Introdução
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a 11 de março de 2020 a Síndrome Aguda Respiratória Severa por COVID-19 como pandemia 1.
A pandemia por COVID-19 acarretou diversas mudanças, sendo que os serviços de saúde não foram excluídos destas. Foram implementadas diversas medidas sociais e de saúde pública com intuito de prevenir e de controlar o risco de infeção nos diferentes contextos, as quais resultaram em alterações na dinâmica do trabalho e dos serviços de saúde (2; 3).
Num contexto de já sobrecarga das instituições e dos profissionais de saúde, compreende-se que estas mudanças vieram, em certos contextos, agravar os problemas já existentes ou criar novos desafios. Algumas questões como a escassez de material e de equipamentos de proteção individual, a exaustão mental e física eram já problemáticas presentes nos contextos de prática dos profissionais de saúde, assim como a necessidade de reestruturação dos serviços e dos cuidados de saúde por alteração das prioridades 4.
Além da evidência na fase aguda das consequências do vírus, começa a existir também evidência numa fase mais prolongada. Estima-se que 1 em cada 5 pessoas infetadas com COVID-19 possa experienciar os sintomas da fase aguda numa fase mais prolongada, designado por long covid2. De acordo com a mesma fonte, cerca de 5 a 20% das pessoas poderão experienciar os sintomas da fase aguda por um período superior a 4 semanas, sendo que estes podem estar presentes ainda num período até 14 semanas (considerados sintomas de COVID-19 contínuos) e após as 14 semanas (considerado como síndrome após COVID-19). Nesta fase os sintomas que podem ser identificados podem incluir: fadiga, cefaleias, tinitus, anosmia, tosse persistente, dor de peito, dispneia, palpitações, miocardite, diarreia, mialgia, dor abdominal, rash, febre recorrente, complicações cognitivas, e depressão. Existem sintomas relatados como uso de álcool e stress pós-traumático 4.
Numa pesquisa com intuito de aceder ao impacte que a pandemia deteve nos enfermeiros após o primeiro ano de pandemia por COVID-19, realizada pela American Nurses Foundation (2021)5) , identificou-se que, de um total de 22,316 enfermeiros, cerca de 51% apresentava exaustão, cerca de 43% apresentava sobrecarga, cerca de 37% apresentava irritabilidade, e cerca de 36% apresentavam ansiedade sem causa aparente, entre outros sintomas que podem deter uma influência negativa na vida destes profissionais. Os sintomas em si não estão relacionados com a gravidade dos sintomas decorridos durante a fase aguda. Nesta mesma pesquisa)5 verificou-se que 47% dos enfermeiros considera deixar a profissão devido a esta afetar negativamente o seu bem-estar e saúde, 45% pondera abandonar a profissão devido a falta de pessoal no local de trabalho, 33% refere considerar abandonar a profissão devido à falta de apoio durante o período de pandemia, e 28% considera deixar de exercer as suas funções por impossibilidade de oferecer cuidados de qualidade e com consistência, bem como devido à perda de confiança no empregador.(5
A proteção da saúde, bem-estar e segurança dos profissionais de saúde é essencial considerando que esta categoria profissional constitui um pilar importante na qualidade e na garantia dos cuidados. Essa proteção requer uma boa coordenação e adoção de medidas de prevenção e controlo de infeção, segurança e saúde ocupacional, gestão de pessoal e apoio psicológico e de saúde mental com vista à prevenção de um aumento da taxa de doença nos profissionais de saúde, bem como absentismo, diminuição de produtividade e da qualidade de cuidados 7.
No que concerne à adaptação dos serviços, e considerando a situação de pandemia, identificou-se uma alteração ao nível da organização dos cuidados de saúde, priorizando-se a resposta direta aos casos COVID-19, e diminuindo significativamente a prestação de cuidados a outras patologias/contextos, nomeadamente os cuidados especializados de enfermagem de reabilitação 4.
Os EEER estiveram desde início envolvidos na resposta de emergência do Sistema Nacional de Saúde (SNS) à pandemia por COVID-19, sendo que sofreram com as alterações efetuadas pelas necessidades identificadas durante o período de pandemia, nomeadamente: a alteração do papel dentro das equipas, sendo que alguns EEER passaram da intervenção como enfermeiros especialistas a tempo integral para a intervenção como enfermeiros generalistas a tempo parcial ou total; a alteração de serviços para prestação de cuidados, tendo alguns sido direcionados para departamentos diferentes daqueles nos quais estes estavam afetos previamente; a mudança de residência em tempo de prestação de cuidados por motivos de prevenção de transmissão do vírus e proteção dos seus ente-queridos; a alteração da qualidade dos cuidados prestados, uma vez que em momentos de pandemia existe um foco central no problema mais urgente de forma a dar resposta ao mesmo; e, a existência de desafios éticos e deontológicos na prestação de cuidados que condicionaram o processo de tomada de decisão e priorização de casos clínicos. 4
Além dos desafios estruturais, a disponibilidade de dados fiáveis e atualizados relativamente à capacidade de resposta e às perturbações identificadas nos serviços de saúde derivadas da pandemia é uma questão importante, uma vez que sem estes dados se torna difícil a fundamentação de estratégias de mitigação e de orientação para a resposta às necessidades reais 2.
