilidade em seu entorno, considerando as complicações de longo prazo envolvidas no enfrentamento das barreiras. Compreender as barreiras do sistema de saúde aos serviços de reabilitação requer uma coordenação abrangente, que primeiro deve estar familiarizada com todas as pessoas com deficiência, provedores, formuladores de políticas e outros beneficiários6. É necessário que os formuladores de políticas considerem os serviços de reabilitação como parte essencial do planeamento equitativo de saúde para a sociedade7.
O fenómeno da exclusão social pode ser entendido como a falta ou a negação de acesso a recursos, direitos, bens e serviços, e a incapacidade de participar das relações e atividades normais, disponível para a maioria das pessoas em uma sociedade, seja nas esferas da saúde, reabilitação, sociais, educacionais, culturais ou políticas 5. A mobilidade urbana, enquanto direito ou serviço, encaixa-se perfeitamente nesse conceito multidimensional, em especial devido ao seu papel central na determinação do padrão de inserção do indivíduo na sociedade, no caso deste estudo, nos programas de reabilitação física e também como forma de acesso a outros serviços essenciais à sua saúde, educação e qualidade de vida.
Diante desta realidade, foram realizadas buscas nas bases de dados Literatura Científica e Técnica da América Latina e Caribe (LILACS), no Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Pub Med, em 2019, utilizando os descritores português/inglês “ Liberdade de Circulação” “ Right to Freedom of Movement” “Acessibilidade Arquitetónica” “Architectural Accessibility”, “Centros de Reabilitação” “Rehabilitation Centers”, “Pessoas com Deficiência” “Disabled Persons”, “Limitação da Mobilidade” Mobility Limitation”, constatando considerável disponibilidade de originais sobre barreiras nos serviços de saúde, dos quais foram selecionados artigos que melhor correspondessem às inquietações levantadas pelos autores.
Diante das evidências das barreiras arquitetónicas e atitudinais a que ficam expostas as pessoas com deficiência física e mobilidade reduzida na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a pergunta de investigação que se apresenta no presente estudo é: Como é que as esquipas profissionais podem interceder no acolhimento terapêutico das pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida quando enfrentam barreiras de acessibilidade a centros especializados em reabilitação?
OBJETIVO
Compreender a perceção de pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida no enfrentamento de barreiras de acessibilidade para atendimento em centro especializado de reabilitação.
METODOLOGIA
Estudo descritivo-exploratório de abordagem qualitativa, definido como aquele indicado para investigações em que se deseja conhecer um fenómeno, opinião ou perceção8. Extraída de dissertação de mestrado académico, a pesquisa foi conduzida e estruturada em consonância com os Critérios de Consolidação para Relatórios de Pesquisa Qualitativa (COREQ), pertinentes aos domínios 1, 2 e 3, envolvendo a equipa de pesquisa, o desenho do estudo e a análise dos dados, respetivamente.
O cenário foi um Centro Especializado de Reabilitação Física e Intelectual, localizado na cidade do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, considerando as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana3. Entidade de direito privado, considerada de utilidade pública municipal, estadual e federal, reconhecida pela sua ação pioneira nas atividades de Reabilitação Física, no Brasil. Atende pessoas de todos os municípios do estado, com cerca de 1.200 atendimentos por dia, sendo 70% destinados a pessoas com baixos recursos económicos, e inscritas na Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência 7.
Para seleção dos participantes foram adotados os seguintes critérios de inclusão: utilizadores dos programas de reabilitação física da instituição, de ambos os sexos, maiores de 18 anos, regularmente inscritos e atendidos pela equipa multiprofissional, residentes na Região Metropolitana I do Rio de Janeiro. Foram excluídos os participantes que apresentavam comprometimento cognitivo.
A amostra foi composta por 90 utilizadores do programa de reabilitação, justificado pelo imprevisto aceleramento das entrevistas e consequente redução do tempo para responder com detalhes o questionado, devido ao chamado dos participantes para atendimentos subsequentes.
A colheita de dados ocorreu no período de abril e maio de 2019, por meio de entrevista semiestruturada, com aplicação de instrumento elaborado pelos pesquisadores, contendo dados relacionados com o perfil sociodemográfico dos participantes e uma questão aberta sobre o objeto do estudo.
