INTRODUÇÃO
O Autocuidado é um conceito relevante na Enfermagem, principalmente, desde a apresentação da Teoria do Autocuidado por Dorothea Orem em 19711. Esta Teoria de Enfermagem é um pilar científico da prática e para a construção da qualidade dos cuidados de Enfermagem2.
O International Council of Nursing, em 2005, definiu autocuidado como o conjunto de atividades necessárias para a pessoa manter a sua vida e bem-estar, assim como gerir as suas necessidades individuais e as Atividades de Vida Diária (AVD)3. O autocuidado é intrínseco à pessoa e depende da sua singularidade(3).
A avaliação da capacidade de autocuidado é transversal a todos os Enfermeiros, mas representa uma área de decisão clínica com especial relevância para a prática de Enfermagem de Reabilitação (ER)4,5. A Reabilitação emerge num ponto de transição de autocuidado, dependendo da autonomia e liberdade da pessoa para a tomada de decisão relativamente ao seu Projeto de Saúde6.
O Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação (EEER) tem três pilares na sua praxis: cuidar, capacitar e maximizar7. Nesta perspetiva o EEER pode substituir temporária ou definitivamente a pessoa na realização das AVD e/ou realizar intervenções que potenciam a funcionalidade da pessoa para a realização do autocuidado8, transmitindo conhecimentos e treinando capacidades neste processo da pessoa e/ou dos cuidadores formais ou informais, para a realização de um autocuidado autónomo e independente.
Atualmente, os ganhos em saúde podem ser avaliados através de indicadores, sendo que o autocuidado é uma área privilegiada na monitorização dos ganhos em saúde relacionados com os cuidados de enfermagem prestados. Estes privilegiam a promoção da autonomia/independência e o desenvolvimento das capacidades singulares e/ou dos prestadores de cuidados9,10.
É fundamental compreender os indicadores preditivos do autocuidado, uma vez que designam a previsão de comportamento da pessoa perante uma atividade de autocuidado11. Estes indicadores influenciam a responsabilização e a capacidade da pessoa para realizar as ações de autocuidado12. A identificação dos indicadores preditivos do autocuidado é a base do Processo de Enfermagem, uma vez que a avaliação inicial eficiente permite a elaboração do plano de cuidados válido13-15.
Dorothea Orem pressupõe a existência de requisitos e fatores condicionantes do autocuidado, mas que se desviam do sentido do cidadão comum16. Recentemente, foi elaborado por Narasimhan, Allotey e Hardon um modelo holístico centrado na pessoa, que realça a importância de estratégias educacionais e da adaptação às transições para promover o autocuidado, mas não clarifica os indicadores preditivos do autocuidado17. Da pesquisa realizada pelos autores sobre o Autocuidado, não foi possível identificar um core estruturado de indicadores preditivos de autocuidado que apoie a decisão clínica. Por outro lado, existe vários estudos sobre os indicadores de adesão ao regime terapêutico em relação a patologias como a Diabetes Mellitus ou a Hipertensão Arterial, mas sem abordagem dos indicadores preditivos de autocuidado propriamente ditos.
Identificou-se assim uma lacuna na literatura, que originou a questão de investigação com uma variante da metodologia PICO, a “PO” (população/outcome, fenómeno): “Quais são os indicadores preditivos da capacidade de autocuidado (O) da pessoa adulta (P)?”. Definiu-se como objetivos para este estudo:
METODOLOGIA
Realizou-se uma Revisão Sistemática da Literatura (RSL), de forma a identificar os indicadores preditivos de capacidade de autocuidado da pessoa adulta e os métodos de avaliação utilizados pelo enfermeiro de reabilitação. A RSL permite identificar, avaliar e sintetizar os resultados de vários estudos preponderantes realizados na área da saúde, sobre um tema específico18,19.
Construiu-se um protocolo específico com desenho PRISMA, de forma a tornar-se cientificamente sólido e a minimizar obstáculos que deterioram o resultado final da RSL20,21. Assim, selecionou-se os descritores através da nomenclatura DeCS/MeSH: (Adult), (Self Care), (Nursing), (Self Management), (Indicators), (Rehabilitation), formulando-se a equação boleana utilizada para pesquisa: (Self Care) AND (Indicators).
