INTRODUÇÃO
Nestes últimos quatro anos, assistiu-se a uma grande mudança a nível mundial no contexto da saúde, com impacto social e económico. Em dezembro de 2019 surgiram na província de Wuhan, China, os primeiros relatos de uma pneumonia atípica de causa desconhecida, levando à descoberta de um novo coronavírus(1). Apesar dos esforços para conter este crescente problema de saúde, surgiram casos espalhados por todo o globo, levando a OMS1 a 11 de março de 2020 a declarar a infeção pelo novo coronavírus como pandemia, dado o seu impacto global na saúde, sociedade e na economia(2).
Estudos revelam que 50 a 70% dos indivíduos hospitalizados pela infeção por SARS-CoV-22 ou COVID-19 mantêm sintomatologia até 3 meses após a alta e 25 a 50% dos indivíduos sem internamento hospitalar ainda apresentam sintomas passado um mês do diagnóstico(3). Também alinhado com esta evidência, FAIR Health(4) demonstra que cerca de metade dos doentes hospitalizados por COVID-19 apresenta pelo menos um sintoma sugestivo de pós-COVID após um mês da infeção, sendo no caso dos indivíduos assintomáticos cerca de 19% e nos com sintomas cerca de 28%.
Mais recentemente, foi demonstrada uma relação direta entre a severidade e quantidade dos sintomas na fase aguda e as limitações funcionais após a infeção, demonstrando que 20 a 30% das pessoas refere limitação na realização das AVD3 oito meses depois da infeção(5-7).
Por outro lado, a persistência dos sintomas após a fase aguda da doença pode estar associada à idade(8-11), comorbilidades prévias, como a obesidade, asma ou patologia cardíaca(8,11), com a necessidade de hospitalização(10) e com o sexo feminino(9,10).
Alguns mecanismos potencialmente envolvidos no desenvolvimento da sintomatologia pós-COVID incluem: consequências de lesão aguda por SARS-CoV-2 em um ou vários órgãos; reservatórios persistentes de SARS-CoV-2 em certos tecidos; reativação de patógenos neurotróficos, como herpesvírus, sob condições de desregulação imunológica do COVID-19; interações do vírus com comunidades de microbioma/viroma do hospedeiro; problemas de coagulação; sinalização disfuncional do tronco cerebral/nervo vago; atividade contínua de células imunes preparadas; e autoimunidade devido ao mimetismo molecular entre patógeno e proteínas do hospedeiro(12).
Fernández-De-las-peñas(3) definiu temporalmente as seguintes fases para os síndromes pós-COVID:
Fase Transitória, desde o diagnóstico (se assintomático ou sem internamento hospitalar) ou da alta hospitalar até 5 semanas, cujos sintomas estão potencialmente associados com COVID-19;
Fase I - Síndrome Pós-aguda COVID-19, desde 5 semanas até 12 semanas;
Fase II - Síndrome Longa COVID-19, desde 12 semanas até 24 semanas;
Fase III - Síndrome Persistente COVID-19, após as 24 semanas.
A sintomatologia após a infeção por SARS-CoV-2 tem repercussões funcionais potencialmente graves, as quais interferem com a qualidade de vida e com a capacidade laboral das pessoas afetadas(13,14). Esta encontra-se agrupada nos sistemas: neurológico (tonturas, alterações na memória e atenção, confusão), autonómico (dor no peito, taquicardia, palpitações), gastrointestinal (diarreia, dor abdominal, vómitos), respiratório (fadiga, dispneia, tosse, odinofagia), musculoesquelético (mialgias, artralgias), psiquiátrico (stress pós-traumático, ansiedade, depressão, insónia) e outras manifestações (alterações no paladar ou olfato, rash cutâneo) (3,15-18). Lopez-Leon(19) refere que os sintomas mais frequentes a longo prazo de COVID-19 são a fadiga, cefaleias, alterações da atenção/concentração, alopecia e a dispneia.
Mais recentemente, Xie et al.(20) evidenciaram que, além dos primeiros 30 dias após a infeção, os indivíduos após COVID-19 apresentam risco aumentado de doença cardiovascular, incluindo distúrbios cerebrovasculares, arritmias, doença cardíaca, pericardite, miocardite, insuficiência cardíaca e doença tromboembólica. Este risco aumentado foi evidente entre os indivíduos que não foram hospitalizados e aumentaram de forma gradativa de acordo com a necessidade de cuidados durante a fase aguda.