O convite para participar no estudo ocorreu a partir de contacto prévio em abordagem dos utilizadores, considerando posterior disponibilidade das pessoas na sala de espera do ambulatório e da oficina ortopédica da instituição, enquanto os participantes aguardavam para serem atendidos. As entrevistas foram realizadas individualmente, com duração média de 30 minutos, e divididas em duas partes: na primeira, contemplava os dados sociodemográficos: idade, sexo, etiologia, limitação, comorbilidades e frequência de tratamento; a segunda, foi reservada para que respondessem à seguinte questão norteadora: Como é que as pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida percebem as condições de acessibilidade na Região Metropolitana I do Rio de Janeiro, no sentido de conseguirem manter a adesão ao programa de reabilitação física?
As entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas na íntegra e certificadas em dois momentos por dois pesquisadores para garantir a fidedignidade da transcrição, e após armazenadas num banco de dados eletrónico para análise.
A finalização das entrevistas foi baseada no critério da saturação teórica9, verificado durante a fase de análise, quando ocorreu repetição dos dados e a não adição de elementos novos, considerando que os dados obtidos já eram suficientes para atender ao objetivo proposto pela investigação.
A análise dos dados foi realizada com base na técnica de análise de conteúdo, com abordagem temática9, que compreende as fases de pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Procedemos ao levantamento dos indicadores, com a marcação em cada entrevista das unidades de registro temático, para, em seguida, verificar-se o sentido em que tais temas eram mencionados, organizando-os em unidades de significado, devidamente dispostas numa folha de cálculo na qual se analisava o número de unidades de registro em cada entrevista.
As unidades de significado foram registadas numa segunda folha de cálculo, com o número de unidades de registro e a percentagem correspondente. Após a separação inicial das unidades de significado, houve o mapeamento dos conteúdos em relação à dimensão em que foram veiculados, levando-se em conta o referencial de segurança da pesquisa, servindo de base para as inferências em torno do conteúdo manifesto/latente. Em seguida procedemos ao reagrupamento por analogias, possibilitando o estabelecimento das categorias e o levantamento do número de unidades de registro, com o objetivo de demonstrar a sua significância.
Para preservar o anonimato dos participantes, decidiu-se utilizar a abreviatura PART, caracterizando cada entrevistado, sucedida de número cardinal, conforme a ordem das entrevistas (PART1, PART2, PART3, PART.....90).
A análise fez-se a partir da confrontação dos dados com os parâmetros de acessibilidade a edificações, espaços e equipamentos urbanos que norteiam diretrizes da NBR ABNT 9050:202011. Os dados foram organizados, após a transcrição das entrevistas na íntegra, em temas que agrupavam ideias semelhantes em resposta ao objetivo.
Este estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Visando garantir o cumprimento das questões éticas, o estudo foi aprovado considerando-se o disposto na Resolução nº 466/1210 do Conselho Nacional da Saúde, que estabelece normas para a pesquisa envolvendo seres humanos.
RESULTADOS
O processo de análise das informações fez emergir as seguintes categorias: Enfrentamento de barreiras nas calçadas e vias públicas: dificuldades, perigos e desrespeito; Enfrentamento de barreiras de acessibilidade no transporte público: das precárias condições estruturais dos coletivos à omissão do poder público.
Os resultados obtidos foram analisados e as categorias temáticas são apresentadas a seguir:
Faixa Etária | 18-30 anos | 31-43 anos | 44-56 anos | Mais de 57 anos |
---|---|---|---|---|
9 | 5 | 26 | 50 | |
Sexo | Feminino | Masculino | ||
37 | 53 | |||
Estado Civil | Casado | Viúvo | Divorciado | Solteiro |
27 | 17 | 9 | 37 | |
Etiologia | Enfermidade | Violência e Acidentes | Mobilidade Reduzida | Má formação Congénita |
57 | 18 | 13 | 2 | |
Transporte | Autocarro | Carro Particular | Táxi/Uber | Outros* |
23 | 14 | 25 | 28 | |
Periodicidade de Atendimento | 1 a 2 vezes na semana | 2 vezes na semana | ||
71 | 19 | |||
Acompanhante | Sim | Não | Às vezes | |
57 | 23 | 10 |
Fonte: Os autores
Legenda: * outros meios de transporte: metro, ambulância, motocicleta e van prefeitura.