Optou-se por definir o limite temporal de 1 de setembro de 2011 a 30 de setembro de 2021 para abranger mais estudos sobre a temática. Foi consultada a plataforma de bases de dados EBSCO Host, por 2 revisores, com acesso às seguintes bases de dados em simultâneo: CINAHL Complete, MEDLINE Complete, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive, Cochrane Central Register of Controlled Trials e MedicLatina. Só foram considerados artigos com texto completo, no idioma espanhol, inglês ou português. Todos os restantes artigos foram excluídos.
Procedeu-se à leitura dos títulos e resumos, procurando-se estudos primários e com referência a pelo menos 2 descritores definidos. Através da aplicação destes critérios, da eliminação de artigos duplicados e da exclusão de artigos sem resumo
De seguida realizou-se leitura integral dos artigos, com definição dos critérios de inclusão: abordagem no corpo do texto de indicadores de autocuidado da pessoa adulta ou métodos de avaliação da capacidade de autocuidado da pessoa adulta.
O passo seguinte consistiu na análise qualitativa dos estudos selecionados, por 3 revisores, de forma a selecionar com confiança o corpo final do estudo. Utilizou-se as Critical Appraisal Tools of the Joana Briggs Institute (CAT-JBI) de estudos qualitativos, estudos de coorte e estudos transversais, de forma a admitir-se estudos de qualidade científica validada. Definiu-se como critério de aceitação estudos de alta qualidade, com classificação igual ou superior a 75% nas CAT-JBI. Foi feita a classificação do nível de evidência pela JBI22.
RESULTADOS
Da pesquisa efetuada foram identificados 620 artigos. Após a leitura do título, reduziu-se a amostra para 41 artigos. De seguida realizou-se leitura integral dos artigos, e após a aplicação dos critérios de elegibilidade, a amostra foi reduzida para 9 artigos. Foram excluídos 2 estudos, por apresentarem classificação inferior a 75% dos critérios da JBI. O corpo final de estudos foi reduzido para 7, estando exposto no Percurso Metodológico de Seleção de Artigos (figura 1).
Posteriormente, analisaram-se os dados identificados nos estudos com base nos pressupostos da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)23, uma vez que proporciona base científica para compreensão e estudo dos determinantes de saúde, assim como permite estabelecer uma linguagem universal.
Na tabela seguinte, encontram-se explanados os resultados referentes aos Estudos Selecionados (Tabela 1) para facilitar a análise dos seus resultados. Estes estudos formam o core da RSL. Os estudos foram desenvolvidos em 5 países europeus, na China e no Canadá e apresentaram um nível de evidência da CAT-JBI acima dos 80%.
Autores | Ano | País | Jornal / Revista | Título | Classificação CAT-JBI |
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Dale, Soderhamn & Soderhamn11 | 2012 | Noruega | Scandinavian Journal of Caring Sciences | Self-care ability among home-dwelling older people in rural areas in southern Norway | 100% |
Smith, Pedneault & Schmitz24 | 2015 | Canadá | Canadian Journal of Public Health | Investigation of anxiety and depression symptom co-morbidity in a community sample with type 2 diabetes: Associations with indicators of self-care | 100% |
Cheng, Sit, Leung & Li25 | 2016 | China | Worldviews on Evidence-Based Nursing | The Association Between Self-Management Barriers and Self-Efficacy in Chinese Patients with Type 2 Diabetes: The Mediating Role of Appraisal | 87,5% |
Schwennesen, Henriksen & Willaing26 | 2016 | Dinamarca | Scandinavian Journal of Caring Sciences | Patient explanations for non-attendance at type 2 diabetes self-management education: a qualitative study | 90% |
Evaristo & Marques27 | 2018 | Portugal | Onco.News | Perfil de autocuidado do doente em tratamentos com hemodiálise: estudo descritivo transversal | 87,5% |
Manzanares, García, López, Dóniga, Ortega & García28 | 2019 | Espanha | Metas de Enfermería | Equilibrio emocional, capacidad de autocuidado e integridad cutánea en la persona ostomizada | 81,8% |
Heggdal, Mendelsohn, Stepanian, Oftedal & Larsen29 | 2021 | Noruega | Health Expectations | Health-care professionals’ assessment of a person-centred intervention to empower self-management and health across chronic illness: Qualitative findings from a process evaluation study | 100% |
Posteriormente procedeu-se à leitura integral de cada estudo selecionado, extraindo-se os dados apresentados na Tabela 2, para proceder à síntese e análise crítica e qualitativa dos mesmos.
