INTRODUÇÃO
O atual contexto de prestação de cuidados de saúde ampliou o reconhecimento da necessidade do trabalho em equipa, para aumentar a eficiência e eficácia da assistência. Este é um instrumento indispensável de atuação dos profissionais de saúde, particularmente na área da enfermagem1, embora raramente seja considerado na literatura.
Portugal enfrenta um aumento da população idosa e, simultaneamente, do número de dependentes de cuidados de enfermagem. Estima-se que, em 2030, 26,0% da população será composta por idosos e, em 2060, cresça para 29,0%. Verifica-se um declínio da população jovem (0-14 anos) e em idade ativa (15-64 anos) e um aumento da população idosa (65 e mais anos), acentuando-se o processo de duplo envelhecimento. Em 2080, a esperança média de vida chegará aos 87,4 anos para homens e 92,1 para mulheres2. Estamos perante previsões que nos obrigam a envolver as pessoas idosas no seu autocuidado para que o realizem o maior tempo possível.
O sistema de saúde é muito afetado pelo envelhecimento da população e pela complexidade dos cuidados associados às doenças crónicas3, exigindo que os profissionais de saúde trabalhem em estreita colaboração. O problema surge porque, apesar do reconhecimento de que as práticas em equipa melhoram a atenção à saúde dos Idosos, não há consenso sobre o modo como otimizar a interação entre os profissionais. Os problemas de saúde dos Idosos são geridos sem interligação ou coordenação entre os vários profissionais, culminando em cuidados de saúde desajustados, custos desnecessários e consideráveis4. Atendendo às necessidades multidimensionais desta população, é improvável que requeiram cuidados de apenas um profissional de saúde.
O Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas (PNSPI), estabelecido em Portugal desde 2006, como parte operacional de políticas públicas, enfatiza a autonomia, independência, qualidade de vida e recuperação global, exigindo uma ação integrada e de trabalho em equipa (5, contudo, parece sofrer descontinuidades ou falhas na sua realização, ao longo do tempo, e em diferentes contextos regionais. Estudos recentes evidenciam uma assistência à saúde dos Idosos pautada por práticas profissionais individualizadas, com ênfase no modelo biomédico6,7. Este, por sua vez, pode concorrer para uma prática de cuidados segmentada8, que em nada contribui para a promoção da saúde e do envelhecimento ativo e saudável, aspetos tão determinantes para o bem-estar e qualidade de vida desta população.
A literatura internacional expressa a necessidade de mudar das equipas multiprofissionais para as interprofissionais9, perspetiva que tem como pressuposto a superação da fragmentação do trabalho e da individualização biomédica9,10. Estas devem ser compostas por profissionais de diversas áreas, com formações académicas diferentes, a trabalhar em prol de um único objetivo. Por sua vez, a interação e a comunicação entre os seus membros são considerados atributos centrais para o trabalho em equipa interprofissional9, permitindo melhorar o acesso aos cuidados e a qualidade da assistência à saúde11.
Promover o envelhecimento saudável surge, neste contexto, como paradigma de intervenção que pode contrariar os modelos em uso, ainda que exija uma transformação dos sistemas de saúde centrada nas atuais necessidades dos idosos4. Vislumbra-se mais uma oportunidade de cuidado para a enfermagem, uma vez que os enfermeiros têm um papel basilar no seio das equipas de saúde, privilegiam a promoção e a prevenção em detrimento do assistencialismo curativo desvinculado da realidade social. É competência do enfermeiro promover a saúde do idoso, identificando o processo saúde-doença, considerando o contexto familiar e social; e compartilhar responsabilidades com a equipa de saúde e familiares para contribuição do desenvolvimento e alcance de níveis ótimos de saúde e de reabilitação.
Por sua vez, o enfermeiro de reabilitação integrado nestas equipas, em contexto comunitário e/ou hospitalar, detém competências especializadas para uma abordagem multi e interdisciplinar da pessoa cuidada, assumindo-se como um perito em cuidados diferenciados, exercendo funções autónomas e em parceria. As competências permitem cuidar de pessoas com necessidades especiais ao longo do ciclo de vida, em todos os contextos da prática de cuidados, capacitar a pessoa com deficiência, limitação da atividade e/ou restrição da participação para a reinserção e exercício da cidadania e maximizar a funcionalidade, desenvolvendo as capacidades da pessoa12. Neste sentido, destaca-se, na implementação de programas de reabilitação que visam um diagnóstico precoce, a manutenção da independência funcional, prevenção de complicações e incapacidades e promoção da saúde, contribuindo para a reinserção12.