Enfrentamento de barreiras nas calçadas e vias públicas: dificuldades, perigos e desrespeito.
Considerando a importância de identificar como os participantes vivenciam o enfrentamento das barreiras para se locomover nas calçadas e vias públicas da Região Metropolitana I, do Rio de Janeiro, esta categoria analisou as dificuldades, perigos e desrespeito experienciados durante a deslocação para o Centro Especializado de Reabilitação.
As falas a seguir denotam o precário estado de conservação e ausência de meios que promovam a acessibilidade nas ruas e calçadas, evidenciando a complexidade das dificuldades para a mobilidade dos participantes.
Ruas cheias de buracos [...] onde eu moro também a rua é ruim não tem rampa pra descer e subir [...] tudo é ruim, não tem nada de bom aqui, no Rio de Janeiro. Eu tenho que ficar em casa e esperar, é o jeito. (PART3).
Ah, é preciso desobstruir as passagens, ter mais rampa, entendeu? Mais ou menos por aí. (PART10).
A minha maior dificuldade são as calçadas né, que não tem rampas [...] dificulta muito. (PART40).
Calçadas são muito quebradas, há muito buraco, não tem acessibilidade. (PART51).
Muitas dificuldades porque não tem acessibilidade na calçada, muitos buracos [...] não tem acessibilidade nenhuma para gente se locomover na rua sozinha. (PART52).
Ah horrível! Muito ruim mesmo as calçadas com muitos buracos [...] tem que andar pela rua com cadeira de rodas e as pessoas também não respeitam. (PART59).
Houve também depoimentos sobre o tempo de abertura dos semáforos, impróprio para quem tem limitações funcionais, desrespeito dos pedestres e utilização indevida das calçadas por proprietários de veículos.
Os sinais às vezes são muito rápidos, você não consegue atravessar todo. Tem algumas ruas que a calçada é muito alta, então para você descer é difícil. (PART90).
Minha maior dificuldade é o desrespeito, porque as pessoas não respeitam os deficientes. (PART28).
As calçadas são sempre cheias de carros, eles param muito em frente ao acesso de rampas. Eu tenho certa dificuldade, já caí umas três vezes no chão. (PART22)
São muitas barreiras, os carros na calçada e não tem como a gente passar, muitas vezes a gente até cai, é muito difícil. (PART65).
Carros em cima da calçada, aí não dá para gente andar, tem que ir pra rua e corre risco de ser atropelado né. (PART67)
A minha dificuldade é a calçada porque o pessoal fica na calçada, não sai, não dá caminho pra gente, e se bobear joga a gente no chão ainda, é isso. (PART 78)
Enfrentamento de barreiras de acessibilidade no transporte público: das precárias condições estruturais dos coletivos à omissão do poder público
Esta categoria traz relatos dos participantes sobre as dificuldades para a utilização do transporte público, particularmente, os de baixo recurso económico ou que residem em bairros e cidades distantes do Centro de Reabilitação. Destacaram-se relatos de insatisfação sobre a qualidade dos serviços de transporte público e as precárias condições de manutenção dos elevadores e plataformas elevatórias para acessibilidade nos coletivos.
O transporte público está muito ruim, nunca tem aquele instrumento, aparelho que transporta a gente para entrar com cadeira. (PART2)
Me mata ter que me carregarem no colo. Fico muito envergonhado. Ontem o elevador do ônibus não funcionava, aí o motorista desceu me pegou no colo, veio outro e pegou minha cadeira, aí eu viajei. Na descida foi a mesma coisa. Sei que quiseram me ajudar, mas não gostei e não precisava ser assim, caso o elevador tem que funcionar né. (PART3).
É uma dificuldade entrar no transporte público principalmente ônibus, o degrau é muito grande. (PART44).
Episódios desrespeitosos por condutores de transporte público foram narrados por alguns participantes, com impedimento da utilização do serviço e exposição ao risco de acidentes.