Adicionalmente, os indivíduos após COVID-19 apresentam risco aumentado de alterações na saúde/doença mental, tais como, ansiedade, síndromes depressivos, stress e mal adaptação, abuso de substâncias, declínio neurocognitivo e alterações no sono. O risco de problemas do foro mental foi evidente mesmo entre os que sujeitos com formas mais ligeiras de COVID-19, i.e., não internados, e foi maior naqueles que foram internados durante a fase aguda(21).
Relativamente às alterações cognitivas pós-COVID, foi demonstrada uma relação com os sintomas neurológicos/psiquiátricos e a fadiga durante a fase aguda, e com a sintomatologia neurológica, gastrointestinal e cardiopulmonar/fadiga se presente após a fase aguda(7). Complementarmente, foram encontradas alterações de memória nas pessoas após COVID-19, com significado crescente associado à gravidade dos sintomas(22).
Segundo Davis et al.(23) indivíduos com COVID Longo relataram um envolvimento prolongado e multissistémico, assim como, incapacidade significativa. Passados sete meses, muitos ainda não teriam recuperado, em especial de sintomas sistémicos e de queixas neurológicas/cognitivas, nem retornado aos níveis anteriores de trabalho e/ou continuariam a apresentar sintomatologia significativa.
Tem sido crescente a evidência na área da reabilitação, em especial respiratória e motora, da pessoa após COVID-19 devido ao seu impacto no desempenho das AVD e consequentemente na qualidade de vida(24,25). No caso de Barker-Davies et al.(26), a reabilitação da pessoa após COVID-19 deve ter como objetivo aliviar a sintomatologia e melhorar a função motora e a qualidade de vida. Para Novak et al.(27), os indivíduos que desenvolvem neuropatia ou miopatia dos cuidados intensivos após insuficiência respiratória por COVID-19 beneficiam de um programa de reabilitação funcional e nutricional no contexto hospitalar.
Para Demeco et al.(28), Vancea & Spiru(29) e Ogundunmade(30), devido ao impacto funcional da COVID-19, a intervenção em reabilitação deverá promover as funções pulmonar e motora. Já Bharati & Sahu(31) referem a importância das estratégias de conservação de energia, a simplificação do trabalho e das AVD, assim como, o uso de produtos de apoio para a gestão da fadiga crónica associada ao pós-COVID.
Segundo Herrera et al.(32) para a gestão da fadiga pós-COVID dever-se-á iniciar um programa de retorno à atividade individualizado, estruturado e doseado, com inclusão de estratégias de conservação de energia. Neste consenso multidisciplinar, existe a referência adicional a um padrão alimentar saudável e hidratação, assim como, a articulação com especialistas apropriados, para a resolução dos problemas de saúde subjacentes, tais como a dor, insónia/distúrbios do sono ou problemas de humor, os quais podem contribuir para a gestão da fadiga.
Daynes et al.(33) mostraram ganhos no controlo da fadiga, dispneia, aptidão física e cognição através de um programa de reabilitação de 6 semanas, com 2 sessões semanais, que incluía exercícios aeróbios, exercícios de força e sessões de educação para a saúde sobre diversos sintomas pós-COVID. Também Abodonya et al.(34) mostraram benefícios na função respiratória, dispneia, funcionalidade e qualidade de vida com treino da musculatura inspiratória em doentes pós-COVID após internamento em cuidados intensivos com suporte ventilatório. Mais recentemente, Nopp et al.(35) no seu estudo também mostraram ganhos na gestão da dispneia, fadiga, com melhoria da qualidade de vida, funcionalidade e da aptidão física, através de um programa multidisciplinar de Reabilitação Respiratória.
No estudo de Rodríguez-Blanco et al.(36) os indivíduos sujeitos a treino de força e a exercícios respiratórios obtiveram melhorias significativas na fadiga, dispneia, perceção de esforço e do estado físico, em comparação ao grupo controlo. Os mesmos autores salientam que os benefícios maiores foram encontrados para dispneia e capacidade aeróbia no grupo de exercícios respiratórios.
Estudos demonstram que a função imunológica melhora com a AF4 regular, e aqueles que são regularmente ativos têm menor incidência, intensidade de sintomas e mortalidade por várias infeções virais(37). Adicionalmente, a AF regular reduz o risco de inflamação sistémica, causa principal dos danos pulmonares provocados pela COVID-19(38).
Relativamente à COVID-19, estudos revelam que o aumento da capacidade aeróbia tem potencial de melhorar as funções imunológicas e respiratórias, com efeito positivo no combate à infeção(39). Adicionalmente, indivíduos com COVID-19 devem realizar exercício aeróbio de intensidade moderada, para ganhos imunológicos(40).
