INTRODUÇÃO
A Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) é uma das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo, com um peso económico e social importante e crescente. Muitas pessoas sofrem desta doença durante muitos anos e morrem prematuramente devido às suas complicações1. Em Portugal, em 2018, a DPOC foi responsável por 2834 óbitos, 2,5% do total da mortalidade, o que corresponde a um aumento de 7,9% face a 20172. Isto faz com que a estimativa da perda económica total anual causada pela DPOC em 2019 se situe nos 1,6 milhares de milhões de euros3.
Trata-se de uma doença crónica e progressiva, na qual a dispneia se manifesta como fator importante para a limitação do desempenho das Atividades da Vida Diária (AVD) mesmo em fases iniciais da patologia, resultando em isolamento social e redução da qualidade de vida4.
Apesar da sua origem ao nível pulmonar, o processo inflamatório apresenta diversas manifestações extrapulmonares, nomeadamente na musculatura esquelética, causando intolerância ao exercício físico e deterioração progressiva da qualidade de vida do doente5.
A função muscular e a capacidade funcional são cruciais para executar as AVD. De uma forma geral, os estudos sobre disfunção muscular na DPOC focam-se nos músculos responsáveis pela locomoção, em especial nos quadríceps devido ao seu papel fundamental na deambulação e consequente impacto na autonomia e na qualidade de vida6. Não obstante o facto de os músculos dos membros inferiores serem os mais afetados pela perda de massa e força muscular5, as pessoas com DPOC relatam frequentemente dificuldades nos movimentos dos membros superiores. Esta condição deve-se essencialmente a dois fatores: disfunção neuromecânica dos músculos respiratórios (diafragma e músculos respiratórios acessórios, assincronia toracoabdominal) e alterações no volume pulmonar durante as atividades dos membros superiores7.
As pessoas com DPOC têm frequentemente exacerbações, sendo estas a principal causa de episódios de urgência, admissões hospitalares e morte nesta população. Além dos custos associados à prestação direta de cuidados de saúde, as exacerbações frequentes conduzem a um declínio acelerado da função pulmonar e da eficácia dos tratamentos. Surgem com frequência complicações como o agravamento da insuficiência respiratória, hipercápnica aguda, cor pulmonale, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias cardíacas e embolia pulmonar. Esta situação acarreta aumento no nível de dependência e diminuição da qualidade de vida8.
Um dos fatores que inevitavelmente conduz a exacerbações é a incorreta execução da técnica inalatória. Nestas circunstâncias, a eficácia dos fármacos fica comprometida levando ao aumento dos custos diretos (por uso incorreto do fármaco) e dos custos indiretos (pela necessidade de recorrer aos serviços de saúde)9.
REABILITAÇÃO RESPIRATÓRIA NA DPOC
A Reabilitação Respiratória (RR) é uma intervenção interdisciplinar de tratamento da DPOC e os seus benefícios estão bem demonstrados na literatura. Melhor controlo de dispneia e melhorias importantes na capacidade de exercício e qualidade de vida relacionada com a saúde são relatados como resultados da RR em pessoas com DPOC. O exercício físico é um componente importante e essencial da RR em pessoas com DPOC4,8,10.
Os benefícios da RR estão já bem demonstrados na literatura, conforme se pode verificar no Quadro 1 11.