O transporte está horrível, os ônibus não param pra gente; não respeita; mesmo que o acompanhante faça o sinal, eles não param no ponto. (PART2)
Os ônibus não param pra gente, e quando param nem esperam a gente sentar arrancam logo. Eu quase caí uma vez, só não caí mesmo porque a moça me segurou. (PART11)
Tem ônibus que não quer levar a gente, a porta tem emblema do cadeirante, mas ele não aceita a gente. (PART61)
O motorista passa por fora, é uma falta de respeito com a gente. (PART64)
Os participantes também enfatizaram a necessidade de fiscalização pelos órgãos públicos competentes para o cumprimento das condições de acessibilidade e melhor qualidade do serviço de transporte.
Eu gostaria de dizer que os ônibus tem que ser fiscalizado, existe um acesso programado, mas não funciona. (PART40)
Eu acho que devia ter uma fiscalização maior, no meio de transporte, nas plataformas né, com, com acesso pra o cadeirante. (PART46)
A medida seria estar fiscalizando com mais frequência e consertando, né. (PART61)
DISCUSSÃO
Os relatos dos participantes deste estudo revelaram que o facto de enfrentarem diariamente barreiras arquitetónicas e atitudinais compromete a sua adesão ao programa de reabilitação, a promoção da independência em ganhos funcionais, devido ao desgaste físico e emocional por eles vivenciados no percurso desde as suas residências para o Centro Especializado de Reabilitação física. O enfrentamento diário de barreiras de acessibilidade, a falta de empatia dos outros, as precárias condições de manutenção nos transportes públicos, contribuem para que as pessoas se sintam desrespeitadas, invisíveis, excluídas no direito fundamental de ir e vir.
Há consenso sobre a necessidade de melhorar a acessibilidade dos dispositivos de assistência para pessoas com deficiência, como afirmado pela OMS, nos últimos anos. Nesse sentido, o Plano de Ação Global para Deficiência, da OMS, descrito para 2014-2020 (WHO, 2014)2, apoia a implementação de medidas destinadas a atender aos direitos das pessoas com deficiência, consagradas na Convenção de Direitos da Pessoa com Deficiência. O plano global está alicerçado em três objetivos: (a) remover barreiras e melhorar o acesso aos serviços e programas de saúde; (b) fortalecer e ampliar a reabilitação, habilitação, tecnologia assistiva, serviços de assistência e suporte e reabilitação baseada na comunidade; e (c) fortalecer a coleta de dados relevantes e internacionalmente comparáveis sobre deficiência e apoiar a pesquisa sobre deficiência e serviços relacionados.
Considerando as necessidades de acessibilidade indistinta das pessoas, o ambiente urbano deve ser ordenado como conjunto da infraestrutura viária, das condições dos meios de transporte, entre outras coisas5. Barreiras ou dificuldades no cumprimento adequado das atividades que fazem parte do dia a dia das pessoas, inclusive, os participantes deste estudo, que relatam se deparar com barreiras que impactam negativamente o direito de acesso aos atendimentos de reabilitação e saúde, considerando que a saúde é o estado mais completo de bem-estar físico, mental e social, de acordo com a OMS, e não apenas a ausência de doença12.
Como identificado nos depoimentos dos participantes deste estudo, caminhar pelas calçadas no percurso para o Centro de Reabilitação, requer muito cuidado e atenção redobrada, para não tropeçar ou até mesmo cair, sendo que elas representam uma constante ameaça à sua integridade física. Dados similares podem-se observar nos resultados dos estudos realizados nos Estados Unidos13 e no México14, reiterando que as dificuldades de acessibilidade vivenciadas pelas pessoas com deficiência existem e persistem em diferentes países, independente de pertencerem aos considerados desenvolvidos ou em desenvolvimento.