Mais recentemente, estudos demonstram uma relação inversa entre a aptidão física e a hospitalização por COVID-19(41), assim como, uma relação entre a inatividade física5 e formas mais significativas da doença, i.e., maior número de sintomas, maior severidade e/ou maior mortalidade(42,43).
Sendo uma área prioritária de investigação, as intervenções autónomas do EEER nas funções motora e respiratória(46), em especial junto da pessoa após COVID-19, tem uma evidência escassa, havendo a necessidade da sua demarcação e a afirmação da sua pertinência.
METODOLOGIA
Foi realizada uma revisão narrativa da literatura com recurso aos termos “COVID-19”, “SARS-COV-2”, “post-COVID”, “rehabilitation”, “exercise therapy”, “therapeutic exercise”, “physical activity”, “pulmonary rehabillitation”, “physical rehabilitation” através de todas as bases de dados da EBSCOhost Web (Academic Search Complete; Businesss Source Complete; CINAHL Complete; Cochrane Central Register of Controlled Trials; Cochrane Methodology Register; MEDLINE Complete; MedicLatina; Psychology and Behavioral Sciences Collection; SPORTDiscus with full text; ERIC; Library, Information Science & Technology Abstracts; e Regional Business News) e de pesquisa livre no GOOGLE SCHOOLAR. Adicionalmente foram incluídas as monografias de relevo evidenciadas nos artigos consultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Cuidar da Pessoa após COVID-19
A Reabilitação “compreende um conjunto de conhecimentos e procedimentos específicos que permitem ajudar as pessoas com doenças agudas, crónicas ou com as suas sequelas a maximizar o seu potencial funcional e independência”, cabendo ao EEER6 conceber, implementar e monitorizar planos de ER7, a fim de assegurar a manutenção das capacidades funcionais dos clientes, prevenir complicações e evitar incapacidades(47). Para a OMS, é parte integrante dos cuidados de saúde, juntamente com a promoção da saúde, prevenção, cuidados curativos e paliativos, sendo um conjunto de intervenções destinadas a otimizar a funcionalidade e a reduzir a incapacidade em indivíduos, através de trabalho multidisciplinar, incluindo educação para a saúde, exercícios terapêuticos, medicação, produtos de apoio e adaptações do ambiente doméstico ou laboral. A prestação de serviços de reabilitação ocorre ao longo da continuidade dos cuidados, em todos os contextos de saúde(48).
Na avaliação inicial do indivíduo deve-se recorrer a escalas e instrumentos de medida, de forma a identificar as necessidades alvo de cuidados especializados, definir um plano de cuidados, monitorizar a evolução e avaliar os resultados obtidos(47). Segundo Hoeman(49), estas ferramentas devem ser capazes de avaliar a incapacidade, monitorizar os progressos, otimizar a comunicação na equipa, medir os resultados obtidos, assim como, documentar os ganhos obtidos no processo de reabilitação e consequentemente em saúde.
A Medida de Independência Funcional avalia o grau de capacidade funcional do indivíduo, através do seu desempenho e da necessidade de cuidados para a realização de tarefas motoras e cognitivas de vida diária. São avaliados 18 itens, estruturados em duas subescalas - motora (Autocuidados, Controlo dos esfíncteres, Mobilidade/Transferência e Locomoção) e cognitiva (Comunicação e Cognição social)(50).
Para avaliar a força muscular pode recorrer-se à Medical Research Council Muscle Scale (MRC), que gradua a força muscular entre 0 (sem contração muscular palpável ou visível) e 5 (força normal)(51). Relativamente ao equilíbrio, poder-se-á recorrer à Escala de equilíbrio de Berg, a qual avalia o equilíbrio funcional, em termos estáticos e dinâmicos, predizendo o risco de queda(52).
Relativamente à intolerância à atividade e ventilação, a evidência sugere o Sit to Stand test (STS), o qual avalia o comprometimento das trocas gasosas induzidas pelo exercício(53,54); a Escala de Borg modificada para avaliação da dispneia e da PSE, permitindo avaliar em tempo real o grau de dispneia percebida e determinar os limites seguros para o treino e atividades a desenvolver(55); e a Modified Medical Research Council Dyspnea Scale (mMRC) para avaliar o impacto da dispneia nas AVD e o resultado das intervenções farmacológicas ou de reabilitação(56). No que concerne ao impacto da COVID-19 e monitorização dos sintomas poder-se-á utilizar a Post-COVID-19 Functional Status (PCFS)(57).
