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Journal of Digital Media and Interaction

versão impressa ISSN 2184-3120

JDMI vol.5 no.13 Aveiro dez. 2022  Epub 30-Dez-2022

https://doi.org/10.34624/jdmi.v5i13.28855 

Articles

Engajamento multimodal em stickers do WhatsApp: análise verbo-visual para compreensão do contexto

Multimodal engagement in WhatsApp stickers: verbal-visual analysis to understand the context

Eduardo Faria1 

Andreza Alves1 

José Gabriel Andrade1 

1 University of Minho, Braga, Portugal


Resumo

O presente estudo busca refletir sobre a representação do corpo na construção dialógica nas aplicações de mensagens, com ênfase no WhatsApp, como também nos dispositivos tecnológicos, considerando a conversão dos corpos em mensagens multimodais. Para tanto, recorremos ao que denominamos aqui como “corpos-stickers, como objeto de análise e reflexão - que nada mais são do que as figurinhas presentes na aplicação em estudo - e que, na contemporaneidade, participam na construção dos diálogos, nos aparelhos tecnológicos e no ciberespaço. Dividindo o mesmo espaço ocupado há anos pelos emojis, emoticons e smiles, os stickers correspondem às novas evoluções na construção dos diálogos que fazem uso das representações dos corpos e das expressões humanas. Sendo assim, os corpos, enquanto imagens, dizem tanto quanto as palavras, revelando informações codificáveis de formas objetivas e subjetivas através de diferentes modos semióticos encontrados na multimodalidade. Neste caminho seguimos com o aporte bibliográfico dos estudos da semiótica social de Kress e Van Leeuwen (1996; 1998; 2001) para realização da análise verbo-visual dos corpos-stickers em diálogos dentro da aplicação do WhatsApp.

Palavras-chave: Multimodalidade; WhatsApp; Stickers; Linguagem multimodal; Corpo multimodal

Abstract

The present study seeks to reflect on the representation of the body in the dialogic construction in messaging applications, with emphasis on WhatsApp, as well as on technological devices, considering the conversion of bodies into multimodal messages. For that, we make use of what we call here as “stickers-bodies”, as an object of analysis and reflection - which are nothing more than the figures present in the application under study - and that in contemporary times participate in the construction of dialogues in technological and in cyberspace. Sharing the same space occupied for years by emojis, emoticons and smiles, stickers correspond to new developments in the construction of dialogues that make use of representations of bodies and human expressions. Thus, bodies, as images, say as much as words, revealing codifiable information in objective and subjective ways through different semiotic modes found in multimodality. In this way, we continue with the bibliographic contribution of the studies of social semiotics by Kress and Van Leeuwen (1996; 1998; 2001) to carry out the verbal-visual analysis of the bodies-stickers in dialogues within the WhatsApp application.

Keywords: Multimodality; Whatsapp; stickers; Multimodal language; Multimodal body

1. Introdução

A imagetização das palavras ganha novos contornos e significações em contextos digitais e, com isso, alteram essencialmente as formas semióticas empregadas na construção dos discursos nos ecrãs. A partir dessa realidade, este estudo pretende refletir sobre as práticas discursivas encontradas nas aplicações de mensagens, mais especificamente no WhatsApp, que usam os stickers na manutenção dialógica entre os utilizadores. Considerando esta perspetiva, ponderamos sobre a ascensão do corpo-sticker refletido nos ecrãs como uma nova forma de linguagem e construtor de sentidos.

Os corpos-stickers que, modificados digitalmente, materializam-se em corpos multimodais que alteram e ressignificam os discursos encontrados nas aplicações de mensagens, nos suportes tecnológicos e nas plataformas digitais, sendo necessárias novas perspetivas para a sua leitura, que atravessam à literalidade e à subjetividade. Como observa Guten Kress (1988), os discursos constituídos a partir da integração de diferentes modos semióticos com uso tecnológico são, na sua essência, multimodais. Sendo assim, uma imagem pode ser combinada com o texto escrito, com som, filtros e com outros elementos que compõem o universo de possibilidade em edição, para citar alguns: alteração das cores, repetição de imagens, alteração de espaços, mudanças de simetria, textura, transparência, balanço, contraste, enquadramento, direção, regras, movimento, profundidade, tipografia, entre outros.