Como destacado nos depoimentos dos participantes deste estudo, as barreiras de acessibilidade começam logo ao saírem de casa e as pessoas deparam-se com calçadas repletas de buracos e muitos mais obstáculos que impossibilitam o usufruto de direitos fundamentais, como o de ir e vir. Em absoluta transgressão normativa oficial no escopo da acessibilidade nas vias públicas das cidades brasileiras, elencada na ABNT NBR 9050/202011, segundo a qual as calçadas devem apresentar condições para que sejam rotas acessíveis. Tais especificações, além de garantir a acessibilidade na urbe, são importantes para a melhoria do ambiente como um todo, ou seja, a aplicação dessa norma influencia diretamente o nível de serviço dos espaços para pedestres, particularmente pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida 4-5.
Além disso, as situações abusivas multiplicam-se nas narrativas dos participantes deste estudo, sobretudo quanto ao comportamento intolerante e atitudes discriminatórias dos demais transeuntes e proprietários de veículo. Reações preconceituosas também destacadas em estudos sobre o enfrentamento de barreiras atitudinais da literatura internacional, nos quais identificamos que elas estão relacionadas diretamente aos fatores de riscos de exclusão das pessoas com deficiência 15, persistem e representam importantes indicadores sociais de pobreza dessas pessoas, envolvem a criação de estereótipos, e estigmas16-17.
Essas barreiras são frequentemente percebidas pelas pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, como desconsideração tanto dos gestores públicos brasileiros2,5 quanto dos estrangeiros13-14 para com essas pessoas e frequentemente por elas apresentadas na forma de queixas de que suas necessidades não são compreendidas pelas autoridades, pois são tratados como pessoas excluídas de enquadramento nas prioridades em seus planejamentos de gestão, secundárias, postergáveis, como identificado nas narrativas dos participantes deste estudo.
Entre as dificuldades enfrentadas pelos participantes deste estudo, chamou atenção o curto período de tempo cronometrado pelo sistema de trânsito para que sejam atravessadas as passadeiras, frequentemente insuficiente para quem apresente alguma deficiência física ou mobilidade reduzida, levando-as a acelerar os passos para não serem atropeladas e aumentando o risco de queda. Questão que carece ser analisada a partir da compreensão do contexto ambiental da deficiência, requerendo intervenções comunitárias e políticas públicas eficazes que atenuarão a experiência das limitações e promoverão a acessibilidade em maior escala13,16.
Barreiras e dificuldades de acessibilidade que se agravam na medida que atinge a obstrução das ruas, pelo precário estado das vias públicas, nos meios de transporte e edificações pela falta de equipamentos que funcionem para que pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida se locomovam como necessitam e gostariam, deveras presentes nos relatos dos entrevistados neste estudo. Nesse sentido, um espaço possui acessibilidade ambiental quando oferece condições às pessoas de chegar e entrar, compreender a organização e as relações espaciais que este lugar estabelece, participar das atividades que ali ocorrem, usando os equipamentos disponíveis com segurança, conforto e independência, como enfatizado em estudo realizado nas instituições públicas de ensino superior do Brasil1 e nas vias públicas e locais de prática desportiva em Portugal 18.
Como o enfrentamento de barreiras arquitetónicas se mostrou contundente entre os relatos dos participantes deste estudo, para que vissem garantidos direitos fundamentais de ir e vir, assegurados pela Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Pessoa com Deficiência7, cumpre assinalar que condutas dessa envergadura são passíveis de ações judiciais, para fins de resguardar equidade no âmbito da mobilidade urbana. Nesse aspeto, sublinha-se inafiançável a desobediência ao delineado na referida Convenção, com base em normas que retiram das Prefeituras Municipais o poder-dever de fiscalização sobre o cumprimento das regras de acessibilidade, regras que protelam o cumprimento da acessibilidade ou qualquer outra regra proferida pelos Poderes Legislativos federais, estaduais, distritais e municipais que estejam em confronto com os programas anunciados e aceitos pela Convenção.
Corroborando com depoimentos dos participantes deste estudo, pesquisas nacionais1,4 e internacionais19-20 apontaram a existência persistente de barreiras arquitetónicas que aumentam a vulnerabilidade e exposição aos riscos de quedas de pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida no sistema de transporte urbano, isto é, existiria uma exclusão social em termos de mobilidade, que fica evidente nas diferenças de acesso ao sistema de transporte urbano entre as camadas mais ricas e as mais pobres da sociedade. O que também se mostrou enfático nos relatos dos entrevistados deste estudo.
