INTRODUÇÃO
O cancro da laringe é uma doença multifatorial, influenciada por questões ambientais e estilos de vida.
No ano de 2020, em Portugal, o cancro da laringe foi a 22ª neoplasia mais frequente, registando-se 529 novos casos e 329 óbitos por esta patologia (1.
Ao longo dos anos tem-se verificado, em contexto nacional, um decréscimo de novos casos de neoplasia maligna da laringe, traduzido por 621 em 2010, 586 em 2018 e 529 novos casos em 20201.
Inúmeros são os fatores de risco associados ao cancro da laringe, nomeadamente a interação de fatores ambientais, individuais e coletivos, tais como: tabagismo, etilismo, infeção viral, sedentarismo, dislipidemia, alimentação inadequada e exposição ocupacional (a amianto, ácidos inorgânicos fortes, poeira de cimentos e sílica) 2,3. Alguns estudos já realizados sobre esta problemática, apontam como cofatores de risco: a baixa escolaridade, a infeção com o Vírus Papiloma Humano (HPV) e o refluxo gastroesofágico 2.
O fator de risco mais importante para o cancro da laringe é o tabagismo, sendo pouco comum existirem diagnósticos desta doença em pessoas não fumadoras. A cessação tabágica é a melhor forma de prevenir esta doença oncológica. Outra medida igualmente importante é reduzir a quantidade de álcool ingerido, principalmente em pessoas fumadoras 4.
Os principais sintomas da doença incluem: disfonia, disfagia, nódulo cervical, estridor, hemorragia, odinofagia, otalgia e perda ponderal. Alterações nas funções fonatória e respiratória são os primeiros sinais de alerta para o diagnóstico. Em situações de tumores supraglóticos é frequente a pessoa apresentar dispneia, disfagia, sensação de corpo estranho, odinofagia, otalgia, risco de aspiração e adenopatias cervicais com tumefação do pescoço (metástases cervicais). Em tumores glóticos podem ocorrer: disfonia, dispneia, disfagia, odinofagia e otalgia, indicando frequentemente, uma fase avançada de doença. Os tumores subglóticos manifestam-se por sinais tardios, com um quadro dispneico frequente, raramente se expõem pela disfonia 2.
As formas de tratamento para este tipo de cancro são: cirurgia, quimioterapia e radioterapia. A combinação destas modalidades terapêuticas depende de vários fatores, nomeadamente: estadiamento do tumor, localização anatómica, tamanho, histologia e comprometimento ou não de linfonodos cervicais, envolvimento ósseo e muscular, dados da pessoa como idade, condição geral e comorbilidades 5,6.
A laringectomia total é uma das intervenções cirúrgicas mais apreensiva pelos doentes, visto ser um procedimento mutilante e pela necessidade da pessoa se adaptar a uma nova forma de respiração e fonação/comunicação 4.
Esta intervenção cirúrgica consiste na remoção total da laringe, osso hióide, epliglote, cartilagem cricóide, cartilagem tiroideia e dois ou três anéis da traqueia 7. A laringectomia total é habitualmente acompanhada de esvaziamento ganglionar cervical. Pode ser realizada disseção cervical radical (implica a ablação da glândula salivar, músculo esternocleidomastoideu, veia jugular interna e nervo espinal), seletiva ou radical modificada, em que as estruturas descritas podem ser poupadas7. Após a remoção da laringe, é reconstituída a faringe e a traqueia é suturada ao pescoço, originando um traqueostoma8, que permite a passagem de fluxo aéreo não condicionado diretamente para a traqueia, interferindo nas propriedades de proteção, resistência e humidificação do ar. A entrada do ar frio e seco, microorganismos e poeiras diretamente nas vias aéreas inferiores aumenta a incidência de infeções respiratórias 7,9.
A condição pós-laringectomia total apresenta várias alterações na função pulmonar. O ar inalado através do traqueostoma, não passa pelo condicionamento natural do trato respiratório superior, fazendo com que a filtração de partículas sólidas transmitidas pelo ar e por aerossóis seja reduzida. Além disso, o ar inalado não é humidificado nem aquecido. Comparativamente à respiração através do trato respiratório superior, o doente com ostomia respiratória apresenta uma redução aerodinâmica na resistência ao fluxo de ar durante a inspiração e expiração, o que provoca um efeito negativo na ventilação pulmonar periférica. Um dos fatores negativos mais importantes na sobrevida das pessoas submetidas a laringectomia total é a deterioração progressiva da função pulmonar 10.
