INTRODUÇÃO
A asma é uma doença respiratória crónica caracterizada por inflamação crónica das vias aéreas, que se manifesta por pieira, tosse particularmente durante a noite e/ou de madrugada, dispneia e opressão torácica. Estes sintomas variam ao longo do tempo e de intensidade, em conjunto com uma limitação variável do fluxo aéreo. Esta limitação pode reverter espontaneamente ou com tratamento1,2.
Trata-se de um problema de saúde pública em que se estima existirem cerca de 300 milhões de pessoas com asma no mundo e em Portugal, a prevalência é de 1 milhão de pessoas3.
A asma tem um grande impacto na qualidade de vida, sendo responsável por absentismo escolar e laboral frequentes, diminuição do rendimento escolar e da produtividade, e aumento dos custos diretos e indiretos para controlo da doença4.
A maioria dos asmáticos apresenta doença ligeira a moderada que pode ser facilmente controlada. Estima-se que menos de 10% tenham formas graves da doença, mas estes constituem um grupo extremamente importante já que consomem até cerca de metade dos recursos disponíveis4.
Segundo o Inquérito Nacional sobre o Controlo da Asma (INCA), os asmáticos entrevistados tinham a doença controlada em 57% dos casos. Contudo, foi muito frequente uma perceção errada ou conhecimento deficiente do estado de controlo da doença, pois 88% dos asmáticos não controlados consideravam ter a sua doença controlada1.
Atendendo a estes dados, e atendendo às limitações impostas pela pandemia COVID-19, urge encontrar soluções com vista à capacitação da pessoa com asma para a gestão e controlo da sua doença podendo, neste contexto, a enfermagem de reabilitação contribuir com um papel importante.
A telerreabilitação consiste na aplicação de tecnologias de informação e comunicação, através das quais é possível fornecer cuidados de reabilitação e supervisionar os mesmos. Várias têm sido as pessoas que, a partir do seu domicílio, têm usufruído dos benefícios da reabilitação, mantendo as suas doenças crónicas estabilizadas.
Também as redes sociais são uma alternativa à acessibilidade aos cuidados de reabilitação, amplamente utilizadas por aproximarem as pessoas, melhorarem a partilha de conhecimentos e reduzirem as barreiras de disseminação de informação5.
Através da telerreabilitação e das redes sociais tem sido possível aproximar profissionais de saúde e pessoas com doenças crónicas, gerando oportunidade às mesmas de melhoria e controlo da sua doença4.
O enfermeiro, particularmente o enfermeiro de reabilitação, tem um papel preponderante na capacitação da pessoa para a gestão da sua doença respiratória crónica, quer através da educação terapêutica, visando consciencializar a pessoa para a sua condição de saúde, assim como para o seu envolvimento e motivação para a mudança de comportamentos no sentido da adoção de estilos de vida saudáveis, quer para a adequada gestão do regime terapêutico, que visam a otimização da gestão da sua doença.
A reabilitação respiratória como intervenção multidisciplinar, visa, além dos pontos anteriores, treinar a tolerância ao esforço, utilizando para isso técnicas de exercício físico adaptadas à condição física de cada indivíduo6.
É já conhecido o benefício da reabilitação respiratória nas pessoas com asma, contudo desconhece-se ainda se este tipo de intervenção à distância será efetivo no autocontrolo sintomático, e por conseguinte, na capacitação para a gestão da asma7.
Este estudo pretende avaliar a efetividade de um programa de acompanhamento de enfermagem de reabilitação à distância a pessoas com asma no controlo da sua doença.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo quasi-experimental composto por um grupo de intervenção, grupo AsmaSemCrise, e um grupo de controlo.
Ao grupo AsmaSemCrise foi aplicado um programa de reabilitação respiratória durante 15 semanas, centrado no ensino, monitorização e manutenção do controlo da asma.
Foram realizadas avaliações no momento da admissão, a meio e no fim do programa, recorrendo ao instrumento disponível em http://www.caratnetwork.org/fastcarat/index.html e que permite o autopreenchimento do CARAT online e rápida disponibilização dos resultados através de um pdf ou imagem.