Os participantes deste estudo também se queixaram do quanto frustrante se torna o facto de ter que planear sair de casa para ir ao Centro Especializado de Reabilitação, transpondo barreiras injustificáveis nos meios de transporte, seja pela duvidosa estrutura do sistema, seja pelo caráter arriscado dos equipamentos disponíveis, tendo de se expor aos riscos diários que comprometem seriamente a sua integridade física, mental e emocional. Fenómenos corroborados pelo estudo realizado nos Camarões e na Índia, em 2017, no qual foram entrevistados 61 adultos com deficiência, e identificadas queixas quanto ao enfrentamento de barreiras de acessibilidade no sistema público de transporte, para poderem estar presentes no horário agendado para o atendimento de saúde e reabilitação19.
Estudo realizado na região metropolitana de Helsínquia demonstrou que os modos de tempo e transporte são componentes essenciais na modelagem da acessibilidade relacionada à saúde das pessoas com deficiência em ambientes urbanos. Negligenciá-los das análises espaciais pode levar a imagens excessivamente simplificadas ou até erradas das realidades da acessibilidade20. Portanto, uma relação bem afinada com os resultados deste estudo, pois existe o risco de que o planejamento e as decisões relacionadas à reabilitação dos seus participantes, com base em medidas simplistas de acessibilidade, possam causar resultados indesejados em termos de desigualdade entre diferentes grupos de pessoas.
Alguns participantes relataram o facto de se sentirem cidadãos invisíveis, inferiores, aos olhos e consciência dos profissionais dos transportes públicos, tanto quanto pelos órgãos da administração pública, que deixaram de exercer o seu papel fiscalizador para o bom funcionamento dos diversos serviços e estruturas para mobilidade urbana na Região Metropolitana I, do Rio de Janeiro. Constrangimentos corroborados com resultados d estudo realizado através da consulta em blogs, sobre a mobilidade urbana para pessoas com deficiência, no Brasil, enfatizando que o processo de implementação da mobilidade urbana sustentável requer a imprescindível participação de todas as pessoas, inclusive daquelas que possuem deficiência.
Ademais, a mobilidade e a capacidade de ir e vir são fundamentais para a identidade das pessoas, suas experiências de vida e oportunidades, principalmente para aquelas cuja mobilidade e padrões de movimento são limitados por circunstâncias sociais ou situacionais mais amplas sobre as quais se tem pouco ou nenhum controle4.
É primordial considerar que no âmbito de acessibilidade arquitetónica destaca-se a necessidade de consciencialização social, ações e políticas públicas voltadas para a edificação de rampas, a construção de trajetos/ruas/calçadas e espaços acessíveis, adequação dos prédios, instalação e ampliação de elevadores, garantias de acessibilidade plena no sistema de transportes, construção de barras de apoio, aquisição de equipamentos adaptados, aquisição e ampliação de plataformas elevatórias, sinalização vertical e horizontal, instalação de sanitários acessíveis, entre outros elementos que visem a inclusão indistinta de todas as pessoas com ou sem deficiência. Requisitos fundamentais para que pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida percebam melhorias nas condições de acessibilidade na Região Metropolitana I do Rio de Janeiro, para poderem manter a regularidade no atendimento e adesão aos programas de reabilitação física
A limitação deste estudo consiste em ter sido realizado apenas com usuários de um centro especializado de reabilitação física da Região Sudeste do Brasil, não permitindo a generalização dos resultados obtidos a partir da análise dos depoimentos recolhidos, sendo necessários estudos em outros centros.
Os resultados deste estudo contribuem para ampliar a compreensão dos profissionais de saúde, particularmente, dos enfermeiros que prestam cuidados nos centros especializados de reabilitação física e nos pontos de atenção da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência, sobre as barreiras de acessibilidade enfrentadas pelos utilizadores da instituição para se apresentarem com pontualidade nas marcações efetuadas para os tratamentos uma vez que eles enfrentam muitas barreiras até lá chegaram. Assim, estaremos a dar prioridade e um sentido inclusivo e humanitário ao programa de reabilitação, agindo com empatia o que irá minimizar a ansiedades dessas pessoas e incentivá-las rumo ao alcance de metas para uma vida com mais independência funcional.