Perante a representatividade da assistência de enfermagem junto da população idosa, colocamos a seguinte questão de investigação: Qual a diferença da intervenção dos enfermeiros de reabilitação em relação aos enfermeiros de cuidados gerais, no trabalho em equipa desenvolvido na assistência aos idosos?
Sendo que, aos enfermeiros especialistas de reabilitação, cabem competências especificas nem sempre visíveis nos processos de cuidados, mas que devem estar ancoradas no trabalho multidisciplinar, contribuindo para o envelhecimento ativo, a presente pesquisa justifica-se pela necessidade de melhoria da promoção do envelhecimento ativo e saudável com recurso ao trabalho de equipa entre enfermeiros.
Definiu-se como objetivos deste estudo: analisar o trabalho em equipa desenvolvido pelos enfermeiros de cuidados gerais e pelos enfermeiros de reabilitação, no cuidado a pessoas idosas; analisar a diferença entre a prática profissional dos enfermeiros de cuidados gerais e dos enfermeiros de reabilitação no trabalho em equipa, no cuidado a pessoas idosas.
METODOLOGIA
Investigação de abordagem quantitativa, do tipo exploratório e descritivo. Estudo norteado pela ferramenta STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology). Obteve parecer favorável da Comissão de Ética para a Saúde da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. (Parecer n. º154/2017), das instituições de saúde hospitalares e dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) envolvidos.
A população do estudo foi constituída por alguns critérios de inclusão: enfermeiros e enfermeiros especialistas em reabilitação que exerciam a sua atividade laboral nos ACeS e nos serviços de medicina, cirurgia, ortopedia e outros de internamento hospitalar da região norte de Portugal, onde os idosos são atendidos. Foram excluídos do estudo enfermeiros não especialistas em reabilitação e enfermeiros que exerciam funções em hospitais oncológicos e psiquiátricos, áreas com exigências distintas que requerem intervenções específicas. A amostra é não probabilística e foi constituída por 192 enfermeiros: 27 (14,1%) enfermeiros especialistas em reabilitação e 165 (85,9%) enfermeiros de cuidados gerais.
O instrumento de colheita de dados usado foi o questionário de avaliação assistencial interdisciplinar em saúde da população Idosa, de autopreenchimento, construído pelos autores, constituído por duas partes. A primeira refere-se à caracterização sociodemográfica e profissional do respondente e, na segunda parte, foram introduzidas questões para estudo das práticas assistenciais dos enfermeiros com idosos. A opção por estas questões está relacionada com as categorias obtidas em estudo prévio qualitativo6 e com a revisão de literatura efetuada. A colheita de dados decorreu entre maio de 2018 e março de 2019. O questionário foi enviado impresso ou por email com referência ao link de acesso em suporte eletrónico, no aplicativo Google Docs.
Para a operacionalização da variável “caraterização sociodemográfica e profissional”, os enfermeiros responderam aos seguintes itens: sexo, idade, escolaridade, categoria profissional, tempo de serviço, formação profissional, experiência profissional e formação contínua em gerontologia e local de trabalho. Relativamente às práticas dos enfermeiros, foram avaliadas: “informações partilhadas em equipa” sobre cuidados prestados aos Idosos, com base numa escala Likert nas posições: nunca, raramente, às vezes, quase sempre e sempre, contendo as dimensões: necessidade de visitação domiciliária, alteração da situação de doença, alteração da situação de dependência, pedido de colaboração para continuidade assistencial, medicação, adesão ao regime terapêutico e condições sociais; “estratégias utilizadas para partilhar informações”, quantificada a partir de uma escala dicotómica: sim, não; contendo as dimensões: contacto direto, por email, por escrito (papel), por telefone, SClínico e reuniões de equipa.
A resposta sobre a “Interdependência de Tarefas”13 existente entre os enfermeiros da equipa de trabalho era quantificada através de uma escala Likert de concordância, que variou de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente), opções de resposta para cada um dos cinco itens. Valores elevados indicam elevado grau de dependência na realização de tarefas, enquanto valores baixos evidenciam pouca dependência. Consideramos valores elevados os que resultam das opções 4 e 5 (concordo parcialmente ou totalmente) e valores baixos os que se obtêm das opções 1 e 2 (discordo totalmente ou parcialmente).