O programa de acompanhamento AsmaSemCrise é constituído por um conjunto de consultas estruturadas de enfermagem de reabilitação individuais e em grupo. Este programa foi divulgado e publicitado numa rede social e foi realizada uma série de três apresentações de curta duração preliminares ao programa de acompanhamento com o intuito de despertar curiosidade e necessidade em saber mais sobre asma e avaliar o controlo da doença.
A amostra é não aleatória de conveniência e foram recrutados para o grupo AsmaSemCrise indivíduos com asma que se inscreveram voluntariamente no programa. O grupo de controlo foi recrutado através dos indivíduos presentes nas apresentações iniciais, mas que não se inscreveram no programa. Atendendo ao exposto, não é possível proceder à atribuição aleatória da intervenção.
Foi explicado todo o procedimento aos indivíduos e solicitado o seu consentimento informado para participação no estudo.
O grupo de controlo recebe os cuidados habituais que o indivíduo recebe da sua equipa de saúde.
Intervenção
A rede social utilizada foi o Instagram® em virtude da sua gratuidade, facilidade de uso, oportunidade de publicação de vídeos (IGTv), vídeos ao vivo (Lives), publicação de informações temporárias (Stories) e permanentes (Feed). A página de Instagram® utilizada foi a @luciana_alivioemrespirar®, uma página criada e dedicada a dar a conhecer a importância da enfermagem de reabilitação na prevenção e tratamento de infeções e doenças respiratórias. Globalmente, os seguidores desta página são adultos com interesse em aprender a prevenir e controlar doenças respiratórias quer na criança quer no adulto.
Previamente ao início do programa, foi partilhada na página de Instagram® informação científica sobre asma para consciencializar as pessoas com esta doença sobre a importância de a manter controlada e prevenir eventuais crises.
Para aumentar a acessibilidade à informação, foi publicitada a Jornada_#AsmaSemCrise, uma série de três apresentações online ao vivo, com o intuito de despertar a curiosidade e necessidade em saber mais sobre asma e avaliar o controlo da doença.
Após estas três apresentações foi anunciado o programa de acompanhamento AsmaSemCrise e os indivíduos que se mostraram interessados em aderir ao programa integraram o grupo de intervenção AsmaSemCrise.
O grupo de controlo foi recrutado entre os indivíduos que participaram na jornada_#AsmaSemCrise mas que não manifestaram interesse em aderir ao programa, tendo sido esta escolha de conveniência, de acordo com as pessoas que se mostraram mais recetivas à participação neste estudo quando o mesmo foi apresentado.
O programa de acompanhamento AsmaSemCrise é constituído por:
Duas a três teleconsultas individuais para colheita de dados sociodemográficos, avaliação inicial da asma e rinite alérgica, individualização do plano de exercícios, esclarecimento de dúvidas, consolidação de conhecimentos;
Cinco teleconsultas de grupo;
Apoio de consulta de Imunoalergologia para revisão terapêutica quando identificada a necessidade;
Canal de comunicação exclusivo e privado através da rede social WhatsApp® para esclarecimento de dúvidas pontuais.
Nas sessões de ensino em grupo foram abordados os seguintes temas:
Fisiopatologia da asma e da rinite alérgica;
Consequências de um mau controlo da asma;
Importância de monitorizar a asma, instrumentos de monitorização, quando e como utilizar (Peak flow meter, CARAT, aplicações para smartphone);
Evicção de fatores de risco;
Tipos de medicação (corticosteroides inalados, broncodilatadores, antileucotrienos, anti-histamínicos, corticosteroide nasal);
Exercícios respiratórios para melhoria da função pulmonar, fortalecimento dos músculos respiratórios;
Exercícios de relaxamento e automassagem;
Posições de alívio da dificuldade respiratória.
Pretende-se com esta intervenção testar a hipótese de que não existem diferenças na capacidade para autogestão da asma entre os indivíduos do grupo AsmaSemCrise e do grupo de controlo, através da monitorização do controlo sintomático com o teste CARAT.