Autores / País | Desenho, Objetivo do estudo e Nível de Evidência JBI | Participantes | Intervenção | Resultados /Conclusões |
---|---|---|---|---|
Dale, Soderhamn & Soderhamn11; Noruega | Estudo transversal. NE - 4.b Objetivo: Descrever a capacidade de autocuidado de pessoas idosas que vivem em regiões rurais do sul da Noruega. |
1050 pessoas que vivem em regiões rurais do sul da Noruega, sendo 526 homens e 524 mulheres, com idades entre os 65 e 96 anos. | Aplicação de um questionário demográfico e cinco instrumentos de avaliação: Self-care Ability Scale for Elderly (SASE), Appraisal of Self-care Agency Scale (ASA), Escala de Senso de Coerência, Nutritional Form for the Elderly (NUFFE) e Questionário Geral de Saúde de Godberg. | Fatores preditivos da capacidade de autocuidado: • Elevado grau de escolaridade; • Ter habitação própria; • Apoio da família; • Perceção positiva de envelhecimento, da saúde e da capacidade de autocuidado; • Envelhecimento ativo; • Satisfação com a vida; • Pontuação baixa na NUFFE; • Pontuação alta na SASE e na ASA. Fatores preditivos da incapacidade de autocuidado: • Baixo grau de escolaridade; • Habitação em residências ou lares; • Alterações na saúde mental; • Sentimento de desamparo; • Baixo estado nutritivo; • Comorbilidade. O estudo demonstrou que quanto maior é a idade, menor é a capacidade de autocuidado. |
Smith, Pedneault & Schmitz24), Canadá | Estudo longitudinal community-based Study. NE 3.e Objetivo: Compreender o impacto dos sintomas de depressão e ansiedade no autocuidado. |
1990 pessoas com Diabetes Mellitus, com idade média 60 anos e desvio padrão 8 anos. | Aplicação de um questionário telefónico, baseado no Questionário Geral de Transtorno de Ansiedade e nas recomendações Canadianas sobre os fatores de autocuidado da pessoa com Diabetes Mellitus. | Os sintomas de depressão e/ou ansiedade têm efeito negativo sobre a capacidade de a pessoa com Diabetes Mellitus praticar o autocuidado. Os sintomas de depressão (por exemplo, a fadiga e os problemas de concentração) originam obstáculos na gestão do regime terapêutico e a ansiedade origina dificuldades, principalmente, na gestão alimentar adequada. |
Cheng, Sit, Leung & Li25; China | Estudo transversal. Objetivo: Determinar a relação entre a avaliação da Diabetes Mellitus pela própria pessoa com os obstáculos na autogestão da doença e a autoeficácia. |
346 adultos com Diabetes Mellitus tipo 2. | Aplicação de 4 instrumentos de avaliação: Questionário Pessoal da Diabetes, Escala de Avaliação da Diabetes, Escala de Empowerment da Diabetes e Resumo das Atividades de Autocuidado da Diabetes. | Foi identificado um forte impacto negativo dos obstáculos da autogestão nos comportamentos de autogestão. Uma visão positiva da doença facilita a mitigação dos obstáculos na autogestão. Uma visão negativa da doença aumenta o efeito dos obstáculos nos comportamentos de autogestão. Obstáculos para a autogestão: • Falta de conhecimento; • Baixo nível de escolaridade; • Dificuldade em resolver problemas no dia-a-dia; • Stress; • Perceção negativa da doença. |
Schwennesen, Henriksen & Willaing26; Dinamarca | Estudo qualitativo. NE - 3 Objetivo: Explorar as razões de não adesão a sessões de educação para a autogestão da Diabetes Mellitus tipo 2. |
15 adultos com Diabetes Mellitus tipo 2, entre os 30 e os 76 anos. | Aplicação de entrevista telefónica semiestruturada. | Motivos de não adesão às sessões: • Individual (doença, falta de benefício percebido e motivação); • Fatores organizacionais (não recebem notificação da sessão com tempo suficiente, duração extensa de cada sessão, várias sessões); • Conteúdo (pouco atrativo). Preferências das pessoas: • Tempo das sessões curtas; • Conteúdo das sessões ajustados às necessidades de aprendizagem de cada pessoa individualmente (por exemplo, aceitação da doença, sentimento de competência e outras prioridades na vida).Fatores que facilitam a adesão às sessões: • Maior tempo livre das pessoas desempregadas ou reformadas, em comparação com as pessoas empregadas; • Diagnóstico da doença há mais de 2 anos. |