Procedeu-se ao tratamento e análise descritiva dos dados com recurso a frequências absolutas e relativas para variáveis qualitativas, e a média e desvio padrão para variáveis quantitativas. A análise dos itens que constituem o questionário por categoria profissional foi efetuada com recurso às frequências absolutas e relativas. Para avaliar a associação entre a categoria profissional e as respostas a cada item do questionário, foi utilizado o teste de Qui-Quadrado, quando os pressupostos do mesmo eram verificados (menos de 20% das células com valor esperado inferior a 5) ou o teste de Fisher. Para todas as análises foi considerado o nível de significância 0,05. A análise estatística foi efetuada com recurso ao software IBM-SPSS versão 26.0.
RESULTADOS
Os participantes são maioritariamente do sexo feminino (88,0%). A idade média global é de 42,7 anos (dp=8.0 anos), sendo que os enfermeiros de cuidados gerais têm uma idade média de 42,5 anos (dp=8.1 anos) e os enfermeiros de reabilitação de 44,1 anos (dp=7.5 anos).
O tempo de serviço médio global é de 19.4 anos (dp=8.4 anos), 19.2 anos (dp=8.7 anos) no que concerne aos enfermeiros de cuidados gerais e 20.9 anos (dp=6.8 anos), no caso dos enfermeiros de reabilitação. A maioria possui licenciatura (79,2%); 70% possuem experiência profissional com idosos. Em relação à formação contínua, 84,7% não a possuem. Relativamente ao local de exercício profissional, trabalham nos AceS (76,0%) e no hospital (24,0%), conforme tabela 1.
Dados sociodemográficos e profissionais | Total | Enfermeiros cuidados gerais | Enfermeiros especialistas em reabilitação |
---|---|---|---|
n (%) | n (%) | n (%) | |
Sexo | |||
Feminino | 169 (88.0) | 149 (90.3) | 20 (74.1) |
Masculino | 23 (12.0) | 16 (9.7) | 7 (25.9) |
Escolaridade | |||
Bacharelato | 3 (1.6) | 3 (1.8) | 0 (0.0) |
Licenciatura | 152 (79.2) | 135 (81.8) | 17 (63.0) |
Mestrado | 37 (19.3) | 27 (16.4) | 10 (37.0) |
Experiência Profissional em Gerontologia | |||
Não | 57 (30.0) | 52 (31.9) | 5 (18.5) |
Sim | 133 (70.0) | 111 (68.1) | 22 (81.5) |
Formação Contínua em Gerontologia | |||
Não | 161 (84.7) | 141 (86.5) | 20 (74.1) |
Sim | 29 (15.3) | 22 (13.5) | 7 (25.9) |
Local de Trabalho | |||
ACES | 146 (76.0) | 133 (80.6) | 13 (48.1) |
Hospital | 46 (24.0) | 32 (19.4) | 14 (51.9) |
Estão descritas na Tabela 2 as informações partilhadas pelos enfermeiros, cujas respostas se agruparam em duas posições: pouco partilhado (nunca, raramente, às vezes) e muito partilhado (quase sempre e sempre), para melhor compreensão das escolhas.