Nos doentes estáveis | Nos doentes com exacerbações recentes |
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Reduz as hospitalizações Reduz os recursos inesperados aos cuidados de saúde Reduz os sintomas de dispneia e desconforto dos membros inferiores Melhora a força muscular e a tolerância ao exercício Melhora a qualidade de vida relacionada com a saúde Melhora a capacidade funcional (ex. atividades da vida diária) Melhora a função emocional Aumenta a autoeficácia e o conhecimento Aumenta a autogestão colaborativa |
Reduz as readmissões hospitalares Melhora a qualidade de vida relacionada com a saúde Melhora a tolerância ao exercício |
Evidência A | Evidência B |
O Despacho n.º 6300/2016 do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde12 determina que sejam implementados programas de RR de acordo com as necessidades das pessoas e a sua distribuição geográfica. A RR é desenhada para reduzir os sintomas, otimizar a funcionalidade, aumentar a participação social e reduzir custos de saúde, através da estabilização ou regressão das manifestações sistémicas da doença13. Na área de abrangência da Unidade Local de Saúde do Nordeste (ULSNE) desconhece-se, até à presente data, qualquer programa de RR dirigido a pessoas com patologia respiratória, nomeadamente a DPOC. Ainda que estas pessoas sejam acompanhadas esporadicamente nos Centros de Saúde, nomeadamente pelos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação das Equipas de Cuidados Continuados Integrados aquando de alta hospitalar após agudização, elas não são alvo de intervenção sistematizada e prolongada no tempo.
Em 2019, a ULSNE em parceria com a Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Bragança (ESSa-IPB), submeteu candidatura ao concurso do Programa EDP Solidária, tendo sido um dos projetos selecionados. A sua operacionalização foi sucessivamente adiada devido ao contexto de pandemia COVID19, tendo chegado agora o momento da sua concretização.
METODOLOGIA
Foi definida a seguinte questão de investigação: “Quais os efeitos de um Programa de Reabilitação Respiratória em Pessoas com DPOC em Ambulatório e com Follow-up no Domicílio?”.
O objetivo geral deste estudo é avaliar o impacto da implementação de um Programa de Reabilitação Respiratória em Pessoas com DPOC em Ambulatório e com Follow-up no Domicílio.
Pretende-se atingir os seguintes objetivos específicos:
Avaliar o impacto do programa de RR em pessoas com DPOC no desempenho das AVD, nos vários momentos de avaliação;
Avaliar o impacto do programa de RR em pessoas com DPOC na perceção da qualidade de vida, nos vários momentos de avaliação;
Avaliar o impacto do programa de RR em pessoas com DPOC na redução dos sintomas, nos vários momentos de avaliação;
Avaliar o impacto do programa de RR em pessoas com DPOC na capacidade para a marcha, nos vários momentos de avaliação;
Avaliar o impacto económico do programa de RR em pessoas com DPOC;
Analisar em que grupos GOLD (estratificação da amostra) podem ser obtidos maiores ganhos em saúde;
Identificar se existem diferenças significativas entre as duas modalidades de implementação do programa.
Para resposta aos objetivos propostos, pretende-se desenvolver um estudo quasi-experimental de grupo único, de caráter descritivo e correlacional.
À semelhança da média nacional, prevê-se que o distrito de Bragança tenha 14,3% de pessoas com DPOC o que equivalerá a cerca de 900 pessoas. Para identificação e referenciação para o programa, será feita listagem de todas as pessoas com diagnóstico de DPOC no MIM@UF®. Para a seleção da amostra serão considerados os critérios de inclusão e de exclusão que constam no quadro 2 e que vão de encontro à Orientação 014/2019 da Direção-Geral da Saúde (DGS)11. Encontrados os elegíveis, será dada prioridade de integração no programa àqueles que apresentaram exacerbações nos últimos 6 meses. Após este processo de seleção, as pessoas serão convidadas a integrar o programa de reabilitação respiratória mediante explicação detalhada do programa, seus objetivos e potenciais ganhos para os participantes. O consentimento informado será assinado neste momento.