Evaristo & Marques27; Portugal | Estudo exploratório transversal, descritivo e correlacional. NE - 4.b Objetivo: Determinar e descrever os perfis de autocuidado em pessoas que fazem hemodiálise e perceber como os perfis influenciam a gestão do regime terapêutico. |
122 pessoas em hemodiálise numa unidade de saúde portuguesa. 58,2% eram homens com idade média de 62 anos e desvio padrão 16 anos. |
Entrevistas com utilização do Questionário Self-care of Home Dwelling Elderly (SHDE). | Existem 4 perfis de autocuidado: responsável, formalmente guiado, independente e de abandono. Não foi possível definir o tipo de perfil de autocuidado de 71 pessoas. Características de cada perfil de autocuidado: • Responsável - adesão alta a projetos de saúde relacionados com o autocuidado; poucos obstáculos e perspetiva de futuro positivo; solicita ajuda quando necessita e procura o relacionamento interpessoal; influencia positivamente a capacidade de autocuidado. • Formalmente guiado - não apresentado. • Independente - não apresentado. • De abandono - baixa adesão ao regime terapêutico e sem definição de projeto de saúde; maior incidência de trauma emocional, isolamento social e depressão; “desejo de desistir”; influencia negativamente a capacidade de autocuidado. Características das pessoas com maior incidência por perfil de autocuidado: • Responsável - jovens, elevado grau de formação académica e elevada literacia em saúde. • Formalmente guiado - idosos, reformados, doença crónica ou sintomas graves, baixo nível de escolaridade, baixa literacia em saúde. • Independente - não apresentado. • De abandono - idosos, reformados, viúvos, baixo nível de escolaridade, baixa literacia em saúde, pouco conhecimento sobre a morte e sobre planos terapêuticos alternativos. |
Manzanares, García, López, Dóniga, Ortega & García28, Espanha | Estudo de coorte. NE - 3.b Objetivo: Explorar a relação entre a estabilidade emocional, autocuidado e integridade cutânea em pessoas com ostomia, mediante os critérios da classificação das intervenções de Enfermagem. |
55 pessoas com ostomia, com idade média 67 anos e 58,2% com mais de 65 anos. | Entrevista, exame físico e revisão da história clínica aos 7 dias pós-alta hospitalar, aos 2 meses, 6 meses e 12 meses. | Fatores que condicionaram a prática de autocuidado: • Estado emocional, inicialmente instável, com autocuidado ineficaz; • Aceitação da nova condição de saúde, como fator facilitador; • Ânimo sereno e sono reparador; • Idade, principalmente idosos com maior dificuldade em realizar cuidados à pele. A relação entre a integridade da pele periestomal e a capacidade de realizar as AVD, foi moderada. |
Heggdal, Mendelsohn, Stepanian, Oftedal & Larsen29; Noruega | Estudo qualitativo. NE - 3 Objetivo: Avaliar o impacto dos cuidados de saúde centrados na pessoa com doença crónica, inferindo o impacto no seu bem-estar e saúde. |
58 pessoas internadas em centros de cuidados especializados na Noruega, com idade entre os 29 e os 81 anos. | Entrevistas semiestruturadas ao longo de 8 sessões durante implementação de um programa de conhecimento corporal. | Fatores facilitadores da recuperação: • Partilha de experiências com pessoas com a mesma condição clínica; • Empatia; • Relações interpessoais e suporte de pares. Fatores que dificultam a recuperação: • Stress; • Perceção das consequências da doença. |
Após identificação dos dados, consideraram-se três classes de indicadores, de forma a facilitar a compreensão e sistematização dos dados. Estas classes permitem ao Enfermeiro ter um guia para a avaliação da capacidade de autocuidado da pessoa. São então as seguintes classes:
Os Indicadores Pessoais são contemplados como Indicadores Intrínsecos à pessoa, enquanto os Indicadores Organizacionais e os Indicadores Sociais referem-se aos Indicadores Extrínsecos. A CIF também preconiza a influência de Fatores Facilitadores e de Fatores Barreira (fatores dificultadores) nas atividades23. Na Tabela 3 foi agrupado, por Classe de Indicador, Fator e Dimensão os dados dos resultados da pesquisa.