Informações partilhadas | Total | Enfermeiros | Enfermeiros especialistas em reabilitação | Valor de p |
---|---|---|---|---|
n (%) | n (%) | n (%) | ||
Necessidade de Visitação Domiciliária |
0.816b |
|||
Pouco partilhado Muito partilhado |
37 (19.5) 153 (80.5) |
31 (18.9) 133 (81.1) |
6 (23.1) 20 (76.9) |
|
Alteração da situação de doença |
0.230a |
|||
Pouco partilhado Muito partilhado |
27 (14.1) 164 (85.9) |
21 (12.8) 143 (87.2) |
6 (22.2) 21 (77.8) |
|
Alteração da situação de dependência |
0.225a |
|||
Pouco partilhado Muito partilhado |
14 (7.3) 177 (92.7) |
14 (8.5) 150 (91.5) |
0 (0.0) 27 (100.0) |
|
Pedido de colaboração para continuidade assistencial |
0.029b |
|||
Pouco partilhado Muito partilhado |
26 (13.6) 165 (86.4) |
26 (15.9) 138 (84.1) |
0 (0.0) 27 (100.0) |
|
Medicação |
0.681b |
|||
Pouco partilhado Muito partilhado |
37 (19.6) 152 (80.4) |
33 (20.4) 129 (79.6) |
4 (14.8) 23 (85.2) |
|
Adesão ao regime terapeutico |
1.000a |
|||
Pouco partilhado Muito partilhado |
28 (14.7) 162 (85.3) |
24 (14.7) 139 (85.3) |
4 (14.8) 23 (85.2) |
|
Condições sociais |
0.053a |
|||
Pouco partilhado Muito partilhado |
32 (16.8) 159 (83.2) |
31 (18.9) 133 (81.1) |
1 (3.7) 26 (96.3) |
a Teste de Fisher; bTeste qui-quadrado
Em todas as categorias de informações partilhadas predomina a posição muito partilhada, seja pelos enfermeiros de cuidados gerais seja pelos enfermeiros especialistas. Prevalece a “alteração da situação de dependência” (92,7%), seguida do “pedido de colaboração para continuidade assistencial” (86,4%) e da “alteração da situação de doença” (85,9%).
Na análise segundo enfermeiros de reabilitação e demais enfermeiros, os primeiros apresentam percentagens mais elevadas de muito partilhado, no âmbito da “alteração da situação de dependência”, “pedido de colaboração para continuidade assistencial” (100,0% cada), “condições sociais” (96,3%) e “medicação” (85,2%), salvo no que se refere à “alteração da situação de doença” (77,8%) e “necessidade de visitação domiciliária” (76,9%), apresentando, neste caso, os enfermeiros de cuidados gerais percentagens mais elevadas. Sobre “adesão ao regime terapêutico” há similaridade entre os enfermeiros e enfermeiros de reabilitação, respetivamente 85,3% e 85,2%. A “alteração da situação de dependência” é a informação mais partilhada por ambas as categorias profissionais, 91,5% enfermeiros e 100,0% enfermeiros de reabilitação.
As informações pouco partilhado pelos enfermeiros recaem na “medicação” (20,4%), “necessidade de visita domiciliária” e “condições sociais” (18,9% cada). Enquanto para os enfermeiros de reabilitação versam a “necessidade de visita domiciliária” (23,1%) e “alteração da situação de doença” (22,2%).
Houve associação estatisticamente significativa entre os enfermeiros especialistas e o “Pedido de colaboração para continuidade assistencial” (p=0,029), apresentando percentagem superior da posição muito partilhado relativamente aos enfermeiros.
Quanto às estratégias utilizadas pelos profissionais para partilhar informações, emerge o “contacto direto” (96,7%), “SClínico” (90,6%), “por telefone” (82,5%) e “reuniões de equipa” (81,1%).
Quando analisado por categoria profissional, os enfermeiros de reabilitação têm maior representação no “contacto direto” (92,3%), “SClínico” (92,0%), “reuniões de equipa” (79,2%) e “por telefone” (75,0%), e os demais enfermeiros no “contacto direto” (97,5%), “SClínico” (90,4%), “por telefone” (83,8%) e “reuniões de equipa” (81,5%). A estratégia menos utilizada por todos os profissionais refere-se à categoria “por escrito (papel)” (52,6%), sendo para os enfermeiros (55,1%) e para os enfermeiros de reabilitação (36,8%). Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas (p>0,05) entre a categoria profissional e todas as categorias.
De acordo com a escala de interdependência de tarefas, considerando os itens definidos, procedeu-se a uma análise da distribuição das respostas dos profissionais em estudo, apresentadas na tabela seguinte.