Por este mesmo motivo, torna-se pertinente conhecer o impacte da pandemia por COVID-19 nos EEER e na prestação dos cuidados, visando identificar problemas e desafios, e posteriormente viabilizar a implementação de medidas de promoção de qualidade de cuidados e consequente satisfação destes profissionais.
Metodologia
Considerando que ainda existe pouca evidência quanto ao impacte da pandemia nos EEER, formulámos como pergunta de partida “Qual o impacte da pandemia por COVID-19 nos profissionais e cuidados de enfermagem especialistas em enfermagem de reabilitação?”.
Finalidade e objetivos do estudo
Decorrente do conhecimento do impacte de mais 2 anos de pandemia nos EEER, tínhamos como finalidade disponibilizar informação que permita otimizar a tomada de decisão, a gestão de cuidados de enfermagem e a governação clínica em futuros episódios pandémicos.
Foram estabelecidos os objetivos: avaliar impacte da pandemia por COVID-19 nos EEER; identificar impacte da pandemia por COVID-19 nos cuidados especializados de enfermagem de reabilitação disponibilizados às populações; identificar o impacte da pandemia por COVID-19 nas estratégias de atualização técnico-científica dos EEER;
Consequentes dos objectivos delineados, formulámos as seguintes finalidades para o estudo: disponibilizar informação aos decisores para uma melhor gestão de recursos humanos/profissionais; e, disponibilizar informação aos decisores para uma melhor gestão de cuidados de enfermagem especializados às populações.
Realizámos um estudo do tipo observacional, descritivo e transversal. A população em estudo incluía os EEER, sócios da Associação Portuguesa dos Enfermeiros de Reabilitação (APER). Utilizámos uma amostra não probabilística de conveniência de EEER que reunissem os seguintes critérios de inclusão: ser EEER; sócios da APER; ter desempenhado funções em qualquer tipologia de serviço no período em análise; e, aceitar participar no estudo.
Utilizámos um questionário online “Impacte da pandemia COVID-19 nos cuidados de enfermagem´ disponibilizado pela APER aos seus sócios, numa parceria com a Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP).
E por isso, o questionário usado apresentava duas partes, a primeira com os dados sociodemográficos e a segunda parte com questões relativas a I) mudanças nos cuidados de enfermagem devido à pandemia por COVID-19; (II) mudanças na organização do trabalho; (III) decisões éticas; (IV) casos mais desafiantes; (V) formação adicional necessária para cuidar doentes com COVID-19; além destas foram adicionadas questões relativas ao impacto da pandemia no futuro, tendo estas sido elaboradas para este estudo.
O questionário foi disponibilizado via email e era constituído por duas partes, a primeira para recolha de dados sociodemográficos, a segunda parte direcionada para a avaliação do impacte da pandemia
Este questionário foi originalmente desenvolvido por Marco Clari (2020), e posteriormente traduzido e utilizado por Padilha e Silva (2020). A avaliação das variáveis associadas à formação e atualização técnica científica foi avaliada numa uma escala de Likert de 5 pontos, sendo que 1 se refere a “pior opinião” e 5 a “melhor opinião” acerca da variável. As variáveis associadas à avaliação da complexidade clínica dos doentes e da satisfação dos EEER foram avaliadas uma escala de Likert de três pontos (diminuiu, manteve-se igual, aumentou).
Neste estudo associamos ao instrumento original de recolha de dados uma nova dimensão para a avaliação do impacte da pandemia no futuro no trabalho e na vida dos enfermeiros de reabilitação, avaliada através de uma escala de Likert de 7 pontos, de “-3” “maior impacte pela negativa” “0” “impacte nulo” a “3” “maior impacte pela positiva”.
Os dados foram recolhidos através de um questionário online enviado por email à população. O questionário foi submetido para resposta durante o período entre 2 de marco de 2022 e 11 de abril de 2022.