Indicador | Fator | Dimensão | Dados |
---|---|---|---|
Pessoal | Fatores Facilitadores | Demográfica | Adulto com idade inferior a 65 anos, ter habitação própria e estar reformado 11,27,28 |
Psicológica | Forte impacto de sentimentos e emoções positivas, da satisfação com a vida e da motivação 11,28 | ||
Cognitiva | Elevado grau de escolaridade e de literacia em saúde 11,27, perceção positiva de envelhecimento, da saúde e da capacidade de autocuidado11,27,28) e, conhecimento do processo de doença26 | ||
Fisiológica | Elevado estado nutricional 11 e sono reparador28 | ||
Fatores Barreira | Demográfica | Idade igual ou superior a 65 anos 11 e habitação em residências ou lares27 | |
Psicológica | Sintomatologia depressiva 24, perceção negativa da doença25 e das suas consequências29, sentimento de abandono, isolamento social e trauma emocional27) e stress25,29 | ||
Cognitiva | Falta de conhecimento, baixo nível de escolaridade 25,27 e doença do foro mental11 | ||
Fisiológica | Baixo estado nutritivo, comorbilidade 27 | ||
Organizacional | Fatores Facilitadores | Sessões de educação para a saúde 26) e envelhecimento ativo11,27,29 | |
Fatores Barreira | Não identificado. | ||
Social | Fatores Facilitadores | Envelhecimento ativo 11,27,29, rede de apoio familiar forte11 e testemunho de pessoas que experienciam situações idênticas29 | |
Fatores Barreira | Não identificado. |
Criou-se também uma tabela com os principais dados sobre os Instrumentos de Avaliação da capacidade de Autocuidado identificados (Tabela 4). Os estudos identificados nesta RSL não abordam profundamente como se aplica cada Instrumento de Avaliação, pelo que os dados foram complementados através de consulta de outros estudos.
SASE | ASA | NUFFE | SHDE | |
---|---|---|---|---|
Tipo de Avaliação | Capacidade de autocuidado30,31 | Capacidade e execução do autocuidado30,32 | Risco de desnutrição da pessoa idosa11,33 | Predisposição dos idosos para praticar o autocuidado27,34 |
Core da Avaliação | Identificação de: • Capacidade para alcançar metas de cuidado; • Capacidade de repertório; • Capacidade de alcançar bem-estar31. |
Identificação de: • Capacidade de autocuidado; • Desenvolvimento de capacidade de autocuidado; • Falta de capacidade de autocuidado32. |
Avaliação de dados: • Antropométricos; • Biomecânicos; • Funcionais; • Sociais33. |
Identificação do Perfil de Autocuidado do idoso: • Responsável; • Formalmente guiado; • Independente; • Abandono27,34. |
Legenda: SASE- Self-care Ability Scale for Elderly, ASA - Self-Care Agency Scale , NUFFE - Nutritional Form for the Elderly , SHDE - Self-care of Home Dwelling Elderly
DISCUSSÃO
A maioria dos estudos permitiu a identificação de vários indicadores preditivos do autocuidado com fatores facilitadores ou de barreira na capacidade de autocuidado da pessoa idosa11,26-29. Contudo, dois dos estudos, apresentam apenas fatores barreira24,25.