Escala de Interdependência de Tarefas | Total | Enfermeiros | Enfermeiros especialistas em reabilitação |
---|---|---|---|
n (%) | n (%) | n (%) | |
O meu desempenho depende de receber informações fornecidas pelos meus colegas | |||
Discordo totalmente Discordo parcialmente Nem concordo nem discordo Concordo parcialmente Concordo totalmente |
20 (10.6) 27 (14.4) 26 (13.8) 79 (42.0) 36 (19.1) |
19 (11.8) 24 (14.9) 20 (12.4) 68 (42.2) 30 (18.6) |
1 (3.7) 3 (11.1) 6 (22.2) 11 (40.7) 6 (22.2) |
Para obter o material e os instrumentos necessários para a realização do meu trabalho, eu dependo dos meus colegas | |||
Discordo totalmente Discordo parcialmente Nem concordo nem discordo Concordo parcialmente Concordo totalmente |
28 (15.0) 52 (27.8) 27 (14.4) 62 (33.2) 18 (9.6) |
26 (16.3) 46 (28.7) 20 (12.5) 51 (31.9) 17 (10.6) |
2 (7.4) 5 (22.2) 7 (25.9) 11 (40.7) 1 (3.7) |
Eu dependo de ajuda e suporte dos meus colegas para poder realizar o meu trabalho | |||
Discordo totalmente Discordo parcialmente Nem concordo nem discordo Concordo parcialmente Concordo totalmente |
31 (16.7) 44 (23.7) 24 (12.9) 65 (34.9) 22 (11.8) |
27 (16.9) 40 (25.0) 21 (13.1) 55 (34.4) 17 (10.6) |
4 (15.4) 4 (15.4) 3 (11.5) 10 (38.5) 5 (19.2) |
Para poder realizar o meu trabalho de maneira adequada, eu dependo dos meus colegas | |||
Discordo totalmente Discordo parcialmente Nem concordo nem discordo Concordo parcialmente Concordo totalmente |
34 (18.2) 34 (18.2) 23 (12.3) 71 (38.0) 25 (13.4) |
29 (18.1) 29 (18.1) 20 (12.5) 61 (38.1) 21 (13.1) |
5 (18.5) 5 (18.5) 3 (11.1) 10 (37.0) 4 (14.8) |
O meu desempenho no trabalho é profundamente afetado pelo desempenho dos meus colegas |
|||
Discordo totalmente Discordo parcialmente Nem concordo nem discordo Concordo parcialmente Concordo totalmente |
29 (15.5) 57 (30.5) 21 (11.2) 65 (34.8) 15 (8.0) |
25 (15.6) 48 (30.0) 17 (10.6) 57 (35.6) 13 (8.1) |
4 (14.8) 9 (33.3) 4 (14.8) 8 (29.6) 2 (7.4) |
Os resultados obtidos na tabela 3 demonstram que 61,1% dos enfermeiros escolheram as opções de resposta 4 e 5, valores que significam dependência elevada dos colegas da equipa, relacionada com as informações por eles fornecidas (tarefa 1) e com a ajuda prestada pelos mesmos (tarefa 4) (51,4%). Em relação à dependência da equipa para obtenção de material e instrumentos necessários para a realização do trabalho (tarefa 2), as opiniões de concordância negativa e positiva são iguais (42,8%), contrariamente ao apurado na tarefa 5, relativa ao impacto do desempenho individual dos colegas, cuja maioria das respostas (46,0%) traduz pouca dependência destes para a realização de tarefas.
Os enfermeiros mostram maior grau de dependência dos colegas no que toca a receber informações fornecidas por eles (60,8%) e com a ajuda prestada pelos mesmos (51,2%); menor dependência relacionada com o desempenho dos colegas (45,6%) e com a obtenção de material e instrumentos necessários para a realização do trabalho (45,0%).
Para os enfermeiros de reabilitação, a dependência elevada recai na tarefa 1 (62,9%), que visa a dependência da informação recebida pelos colegas, na tarefa 3 (57,7%), relacionada com a dependência da ajuda e suporte dos colegas, e na tarefa 4 (51,8%), concernente à dependência dos pares para executar as funções adequadamente. Já em relação à tarefa 5, respeitante ao impacto do desempenho dos pares no individual, 48,1% abdica da cooperação dos colegas da equipa para a realização do seu trabalho.
DISCUSSÃO
Em Portugal, a taxa de feminização dos trabalhadores da área da saúde tem tendencialmente aumentado14. Em 2018 atingiu os “(…) 83,5% no pessoal de enfermagem, o que representa uma percentagem bastante superior à taxa de feminização global do Ministério da Saúde (76,5%)”14. À semelhança deste estudo, constatou-se que a amostra é constituída maioritariamente por mulheres. A média de idades dos participantes está em conformidade com o panorama nacional, fixada em 44 anos14. Nesta amostra, 70,0% tem experiência profissional de trabalho com idosos, mas 84,7% não possui formação contínua nesta área, corroborando pesquisa que considerada incipiente a formação dos profissionais que integram as equipas de saúde no âmbito do envelhecimento15.