A presença de um traqueostoma associa-se a complicações e alterações da mecânica ventilatória. A exclusão da função glótica associada ao baixo volume pulmonar relaciona-se com o aparecimento de microatelectasias das bases pulmonares 6.
O uso da ventilação mecânica intraoperatória, combinada com a depressão pulmonar provocada pelos fármacos utilizados em doentes submetidos a anestesia geral, contribuem para a acumulação de secreções pulmonares e, consequentemente, formação de atelectasias. Em algumas situações, pode ser necessário a realização de retalhos miocutâneos, do músculo peitoral maior, provocando dor na região dadora e, consequentemente, uma diminuição da expansibilidade toraco-pulmonar e formação de atelectasias 6.
No pós-operatório, os doentes podem ainda apresentar alterações na postura, devido ao encurtamento dos músculos cervicais e à presença de dor (7,11, 12).
A literatura aponta como principais complicações respiratórias, em doentes submetidos a este tipo de cirurgia: pneumonia; insuficiência respiratória; atelectasias; paralisia do diafragma; hipersecretividade pulmonar; hipóxia e acumulação de secreções (rolhões) na cânula de traqueostomia 6.
No pós-operatório é frequentemente utilizada, numa fase inicial, uma cânula de traqueostomia. Existem vários tipos de cânulas, sendo frequentemente o mais utilizado no pós-operatório imediato, a cânula plástica com cuff (figura 1).
Para tentar minimizar os efeitos da inexistência do acondicionamento do ar (aquecimento, filtração e humidificação do ar), é aconselhável que estes doentes utilizem um dispositivo permutador de calor e humidade, o Heat and Moisture Exchange (filtro HME), que se coloca sobre o dispositivo que a pessoa utilize (cânula, placa adesiva, botão) e que tem como principais funções: a troca de calor e humidade; o aumento da resistência ao fluxo de ar e a filtragem de partículas compatíveis com a função do nariz (acondicionamento do ar) 9.
O enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação (EEER) “concebe, implementa e monitoriza planos de enfermagem de reabilitação diferenciados, baseados nos problemas reais e potenciais das pessoas. O nível elevado de conhecimentos e experiência acrescida permitem-lhe tomar decisões relativas à promoção da saúde, prevenção de complicações secundárias, tratamento e reabilitação maximizando o potencial da pessoa” 13.
Os cuidados especializados de enfermagem de reabilitação, nos doentes submetidos a laringectomia total, devem centrar-se na prevenção de complicações, nomeadamente respiratórias, bem como na adaptação dos mesmos à sua nova condição de saúde, tornando-os mais autónomos e independentes tanto quanto possível. Os EEER, pelas competências que lhes são reconhecidas, estão capacitados para avaliar a condição clínica da pessoa e elaborar planos de reeducação funcional respiratória, onde a melhoria da função ventilatória e redução das secreções traqueobrônquicas são prioridade.
Existe uma escassez de estudos que analisem o benefício potencial das técnicas de reeducação funcional respiratória nos doentes submetidos a laringectomia total 14, não evidenciando os resultados sensíveis aos cuidados de enfermagem de reabilitação neste âmbito.
Este estudo centrou-se na implementação de um programa de reeducação funcional respiratória composto por intervenções de enfermagem de reabilitação à pessoa com ventilação comprometida, limpeza das vias aéreas ineficaz e potencial para melhorar a capacidade para promover a limpeza das vias aéreas. Foram implementadas estratégias fundamentadas no Processo de Enfermagem e no Padrão Documental dos Cuidados Especializados da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação 15.
Deste modo, formulou-se a seguinte questão orientadora “Quais os ganhos em saúde, na pessoa submetida a laringectomia total, com a implementação de um programa de reeducação funcional respiratória?”
O presente estudo de caso tem como objetivo geral identificar os ganhos sensíveis à atuação do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação, na prevenção de complicações respiratórias no doente laringectomizado total.
METODOLOGIA
Estudo descritivo do tipo estudo de caso, que permite estudar fenómenos complexos da vida de uma forma intensiva e profunda, recorrendo a várias fontes de evidência 16.