Para Renata da Fonte e Adriana Caiado (2014, p. 02), “o bate-papo no WhatsApp é multimodal, uma vez que a aplicação possibilita a integração de diferentes modos semióticos: som, imagem, vídeo e texto verbal refletido na tela.” Já os stickers do WhatsApp apresentam novas formas de leitura dos corpos nos ecrãs, pois estes também podem integrar diferentes modos semióticos. Para Ivani Santana (2006, p. 46), “o corpo passa a ser compreendido como um sistema aberto que troca informação com o ambiente que habita. De forma mútua, os dois sistemas, corpo e meio, contaminam-se.”

No século XXI, os corpos tecnológicos representam uma extensão do corpo biológico nos suportes digitais e nas aplicações de mensagens. Contudo, ao fazerem parte destes ambientes digitais, ganham novos contornos explícitos e subjetivos, provocados por diferentes formas de edição, alterando desta forma a sua leitura semântica original, para qual é necessária uma interpretação semiótica em contexto multimodal. Sendo assim, o leitor precisará de novas competências de leitura para relacionar o verbal e o visual de modo a conseguir compreender a mensagem. Inseridos numa era marcada pela linguagem multimodal, a reflexão acerca da multimodalidade presente nos meios tecnológicos permite-nos pensar sobre as (re)significações atribuídas às imagens ao longo das décadas, como também ao texto verbal e não-verbal, e aos outros diferentes modos semióticos encontrados em dispositivos como Smartphones, Tabletes, relógios Smartwatch, entre outros, além das aplicações de mensagens como o WhatsApp.

No contexto da multimodalidade, torna-se relevante pensar no conceito de literacia digital e mediática, já que os indivíduos que recorrem aos recursos tecnológicos devem, como salienta Antônio Carlos Xavier (2009), assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não-verbais, como imagens e desenhos. Isto verifica-se porque esta forma de escrita em suporte digital requer conhecimentos que não dependem da literacia em formato analógico, como sempre fora nos livros e nos impressos. Para Lopes (2011), o conceito de literacia é amplo e transversal, uma vez que não se trata apenas do domínio e reprodução do conhecimento em si, mas do domínio crítico e reflexivo acerca do conhecimento recebido. De acordo com Rosa (2016, p. 26), a literacia é tradicionalmente utilizada para “designar novas habilidades desenvolvidas pelo sujeito exposto às novas mídias, informações e tecnologias.” De maneira enfática, Livingstone (2004, p. 02) considera que o nível mais alto de literacia mediática consiste na “capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens numa variedade de contextos” e alerta que somente a partir do domínio destas habilidades, torna-se possível a plena participação democrática dos sujeitos nos debates sociais.

A partir destas considerações sobre o corpo convertido em imagem multimodal, e com o uso da semiótica social proposto por Kress e Van Leeuwen (1986; 1998; 2001), propomos refletir sobre o uso dos corpos-stickers nas interações dialógicas do WhatsApp, como sendo uma forma de comunicação contemporânea que demanda o domínio de novos aprendizados para leitura e interpretação dos sentidos através da multimodalidade. Em síntese, esta análise verbo-visual realizada nos corpos-stickers procurou descrever o sentido de (re)significação e codificação que os corpos simbólicos multimodais podem assumir enquanto discurso - seja objetivo, subjetivo ou controverso aos outros módulos de linguagens aplicados à imagem dos corpos. Entretanto, a análise descrita neste estudo tem caráter experimental, uma vez que faz parte da pesquisa de mestrado que aborda a importância da literacia mediática em leituras multimodais. Assim, esta pesquisa converte-se num exercício reflexivo menos sistematizado, mas que pretende ser aprofundado em pesquisas posteriores.

2. Métodos e técnicas

Esta investigação trata-se de uma pesquisa exploratória de cunho qualitativo que ambiciona promover discussões sobre a temática dos stickers na construção multimodal dos diálogos no WhatsApp. Segundo Selltiz (1967, p. 63), a adoção do método exploratório é compatível com a utilização de técnicas mistas, como o levantamento bibliográfico e o estudo de caso, para a compreensão do objeto de pesquisa. Sendo assim, para percorrer os caminhos desta reflexão, recorre à análise verbal e visual dos diálogos disponíveis em grupos de universitários dentro da aplicação WhatsApp, considerando, principalmente, os estudos multimodais com as ponderações sobre multimodalidade dentro do WhatsApp propostas por Fonte e Caiado (2014) - que nos inspirou nesta pesquisa.