A pessoa tem maior capacidade de autocuidado quando gere a sua vida autonomamente e na sua própria casa, sem interferência de terceiros11,27. Existe maior predisposição para realizar as atividades de autocuidado com qualidade, quando há tempo livre (por exemplo, pessoa reformada), bem-estar psicológico e fisiológico e, capacidade de compreensão sobre as situações de vida, a doença e o autocuidado11,27,28,35. O EEER poderá intervir em qualquer momento do ciclo vital, desempenhando, principalmente, o papel de orientação da pessoa na promoção da autonomia e da independência da pessoa através da identificação de necessidades especiais de intervenção e aprendizagem7.
É fundamental as instituições criarem atividades com envolvimento dos Enfermeiros e, particularmente, de EEER que promovem a readaptação funcional da pessoa adulta em situação de transição, de forma a viver em plenitude, com privilégio pela aceitação e adaptação ao seu estado de saúde7,26. Devem ser preparadas sessões de educação para a saúde que sejam do real interesse e necessidade da pessoa, com tempo ajustado às suas necessidades formativas e com consideração pelo seu conhecimento/competência26.
A literacia em saúde está espelhada como um fator facilitador da capacidade de autocuidado em dois estudos apresentados11,27. Porém, a iliteracia em saúde e níveis baixos de escolaridade, poderão comprometer a compreensão das estratégias de readaptação, levando a incapacidade de autocuidado25,27,29. A diminuição da compreensão da doença poderá, também, originar perceção errónea do estado de saúde, tornando mais difícil a autogestão eficiente, a recuperação e/ou a reabilitação da pessoa29.
O EEER tem de considerar estes aspetos nas sessões de educação para a saúde, sejam elas de intervenção individual ou em grupo, pois é uma competência específica do EEER8. O processo de capacitação da pessoa deve ser encarado como uma partilha de desejos pela pessoa e de conhecimento sobre técnicas e/ou habilidades pelo EEER, de forma a promover a sua readaptação funcional em função da deficiência, limitação da atividade e/ou restrição de participação nas suas atividades8,26.
O envelhecimento ativo surge nestes estudos, como Indicador Organizacional e Social, uma vez que é visto como uma oportunidade que as instituições oferecem ao idoso para manter e desenvolver as suas capacidades, providenciando a sua inclusão social e estimulando-as a desenvolver habilidades para viver em comunidade11,29,35,36. Este conceito é muito prático e tem como objetivo permitir aos idosos participar em atividades de âmbito social e de lazer que proporcionam melhor perceção sobre a saúde e os hábitos de vida11,27,35. É um fator facilitador na realização das AVD, que estão diretamente relacionadas com a concretização do autocuidado36,37.
Nestes estudos é evidente o impacto dos Indicadores Sociais na vontade de realizar as atividades de autocuidado. A pessoa sente-se mais confortada se tiver rede de apoio familiar forte11,38. Por outro lado, a rede de apoio social alargada também é fulcral, por exemplo, através do testemunho de pessoas que experienciam situações idênticas29. A empatia e as relações interpessoais facilitam a manutenção ou o desenvolvimento de motivação pela pessoa11,29,38. Outro estudo realizado em Portugal valida estes dados, na medida que, a família é agente de facilitação de bem-estar e potenciador das capacidades do idoso35.
Não foi possível identificar Indicadores Organizacionais e Sociais com efeito barreira na capacidade de autocuidado. Depreende-se que se constitui como fator barreira a ausência dos indicadores facilitadores da capacidade de autocuidado. O fator barreira com maior incidência nos estudos é a idade superior ou igual a 65 anos, uma vez que está relacionada com a ocorrência de doenças crónicas e comorbilidades no idoso11,27,39. O processo de envelhecimento reflete-se numa maior vulnerabilidade a fatores internos e externos, associados à fragilidade do idoso40. Há vários sinais e sintomas preditores de incapacidade no autocuidado, sobretudo a perda de peso não intencional, a fadiga, a diminuição da motricidade fina, a redução da atividade física e a diminuição na velocidade da marcha11,28,29,40.