O tratamento e análise dos dados foi posteriormente realizado utilizando estatística inferencial e descritiva com recurso com recurso ao IBM SPSSR versão 28 (IBM Corp. Released 2020).
Neste estudo foram adotados todos os pressupostos éticos, tendo sido obtida autorização da Comissão de Ética da Escola Superior de Enfermagem do Porto com referência ADTE_70/2021.
Relativamente às considerações éticas garantimos o consentimento informado prévio e a anonimização e confidencialidade das respostas.
Resultados
Como amostra para este estudo obtivemos um total de 160 questionários respondidos. Em termos das características sociodemográficas da nossa amostra, estas apresentam-se no quadro seguinte (Tabela 1).
Género | Feminino 72,5% (n=116) |
Masculino 27,5% (n=44) | |
Idade média | 45,8 anos (SD±7,8) |
Experiência profissional (média) | 22 anos |
Categoria profissional | Enfermeiro especialista 92,5% (n=148) |
Enfermeiro 4,4% (n=7) | |
Enfermeiro gestor/chefe 3,1% (n=5) |
De salientar que houve alterações na execução de funções como EEER quando comparando o período antes e durante a pandemia. Estas alterações observam-se na Tabela 2.
Antes da pandemia | Durante a pandemia | |
---|---|---|
Sim, na totalidade do tempo | 43,8% (n=70) | 22,5% (n=36) |
Sim, na parcialidade do tempo | 33,8% (n=54) | 48,8% (n=78) |
Não | 20% (n=32) | 26,9% (n=43) |
Sem resposta | 2,5% (n=4) | 1,9% (n=3) |
Verifica-se, ainda que, desde março de 2020, 74,4% (n=119) dos enfermeiros prestou cuidados a doentes com COVID-19 ou exerceu funções num serviço dedicado a COVID-19. Durante o período de pandemia 42,5% (n=68) dos enfermeiros relatam um aumento no número de doentes ao seu encargo por turno.
Quanto aos rácios entre enfermeiro especialista em reabilitação/doente por turno, 46,3% (n=74) dos enfermeiros relataram uma diminuição.
Foi, adicionalmente, verificado que 63,7% (n=102) dos enfermeiros relata um aumento da carga de horas semanal de trabalho durante o período de pandemia.
Impacte da pandemia por COVID-19
Durante o período da pandemia pelos EEER verificamos um impacte negativo nas dimensões “tempo para os amigos” e “tempo para o lazer pessoal”, e um impacte positivo nas dimensões “relacionamento com os colegas de trabalho” e “disponibilidade de equipamentos de proteção individual” tal como se pode observar na tabela 3.
Média | Desvio padrão | Min | Max | |
---|---|---|---|---|
Organização do espaço físico no local de trabalho | -0,61 | 2,02 | -3 | 3 |
Disponibilidade de equipamentos de proteção individual | 0,77 | 2,08 | -3 | 3 |
Relacionamento com familiares dos doentes | -1,19 | 1,90 | -3 | 3 |
Relacionamento com colegas de trabalho | 0,29 | 1,88 | -3 | 3 |
Treino e integração de enfermeiros | -1,16 | 1,67 | -3 | 3 |
Supervisão de estudantes de enfermagem | -1,68 | 1,46 | -3 | 3 |
Atividades burocráticas | -1,01 | 1,70 | -3 | 3 |
Saúde pessoal | -1,38 | 1,55 | -3 | 3 |
Tempo para a família | -1,81 | 1,40 | -3 | 3 |
Tempo para os amigos | -2,18 | 1,26 | -3 | 3 |
Tempo para lazer pessoal | -2,16 | 1,28 | -3 | 3 |
Tempo para formação/atualização profissional | -1,64 | 1,74 | -3 | 3 |
No futuro verifica-se uma perceção de impacte negativo nas dimensões “atividades burocráticas”, “saúde pessoal”, “tempo para os amigos”, e “tempo para o lazer pessoal”, e um impacte positivo nas dimensões “disponibilidade de equipamentos de proteção individual” e “organização do espaço físico no local de trabalho”, tal como se pode observar na tabela 4.
