INTRODUÇÃO
O acidente vascular Cerebral (AVC) é definido pela Organização Mundial da Saúde como síndrome clínica de desenvolvimento rápido de sinais de distúrbios focais ou globais da função cerebral de origem vascular, com sintomas que perduram por um período superior a 24 horas 1. Os acidentes vasculares cerebrais causaram o maior número de óbitos em 2018 (11 235), representando 9,9% da mortalidade em Portugal. 2 A hemiparesia representa uma das principais sequelas do AVC e resulta comumente em controle ineficaz dos movimentos do membro superior e redução da destreza manual e digital.3) Existem várias técnicas descritas na literatura para recuperação do membro superior, pós AVC, que vão desde as estratégias de reabilitação tradicional, à possibilidade de aumentar o feedback sensorial com o treino de movimentos bilaterais simultâneos ou a utilização do espelho para a visualização do movimento pelo paciente.
Em 1996, Ramachandran publicou um livro aprofundando a fisiologia e caraterísticas referentes ao membro fantasma e membro paralisado. Relatou também a possibilidade de melhoria através da Terapia de Espelho (TE) 4. Esta terapia foi também, descrita por Sathian et al., (2000), através de um relato de caso; Yavuzer et al., (2008) e Grünert-Plüss et al., (2008) publicaram artigos especificamente referentes à TE após AVC, sendo que este último, apresentou resultados positivos em 52 pacientes, citados por Castro et al., (2010) 5.
A TE tem como objetivo a reativação das caraterísticas de plasticidade do cérebro para uma melhor recuperação das funções cerebrais perdidas 6.
A TE sugere que uma rede neural responsável pelo controle de uma mão numa determinada tarefa pode ser utilizada nos movimentos da outra mão, referindo-se, à capacidade de memorização de um procedimento. O treino mental e imaginativo tem o propósito de melhorar a resposta motora 7.
Sendo uma técnica de baixo custo e fácil utilização a TE visa reeducar o cérebro e promover uma ilusão visual e cinestésica fundamentada nos princípios de ativação do sistema dos neurónios espelho, onde o paciente realiza uma sequência de movimentos com o membro são que é refletido pelo espelho e interpretados como se fossem praticados pelo membro comprometido, gerando uma sensação em que ativa ambos os hemisférios cerebrais e aumenta a excitabilidade do membro lesionado 8.
Da mesma forma, Silva, A. e Vieira, K. (2017) 9 ao realizarem uma revisão sistemática sobre a TE e função motora do membro superior de indivíduos com AVC do tipo isquémico, totalizando 214 participantes, demonstraram que esta técnica foi efetiva na recuperação motora quando realizada de forma isolada ou associada a intervenção convencional em indivíduos com AVC nas fases aguda, subaguda e crónica.
Tendo em vista os benefícios da TE evidenciados pela literatura no ganho funcional do membro superior com hemiparesia, pós AVC, o presente estudo visa identificar os ganhos obtidos após a intervenção do enfermeiro de reabilitação através de um protocolo de TE no membro superior parético de paciente acometido por AVC.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo com desenho experimental de caso único, tipo estudo de caso como método de pesquisa, que permite ao investigador estudar fenómenos individuais ou de grupo, em contexto real. Foi aprovado pela Comissão de Ética da Saúde, do Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro - Rovisco Pais (CMRRC-RP), e foi realizado no Serviço Unidade de Cuidados Continuados de Convalescença A - Rovisco Pais.
O participante assinou o termo de consentimento livre esclarecido e os investigadores cumpriram com os princípios éticos e legais decorrentes da investigação, respeitando todos os aspetos éticos, procurando-se cumprir as indicações expressas na declaração de Helsínquia.
O estudo descreve o caso de um indivíduo, o “Sr. A”, do sexo masculino, 78 anos, hemiparesia à esquerda, devido a AVC isquémico, com boa capacidade cognitiva. O protocolo de intervenção de TE incluiu 15 sessões, com duração de 30 minutos, sob orientação de Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação. Durante as sessões o doente encontrava-se sentado, numa posição adequada e confortável, com uma mesa à sua frente onde estava o espelho apoiado numa moldura de madeira conferindo-lhe, assim, estabilidade ao longo de todo o procedimento. As tarefas gerais corresponderam a exercícios com graus progressivos de dificuldade a nível dos movimentos sendo o feedback visual, dos mesmos, fornecido pelo espelho ao doente percecionando-os como se os estivesse a executar com o seu membro superior afetado.