O declínio da saúde mental também está associado à incapacidade de autocuidado, pois existe uma relação direta entre a saúde mental e a capacidade para resolver problemas/situações do quotidiano11,25. O equilíbrio desta relação é afetado por problemas como a depressão e a ansiedade11,24,28, que diminuem a capacidade de concentração da pessoa e a autogestão24.
A habitação em residências e lares afeta a autonomia da pessoa, pelo facto de a pessoa não ser exclusivamente responsável pela gestão do autocuidado, que poderá levar à diminuição da capacidade de autocuidado27. O Enfermeiro tem de considerar este fator, de forma a promover o exercício da autonomia e tomada de decisão da pessoa7.
Identificados os indicadores preditivos da capacidade de autocuidado da pessoa é possível delinear estratégias no sentido de maximizar os fatores facilitadores e remover, minimizar ou ultrapassar as barreiras identificadas, objetivando maximizar a funcionalidade da pessoa e desenvolver as suas capacidades nos vários níveis de competência7,15,23. O Enfermeiro considera estes indicadores na fase de avaliação do Processo de Enfermagem13,14.
No que respeita aos métodos de avaliação da capacidade de Autocuidado, foram identificados vários Instrumentos de Avaliação da capacidade de Autocuidado. Os Instrumentos de Avaliação permitem aferir necessidades, diagnósticos e prever resultados dos cuidados do Enfermeiro14,15. Nestes estudos identificaram-se 4 Instrumentos de Avaliação que possibilitam a avaliação da capacidade de autocuidado de forma objetiva: SASE, ASA, NUFFE11 e SHDE(27).
A SASE está validada para utilização universal30. A capacidade de alcançar metas é o construto principal da SASE, uma vez que é através do estabelecimento de objetivos que a pessoa consegue delinear a sua prática de autocuidado. A capacidade de repertório consiste no conjunto de conhecimentos e habilidades que a pessoa possui e recruta para realizar as atividades de autocuidado. A capacidade de alcançar o bem-estar está relacionada com a satisfação da pessoa e a qualidade de vida31. A SASE ainda não está validada para o contexto português, pelo que se recomenda futuras investigações nesta temática.
A ASE apresenta questões diretamente relacionadas com a capacidade de autocuidado, incapacidade de autocuidado e desenvolvimento da capacidade de autocuidado, de forma a identificar qual das 3 categorias a pessoa se identifica mais32. A utilização da SASE e da ASE permite a perceção da capacidade de autocuidado da pessoa e as suas classificações são preditivas da capacidade de autocuidado30,32. A ASE está traduzida para a língua Portuguesa mas não está validada para a população portuguesa41.
A NUFFE é um questionário validado para utilização no plano de reabilitação11,33. No entanto, deve ser utilizada por profissionais com conhecimento aprofundado em nutrição33. A elevada capacidade de autocuidado é estimada com pontuação elevada na SASE e na ASA, pontuação baixa na NUFFE11 e Perfil de Autocuidado Responsável no SHDE27.
O SHDE ainda não está completamente validado para utilização na população portuguesa12,27. No estudo apresentado nesta RSL, não foi possível definir o Perfil de Autocuidado de 71 dos 122 participantes no estudo27.
Relativamente a cada tipo de Perfil de Autocuidado, a pessoa que apresenta o Perfil de Autocuidado Responsável revela interesse pelo seu Projeto de Saúde e importa-se com o autocuidado, idealizando a vida, a saúde e o futuro com otimismo27. A pessoa que apresenta este perfil é responsável e realiza as AVD, procura conhecimento sobre o seu estado de saúde e mostra capacidade de tomar decisões12,34,42.