Segundo Ventura (2007), o estudo de caso pode ser pertinente para observar os corpos-stickers enquanto fenómeno que pode ser estudado em profundidade, especialmente, como aponta Yan (2001), em situações em que o fenómeno e o contexto não estão claramente definidos e seguem em constante evolução (Yan, 2001, p. 32). Para tal, foi selecionado um grupo do WhatsApp com estudantes de mestrado entre 20 e 35 anos, que utilizam com frequência a aplicação e recorrem aos stickers na construção dos discursos. O grupo foi selecionado espontaneamente a partir de uma conversa prévia com alguns integrantes do mesmo, que estudam na Universidade do Minho, em Braga, Portugal. As capturas dos diálogos na aplicação foram cedidas com o consentimento de todos os membros do grupo analisado.

Nesta tentativa de relacionar a construção multimodal dos corpos nos stickers, fazemos uso bibliográfico das conceções sobre o corpo como sintoma de uma cultura marcada pela exploração dos corpos, proposto por Santaella (2004), corpos tecnológicos como sistema de informação postulado por Santana (2006), com as ponderações sobre o uso da tecnologia na invenção e manutenção do corpo na atualidade referida por Rezende (2004), cruzando-os com as pesquisas sobre multimodalidade e a gramática social propostas por Kress e Van Leeuwen (1996; 1998; 2001).

3. Transição do corpo biológico aos corpos-stickers

O uso da imagem, bem como a representação do corpo, sempre esteve presente no processo de comunicação humana muito antes da invenção das palavras. Através de uma linha cronológica e antropológica que nos possa conduzir a esta associação, podemos relembrar da arte rupestre na pré-história. Desenhada nas paredes das cavernas, a arte rupestre representa a primeira forma de comunicação humana, exprimindo de maneira primitiva a tentativa do homem em reproduzir a linguagem verbal através da linguagem não-verbal. Além disso, apresenta-nos a necessidade primária do homem pré-histórico em reproduzir o corpo como uma forma de linguagem que nos informa e nos aproxima da ação e da emoção - do corpo real e orgânico em movimento.

Passadas centenas de milhares de anos, após a invenção da palavra e da escrita, o corpo enquanto representação através da imagem sempre foi motivo de obsessão e fascínio, como afirma Santaella: “o corpo está em todos os lugares. Comentado, transfigurado, pesquisado, dissecado na filosofia, no pensamento feminista, nos estudos culturais, nas ciências naturais e sociais, nas artes e literatura. Nas mídias [nos média], as suas aparições são levadas ao paroxismo” (Santaella, 2004, p. 02). Com a passagem da sociedade industrial para a sociedade da informação, onde as tecnologias imperam em todas as instâncias e dinâmicas da vida em sociedade, o corpo foi ganhando novos significados à medida que as tecnologias, sobretudo de comunicação e informação, passam a determinar novas realidades a forma humana. Sensível a este fenómeno insólito, McLuhan (1995) passa a observar que os meios de comunicação, através das tecnologias, tornaram-se extensão do Homem. Em continuidade, o autor argumenta que “pela tecnologia, prolongamos todos os nossos sentidos e todas as partes do nosso corpo, sentimos a ânsia da necessidade de um consenso externo entre a tecnologia e a experiência que eleva a nossa vida comunal ao nível do consenso mundial” (McLuhan, 1995, p. 128).