O estudo de caso foi elaborado de acordo com as guidelines da Case REport (CARE) 17.
O presente estudo descreve o caso de uma pessoa com diagnóstico de cancro da laringe, submetida a cirurgia programada, laringectomia total, à qual foi instituído um plano de reeducação funcional respiratória, com o intuito de otimizar a ventilação e limpeza das vias aéreas, prevenindo assim, complicações respiratórias no pós-operatório.
O programa de reeducação funcional respiratória foi realizado durante o mês de novembro de 2021, num serviço cirúrgico de um Centro Hospitalar da Região Centro, entre o 2.º e 6.º dia de pós-operatório (cinco sessões) Cada sessão teve a duração de aproximadamente 30 minutos. Este programa foi iniciado ao 2.º dia pós cirúrgico, momento em que conseguimos a colaboração do doente, após se consciencializar das principais alterações decorrentes da cirurgia, nomeadamente a presença da traqueostomia. A duração do programa, cinco sessões diárias, deve-se ao facto de ter sido o período em que conseguimos avaliar e intervir junto do doente, de uma forma contínua, sem interrupções (otimização de recursos humanos).
A avaliação da pessoa foi efetuada com recurso à história clínica, evolução da doença, sintomatologia, regime terapêutico, história familiar e história psicossocial. A avaliação dos processos corporais incidiu na realização do exame físico (inspeção e auscultação) e monitorização dos parâmetros vitais. Para avaliar a função respiratória da pessoa, seguimos as recomendações do Guia Orientador de Boa Prática - Reabilitação Respiratória, elaborado pela Mesa do Colégio de Enfermagem de Reabilitação 18.
Durante o estudo foram respeitados os princípios éticos que devem guiar uma investigação: Beneficência; Não Maleficência; Fidelidade; Justiça; Veracidade e Confidencialidade 17. A pessoa foi informada dos direitos na participação do estudo, tendo sido obtido o consentimento livre e esclarecido antes da recolha de dados
Apresentação do caso
A pessoa em estudo é do género masculino, 75 anos de idade, de raça caucasiana e nacionalidade portuguesa. Reside com a esposa e uma filha, tendo sido esta (filha) que assumiu o papel de prestador de cuidados durante o internamento e na preparação para o regresso a casa. Atualmente reformado.
Como antecedentes pessoais apresenta: transplante cardíaco em 2010 (por miocardiopatia isquémica em fase dilatada), insuficiência renal crónica, obesidade, osteoporose, dislipidemia, síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS), neoplasia corda vocal direita (diagnosticada em 2009, submetido a radioterapia). Doente ex-fumador, com consumo de dois maços/dia (suspendeu há 15 anos). Ingere bebidas alcoólicas socialmente.
No domicílio, realiza oxigenoterapia de longa duração (2l/min), durante 16 horas/dia. Apresenta cianose labial e cansaço a médios esforços, situação que mantém no pós-operatório. Independente nas atividades de vida diária e atividades instrumentais de vida.
Era seguido em consulta de Otorrinolaringologia, por disfonia. Realizou exames auxiliares de diagnóstico, nomeadamente tomografia por emissão de positrões (PET), que revelou neoplasia maligna da corda vocal esquerda.
Relativamente ao estado nutricional, a pessoa em estudo, na admissão, apresentava peso de 79Kg e altura 1,80 m (IMC 24,38 Kg/m2). Ao fim de 7 dias, a pessoa apresentou perda ponderal significativa, objetivamente 4Kg (75Kg).
Avaliação de enfermagem de reabilitação
A avaliação da pessoa com patologia respiratória deve ser pertinente, objetiva e tem como objetivo determinar os diagnósticos de enfermagem, face às necessidades alteradas da pessoa. Esta avaliação deve permitir ao profissional de saúde intervir de acordo com as alterações identificadas na funcionalidade 20.
Os enfermeiros especialistas de reabilitação têm a capacidade de, perante um conjunto de intervenções terapêuticas, proporcionar a recuperação da pessoa com patologia respiratória 19.
A avaliação clínica, com recurso ao exame físico, permitiu a elaboração de diagnósticos de enfermagem de reabilitação e a prescrição de intervenções reais às necessidades da pessoa.
Os diferentes parâmetros de avaliação foram obtidos antes e após a implementação do programa de reeducação funcional respiratória, como recomendado pela American Association of Cardiovascular & Pulmonary Rehabilitation 19, o que possibilitou identificar os ganhos sensíveis aos cuidados de enfermagem de reabilitação.