CONCLUSÃO
Os resultados do estudo mostram que a perceção dos utilizadores do programa de reabilitação física sobre o acesso aos centros de atendimento revela enfrentamentos de recorrentes barreiras de acessibilidade, evidenciados nas precárias condições das calçadas, vias e no sistema de transporte urbano, exacerbada pela reação preconceituosa das demais pessoas, além da conduta discriminatória de profissionais insensíveis à diversidade da condição humana.
Entre as categorias de análise, destacaram-se, dificuldades e perigos decorrentes da falta de manutenção das calçadas, o desrespeito dos proprietários de veículos que estacionam em locais impróprios impedindo a circulação das pessoas com dificuldade de locomoção, obrigando-as a deslocarem-se nas estradas. Sem opção, acabam expostas a atropelamento e risco de queda com potenciais ameaças de atraso nas metas do programa de reabilitação física, devido ao comprometimento da estrutura osteomioarticular que atrasa a sua reabilitação, logo a sua inclusão social.
Outra evidência do estudo remonta à perceção da falta de critérios inclusivos em equipamentos de sinalização da malha rodoviária, bem como de manutenção e fiscalização do funcionamento dos instrumentos auxiliares de mobilidade e locomoção. Os semáforos devem ser ajustados de forma a possibilitar que pessoas com deficiência física e mobilidade reduzida, atravessem as passadeiras no seu ritmo, particularmente, nas localidades próximas dos serviços de saúde e reabilitação. Além disso, as autoridades de competência na administração pública não devem omitir responsabilidade que lhes compete na fiscalização dos recursos de acessibilidade da frota do transporte público e ambientes de uso coletivo no sistema rodoviário urbano, afinal, são elementos assegurados por lei.
O cenário deste estudo revela graves lacunas estruturais de mobilidade urbana, considerando que a Região Metropolitana 1 do Rio de Janeiro não oferece condições seguras de deslocamento das pessoas com deficiência física e mobilidade reduzida, tendo em vista que foram observados relatos acerca do enfrentamento de barreiras arquitetónicas e atitudinais no percurso casa/centro especializado de reabilitação, agravado pela crescente desesperança decorrente da falta de perspetivas de resolutividade para garantir equidade no direito de ir e vir.
Com a consolidação da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência das Nações Unidas, sancionada em Decreto-Lei federal com equivalência de emenda constitucional, a acessibilidade passou a ser concebida mecanismo por meio do qual se vão eliminar as desvantagens sociais enfrentadas pelas pessoas com deficiência, pois dela depende a realização dos seus demais direitos, recomendando que os serviços de saúde e reabilitação sejam projetados para reduzir ao máximo as dificuldades e prevenir deficiências adicionais, inclusive entre pessoas com limitações de mobilidade e idosos.
Cabe ressaltar que a criação da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência foi implementada para que as equipas dos Centros Especializados e demais pontos de atenção que a compõem, atuem de forma articulada no planeamento, diagnóstico, intervenções terapêuticas, avaliação, alta e acompanhamento de longo prazo dos seus utilizadores, considerando as especificidades das lesões neurológicas incapacitantes e a plena inclusão social das pessoas que as adquirem. Nesse sentido, o enfermeiro de reabilitação exerce função basilar na equipa de reabilitação física, com intervenções fundamentadas na integralidade do cuidado, que lhe confere oportunidades de interagir com as pessoas em questões que eventualmente possam comprometer o alcance de metas de independência funcional para atividades cotidianas, entre as quais figuram o enfrentamento de barreiras de acessibilidade.
Nesse sentido, cabe aos enfermeiros atuantes nas equipas de reabilitação física, servindo-se do papel de liderança profissional em questões que envolvam os cuidados prestados aos utentes com deficiência ou mobilidade reduzida, a adoção de medidas terapêuticas de Enfermagem para o acolhimento dessas pessoas. Intervenções de cuidado e assistência de Enfermagem de Reabilitação, focadas em medidas de acolhimento, pautadas em suas bases teóricas e diagnósticos específicos para que não sejam comprometidas suas metas nos programas de reabilitação.