Baseado nos estudos psicanalíticos de Sigmund Freud e Jacques Lacan, Santaella (2004), no seu estudo “O corpo como sintoma da Cultura”, pondera sobre a obsessão característica do século XXI, em que o corpo transcende a capacidade de ser/estar presente, como sempre foi, nas artes, na filosofia, nas mais variadas áreas da ciência e estudos científicos. Isto deve-se principalmente à integração do corpo no contexto digital e tecnológico, onde este circula livre e distante do peso orgânico e real em que o corpo foi condicionado desde à génese do Homem. Mais adiante, Santaella (2008) avalia que a problematização em torno do corpo, desde as vanguardas artísticas até os vislumbres tecnológicos mais contemporâneos, abriram espaços para os questionamentos em torno do corpo, como não sendo apenas um objeto de representação, mas um construtor de sentidos a serem interpretados. De acordo com Santaella (2008, p. 54),

“a intensificação crescente da presença problemática do corpo em todos os campos da arte veio sedimentando o terreno para a emergência das artes do corpo biocibernético, que incorpora o corpo virtual ou corpo digital, isto é, o corpo que imerge e transita pelas arquiteturas líquidas do universo digital. Portanto, a intensificação do problema do corpo em todos os campos da arte foi uma antecipação do papel que o corpo de- sempenharia nas artes biocibernéticas.

Valendo-se dos argumentos de Santaella (2008), os corpos-stickers integram o universo do corpo biocibernético, já que recorrem à tecnologia para virtualizarem-se, digitalizarem-se, sendo passíveis de serem editados, manipulados graficamente, reconfigurando-se em novos corpos que demandam distintas formas de leitura, pois produzem outros significados. Para Erick Felinto e Andrade (2005), atualmente vivemos um modelo de cultura que se distancia da visão do corpo num sentido espiritual, para um modelo que privilegia o corpo, colocando-o como objeto central, com todas as especificações nas suas relações, passando pelas relações sociais, de poder e reconfigurando-se através do uso dos dispositivos tecnológicos. Mas o significado atribuído ao corpo pode também ser alterado conforme o contexto social e cultural ao longo da história. Pensando nisso, Rezende (2004) avalia esta transição de significação e ressignificação dos corpos através dos séculos por meio da ótica pautada na sociedade capitalista em três eixos: industrial, consumista e informacional.

Enquanto o primeiro centraliza o corpo na era da Revolução Industrial, considerando-o como uma máquina forte e necessária para a produção de capital, o segundo converte-se em produto de contemplação, passível de investimento estético, alterações médicas, objeto de marketing pessoal e passaporte para o sucesso. Por último, na sociedade da informação - onde contemplamos os corpos-stickers - os corpos necessitam de conexões, tornam-se imagens que reproduzem sensações e são passíveis de serem lidas e codificadas, “atravessam fronteiras geográficas, culturais, profissionais, hierárquicas, capazes de estabelecer contactos pessoais com atores dos mais diferentes” (Rezende, 2004, p. 09). Desta forma, na contemporaneidade o corpo tecnológico exprime, na sua maioria das vezes, comportamentos multimodais. São raras as vezes em que a imagem de um corpo refletido no ecrã não foi passado por um processo de edição, com aplicação de filtros, frases e efeitos que extrapolam a sua relação com a realidade.

Para Dionísio (2005, pp. 160-161), a multimodalidade se verifica a partir da utilização de pelo menos dois modos de representação que agem de forma consoante ou dissonante. “Palavras e gestos, palavras e intonações, palavras e imagens, palavras e tipografias, palavras e sorrisos, palavras e animações, etc.” Kress e Van Leeuwen, por sua vez, (2001, p. 03) exprimem que

“os recursos multimodais estão disponíveis em uma cultura acostumada a construir significado em cada um dos diferentes sinais, em todos os níveis e de qualquer forma. Onde a linguística tradicional tinha um idioma definido como um sistema que funciona através de dupla articulação, onde uma mensagem era uma articulação entre significante e significado, vemos os textos multimodais como construtores de sentidos em múltiplas articulações”.

Sendo assim, numa sociedade cada vez mais digital, que prioriza cada vez mais o que é representado por imagens, a elaboração dos seus significados nos contextos sociais em que estas se inserem, além das novas interpretações que as imagens alcançam nas paisagens semióticas, denotam a necessidade de se pensá-las considerando a sua multimodalidade que representa novas ordens semióticas de significação e de leitura.