A intervenção foi constituída por exercícios de reeducação funcional respiratória, monitorizados continuamente, nomeadamente através de: auscultação pulmonar, valores de saturação de oxigénio, sinas vitais e avaliação do padrão respiratório (simetria do tórax, tipo de respiração, ritmo, amplitude, avaliação do recrutamento de músculos acessórios e da cianose labial).
No pré-operatório, efetuou-se uma avaliação dos sinais vitais (Tabela 1) e da função respiratória (Quadro 1).
Data | Tensão arterial (mmHg) | Frequência respiratória (ciclos/min) | Frequência cardíaca (bpm) | Temperatura Axilar (ºC) | Saturação periférica de oxigénio (%) |
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7/11/2021 | 129/60 | 16 | 84 | 36,0 | 95 |
Diagnósticos de enfermagem de reabilitação
Com base na avaliação da condição clínica do doente, foram identificados diagnósticos de enfermagem, de acordo com a taxonomia CIPE®, e posteriormente, elaborado o plano de intervenção de reabilitação. Os diagnósticos de enfermagem identificados foram:
Programa de reabilitação respiratória
As intervenções que integram o programa de reeducação funcional respiratória são adequadas aos diagnósticos definidos, mediante a avaliação da pessoa. Foram baseadas no que se encontra preconizado pelo Padrão Documental dos Cuidados de Enfermagem da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação 15 e pelo Guia Orientador da Boa Prática da Reabilitação Respiratória 19 e estão representadas nos seguintes quadros:
Diagnóstico de Enfermagem: Ventilação comprometida | |
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Intervenções de Enfermagem |
• Avaliar a ventilação (simetria de tórax, tipo, ritmo, amplitude, uso de músculos acessórios) - antes e 30 min após a sessão de reabilitação; • Monitorizar saturação de O2; • Monitorizar frequência respiratória; • Otimizar a ventilação através de posicionamento (posição de descanso e relaxamento - sentado); • Executar cinesiterapia respiratória: • controlo e dissociação dos tempos respiratórios; • reeducação abdomino-diafragmática (2 séries de 10 repetições); • técnica de correção postural em frente a espelho; • abertura costal global (2 séries de 10 repetições) e abertura costal direita (2 séries de 10 repetições); • manobras de compressão (grelha costal inferior) durante a expiração e descompressão súbita do tórax (quando se inicia a inspiração) (2 séries de 10 repetições). |
Diagnóstico de Enfermagem: Limpeza das Vias Aéreas Comprometida | |
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Intervenções de Enfermagem |
• Avaliar limpeza das vias aéreas; • Executar cinesiterapia respiratória: • drenagem postural modificada; • manobras acessórias (vibrocompressão torácica); • técnica de aceleração do fluxo expiratório. • Aspirar secreções pelo traqueostomia; • Otimizar cânula de traqueotomia; • Vigiar secreções. |
Diagnóstico de Enfermagem: Potencial para melhorar a capacidade para promover a limpeza das vias aéreas | |
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Intervenções de Enfermagem |
• Avaliar a capacidade para promover a limpeza das vias aéreas; • Instruir a promover a limpeza das vias aéreas: • Flexão do tronco e compressão abdominal durante a mobilização de secreções; • Treinar a promover a limpeza das vias aéreas. |
RESULTADOS
O programa de reeducação funcional respiratória contemplou um total de cinco sessões, implementadas diariamente, entre os 2º e 6º dia de pós-operatório.
A avaliação dos sinais vitais permitiu avaliar a tolerância ao plano de reabilitação e despistar alterações que exigissem o reajuste do mesmo ou a sua interrupção, caso surgissem alterações significativas ao nível dos parâmetros vitais.