A evidência sugere uma intervenção precoce de reabilitação para promover a recuperação da pessoa com COVID-19(58) para normalizar o padrão respiratório e aumentar a eficiência dos músculos respiratórios, assim como, para diminuir o gasto de energia, a irritação das vias aéreas, a fadiga e melhorar ou reduzir a falta de ar(30).
As sessões de RFR8 deverão ser estruturadas de forma a dar resposta às necessidades da pessoa, de forma individualizada e de acordo com a gravidade da sintomatologia(59). No caso da pessoa com COVID-19 podem ser utilizadas diferentes técnicas da pessoa com COVID-19 descritas seguidamente.
Após a avaliação da pessoa, as sessões de RFR poderão ser iniciadas com o controlo e dissociação dos tempos respiratórios seguidos de exercícios respiratórios de acordo com a tolerância e a participação - abdomino-diafragmáticos (global e seletivos), costais globais com recurso a bastão e costais seletivos(27,34,40). Devido aos seus benefícios nos parâmetros ventilatórios e gasométricos, assim como, na redução da dispneia(60,61), os utentes, em especial os internados em cuidados intensivos, devem ser incentivados a realizar decúbito ventral de acordo com a sua tolerância para melhoria da saturação periférica de oxigénio.
Adicionalmente aos exercícios respiratórios, o posicionamento do utente no leito deverá ser realizado de acordo com a localização das secreções, informação obtida pela auscultação pulmonar e pela telerradiografia do tórax, de forma a cumprir a drenagem postural modificada. De forma acessória, recorre-se à compressão, vibração e/ou percussão, caso não se constatassem contraindicações. Finalmente, deve ser incentivada a tosse, para a expulsão das secreções mobilizadas pelos exercícios respiratórios. Quando a tosse é ineficaz deve ser instruída a tosse dirigida, realizada a tosse assistida ou utilizada a técnica da expiração forçada ou “huff” englobada no ciclo ativo das técnicas respiratórias(62). Em algumas situações, pela falta de eficácia destas estratégias, pode ser necessário, a aspiração de secreções.
Os resultados das sessões de RFR podem ser expressos através do alívio da dispneia; melhoria do padrão ventilatório e dos valores gasométricos, assim como da oximetria periférica; e eliminação das secreções com evidência radiológica e à auscultação. Para este efeito, a otimização da terapêutica inalatória prescrita, nomeadamente broncodilatadores e corticosteroides inalados, assim como, os fluidificantes de secreções, associados a reforço hídrico, podem ter um contributo positivo(62).
Capacitar a Pessoa após COVID-19
Segundo Reis & Bule(63), capacitar é visto como um processo multidimensional envolvendo conhecimento, decisão e ação. Os conhecimentos constituem-se como os saberes baseados em valores individuais, influenciados por fatores sociais, culturais e religiosos, modificando-se ao longo da vida. A reconstrução contínua do conhecimento condiciona a ação em função da decisão tomada, do seu potencial e dos recursos para a executar, num processo que envolve os domínios cognitivo, físico e material.
O treino de AVD consiste na progressão de tarefas e de exercícios em complexidade e exigência, em termos neurológicos, motores e cardiorrespiratórios. De acordo com a capacidade individual, avaliada pela capacidade funcional e pela tolerância ao esforço, pode ser realizado o treino de AVD, através de atividades básicas de vida diária ou de cuidado pessoal e das atividades instrumentais de vida diária ou das atividades domésticas e comunitárias(49).
Durante o treino de AVD, em especial da pessoa com COVID-19, é importante o estabelecimento de prioridades, em conjunto com a pessoa; o planeamento das atividades, de forma a distribuí-las ao longo do dia/período e formas de as realizar mais facilmente; e o desenvolvimento de estratégias de conservação de energia, assim como, períodos de repouso durante a realização das AVD(31).
Segundo a OE9, o EEER desenvolve atividades que permitam maximizar as capacidades funcionais dos indivíduos e, assim, possibilitar um melhor desempenho motor, cardíaco e respiratório, potenciando o rendimento e o desenvolvimento pessoal(47).