Média | Desvio padrão | Min | Max | |
---|---|---|---|---|
Organização do espaço físico no local de trabalho | 0,88 | 1,70 | -3 | 3 |
Disponibilidade de equipamentos de proteção individual | 1,62 | 1,55 | -3 | 3 |
Relacionamento com familiares dos doentes | 0,42 | 1,79 | -3 | 3 |
Relacionamento com colegas de trabalho | 0,83 | 1,66 | -3 | 3 |
Treino e integração de enfermeiros | 0,47 | 1,67 | -3 | 3 |
Supervisão de estudantes de enfermagem | 0,28 | 1,63 | -3 | 3 |
Atividades burocráticas | -0,12 | 1,62 | -3 | 3 |
Saúde pessoal | -0,07 | 1,86 | -3 | 3 |
Tempo para a família | 0,01 | 1,97 | -3 | 3 |
Tempo para os amigos | -0,07 | 2,03 | -3 | 3 |
Tempo para lazer pessoal | -0,07 | 2,01 | -3 | 3 |
Tempo para formação/atualização profissional | 0,42 | 1,87 | -3 | 3 |
A pandemia por COVID-19 teve impacte nas diferentes dimensões estudadas, realçando-se que os enfermeiros chefes/gestores têm uma perceção mais positiva deste impacte comparativamente aos restantes enfermeiros, quer no período da pandemia quer para o futuro.
Verificou-se, ainda, que a pandemia deteve um impacte mais negativo nos EEER que deixaram de exercer funções como especialistas, tal como se observa na tabela 5, através do Teste ANOVA One-Way e Teste de Tukey HSD.
Complexidade clínica dos doentes
A pandemia por COVID-19 apresentou ainda uma alteração na complexidade clínica dos doentes. Verificou-se um aumento da complexidade nos doentes do “foro respiratório” para 73,8% dos EEER, com “alterações na capacidade para o autocuidado” para 52,5% dos EEER e “alterações na capacidade de autogestão da doença” para 51,9% dos EEER. Estas alterações podem ser ainda observadas nos gráficos seguintes (Gráfico 1 e 2).
Satisfação com os cuidados prestados
A satisfação global, com as várias dimensões dos cuidados especializados prestados, diminuiu para 59,4% dos EEER. Contudo, quando analisamos individualmente a dimensão dos cuidados prestados a doentes do “foro respiratório”, a satisfação aumentou para 40% dos EEER.
Na dimensão da satisfação com a qualidade dos cuidados o impacte mais negativo foi percebido pelos EEER que deixaram de exercer funções de especialistas e relativamente à prestação de cuidados de enfermagem a pessoas com alterações da eliminação, tal como se pode observar na tabela 6, através do Teste de diferenças de Kruskal-Wallis.
Ordem média (Sempre especializados em enfermagem de reabilitação) | Ordem média (Deixei de prestar cuidados especializados em enfermagem de reabilitação) | Ordem média (Quase sempre especializados em enfermagem de reabilitação, mas em alguns períodos, apenas como enfermeiros de cuidados gerais) | H | p | |
---|---|---|---|---|---|
Doentes com alterações da Eliminação | 90,57 | 73,98 | 81,47 | 10,80 | 0,01 |
Utilização de recursos de aprendizagem
Durante a pandemia por COVID-19 verificou-se uma necessidade de utilização de recursos de aprendizagem pelos profissionais de saúde, sendo que os webinars e os jornais/revistas científicas foram os recursos mais utilizados e com impacte mais positivo para os enfermeiros. Estes resultados podem observar-se na tabela 7.
Utilização | Impacte | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | Desvio Padrão | Min | Max | Média | Desvio Padrão | Min | Max | |
Colegas peritos | 3,03 | 1,23 | 1 | 5 | 3,1 | 1,23 | 1 | 5 |
Outros peritos da equipe de saúde | 3,03 | 1,26 | 1 | 5 | 3,11 | 1,19 | 1 | 5 |
Webinars | 3,79 | 1,21 | 1 | 5 | 3,69 | 1,17 | 1 | 5 |
Websites institucionais | 3,08 | 1,39 | 1 | 5 | 3,09 | 1,32 | 1 | 5 |
Plataformas de e-learning | 3,09 | 1,38 | 1 | 5 | 3,03 | 1,33 | 1 | 5 |
Jornais e revistas científicas online | 3,21 | 1,18 | 1 | 5 | 3,29 | 1,22 | 1 | 5 |
Modalidades de aprendizagem
Relativamente às modalidades de aprendizagem preferidas pelos enfermeiros no futuro, o regime presencial e misto foram os que obtiveram valores médios superiores, tal como se verifica na tabela 8.
DISCUSSÃO
A perceção de impacte da pandemia pode estar relacionada com diferentes questões. Para além das medidas sociais e de saúde pública, as condições laborais implementadas como medidas de resposta à pandemia nos serviços de saúde também podem deter um papel importante, as quais reforçam a ideia de que houve uma maior solidariedade e espírito de equipa entre colegas. A variável “relacionamento com os colegas de trabalho” apresentou um impacte positivo nos enfermeiros durante a pandemia. Estes resultados estão de acordo com resultados de anteriores 4. A “disponibilidade de equipamentos de proteção individual” apresentou um impacte positivo, sendo que este se pode dever a um maior investimento nestes recursos como reposta imediata à pandemia, tal como salientado num estudo anterior 8).