Data | 11/11/2021 | 12/11/2021 | 13/11/2021 | 14/11/2021 | 15/11/2021 | |||||
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Início | Final | Início | Final | Início | Final | Início | Final | Início | Final | |
Tensão arterial (mmHg) | 124/89 | 133/91 | 121/81 | 128/85 | 139/70 | 132/68 | 136/89 | 129/89 | 132/84 | 122/75 |
Frequência Cardíaca (bpm) | 84 | 81 | 83 | 81 | 93 | 93 | 95 | 92 | 90 | 92 |
Frequência Respiratória (ciclos/min) | 20 | 20 | 19 | 18 | 19 | 17 | 18 | 17 | 19 | 17 |
Temperatura (ºC) | 36,1 | 36,1 | 36,2 | 36,1 | 36,2 | 36,2 | 36,1 | 36,2 | 36,0 | 36,1 |
Saturação periférica de oxigénio (%) | 92 | 92 | 92 | 93 | 92 | 94 | 91 | 94 | 92 | 94 |
Os valores da tensão arterial e frequência cardíaca mantiveram-se estáveis, ao longo do programa de reabilitação, o que traduz a tolerância da pessoa face ao plano de realizado.
A frequência respiratória oscilou entre valores de 17-20 ciclos/minuto, considerados valores normais - eupneica 19.
As técnicas respiratórias realizadas têm como principais indicações: otimizar a ventilação, aumentar o controlo respiratório, favorecer a mecânica diafragmática, melhorar as trocas gasosas e oxigenação, promover a reexpansão pulmonar e a limpeza da via aérea. O seu benefício pode ser evidenciado pela melhoria dos valores de saturação periférica de oxigénio após a sua implementação.
A avaliação da função respiratória, nomeadamente: tipo, ritmo, amplitude, frequência e a simetria do padrão ventilatório são aspetos importantes, que orientam o enfermeiro especialista de reabilitação na sua tomada de decisão.
A respiração, de predomínio tóraco-abdominal, em todas as sessões de reabilitação, remeteu para a necessidade de implementar técnicas de reeducação abdómino-diafragmática, com a finalidade de melhorar a excursão diafragmática e promover o fortalecimento muscular das diferentes porções do diafragma.
Relativamente à amplitude da respiração, verificou-se uma diminuição do lado direito, confirmada pela auscultação pulmonar. A implementação de técnicas que promovem a expansão pulmonar, como aberturas costais globais, abertura costal seletiva à direita e manobras de compressão (grelha costal inferior) durante a expiração e descompressão súbita no início da inspiração, permitiram melhorar a ventilação nas bases pulmonares. A alteração súbita de pressões provoca um aumento no fluxo expiratório e uma variação súbita de fluxo inspiratório, o que favorece a reexpansão pulmonar e a desobstrução da via aérea19.
Os resultados descritos anteriormente foram evidenciados pela inspeção ao final da quarta sessão de reabilitação, bem como através da auscultação, com melhoria da expansibilidade torácica no final da terceira sessão de programa (Quadro 6)
As técnicas de posicionamento (descanso e relaxamento) associadas às manobras de controlo e dissociação dos tempos respiratórios e correção postural, permitiram uma otimização da ventilação, pela tomada de consciência e controlo da respiração, correção de assimetrias, melhor coordenação e eficácia dos músculos respiratórios e da mecânica diafragmática.
Data | 11/11/2021 | 12/11/2021 | 13/11/2021 | 14/11/2021 | 15/11/2021 | |||||
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Início | Final | Início | Final | Início | Final | Início | Final | Início | Final | |
Oxigenoterapia | 4 | 4 | 4 | 4 | 4 | 2 | 2 | 2 | 2 | 2 |
Simetria de tórax | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | sim |
Tipo de respiração | Mista | Mista | Mista | Mista | Mista | Mista | Mista | Mista | Mista | mista |
Ritmo | Irregular | Irregular | Irregular | Irregular | Regular | Regular | Regular | Regular | Regular | Regular |
Amplitude | ↓ direita | ↓ direita | ↓ direita | ↓ direita | ↓ direita | ↓ direita | ↓ direita | Normal | ↓ direita | Normal |
Músculos Acessórios | Sim | Não | Sim | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
A auscultação foi igualmente uma etapa importante do exame físico, na medida em que permitiu confirmar dados obtidos pela inspeção e identificar regiões com alterações ventilatórias, pela diminuição do murmúrio vesicular nas bases pulmonares e pela presença de secreções, auscultando-se ruídos adventícios, como crepitações (Quadro 7).
As técnicas de reeducação funcional respiratória direcionadas para a limpeza das vias aéreas, como a drenagem postural modificada em associação com manobras de vibrocompressão torácica e aceleração do fluxo expiratório, potenciaram a deslocação das secreções brônquicas e a sua mobilização para uma via aérea mais proximal, como salientam os resultados da auscultação.