Os resultados do estudo revelaram as práticas assistenciais desenvolvidas pelos enfermeiros e enfermeiros de reabilitação, no cuidado a pessoas idosas, no âmbito da partilha de informações, estratégias utilizadas para partilhar as informações, interdependência na realização de tarefas e atividades importantes realizar em equipa, concordantes com o PNSPI.
Autores destacam que a partilha de informações é fundamental para a prestação de cuidados de saúde integrados, para o trabalho em equipa e, para a continuidade de cuidados16. Neste estudo, averiguamos que todas as informações apresentadas são relevantes para os enfermeiros no âmbito do trabalho em equipa, embora existam dissemelhanças na prática entre as informações mais partilhadas pelos enfermeiros de cada categoria profissional, nos distintos contextos de cuidados.
Observamos que todos os enfermeiros partilham, com maior frequência, a alteração da situação de dependência, o pedido de colaboração para continuidade assistencial e a alteração da situação de doença. Este dado corrobora estudo prévio desenvolvido, compreendendo médicos, enfermeiros e assistentes sociais, que destaca áreas de partilha de informação comuns, pedidos de colaboração, patologias em geral, dependência no autocuidado, entre outras6. Entendemos que se trata de uma troca de informações esporádica, intencional e dirigida para a área de intervenção de outros profissionais, muito longínqua do efetivo trabalho em equipa. Para compreender o contexto atual da partilha de informações, um estudo qualitativo avança que existem lacunas nas informações que são essenciais a todos os profissionais da equipa16.
O pedido de colaboração para continuidade assistencial, as condições sociais, e a medicação são focos essenciais para os enfermeiros especialistas, conclusões que parecem estar de acordo com revisão integrativa sobre cuidados à pessoa idosa, evidenciando a manutenção da continuidade assistencial e a prevenção de complicações17. Apesar das referidas informações serem relevantes e comuns no exercício profissional dos enfermeiros dos ACeS e do hospital, analisando a distribuição dos enfermeiros especialistas/local de trabalho, encontramos uma representação muito semelhante, porém, sabemos que o pedido de colaboração para continuidade assistencial, sobretudo em contexto hospitalar está muito associado ao planeamento da alta e às condições sociais do idoso para o regresso a casa, recaindo frequentemente na articulação com o serviço social. Por sua vez, a valorização da medicação pode ser explicada, pela associação dos idosos a comorbilidades e polimedicação, sendo a gestão segura de medicamentos um processo chave na prevenção de eventos adversos18. Neste contexto, impõe-se refletir sobre as competências específicas e autónomas dos enfermeiros especialistas no âmbito da intervenção junto da pessoa idosa. Compete-lhes prevenir complicações secundárias, educar os clientes e pessoas significativas, intervir no planeamento da alta, na continuidade de cuidados e na reintegração das pessoas na família e na comunidade12.
No caso dos enfermeiros de cuidados gerais, a ênfase recai na alteração da situação de doença, tal como ocorre ainda na atenção primária à saúde, o foco clínico dirigido à deteção e tratamento de doenças4 , evidenciando um predomínio do modelo biomédico na partilha de informações entre os profissionais. De salientar, no presente estudo, que 80,6% destes enfermeiros exercem funções nos ACeS, o que vai ao encontro do esperado, dada a proximidade existente com os utentes na prática diária. O acompanhamento contínuo da pessoa idosa permite detetar mudanças que vão surgindo no perfil de saúde, tornando-se qualquer alteração neste contexto digna de ser partilhada com outros profissionais. Diante do exposto, salientam-se práticas de enfermagem discordantes das atuais políticas de saúde nacionais e internacionais sobre os Idosos, com enfoque no envelhecimento ativo e saudável4,5,19.
Sobre as estratégias utilizadas para partilhar informações em equipa, não se verificaram diferenças entre enfermeiros e enfermeiros especialistas, constatando-se, porém, a sua preferência pelo contacto direto. Resultados divergentes foram encontrados no estudo6 já referido, denotando que os enfermeiros recorrem mais ao meio formal através do sistema de informação clínico (SClínico() ou por carta escrita e/ou protocolo de ligação. Investigação realizada em Ontário identificou a preferência de alguns enfermeiros pela comunicação síncrona não estruturada, enquanto outros referiram a comunicação direta estruturada, mais concretamente através de encontros em equipa20. Embora seja consensual a necessidade de aceder à informação de enfermagem por todos os profissionais da equipa de saúde, para que o trabalho em equipa seja bem-sucedido, é fundamental existir uma comunicação eficaz e capaz de assegurar a qualidade e continuidade de cuidados, bem como a segurança da pessoa cuidada.