Variáveis
A variável de resultado é medida pelo CARAT, cujo objetivo é avaliar o grau de controlo da asma e rinite alérgica. Na imagem 1, podemos observar que este teste é constituído por 10 questões e dividido em 2 partes, uma para a avaliação dos sintomas nas vias respiratórias superiores (rinite alérgica) e outra para as vias respiratórias inferiores (asma), sendo que no final é feita também uma monitorização global8.
Quanto maior o score do CARAT maior o nível de controlo da doença, existindo pontos de corte a partir dos quais se considera que as doenças estão controladas. Pontuações totais superiores a 24 indicam bom controlo global da doença; pontuações superiores a 8 no somatório dos itens 1-4 estão associados a bom controlo relativo às vias aéreas superiores e pontuações iguais ou superiores a 16 no somatório dos itens 5-10 estão associados a bom controlo relativo às vias aéreas inferiores.
Este teste foi desenvolvido por especialistas no tratamento e gestão da asma e tem sido utilizado como referência do controlo sintomático da asma8. Pretende avaliar os sintomas de rinite alérgica e asma nas últimas 4 semanas, permitindo aferir se existe evolução no controlo sintomático.
Tratamento estatístico
Foram testadas as seguintes hipóteses: Não existem diferenças no controlo da asma de acordo com o score do CARAT no início e no final da intervenção. Esta hipótese foi testada com recurso ao teste T de student para amostras emparelhadas ou teste não paramétrico, Wilcoxon test, de acordo com a distribuição da amostra e o nível de significância definido foi 5%. A hipótese de que não existem diferenças entre os grupos na diferença de score CARAT do início e final da intervenção foi testada com recurso ao teste T de student para amostras independentes ou teste não paramétrico, Mann-Whitney U, de acordo com a distribuição da amostra e o nível de significância definido foi 5%.
RESULTADOS
Os participantes neste programa tinham, em média, 42 anos no grupo AsmaSemCrise e 34 anos no grupo de controlo, sendo a maioria dos indivíduos em ambos os grupos do sexo feminino e com escolaridade ao nível do ensino superior, conforme se pode verificar na tabela 1.
Apresentam, em média, o diagnóstico conhecido de asma há cerca de 18 anos no grupo AsmaSemCrise e 13 anos no grupo de controlo, estando a doença à data da admissão não controlada em ambos os grupos, objetivando-se uma pontuação no CARAT inferior no grupo AsmaSemCrise.
Foi realizada a comparação entre os grupos e para um nível de significância de p<0,05, os grupos de intervenção e de controlo não demonstraram diferenças estatisticamente significativas entre eles.
AsmaSemCrise n=5 | Controlo n=5 | p | |
---|---|---|---|
Idade média (desvio padrão(dp)) | 42.2 (8.1) | 33.8 (8.4) | 0,15 |
Género | |||
Feminino (%) | 60 | 80 | 0,55 |
Escolaridade | |||
Ensino secundário (%) | 40 | 40 | 1 |
Ensino superior (%) | 60 | 60 | |
Anos de diagnóstico média (dp) | 17.8 (10.3) | 13.4 (13.6) | 0,58 |
CARAT | |||
Rinite Alérgica média (dp) | 3.8 (3.3) | 6.2 (1.9) | 0,20 |
Asma média (dp) | 7.2 (7.3) | 11.4 (4.2) | 0,30 |
TOTAL média (dp) | 11 (8.5) | 17.6 (4.0) | 0,16 |
No grupo AsmaSemCrise os indivíduos aumentaram, em média, 5 pontos no score de avaliação da rinite alérgica, 7.4 pontos no score de avaliação da asma e 12.4 pontos no score total do CARAT (tabela 2). Estas diferenças foram estatisticamente significativas para um nível de significância de 5%, ao contrário das diferenças observadas no grupo de controlo que são sugestivas de ter sido devidas ao acaso.