Os stickers (ou adesivos, em tradução livre) ou mesmo “figurinhas” são recursos comunicacionais que integram a aplicação WhatsApp. Desde outubro de 2018, quando anunciou a novidade no seu blogue, a plataforma de mensagens passou a disponibilizar esta nova forma de comunicação entre os usuários. De maneira simplista, este novo método de comunicação nada mais é do que a evolução dos emoticons1, emojis2 e smiles3 que, desde que surgiram, passaram a fazer parte dos códigos de comunicação nas plataformas digitais. Os stickers são, portanto, desenhos ou imagens que representam expressões digitais próximas das expressões humanas, como também podem ser os próprios humanos imbuídos de emoções representados em imagens multi-modos.

Podem ser construídos a partir da captura de imagens fotográficas e ser manipulados e criados em aplicações para Smartphones, como também podem ser fabricados a partir das imagens disponibilizadas na internet ou em aplicações destinadas à criação de figurinhas. É importante ressaltar que, bem antes do WhatsApp, quando a pontuação gráfica dois pontos [ : ] se juntou com o parêntese [ ) ], por exemplo, chegamos semioticamente mais próximos da representação da expressão de felicidade [ :) ]. Portanto, estas possibilidades revelam a incansável busca do Homem em tornar a comunicação digital e tecnológica mais humanizada, sensorial e próxima do real.

Sendo assim, o que a aplicação do WhatsApp fez foi democratizar e facilitar a produção e distribuição dos stickers em escala mundial. O relatório da Global Messaging Apps 2019, que analisa o setor de aplicações de mensagens no mundo, produzido pela consultoria americana eMarketer, aponta que o WhatsApp é uma das aplicações mais usadas no mundo para enviar mensagens. Apenas no Brasil mais de 120 milhões de pessoas enviam mensagens pela aplicação mensalmente. No mesmo ano em que o WhatsAppinaugurou a função dos stickers, ele criou também um guia disponível no Google Play Store ou na Apple Store para ensinar quem quisesse criar e disponibilizar os próprios pacotes de figurinhas.

A procura pelo corpo virtual como forma de comunicação próxima da realidade também pode ser entendida através da reflexão de Felinto e Andrade (2005) de que “o corpo é o suporte fundamental para as formas de comunicação prese iniciais, que requerem linguagens tais como a fala e os gestos. O corpo, nesse sentido, é a [o] primeira [o] mídia [média]” (Felinto & Andrade, 2005:15). A partir desta visão mais orgânica do corpo como primeiro meio de comunicação e produtor de informação no contacto físico, podemos contemplar a necessidade cada vez mais presente de o transportar, também, para o espaço digital.

Apesar das semelhanças com os seus antecessores emoticons, emojis e smiles, os stickers permitem transformar em figurinhas personagens e pessoas diversas (televisão, banda desenhada, música, cinema, atores e atrizes de séries, entre outros), ou até mesmo pessoas próximas como familiares e amigos. Uma vez criadas no meio digital, estas figurinhas editadas com amigos e familiares podem ser compartilhadas com centenas de milhares de pessoas que utilizam o WhatsApp. Há uma década, quando ainda não se falava em stickers e pouco se conhecia sobre o WhatsApp, na sua pesquisa sobre o Discurso da Afetividade nos emoticons, Brito (2008) recorre à Lévy (1998:15) ao afirmar que nós “vivemos numa civilização da imagem.” Portanto, na ocasião, o pesquisador associava o advento dos emoticons como uma tentativa de aproximação da expressão humana denotada de afetividade em contexto digital.

“Os emoticons são signos de imagem digital utilizados com freqüência em Chats, principalmente pelos adolescentes, para expressar seus sentimentos. Além disso, são vistos pelos usuários da Internet como uma alternativa de interação comunicativa descomplicada, informal, lúdica; conseqüentemente, mais atrativa”(Brito, 2008, p. 02).

Desta maneira, na contemporaneidade, podemos acrescentar que os corpos-stickers assumem a responsabilidade própria e simbólica dos corpos orgânicos de representar imageticamente as suas emoções nos ecrãs dos smartphones, computadores, entre outros dispositivos tecnológicos. Para Germano (2019), as figurinhas (stickers) ajudam a transpor o ambiente gélido e apático que é o ecrã de um telemóvel, que antes era apenas preenchido com texto, tornando este espaço mais descontraído.