Durante a sessão, o “Sr. A” foi inicialmente instruído, a observar o reflexo no espelho, um a dois minutos, tentando visualizar a imagem no espelho como o membro afetado. O Enfermeiro Especialista em Reabilitação em alguns momentos utilizou também a estimulação sincrónica bilateral (por exemplo, tátil) para facilitar ainda mais a ilusão do espelho. Os exercícios de reabilitação iniciaram-se quando o utente indicou que perceciona a imagem no espelho, como membro afetado, sendo estes executados lentamente e com foco, para o sucesso da reabilitação.
Os exercícios foram adaptados ao nível do desempenho individual do paciente, promovendo-se o maior número de repetições possível (pelo menos 15 repetições por exercício), e prosseguindo na variação dos exercícios atendendo à amplitude do movimento, direção e posição inicial.
O protocolo de intervenção da TE englobou 4 etapas.
Etapas | Intervenções |
---|---|
Etapa I - exercício de visualização e exercício motor básico, disponível para realização pelo membro afetado. | • Incentivar visualização de todo o membro são no espelho e perceção da imagem do membro afetado; • Exercícios simples de flexão, e extensão dos dedos, punho e cotovelo, com amplitudes de movimento que possam ser alcançadas, pelo lado afetado, aumentando lentamente a amplitude e a complexidade dos movimentos (“shaping”); |
Etapa II - Exercício motor ou tarefa (passivo, ativo ou guiado) | • Movimentos unilaterais do membro superior não afetado com e sem objeto; • Movimentos bilaterais sem objetos em ambos os membros superiores (imaginando com os objetos); • Movimentos bilaterais com um objeto apenas no membro superior não afetado; • Movimentos bilaterais, do membro superior afetado com orientação do Enfermeiro de Reabilitação (com e sem objetos) • Orientação de ambos os membros pelo Enfermeiro de Reabilitação. |
Etapa III - Exercícios/ tarefas funcionais | • Exercícios de tarefas funcionais com diferentes objetos (ex: chávena, toalha, argolas, bolas, pino de madeira etc.) |
Etapa IV - Treinar exercícios sem espelho/ encerramento da sessão | • Preparar o doente para visualizar o membro afetado quando o espelho é removido; • Incentivar a repetição de alguns exercícios realizados sem o espelho. |
A colheita de dados foi realizada através da anamnese, do Questionário Mini Mental State Examination (MMSE) e das Escalas Motor Activity Log (MAL); Disabilities of the Arrm, Shouder and Hand (DASH) e Escala de Movimento da Mão (MM). Estes últimos três instrumentos foram aplicados no início e final do estudo com o objetivo de aferir o sentido da evolução do participante no estudo ao longo da implementação do protocolo de intervenção da TE, que decorreu durante o mês de junho de 2021.
RESULTADOS
A tabela 1 demonstra os dados clínicos do paciente avaliado. O “Sr. A” tinha 78 anos de idade, do sexo masculino, caucasiano, de nacionalidade portuguesa. É solteiro e vivia sozinho em habitação arrendada, com barreiras arquitetónicas, era previamente autónomo nas (AVD). Tem o 4º ano de escolaridade e encontra-se reformado. A anamnese inclui referência a hipertensão arterial; estenose dos grandes vasos intracranianos; bradicardia por doença do nódulo sinusal (submetido a implante de pacemaker a 13/03/2019) e obesidade. Sofreu AVC isquémico a 17/04/2021 tendo sido admitido no serviço a 7/05/2021, aquando da admissão apresentava dificuldade em movimentos do membro superior esquerdo. Barré dos membros superiores, com pronação mantida à esquerda, com discreta queda que corrige de imediato e força muscular à esquerda, grau 4 com sensibilidade diminuída.