Maximizar a Funcionalidade, Desenvolvendo as Capacidades da Pessoa com COVID-19
Neste sentido, o termo maximizar remete para dar o mais alto valor possível ou levar ao mais alto grau(64) da capacidade funcional da pessoa cuidada. Por sua vez, a capacidade funcional ou funcionalidade, refere-se à autonomia na execução de tarefas diárias e fundamentais que permitem ao indivíduo viver sozinho no seu próprio domicílio(65). Assim, pode-se considerar que o EEER tem como função a promoção do movimento de forma terapêutica, para que a pessoa obtenha a sua máxima independência nas diversas AVD.
Segundo Caspersen et al.(66) e Shephard & Balady(67), considera-se AF qualquer movimento corporal, produzido pelo sistema músculo-esquelético, que resulte no aumento do dispêndio energético. Na perspetiva de Johnson & Ballin(68), a AF compreende qualquer movimento corporal com gasto energético acima dos níveis de repouso, incluindo as atividades diárias (como tomar banho, vestir), as atividades de trabalho (como andar, deslocar cargas) e as atividades de lazer (como exercício, desporto).
Os benefícios da AF encontram-se bem fundamentados na literatura, suportando que adultos fisicamente ativos têm uma redução de 30% no risco de morte prematura para todas as causas de morte, independente do género, faixa etária, etnia e IMC10. No caso que não se consiga cumprir com as recomendações, alguma AF diária tem benefícios para a saúde. Também se verifica a partir dos 90 minutos semanais de AFMV11 uma redução no risco de morte prematura para todas as causas de 20%. De forma a obter uma redução de 40% no risco, seria necessário acumular 420 minutos semanais de AFMV. A salientar que acumular períodos de AF, mesmo que inferior a 10 minutos, parece ser benéfico tanto para questões de saúde, como motivacionais, sendo um bom ponto de partida e tendo impacto nas alterações do estilo de vida(69).
Relativamente aos benefícios da AF na saúde dos idosos, salienta-se que os indivíduos que cumprem as recomendações têm menos risco de queda e lesões consequentes, como fraturas ou traumatismo crânio-encefálico. Também nos idosos a AFMV e as atividades de reforço muscular reduzem o risco de limitações físicas. A evidência sugere que indivíduos fisicamente ativos têm uma melhoria na sua condição física mesmo com doença crónica, nomeadamente de doença cardiovascular, DPOC12, declínio cognitivo, Parkinson, fratura da anca, osteopenia e osteoporose(69).
A OMS recomenda que adultos e idosos devem acumular pelo menos 150 a 300 minutos de AFMV por semana e incorporar atividades de reforço muscular pelo menos 2 vezes por semana. Salienta ainda que realizar alguma AF é melhor que nenhuma e que no caso dos idosos deve ser incluído trabalho de equilíbrio e prevenção de quedas três vezes por semana(70).
O exercício físico é AF planeada, estruturada e repetitiva, com o objetivo de aumentar ou manter a aptidão física(66,67). O EEER ao intervir junto da pessoa cuidada com o treino de exercício, está a manipular a aptidão física da pessoa, e consequentemente a capacidade individual do sujeito para praticar AF(66).
A aptidão física, por um lado, apresenta componentes relacionadas com a saúde como a força muscular (capacidade do músculo para ultrapassar uma resistência); resistência muscular (capacidade do músculo para continuar a exercer força por um período prolongado); endurance e capacidade cardiorrespiratória (capacidade dos sistemas circulatório e respiratório para fornecer oxigénio durante AF); flexibilidade (amplitude de movimento de uma articulação) e a composição corporal (quantidades relativas de músculo, gordura, osso e outras partes vitais). Por outro lado, a aptidão física tem componentes relacionadas com a habilidade motora, sendo a agilidade (capacidade de alterar a posição do corpo no espaço com velocidade e precisão); a coordenação (capacidade de usar os sentidos, juntamente com partes do corpo na realização de tarefas sem problemas e com precisão); o equilíbrio (capacidade para manter o equilíbrio enquanto parado ou em movimento); a potência (quantidade de trabalho/energia/força efetuado por unidade de tempo); o tempo de reação (tempo decorrido entre o estímulo e o início da reação); e com a velocidade (capacidade de executar um movimento dentro de um curto período de tempo)(66).
Na planificação e prescrição de treino de exercício deve-se ter em consideração os princípios do treino, i.e., as regras de prescrição do treino, assim como, as variáveis de treino, que quando combinadas ente si de forma adequada resulta na eficiência do treino(71).