AsmaSemCrise | Controlo | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Inicial | Final | p | Inicial | Final | p | |
CARAT Rinite Alérgica média (dp) | 3.8 (3.3) | 8.8 (3.3) | <0.05 | 6.2(1.9) | 7.6 (4.0) | 0,25 |
CARAT Asma média (dp) | 7.2 7.3) | 14.6 (5.4) | <0.05 | 11.4 (4.2) | 14.6 (2.4) | 0,16 |
CARAT Total média (dp) | 11 (8.5) | 23.4 (8.3) | <0.05 | 17.6 (4.0) | 21 (5.1) | 0,12 |
Comparando os resultados das diferenças no score do CARAT dos dois grupos, verificamos uma diferença estatisticamente significativa (p<0,05).
DISCUSSÃO
Todos os indivíduos participantes neste estudo acederam a 3 sessões da Jornada_#AsmaSemCrise, onde foram genericamente abordados temas relacionados com os objetivos do programa de acompanhamento, o que poderá ter contribuído para a melhoria média do controlo da asma objetivada pelo CARAT.
Comparando os dois grupos à partida, verifica-se que o grupo AsmaSemCrise tem pior controlo da doença, o que poderá ter contribuído para a consciencialização e necessidade de entrar neste programa. A motivação e envolvimento destas pessoas poderá ter tido um papel relevante nos resultados observados.
Objetivamos uma diferença estatisticamente significativa na melhoria do controlo da asma entre os grupos, tendo os indivíduos do grupo de intervenção atingido scores mais elevados no CARAT, podendo assim rejeitar a hipótese de não existirem diferenças entre ambos os grupos.
Estes achados são também clinicamente significativos, uma vez que o aumento clinicamente relevante é de 4 pontos no score deste teste9.
Os achados indicam a importância de uma intervenção estruturada de enfermagem de reabilitação à pessoa com asma, na sua capacitação para a gestão da doença e prevenção de crises, mesmo à distância, adaptando assim a intervenção de enfermagem de reabilitação a pessoas cujos estilos de vida e/ou horários de trabalho não são facilmente compatíveis com as consultas em cuidados de saúde primários, aumentando deste modo a adesão ao tratamento e controlo da asma.
Também em outros estudos se verificou melhoria do controlo da asma após intervenções terapêuticas como programas de autogestão ou reabilitação respiratória7,10. Uma revisão sistemática de literatura de 2021 aponta a telerreabilitação como uma possível resposta aos desafios da reabilitação respiratória às pessoas com doença respiratória crónica11.
Dada a evidência já disponível, os achados deste estudo poderão ser interpretados como uma oportunidade para o desenvolvimento de novas formas de intervenção dos enfermeiros de reabilitação e outros profissionais de saúde, na capacitação das pessoas com asma e outras doenças crónicas, recorrendo às novas tecnologias e às redes sociais, tantas vezes procuradas pelas pessoas para esclarecimento de dúvidas relacionadas com a sua saúde, correndo o risco de serem mal esclarecidas e colocando em risco a sua saúde.
Limitações do estudo
O presente estudo apresenta limitações importantes como a ausência de atribuição aleatória da intervenção e o tamanho amostral. A motivação para a mudança de comportamentos objetivando o controlo da asma poderá ter contribuído para a efetividade deste programa em comparação com o grupo de controlo, em que os indivíduos poderão estar menos envolvidos no processo de mudança de comportamentos.
A amostra deste estudo poderá não ser representativa da população, atendendo ao modo de recrutamento e recurso às redes sociais, uma vez que ficam excluídos os indivíduos que não utilizam estes meios de comunicação.
Sugere-se a realização de outros estudos em que sejam avaliados efeitos a longo prazo desta intervenção, quer pela monitorização com o CARAT, quer monitorizando as agudizações da asma.
CONCLUSÃO
O programa AsmaSemCrise mostrou efetividade na capacitação da pessoa para o controlo da asma, refletindo-se no aumento do score do CARAT, seja ao nível dos sintomas de rinite alérgica ou de asma, indicando melhor controlo da doença.
Este tipo de intervenção poderá representar uma resposta aos novos tempos, recorrendo às redes sociais para educar e capacitar a pessoa para a gestão da sua doença.