No período “no futuro” a variável “disponibilidade de equipamentos de proteção individual” mantém-se como uma das variáveis com impacte mais positivos nos enfermeiros. Também a variável “organização do espaço físico no local de trabalho” apresenta um impacte positivo. As variáveis com impacte mais negativo “no futuro” foram “atividades burocráticas”, “saúde pessoal”, “tempo para os amigos”, e “tempo para lazer pessoal”. Estes resultados são menos impactantes comparativamente com os valores obtidos no período “durante a pandemia”. As “atividades burocráticas” poderão apresentar um valor de impacte negativo menos impactante devido a, com o passar do tempo e com a produção de evidência, a implementação e a organização dos cuidados de saúde estarem melhor suportados através da aquisição de novo conhecimento e da implementação de standards e guidelines que providenciam um suporte melhor nas intervenções de enfermagem 8.
Verifica-se uma diminuição da satisfação com os cuidados prestados por parte dos EEER provavelmente como resultado da adaptação das funções destes profissionais durante o período de pandemia. No estudo anterior 8 os enfermeiros especialistas demonstraram uma média de impacte nas dimensões das práticas autónomas inferior, inclusive atividades de planeamento, avaliação e continuidade, influenciando a forma como estes respondem às necessidades dos seus doentes.
O aumento da complexidade clínica dos doentes do foro respiratório pode estar relacionado com a sintomatologia associada ao vírus e das suas consequências posteriores, sendo que o aumento da complexidade clínica dos doentes com alterações na capacidade para o autocuidado e autogestão da doença pode estar relacionado com o facto de ainda haver pouca evidência acerca dos comportamentos de saúde a adotar aquando da reabilitação após o período agudo da doença, sendo que se trata, também, de uma transição em que muitos doentes se tornaram dependentes ou ainda mais dependentes.
A alteração das condições de trabalho, rácios, carga horária, funções executadas têm um papel essencial na qualidade dos cuidados e, inevitavelmente, na satisfação dos profissionais de saúde. Com os dados presentes torna-se claro para os decisores que algumas mudanças ou adaptações deverão ser feitas aos serviços com intuito de permitir uma melhor dinâmica e qualidade dos cuidados prestados. Como factor limitante podemos salientar o tempo de recolha de dados.
CONCLUSÃO
O estudo do impacte da pandemia nos EEER e nos cuidados especializados prestados contribui para o conhecimento desta dimensão e para a implementação de medidas com intuito na melhor gestão de recursos humanos/profissionais e na melhor gestão dos cuidados especializados prestados às populações.
Considerando os objetivos anteriormente delineados para este estudo, podemos afirmar que obtivemos os resultados que auxiliam à resposta dos mesmos. Para o objetivo identificar o impacte da pandemia por COVID-19 nos cuidados especializados de enfermagem de reabilitação disponibilizados às populações, verificou-se que a pandemia deteve um impacte na complexidade clínica de determinadas tipologias de doentes, bem como teve um impacte na satisfação que os enfermeiros apresentam na prestação de cuidados. Para o objetivo caraterizar o impacte da pandemia por COVID-19 nas estratégias de atualização técnico-científica dos EEER, verificou-se que, durante o período de pandemia, determinados recursos de aprendizagem que possibilitaram uma prática mais atualizada e segura dos cuidados, sendo que além dos recursos de aprendizagem, havendo uma preferência por determinadas modalidades de aprendizagem no que concerne à aprendizagem para o futuro. Para os restantes dois objetivos disponibilizar informação aos decisores para uma melhor gestão de recursos humanos/profissionais, e disponibilizar informação aos decisores para uma melhor gestão de cuidados de enfermagem especializados às populações, os resultados são informação importante para a tomada de decisão e adaptação das condições de trabalho, visando uma maior qualidade de cuidados e satisfação profissional. Informação esta que poderá vir a ser útil na preparação da resposta dos serviços de saúde a potenciais futuras pandemias.
Seria interessante explorar mais especificamente como a pandemia afetou a vida pessoal e profissional dos EEER, bem como uma contínua monitorização dos mesmos resultados num período mais prolongado, com intuito mais comparativo. Estudos mais direcionados para o impacte da pandemia nas intervenções autónomas dos EEER, bem como na satisfação da prestação de cuidados seriam igualmente pertinentes na medida que promoverão uma melhor compreensão do contexto e da problemática.