Na análise das estratégias de partilha de informação, identificou-se que predominou o contacto direto, facto este que sugere, a nosso ver, a necessidade de adoção de estratégias de melhoria da comunicação em equipa, pois a informação pontual, não sendo documentada, não ficará disponível no processo clínico, remetendo para implicações quer ao nível da tomada de decisão, quer ao nível da continuidade de cuidados. Atendendo às necessidades multidimensionais dos Idosos e à consequente importância do trabalho em equipa no cuidado à saúde desta população, um sistema de informação clínica, eletrónico e único, torna-se como um recurso imprescindível.
Com referência ao trabalho em equipa, destaca-se o potencial para responder à crescente complexidade das necessidades de saúde que exigem uma abordagem integral e, por conseguinte, uma articulação das ações de diversas áreas, estando os profissionais conscientes da interdependência entre todos para atingir as metas e objetivos comuns9. Portanto, o trabalho em equipa interprofissional implica trabalho conjunto de diferentes profissionais, de forma a compartilhar o planeamento e a divisão de tarefas. Entretanto, a dependência de tarefas existente entre os membros das equipas de trabalho, nomeadamente de enfermagem, tem sido valorizada cada vez mais, não só por melhorar a qualidade da prática profissional, com ganhos para a saúde da pessoa cuidada, mas sobretudo por proporcionar uma comunicação eficaz entre os profissionais, contribuindo ainda para o alcance das metas institucionais21.
No que respeita à interdependência de tarefas entre todos os participantes, em primeira instância, verificamos que a maioria perceciona ter dependência elevada dos colegas para alcançar sucesso no seu trabalho e atingir resultados, no que se refere às informações recebidas. Num estudo com profissionais de enfermagem, 99,1% defende que a colaboração entre colegas de trabalho facilita a assistência; 94,6%, que diminui o tempo de resposta às chamadas e 96,4%, que o resultado do trabalho em equipa é mérito coletivo21. A literatura indica que, quando o trabalho dos colegas é reconhecido e existe articulação nas ações realizadas, é possível desenvolver um trabalho conjunto e produzir melhores resultados na atenção à saúde9,10, constituindo a dependência uma característica central do trabalho em equipas22.
Além disto, as evidências desta pesquisa demonstram, ainda, que a generalidade dos enfermeiros concordou que, para realizarem o seu trabalho de maneira adequada, dependiam dos colegas. O estudo defende que, valores elevados de concordância indicam a perceção dos profissionais sobre a existência de forte inter-relação entre as tarefas realizadas em equipa13. Por sua vez, a colaboração interprofissional e o respeito entre pares são reconhecidos como fatores facilitadores do trabalho em equipa21, podendo-se inferir que a partilha de informações e a complementaridade das atividades de trabalho são essenciais para a obtenção de melhores resultados, no cuidado a pessoas idosas.
De qualquer modo, os resultados do presente estudo indicam diferenças sobre a dependência na realização de tarefas entre as duas categorias profissionais. Estudo realizado com 384 profissionais de saúde, num hospital público no Malawi, converge com estes resultados, apontando diferenças nas perceções da interação e influência colaborativa entre o pessoal médico e o pessoal de apoio técnico23. Importante ressaltar que a forma como os enfermeiros especialistas e os enfermeiros entendem a interdependência de tarefas pode desencadear práticas profissionais distintas.
Os enfermeiros de reabilitação consideram que dependem de ajuda e suporte dos colegas, para concretizarem a sua prática profissional. Investigação desenvolvida sobre trabalho em equipa evidencia que 95% têm bom relacionamento entre pares, recebem ajuda quando atarefados e retribuem; 94,6% atendem a campainha, mesmo não sendo da sua responsabilidade21. O reconhecimento da necessidade de cooperação com a restante equipa, para cumprir o seu trabalho, traduz um nível coeso de interdependência de tarefas, havendo maior probabilidade de satisfação e comprometimento22. Por sua vez, este resultado evidencia uma atuação congruente dos profissionais, com os padrões de qualidade dos cuidados especializados em enfermagem de reabilitação, procurando a excelência do exercício profissional para atingir os objetivos dos clientes, através da articulação/cooperação com a equipa interdisciplinar24 .