A pessoa demonstrou capacidade para adotar estratégias facilitadoras da limpeza das vias aéreas, nomeadamente flexão do tronco e compressão abdominal, com ou sem recurso a almofada, no momento de expulsão de secreções pela traqueostomia.
A pessoa foi instruída a utilizar um permutador de calor e humidade (HME), dispositivo que se conecta à cânula de traqueostomia e que permite humidificar e filtrar o ar inspirado.
Data | Auscultação Pulmonar | |
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Início | Final | |
11/11/2021 | • Crepitações LSD • ↓ MV nas bases pulmonares e LM |
• Crepitações LSD • ↓ MV nas bases pulmonares e LM |
12/11/2021 | • Crepitações LSD • ↓ MV nas bases pulmonares e LM |
• ↓ MV nas bases pulmonares e LM |
13/11/2021 | • Crepitações LSD • ↓ MV nas bases pulmonares e LM |
• ↓ MV nas bases pulmonares |
14/11/2021 | • Crepitações LSD • ↓ MV bases pulmonares |
• ↓ MV base pulmonar direita |
15/11/2021 | • ↓ MV base pulmonar direita |
• ↓ MV base pulmonar direita (melhor) |
Legenda: LBS - lobo superior direito; LM - lobo médio; MV - murmúrio vesicular
DISCUSSÃO
A apresentação deste estudo de caso evidenciou que os cuidados especializados prestados pelo enfermeiro de reabilitação têm potencial para prevenir complicações respiratórias na pessoa submetida a laringectomia total.
É unânime que, segundo a literatura, o sucesso dos programas de reeducação funcional respiratória assenta em três pilares essenciais, nomeadamente: a multidisciplinaridade, a individualidade e os fatores físicos, sociais e psicológicos (19).
Existem muitos estudos que abordam a temática da reabilitação fonatória e da deglutição em doentes laringectomizados, contudo, em contexto nacional, são escassos ou até inexistentes, trabalhos que evidenciem a importância da reeducação funcional respiratória na pessoa submetida a laringectomia total.
A laringectomia total é um procedimento cirúrgico agressivo, que provoca alterações estéticas e funcionais irrecuperáveis, tendo a pessoa que se adaptar a uma nova condição de saúde, nomeadamente a um traqueostoma definitivo 9.
A avaliação sistematizada da pessoa é fundamental para a prestação de cuidados especializados de enfermagem de reabilitação, facilitando a tomada de decisão do enfermeiro.
O plano de reeducação funcional respiratória iniciou-se com o exercício de controlo e dissociação dos tempos respiratórios, como indica o Guia Orientador da Boa Prática 19, visto que permite a tomada de consciência da respiração e controlo da mesma (frequência, amplitude e ritmo respiratórios), melhora a coordenação e eficácia dos músculos respiratórios. Posteriormente foram desenvolvidas técnicas direcionadas para a expansão pulmonar (ventilação comprometida) e higiene brônquica (limpeza das vias aéreas comprometida e potencial para melhorar a capacidade para promover a limpeza das vias aéreas).
As técnicas de reeducação funcional respiratória desenvolvidas para melhorar o processo ventilatório foram: o controlo e dissociação dos tempos respiratórios, a reeducação abdomino-diafragmática, as técnicas de correção postural em frente a espelho, as aberturas costais e as manobras de compressão da grelha costal inferior durante a expiração e descompressão súbita do tórax no início da inspiração. Estas técnicas foram bem toleradas pelo doente e eficazes na melhoria da ventilação alveolar, nomeadamente ao nível da melhoria da capacidade pulmonar, das trocas gasosas, oxigenação, controlo da respiração (frequência, amplitude e ritmos respiratórios) e melhoria da ventilação nas áreas pulmonares atelectasiadas, indo ao encontro do que se encontra descrito na literatura 19).