Os princípios do treino prendem-se com a(71):
Sobrecarga, no qual o exercício de treino só promove modificações no organismo, se for executado com duração e intensidades suficientes para despoletar os consequentes processos de adaptação no organismo, recorrendo a cargas de treino superiores à homeostasia;
Especificidade, pois as modificações que se produzem no organismo através do treino, têm um caracter perfeitamente dirigido para objetivos concretos e específicos da modalidade em particular;
Reversibilidade, dado que os efeitos do treino são transitórios e que logicamente existem adaptações que permanecem mais tempo que outras, sendo que as aquisições que levam mais tempo a ser obtidas, mantêm-se durante mais tempo. O decréscimo dos efeitos da adaptação da carga, será tanto maior quanto mais recente e menos consolidado forem os níveis de adaptação;
Progressão, pois devem ser aplicados estímulos cada vez mais complexos e exigentes, uma vez que aqueles exercícios imutáveis, poderão causar uma melhoria durante um certo tempo, mas o seu efeito diminui se o organismo se adaptar ao mesmo, alcançando um estado estacionário de adaptação;
Recuperação que decorre da alternância que deve existir entre a aplicação da carga (esforço) e o descanso (recuperação);
Individualidade visto que existem reações e adaptações diferentes e individualizadas a estímulos iguais, devido à individualização biológica e psicológica.
Os princípios de treino organizam-se de forma a obter o efeito da supercompensação. A supercompensação, ou síndrome geral de adaptação, é o fenómeno biológico que permite elaborar um modelo explicativo para todos os princípios do treino. Após um estímulo, entenda-se como sessão de treino, ocorre fadiga, sendo necessário tempo de recuperação para que ocorra supercompensação, i.e., a relação entre o trabalho e a regeneração que leva a uma adaptação física superior. Quando não se permitem tempos de recuperação ideais e se aplicam constantemente estímulos de intensidade máxima, pode ocorrer exaustão e diminuição da performance(71).
De acordo com o ACSM13, as variáveis do treino para a prescrição de exercício podem ser reduzidas ao acrónimo FITT onde F - Frequência (com que regularidade); I - Intensidade (com que intensidade ou esforço/carga); T - Tempo (duração ou quanto tempo); T - Tipo (modo ou tipo de exercícios). Além disso, as componentes como Volume (V) (quantidade total de exercícios) e Progressão (P) (complexidade do exercício) também devem ser considerados na prescrição de exercício individualizado (FITT-VP)(72).
Para a quantificação da intensidade de AF pode recorrer-se a diversas ferramentas. Associado à tarefa/exercício, pode medir-se a intensidade através dos MET e pelo dispêndio energético (kcal.min-1), i.e., por inferência da intensidade da tarefa e do tempo realizada. Por outro lado, focando no indivíduo e na sua resposta individual ao exercício pode recorrer-se à percentagem da Capacidade aeróbia máxima (VO2max), percentagem da frequência cardíaca máxima ou percentagem da frequência cardíaca de reserva. Estas últimas diferem na medida que a frequência cardíaca de reserva tem em consideração a adaptação fisiológica ao exercício em termos do sistema cardiovascular, por abaixamento da frequência cardíaca em repouso. Por último, pode recorrer-se à Escala de Borg, quer na sua versão original (PSE 6-20), quer na versão modificada (CR 0-10)(72).
Relativamente à quantificação da intensidade na prescrição de exercício em pessoas com problemas pulmonares ou respiratórios, a evidência sugere cautela ao usar intensidades alvo de frequência cardíaca com base na previsão de frequência cardíaca máxima. Devido à variabilidade da capacidade pulmonar e os potenciais efeitos na frequência cardíaca da medicação para o controlo dos sintomas respiratórios, em especial a dispneia, dever-se-á recorrer à escala de Borg(72,73).
A sessão de treino pode ser dividida em três fases - aquecimento, fase fundamental e retorno à calma. O aquecimento é considerado uma fase de transição que permite a adaptação do corpo às exigências fisiológicas, biomecânicas e bioenergéticas da sessão de exercício, devendo incluir atividades de intensidade leve a moderada com correspondência motora para exercícios a realizar durante a fase fundamental. Este período também melhora a amplitude de movimento e pode reduzir o risco de lesão durante o treino. O tempo do aquecimento pode variar de acordo com as necessidades metabólicas do treino, porém recomenda-se duração inferior a 15 minutos. Durante a fase fundamental, os exercícios de treino podem incluir atividades aeróbicas, resistidas, de flexibilidade e/ou desportivas, dependendo dos objetivos específicos da sessão de exercício. A fase fundamental da sessão pode durar entre 10 e 60 minutos, dependendo da intensidade. Por fim, o retorno à calma permite que o corpo regresse aos níveis quase de repouso após a sessão de treino. Podem ser incluídos exercícios de flexibilidade de baixa a moderada intensidade, como alongamento estático, para facilitar o relaxamento(72).