Reportando-nos às questões de baixa dependência de tarefas entre os enfermeiros, ambas as categorias profissionais se referiram ao desempenho dos colegas, evidenciando ausência de compromisso com os resultados da equipa, pois não consideram que os colegas os podem beneficiar. A literatura sobre interdependência de tarefas vai mais além, questionando se podem ser consideradas equipas de trabalho, quando os seus membros dispensam outros para realizar as suas tarefas e, por sua vez, acreditam que o desempenho destes em nada interfere com o seu trabalho12. Neste contexto, deve-se considerar que as equipas são compostas por pessoas com especificidades próprias, que exercem influência sobre os processos de trabalho e, estes, por sua vez afetam o funcionamento da própria equipa22. A enfermagem é uma profissão essencialmente voltada para o trabalho em equipa, pelo que é impossível prestar um atendimento integral ao cliente sem a colaboração de todos.
Sobre a interdependência de tarefas, concluiu-se que os enfermeiros de reabilitação evidenciaram maior grau de dependência dos colegas da equipa do que os outros enfermeiros, apresentando valores mais elevados de concordância para todas as tarefas (opções 4 e 5), exceto em relação ao desempenho dos colegas (tarefa 5). Acresce que mostraram valores mais baixos de discordância (opções 1 e 2) para todas as tarefas apresentadas, exceto para a tarefa 5, quando comparados com os enfermeiros.
Em síntese, analisando o trabalho em equipa desenvolvido pelos enfermeiros e pelos enfermeiros especialistas, no cuidado a pessoas idosas, observamos práticas distintas. Existem diferenças entre as informações partilhadas em equipa, valorizando os enfermeiros de reabilitação o pedido de colaboração para continuidade assistencial, as condições sociais e a medicação, enquanto os demais, a alteração da situação de doença. São unânimes as opiniões sobre o contacto direto como estratégia preferencial para a partilha de informações em equipa. Sobre a interdependência de tarefas, a diferença é que os enfermeiros de reabilitação dependem de ajuda e suporte dos colegas, para concretizarem a sua prática profissional.
O exposto impõe que os enfermeiros repensem as suas práticas, no que se refere à comunicação em equipa e colaboração interprofissional, sugerindo a necessidade de intervenções de melhoria contínua da qualidade do seu exercício, traduzidas em ganhos para a saúde da população idosa. Defende-se que a prática interprofissional requer formação/educação interprofissional.
CONCLUSÃO
Há diferenças de opinião e de práticas acerca do trabalho em equipa desenvolvido pelos enfermeiros de reabilitação e enfermeiros, no cuidado a pessoas idosas, em instituições de saúde comunitária e hospitalares.
No que concerne às especificidades da ação do enfermeiro de reabilitação, no âmbito das informações partilhadas em equipa, salientam o pedido de colaboração para continuidade assistencial, as condições sociais e a medicação. Reconhecem que dependem de ajuda e suporte dos colegas, para concretizarem a sua prática profissional. Evidenciam maior grau de dependência dos colegas da equipa, na realização de tarefas. Atendendo às competências do enfermeiro de reabilitação e à sua elevada capacidade de conceção, gestão e supervisão de cuidados, faz todo o sentido que sejam líderes no seio das equipas, contribuindo para a operacionalização do trabalho interprofissional e, que integrem políticas de saúde visando a promoção da saúde e a prevenção de complicações.
Apesar das contribuições deste estudo, algumas limitações podem ser apontadas, nomeadamente o facto da amostragem não permitir generalizar os resultados, uma vez que é representativa apenas de uma região.
A temática demonstra relevância para a prática, proporcionando uma reflexão individual e coletiva sobre a importância do trabalho em equipa e, sobre a forma como como este se repercute na assistência aos Idosos. Como implicação para o ensino, observa-se a necessidade de capacitação para o desenvolvimento de competências interpessoais e de trabalho em equipa, com vista a uma prática clínica mais efetiva. As implicações para a investigação, recaem na necessidade de ampliar pesquisas na área, para melhor se compreender os desafios do trabalho em equipa entre enfermeiros, objetivando um cuidado holístico para a Pessoa Idosa.