A condição pulmonar, após laringectomia total é afetada, visto que o ar que entra nos pulmões não é filtrado, aquecido e humedecido, verificando-se um aumento da produção de muco. A acumulação/excesso de secreções na via aérea potencia a deterioração das mesmas, como consequência do processo inflamatório, aumentando o risco de infeção. Assim sendo, é fundamental manter a permeabilidade da via aérea, para prevenir processos infeciosos e melhorar a função pulmonar 14,19. Foi neste sentido, que foram realizadas técnicas de limpeza da via aérea (drenagem postural, manobras acessórias, técnicas de aceleração do fluxo expiratório e aspiração de secreções), com o objetivo de aumentar volume e a velocidade do fluxo aéreo expiratório, favorecendo o movimento das secreções das pequenas vias aéreas distais para as vias aéreas proximais, até à sua remoção pelo estímulo da tosse ou, em situações mais complexas, pela aspiração das secreções pelo traqueostomia 14,19).
Estas técnicas dirigidas à limpeza das vias aéreas e a utilização permanente do Heat and Moisture Exchange (filtro HME) permitiram ganhos na condição de saúde do doente, visíveis nos achados da auscultação pulmonar e diminuição na necessidade de aspiração de secreções.
Com o intuito de melhorar a capacidade para promover a limpeza das vias aéreas, foi dando ênfase à componente educacional, no âmbito da instrução e treino de técnicas de aceleração do fluxo expiratório. Além de maximizar a independência da pessoa, melhorando a sua condição física, pretende-se que esta se torne ativa, mais participativa e informada sobre as opções de tratamento, contribuindo para a melhoria da sua qualidade de vida 19).
As complicações respiratórias no pós-operatório são definidas como eventos ou complicações que ocorrem no decorrer de 30 dias de pós-operatório e estão descritas, na literatura, como: pneumonia; insuficiência respiratória; atelectasia; hipersecretividade brônquica; hipóxia e presença de “rolhões” de secreções no traqueostoma 21,22,23,24. A complicação pós-operatória mais frequente é a atelectasia pulmonar, que pode ter uma etiologia diversificada, nomeadamente: a perda da função glótica (fechar-se durante a expiração na tentativa de manter um volume pulmonar adequado) associada ao baixo volume pulmonar; o uso da ventilação mecânica intra-operatória combinada com a depressão pulmonar provocada pela anestesia geral; e a dor, podendo causar diminuição da expansibilidade torácica (6. Neste sentido, no início do programa de reeducação funcional respiratória, verificamos uma diminuição do murmúrio vesicular no lobo médio e bases pulmonares, achados estes que podem ser justificados pelo que foi descrito anteriormente. No decorrer da intervenção do enfermeiro de reabilitação, houve melhoria significativa na auscultação pulmonar, nomeadamente ao nível dos referidos lobos pulmonares. Tendo em vista melhorar o processo ventilatório, a literatura sugere como uma das principais intervenções, no pós-operatório, exercícios de reexpansão pulmonar, de modo a prevenir atelectasias e pneumonias 6,22.
Consideramos que teria sido vantajoso para este estudo, o desenvolvimento de um programa de reeducação funcional respiratória mais prolongado, no entanto, foi possível demonstrar a importância da intervenção especializada do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação, na prevenção de complicações respiratórias na pessoa submetida a laringectomia total.
CONCLUSÃO
Este estudo de caso permitiu identificar os ganhos sensíveis à atuação do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação, na prevenção de complicações respiratórias no doente submetido a laringectomia total.
São escassas as publicações científicas na área da reeducação funcional respiratória de doentes submetidos a laringectomia total, nomeadamente trabalhos realizados por enfermeiros de reabilitação, onde haja evidência do contributo da sua intervenção. De acordo com a literatura, a função da tosse após a cirurgia (laringectomia total), bem como o potencial benefício das técnicas de reabilitação ainda se encontram pouco estudadas 14.
Com este trabalho, pretendemos assim, dar visibilidade à intervenção do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação junto destes doentes.
Consideramos pertinente que os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação repliquem mais programas de reabilitação direcionados para estes doentes, identificando os ganhos sensíveis seus cuidados.
Numa abordagem futura, achamos relevante iniciar o programa de reeducação funcional respiratória o mais precocemente possível, idealmente no período pré-operatório. Uma avaliação rigorosa, sistematizada e oportuna da pessoa, contribuiria para melhores resultados e ganhos em saúde.
Seria também vantajoso que programas semelhantes de reeducação funcional respiratória fossem implementados de forma a abranger um maior número de pessoas submetidas a laringectomia total, até ao momento da alta hospital, com posterior referenciação para os cuidados de saúde na comunidade, assegurando a continuidade de cuidados especializados.