Segundo o ACSM(73), nenhuma barreira deve impedir alguém de fazer AF de intensidade leve, visto que a vida independente requer uma capacidade mínima para realizar atividades que envolvam trabalho aeróbico de intensidade leve, combinado com força, flexibilidade e equilíbrio e coordenação.
Neste sentido, recomenda-se para o treino aeróbio, 4 a 5 dias por semana, exercícios que recrutem grandes grupos musculares com atividades acessíveis (e.g. caminhar, andar de bicicleta, jardinagem) e no caso de pessoas com problemas musculoesqueléticos o recurso ao meio aquático durante atividades com carga. Deve-se iniciar com qualquer duração, de acordo com a tolerância, tendo em vista 40 minutos por sessão ou 20 minutos, se sessão combinada com exercícios de força. Inicialmente, começar na velocidade de caminhada autolimitada, numa intensidade que permita a fala (talk test) e aumentar gradualmente para CR10 3-5. Progressivamente, a partir do ritmo autolimitado, ao longo de 4 semanas, pode-se aumentar gradualmente o tempo para 40 minutos cada sessão, assim como, incrementar a intensidade conforme tolerado(73).
Relativamente ao treino de resistência muscular, o ACSM recomenda 2 a 3 dias por semana, exercícios funcionais, calisténicos (com o peso do corpo) ou musculação, se a pessoa tiver interesse e/ou motivação. No concerne do tempo e no caso de exercícios com o peso corporal ou exercícios funcionais dever-se-á realizar uma série durante o intervalo da TV. Caso se utilize uma carga externa, poder-se-á realizar uma série de 8 a 12 repetições ou até à fadiga. Para regular a intensidade, inicialmente, e.g., no Sit-to-Stand realizar 8 repetições, na flexão de cotovelo (arm curl) realizar 8 repetições com 4 kg, ou 50-70% de 1RM14. Progressivamente, aumentar até quantas séries por dia forem toleradas. No caso de treino com pesos, aumentar para 2 séries em aproximadamente 8 semanas(73).
O treino de flexibilidade, dever-se-á focar nas articulações da anca, joelho, ombro, pescoço, cerca de 3 dias por semana. O alongamento deve ser mantido cerca de 20 segundos e até sentir um ligeiro desconforto, sem que haja instabilidade pela amplitude a ser usada(73).
O trabalho de Salman et al (44) sobre o retorno à AF após infeção por SARS-CoV-2 refere na Fase 1, a preparação do indivíduo para o retorno ao exercício com exercícios respiratórios, treino de flexibilidade, treino de equilíbrio e caminhada ligeira (PSE15 6-8). Na Fase 2, espera-se desenvolver a atividade de baixa intensidade, como a caminhada, yoga ou tarefas domésticas leves, através de incrementos de 10-15 minutos por dia (PSE 6-11). Poder-se-á progredir para a Fase 3 após 7 dias e cumprindo caminhada durante 30 minutos a PSE 11. A Fase 3, foca o treino aeróbio de intensidade moderada e o treino de resistência, através de dois blocos de treino de 5 minutos, com descanso de 5 minutos entre eles, aumentando um intervalo diariamente e progredindo até aos 30 minutos diários (PSE 12-14). A pessoa poderá progredir para a fase seguinte após 7 dias e quando atingir os 30 minutos de treino por sessão e se sentir recuperada após uma hora. Referente à Fase 4, desenvolve-se a atividade aeróbia moderada e a resistência muscular através de treino de coordenação e treino funcional. Por cada dois dias de treino (PSE 12-14), a pessoa descansará um dia, progredindo para a última fase após 7 dias e quando o cansaço/fadiga regressar ao normal. Por último, na Fase 5, recomenda-se o treino regular prévio à infeção (PSE >15).
No contexto do treino de exercício da pessoa após COVID-19, com sintomas leves, deve ser considerado limitar a atividade a leve (≤3 METs16 ou equivalente) e limitar os períodos sedentários. Caso haja um agravamento da sintomatologia, dever-se-á aumentar os períodos de descanso. Também se deve evitar treinos prolongados, exaustivos ou de alta intensidade(26). Contrariamente, Foged et al.(45) mostraram que indivíduos com sintomas severos de COVID-19 consideraram agradável e tolerável o treino intervalado de alta intensidade (HIIT), tendo cumprindo o mesmo de forma segura.