4. Stickers: composições objetivas e subjetivas

Introduzidos na Sociedade da Informação, na qual o uso das tecnologias dita o dia a dia das pessoas, seja pelo uso dos dispositivos tecnológicos como Smartphones, Tabletes, computadores, ou mesmo conectados à internet via Wi-fi pela TV a cabo, as imagens são convertidas em comunicação. Sendo assim, os corpos-stickers, enquanto imagens, dizem tanto quanto as palavras, revelando informações codificáveis de formas objetivas e subjetivas através de diferentes módulos de linguagem.

Como reforçam Lima; Alves e Paiva (2017), recorrendo a Almeida (2000), é notável cada vez mais o entendimento de que as imagens não são utilizadas apenas como apoio aos textos verbais, mas estão tão impregnadas de significados quanto o próprio texto escrito. “Nota-se que a cada dia mais, é preciso o entendimento de que as imagens não se constitúemm apenas enquanto suportes para textos verbais, mas que são tão carregadas de sentido quanto o texto escrito” (Lima et al., 2017, p. 120, apud Almeida, 2000). Por isso, é necessário pensar nas formas de leituras das imagens, nas quais os corpos também são contemplados, recorrendo-se a um modelo de leitura visual mais crítico.

Santaella (2008) recorre às ponderações de Palumbo (2008), e observa que o corpo orgânico, desdobrado nas extensões virtuais, imerge num mundo total de experiências, “um mundo no qual podemos adquirir experiências mediadas de dentro e de fora do nosso corpo, de todas as partes do mundo e do universo, o infinitamente pequeno e o infinitamente grande, os tempos e espaços infinitamente imensos das estrelas e os infinitamente mínimos dos átomos” (Santaella, 2008, p. 152, apud Palumbo, 2000, p. 75).

Baldanza (2006) refere que as novas tecnologias de comunicação transformam a experiência do corpo. Para ela, “este ambiente, onde a comunicação é realizada por meio de aparatos técnicos, o corpo real dá lugar a outros tipos de representação de emoções, uma vez que na comunicação mediada não há contacto físico e interação entre corpos reais” (Baldanza, 2006, p. 08). Ou seja, onde o corpo orgânico se limita por sua natureza a ficar em frente aos ecrãs dos Smartphones, Tabletes, computadores, entre outros aparatos provenientes das tecnologias, é o corpo tecnológico que liberta o corpo real para navegar nas redes e equipamentos técnicos.

Entretanto, na Era da reprodutibilidade técnica antecipada por Benjamin (1985), a reprodução da imagem característica do sistema capitalista distancia-a do seu sentido original enquanto única. Sendo assim, a reprodução de uma imagem pode colocar a cópia num contexto nunca imaginado pelo original. Sob esta ótica, os corpos tecnológicos, enquanto informação, através da reprodução pautada pela multimodalidade que figura no ambiente tecnológico e digital, modificam-se, transfiguram-se ou metamorfoseiam-se a outros significados que requerem novas formas de leituras. Segundo Costa; Nunes e Vanin (2012, p. 04), as relações humanas refletidas na linguagem - e pautadas pela tecnicidade inerente às sociedades tecnológicas em rede -, sofreram alterações ao longo dos anos, intensificadas pela multimodalidade. Desta forma, promoveram mudanças sociais e técnicas que alteram não apenas o próprio indivíduo, como também o sistema cognitivo através da leitura de um mundo com múltiplos modos de ser lido.

Os stickers, enquanto corpo tecnológico multimodal, apresenta uma nova oportunidade de repensar a atuação dos corpos-informação. Em alguns casos, a linguagem corporal ou a representação da emoção exposta na imagem age de forma dissonante com outros modos semióticos como a escrita ou colagem digital - como veremos mais adiante na análise. Assim, é necessária uma leitura ora objetiva, ora subjetiva dos elementos multimodais consolidados na composição da imagem, priorizando as conceções teóricas sobre a leitura multimodal.

O corpo-informação são os corpos livres nas redes e expostos nos dispositivos tecnológicos responsáveis por potencializar as suas subjetividades por meio da integração de diferentes tipos de linguagens multi-modos, seja através da incorporação do som, do texto escrito, das colagens, bricolages e sobreposições de imagens, como também através das aplicações de filtros que alteram a estética e o design de uma imagem. Como observam Kress e Van Leeuwen (2006), referido nos estudos de Fonte e Caiado, “a maneira como esses modos são combinados pode reforçar a mesma ideia, desempenhar papéis complementares ou hierárquicos, nos quais um determinado modo semiótico predomina em relação ao outro” (Fonte & Caiado, 2014: 477).