Critérios de inclusão | Critérios de exclusão |
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• Pessoas com DPOC de gravidade ligeira a moderada, sem comorbilidades complexas e com: • SpO2 > 90 % em repouso • SpO2 > 85% na prova de marcha de 6 minutos • Pessoas com avaliação na Escala de Barthel ≥55 (pessoas com dependência moderada ou independentes); |
• Pessoas com DPOC grave, com ou sem comorbilidades complexas, que tenham indicação para RR em ambiente hospitalar ou Centros de Reabilitação especializados; • Pessoas que não sejam capazes de compreender instruções e cumprir ordens. |
As avaliações serão efetuadas de acordo com o esquema apresentado:
T0 - avaliação inicial e avaliação retrospetiva dos 6 meses anteriores para obtenção de dados de avaliação do impacto económico;
T1 - avaliação intermédia à 18ª sessão;
T2 - avaliação no final da RR (36ª sessão);
T3 - 6ªsemana após T2;
T4 - 12ª semana após T2 e avaliação retrospetiva dos 6 meses anteriores para obtenção de dados de avaliação do impacto económico.
De forma a dar resposta aos objetivos definidos, nos 4 momentos de avaliação serão avaliados os indicadores definidos no Quadro 3 através dos instrumentos identificados. Para além destes instrumentos, serão tidos em conta os indicadores de avaliação propostos pela Fundação EDP (FEDP) (Quadro 3).
Avaliação da intervenção |
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Indicadores propostos pela ULSNE/ESSa IPB |
• Avaliação sociodemográfica e história clínica (apenas em T0); • Avaliação do impacto económico (avaliação retrospetiva dos 6 meses anteriores à RR em T0 e avaliação retrospetiva dos 6 meses entre T0 e T4) - número de exacerbações que implicaram recorrer ao médico de família, número de exacerbações que implicaram recorrer ao serviço de urgência, número de exacerbações que implicaram internamento hospitalar (nestes, número de dias de internamento), fármacos prescritos após exacerbação, consumo habitual de medicamentos; • Avaliação da dispneia em tempo real através da Escala de Borg modificada para perceção da dispneia; • Avaliação da fadiga em tempo real através da Escala de Borg para perceção da fadiga; • Avaliação da incapacidade relacionada com a dispneia através do instrumento Medical Research Council Dyspnoea Questionnaire (mMRC); • Avaliação do desempenho das AVD através da escala London Chest Activity of Daily Living (LCADL); • Avaliação do impacto da doença na qualidade de vida através da escala COPD Assessment Test (CAT); • Avaliação da qualidade de vida através do instrumento Saint George’s Respiratory Questionaire (SGRQ); • Avaliação da força muscular através de dinamómetro portátil; • Prova de marcha de 6 minutos; • Avaliação da capacidade de exercício físico dos membros superiores através do 6 Minutes Pegboard and Ring Test (6PBRT). |
A cada participante será fornecido o material/equipamento que lhe permita participar de sessões de RR 3 vezes por semana, num total de 36 sessões, integrando uma de duas modalidades possíveis:
2 sessões de RR no Centro de Saúde e 1 no domicílio em modelo de teleconsulta;
1 sessão de RR no Centro de Saúde e 2 no domicílio em modelo de teleconsulta;
Será utilizado material financiado pela FEDP que permitirá dotar todos os Centros de Saúde da ULSNE do equipamento necessário ao desenvolvimento das atividades do programa (monitores cardíacos, inspirómetros, threshold para treino de músculos respiratórios, oxímetros, dinamómetros, balanças de bioimpedância, marquesas elétricas, espaldares, espelhos quadriculados, pegboard and ring test, passadeiras, cicloergómetros, cadeiras adutoras/abdutoras, cadeiras para quadríceps, máquinas para treino de membros superiores). Prevê-se que na implementação deste projeto sejam envolvidos diretamente 15 Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação, em 12 Centros de Saúde.
Ao longo das sessões de RR serão desenvolvidos planos de exercício físico, ensino sobre fatores exacerbantes, controlo dos fatores de risco, técnicas de reeducação funcional respiratória e treino de inaloterapia, de acordo com as recomendações da DGS11 (Quadro 4). Sempre que necessário os participantes serão referenciados para outros profissionais, nomeadamente: psicologia, nutrição ou serviço social.