Idade | HA | S | TIL | TL (meses) | MMSE | MAL | DASH | EMM | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
EV | ES | ||||||||||||
AI | AF | AI | AF | AI | AF | AI | AF | ||||||
78 | E | M | AVCI | 2 | 30 | 1,23 | 2,86 | 1,6 | 2,86 | 76,66 | 70 | 4 | 6 |
Legenda: HA - hemicorpo acometido; E - Esquerdo; S - Sexo; M - Masculino; TIL - Tipo de lesão; TL - Tempo de lesão; MMSE - Escala Mini Mental State Examination; MAL - Escala Motor Activity Log; EV - Escala de valor; ES - Escala de Sucesso; DASH - Disabilities of the Arrm, Shouder and Hand; EMM - Escala de movimento da mão; AI - Avaliação inicial; AF - Avaliação final
Na aplicação do questionário Mini Mental State Examination o doente obteve no item “orientação” = 9 valores; “retenção” = 1 valores; “atenção e cálculo” = 6 valores; “evocação” = 3 valores; “linguagem” = a) 1 valor, b) 1 valor, c) 1 valor, d) 3 valor, e) 2 valor, f) 1 valor e g) 2 valor; totalizando 30 valores.
Na (MAL) foram obtidos na avaliação inicial, um score de 1,23 na escala de valores e 1,6 na escala de sucesso para pontuações totais de 5 valores. Na avaliação da MAL após intervenção, verificou-se uma melhoria a nível das pontuações globais, obtendo-se um score de 2,86, tanto na escala de valores como na escala de sucesso. Estes resultados evidenciam evolução estatística tanto na quantidade quanto na qualidade do movimento.
Denota-se que as tarefas onde as dificuldades foram acrescidas exigiam maior destreza manual e motricidade mais fina, assim como, mobilidade por parte do doente, nomeadamente nos itens 6, 17, 18 e 19 da escala, agravados pelo facto deste se encontrar sentado em cadeira.
O item “abotoar uma camisa” foi o mais difícil de executar nas escalas quantitativas e qualitativas. Enquanto que os itens “atender o telefone”, “usar um garfo ou uma faca para comer” e “pentear o cabelo” acresceram às listas das facilidades nas escalas quantitativas e qualitativas.
No que diz respeito à (DASH) o score apurado na avaliação inicial foi de 76,6 valores. Dos 21 itens que medem a capacidade do doente para desempenhar as atividades 14 foram assinaladas com o valor máximo de 5, ou seja, incapaz. Aquando da aplicação do segundo questionário da DASH observou-se uma melhoria no score apurado. O grau de incapacidade diminuiu para 70,0 valores. Especificando, houve uma diminuição de 6 itens do nível 5 (incapaz) e o surgimento de tês itens de nível 2 (pouca dificuldade). Do item 24 a 30 as respostas mantiveram-se inalteradas em relação ao primeiro questionário.
Na escala de Movimento da mão ocorreu uma evolução de grau 4 para 6 do início ao final do estudo.
DISCUSSÃO
Com o presente estudo conclui-se que a TE é uma modalidade terapêutica direcionada para a recuperação funcional do membro superior parético pós AVC. Foram observados ganhos na independência, habilidade motora e amplitude de movimentos do membro superior parético pós AVC.
Com base nos resultados gerais do estudo, o individuo com membro superior parético pós AVC pode beneficiar da TE para complementar os tratamentos neurorreabilitativos, potenciando o ambiente de reabilitação.
Torna-se interessante a realização de pesquisas futuras com maior casuística para melhor comprovação dos resultados.
CONCLUSÃO
Com o presente estudo conclui-se que a TE é uma modalidade terapêutica direcionada para a recuperação funcional do membro superior parético pós AVC. Foram observados ganhos na independência, habilidade motora e amplitude de movimentos do membro superior parético pós AVC.
Com base nos resultados gerais do estudo, o individuo com membro superior parético pós AVC pode beneficiar da TE para complementar os tratamentos neurorreabilitativos, potenciando o ambiente de reabilitação.
Torna-se interessante a realização de pesquisas futuras com maior casuística para melhor comprovação dos resultados.