No caso de doentes que necessitem de oxigenoterapia, devem ser considerados inicialmente exercícios de baixa intensidade (≤3 MET ou equivalente), enquanto simultaneamente monitoram os parâmetros vitais (pulso, respiração, tensão arterial e oximetria de pulso). O aumento gradual do exercício deve ser baseado nos sintomas(26).
Retomando os conceitos abordados inicialmente sobre a maximização da funcionalidade e enquadrando na prescrição de treino de exercício, surge o conceito de treino funcional. Neste sentido, o treino funcional pode ser considerado como um conjunto de exercícios, métodos e estratégias de treino, que visam a melhoria da funcionalidade nas tarefas diárias, laborais ou desportivas(74).
Para Liu et al.(75) existem mais ganhos de funcionalidade quando se verifica uma correspondência motora entre o treino e a tarefa/função, considerando o treino funcional uma melhor opção para a redução da incapacidade em AVD em idosos em comparação ao treino de força. Os mesmos autores identificaram três padrões de treino funcional: baseado em elementos/exercícios, baseado em tarefas específicas ou misto(75).
A evidência mostra que a pessoa com patologia respiratória tem dificuldade em realizar AVD envolvendo os membros superiores. Neste sentido, o treino da musculatura dos membros superiores e tronco deverá ser reforçado, incluindo treino aeróbio, através de ciclo-ergómetro de braços, e treino de resistência, com recurso a pesos livres e bandas elásticas(72,73,76).
Perante esta evidência, poder-se-á usar exercícios e tarefas diárias para desenvolver o treino de resistência muscular, com especial foco no treino funcional. Deste modo, desenvolver-se-á a aptidão física. Adicionalmente, podem ser realizados exercícios de predomínio de membros superiores, para desenvolver a resistência muscular e aeróbia.
CONCLUSÃO
Ao longo desta revisão foram identificadas e fundamentadas diversas intervenções como EEER junto da pessoa com COVID-19 no processo de Reabilitação. Identificam-se, assim, de forma sumária as atividades no âmbito do cuidar da pessoa com COVID-19:
Avaliação do risco de alteração da funcionalidade a nível motor e respiratório;
Recolha de informação pertinente com recurso a escalas e instrumentos de medida para avaliar as funções respiratória e motora (Escala de Dispneia [MRC modificada], Força muscular [Escala MRC], Escala de Equilíbrio de Berg, Sit to Stand [STS], Medida de Independência Funcional, Escala de estado funcional pós-COVID);
Discussão das práticas de risco e das alterações da função a nível motor e respiratório com a pessoa/cuidador e definição conjunta das estratégias a implementar, os resultados esperados e as metas a atingir de forma a promover a autonomia;
Conceção de planos, seleção, prescrição e implementação das intervenções para otimizar e/ou reeducar a função e elaboração de programas de reeducação funcional motora e respiratória;
Implementação de programas de reeducação funcional motora e RFR;
Ensino, demonstração e treino de técnicas com vista à promoção da independência no âmbito dos programas motor e respiratório;
Avaliação dos resultados das intervenções implementadas.
Relativamente à capacitação da pessoa após infeção por COVID-19, podem ser realizadas as seguintes intervenções:
Avaliação da capacidade funcional da pessoa para realizar as AVD de forma independente;
Identificação de fatores facilitadores e inibidores para a realização das AVD de forma independente;
Seleção e prescrição de produtos de apoio;
Ensino à pessoa e/ou cuidador de técnicas específicas de autocuidado;
Realização de treino de AVD (higiene, vestuário, mobilidade) com estratégias de conservação de energia, utilizando os produtos de apoio adequados;
Promoção de ambientes seguros, incluindo a diminuição de fatores de risco ambientais relacionados com alteração da funcionalidade a nível motor e respiratório;
Identificação e orientação para a eliminação das barreiras arquitetónicas no contexto de vida da pessoa e respeito pelas questões ergonómicas.
Por último, e referente maximização funcional salienta-se as seguintes atividades:
Conceção e implementação de programas de treino motor e respiratório;
Ensino, instrução e treino de exercício físico para maximizar o desempenho a nível motor e respiratório;
Conceção de sessões de treino de exercício com vista à promoção da saúde, à prevenção de lesões, à reabilitação, capacitação e à autogestão;
Avaliação e reformulação dos programas de treino motor e respiratório em função dos resultados esperados.