Atividades a desenvolver ao longo do Programa de Reabilitação Respiratória | |
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Comuns a todas as sessões | Técnicas de controlo respiratório Aquecimento Exercício Aeróbio Exercício de Força Muscular Alongamentos |
Temas a desenvolver 1 x semana | Fisiopatologia da DPOC Estratégias de adaptação do exercício físico no domicílio Gestão do regime terapêutico Técnica inalatória (rever pelo menos 1xmês) Fatores exacerbantes Fatores de risco Técnicas de conservação de energia Nutrição Dispositivos de oxigenoterapia e inaloterapia Eliminação de barreiras arquitetónicas |
Será fornecido aos participantes um plano personalizado para que estes o implementem no seu domicílio durante as sessões em teleconsulta. No final da intervenção (36 sessões) será estabelecido com a pessoa um plano de manutenção que a própria executará autonomamente no domicílio. Nesta fase será efetuado acompanhamento telefónico quinzenal para incentivo da adesão ao plano de manutenção e esclarecimento de dúvidas. Será ainda realizada uma visita domiciliária de follow-up mensalmente. A equipa de EEER atuará de acordo com protocolos de intervenção e de avaliação para garantir que todos os procedimentos são executados da mesma forma. Os protocolos terão como base as orientações técnicas específicas para pessoas com DPOC. A prescrição do exercício e a sua progressão serão personalizados mas sempre de acordo com os protocolos estabelecidos para este programa de RR.
Além dos registos efetuados no SClínico®, os resultados obtidos serão registados numa base de dados no programa Microsoft Office Excel®. A análise dos dados resultantes desta intervenção será feita através de estatística descritiva e inferencial, com os testes adequados, através do programa IBM Statistical Package for Social Sciences for Windows®, de forma a poderem ser analisados e comparados os diferentes momentos de avaliação.
Todos os procedimentos necessários ao desenvolvimento deste estudo tiveram parecer favorável emitido pela Comissão de Ética e pelo Conselho de Administração da ULSNE (Parecer nº31/2021).
RESULTADOS
Entre abril de 2022 e dezembro de 2023 prevê-se a operacionalização do programa de RR junto da população alvo após o que se espera atingir resultados que traduzam mudanças clinicamente significativas que se consubstanciem, também, em evidência estatística.
Assim, prevemos que este estudo:
Aumente a capacidade dos participantes para o desempenho das AVD;
Aumente qualidade de vida percebida;
Reduza os sintomas e otimize a gestão dos mesmos e do regime terapêutico;
Aumente a capacidade para a marcha e consequentemente a autonomia;
Reduza os custos associados às exacerbações em cuidados de saúde e consumo de medicamentos;
Identifique que pessoas respondem melhor ao programa de RR tendo em atenção as características clínicas nomeadamente a classificação GOLD;
Permita verificar se existem diferenças significativas entre as duas modalidades de implementação do programa e qual delas é mais favorável.
CONCLUSÃO
O distrito de Bragança é uma região de baixa densidade populacional em que o acesso aos cuidados de saúde pode ser dificultado pela orografia, o que obriga a um esforço maior por parte dos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação para colocar o projeto em marcha.
No entanto, esta intervenção apresenta pontos fortes:
É uma intervenção inovadora na área de abrangência da ULSNE e disponível para todas as pessoas (com critérios de inclusão) do distrito de Bragança. Será mantido o acompanhamento após o fim do programa de RR para garantir que os benefícios não se perdem.
Há uma parceria estável e duradoura entre ULSNE e ESSa-IPB a vários níveis, mas também no desenvolvimento de projetos análogos.
A parceria entre a ULSNE, a ESSa-IPB e a FEDP traduz-se em enriquecimento científico para todas as partes e melhoria na qualidade da prestação de cuidados às pessoas com DPOC.
Como projeção para o futuro, espera-se também conseguir alargar esta intervenção a outras patologias do foro respiratório que tenham indicação para RR.