No estudo sobre os Perfis de Autocuidado, não é apresentada informação sobre os Perfis de Autocuidado Formalmente Guiado e Independente, constituindo uma limitação deste estudo27. Consultou-se a publicação original do modelo para compreender estes perfis34. O Perfil de Autocuidado Formalmente Guiado é adotado por pessoas com baixo conhecimento, mas que se preocupam com a sua vida, saúde e autocuidado, seguindo as indicações dos enfermeiros mesmo que não as compreendam. Relativamente ao Perfil de Autocuidado Independente, a pessoa julga ter as ferramentas e conhecimentos necessários, desvalorizando a intervenção do enfermeiro34.
Apresenta-se o Perfil de Autocuidado de Abandono como barreira para a capacidade de autocuidado. Este perfil caracteriza-se por baixa adesão ao regime terapêutico, inexistência de Projeto de Saúde, desvalorização do autocuidado e tendência para o isolamento social12,27,34. A pessoa apresenta impotência para gerir a sua vida e a saúde, falta de responsabilidade, iliteracia em saúde, depressão, insegurança, medo da morte e pode apresentar deficiência27,42. É necessário acompanhar esta pessoa ao longo da vida, de forma a prestar apoio e supervisão minimizando o impacto negativo no autocuidado34.
Apesar de nesta revisão não serem apresentados os resultados dos Instrumentos de Avaliação com efeito barreira na capacidade de autocuidado, depreende-se que se constitui como fator barreira quando se verifica o resultado oposto nos Instrumentos de Avaliação. Também não são apresentados todos os tipos de AVD, descritas pela OE, com impacto no autocuidado43. Destaca-se o foco na alimentação, uma vez que tem sido amplamente estudado na Diabetes Mellitus, que é uma doença com elevada incidência nos estudos desta RSL e com Instrumentos de Avaliação específicos.
A RSL apresenta diversas limitações que se nomeiam de seguida:
Os estudos selecionados são dirigidos essencialmente à população idosa, pelo que não é possível aferir se estes dados se aplicam a todas as faixas etárias da pessoa adulta, constituindo a principal limitação desta RSL;
Não foi possível escrutinar a informação com impacto no autocuidado de pessoas com outras patologias além da Diabetes Mellitus e da pessoa submetida a terapêutica de substituição renal, por hemodiálise;
Identificou-se apenas dois métodos válidos e fáceis de aplicar para avaliação da capacidade de autocuidado, através da utilização dos Instrumentos de Avaliação SASE e ASA.
CONCLUSÃO
Nesta RSL identificaram-se 3 classes de indicadores preditivos da capacidade de autocuidado: Pessoais, Organizacionais e Sociais. Os estudos enfatizam a relevância dos Indicadores Pessoais, considerando que a previsão da capacidade de autocuidado é, essencialmente, intrínseca à própria pessoa. Desta forma, são considerados na avaliação da pessoa, podendo apresentar fatores facilitadores ou barreira.
A utilização dos Instrumentos de Avaliação complementa a avaliação da pessoa, utilizando-os também na monitorização da capacidade de autocuidado. A avaliação da capacidade de autocuidado da pessoa idosa pode ser realizada através da utilização das escalas SASE e ASA. O SHDE, apesar de apresentar conteúdo com aparente importância na predição e na avaliação da capacidade de autocuidado, deve ser utilizado com precaução em Portugal por ainda não estar totalmente validado no contexto português.
Todos os Enfermeiros e, sobretudo, o EEER poderão utilizar na sua prática estes Indicadores e Instrumentos de Avaliação para prever a capacidade de autocuidado, encontrando o equilíbrio entre os fatores facilitadores e barreira, para maximizar a funcionalidade da pessoa e a sua capacidade de autocuidado.
É de relevar o surgimento de várias oportunidades para a investigação científica, nomeadamente:
Realização de um estudo amplo para validação das classes de indicadores preditivos de autocuidado abordadas;
Elaboração de estudos que englobem, equitativamente, todas as faixas etárias da pessoa adulta e que documentem com maior detalhe os itens a considerar em cada classe de indicadores;
Análise do impacto das crenças na capacidade de autocuidado;
Validação da SHDE para a população portuguesa;
Análise do impacto das intervenções do EEER nos fatores barreira do autocuidado.