Sobre o uso massivo dos recursos multimodais na contemporaneidade, Dionísio (2005) pondera “com o advento de novas tecnologias, com muita facilidade se criam novas imagens, novos layouts, bem como se divulgam tais criações para uma ampla audiência. Todos os recursos utilizados na construção dos géneros textuais exercem uma função retórica na construção de sentido dos textos. Cada vez mais se observa a combinação de material visual com a escrita; vivemos, sem dúvida, numa sociedade cada vez mais visual. Representação e imagens não são meramente formas de expressão para divulgação de informações, ou representações naturais, mas são, acima de tudo, textos especialmente construídos que revelam as nossas relações com a sociedade e com o que a sociedade representa” (Dionísio, 2006, pp. 159-160).

5. Caminhos para a análise verbo-visual dos corpos-stickers

Como mencionado na introdução, esta reflexão que contempla a análise verbo-visual dos corpos-stickers no WhatsApp tem como base os preceitos da multimodalidade no contexto da Semiótica Social cunhado por Kress e Van Leeuwen (1996; 1998; 2001). Nestas indicações postuladas pelos estudiosos, para compreender a língua ou uma linguagem em diferentes contextos comunicativos, é preciso considerar como estas interagem com os outros modos semióticos com que se relacionam. Sabendo que a língua faz parte de uma construção social e que a linguagem visual exerce uma função importante no texto e na sociedade, os autores criaram, na década de 80, esta linha de estudos com base na semiótica social, na qual a leitura das linguagens em diferentes contextos é norteada pela multimodalidade.

Tendo em vista estas diretrizes, Kress e Van Leeuwen (1996; 2006) elaboraram o quadro teórico-metodológico conhecido como The Gramar of Visual Design, partindo do entendimento de que existe correspondência entre as estruturas linguísticas e as estruturas visuais, uma vez que estas expressam experiências particulares e constituem formas de interações sociais. Sendo assim, segundo Kress a Van Leeuwen (1996; 2006) existem três metafunções que eles chamam de significados: representacional, interativa e composicional. Estes significados operam dos seguintes modos:

  1. representacional - diz respeito à relação entre os participantes e indica o que está a ser apresentado no contexto comunicativo;

  2. interativa - avalia a relação entre a imagem e o observador participante;

  3. composicional - indica a relação entre os elementos da imagem, a estrutura e a construção textual e os seus respetivos significados.

Muito antes das conceções dos autores, Roland Barthes (1997), que serviu de inspiração para Kress a Van Leeuwen, elaborou alguns trabalhos significativos sobre as relações entre a imagem e o texto e as formas como estes se inter-relacionam. Como base nos conceitos propostos pelo autor, temos três conjeturas significativas que nos permitem fazer uma leitura multimodal através da relação verbal e visual. A primeira forma é a ancoragem, em que o texto apoia a imagem para fazer com que o contexto imagético faça sentido. Podemos citar neste caso as legendas de uma fotografia ou gráficos, no qual têm a função de direcionar a leitura da imagem.

Em segundo lugar, temos, de acordo com Barthes (1977), a relação de ilustração, em que a imagem é quem apoia o texto. Neste caso podemos citar como exemplos os cartazes, no qual a imagem é quem esclarece o texto e amplia a informação verbal. E, por último, temos a relação de relay, em que o texto e a imagem atuam de forma complementar, porque ambos são insuficientes, sendo mais difícil compreender o contexto sem a integração destas linguagens. Temos como exemplos as charges e as tiras humorísticas, em que tanto a imagem como o texto dependem um do outro para que o contexto tenha significado.

Para Luís Fernando Gomes (s.d.), uma análise multimodal gira em torno de duas perspetivas. A primeira perspetiva parte da “descentralização da linguagem como favorecedora da construção de sentido”, já a segunda conceção parte de “um novo olhar sobre os cada vez mais ténues limites entre os papéis da linguagem, da imagem, do suporte, do leiaute [layout], do desenho, do documento”, entre outros (Gomes, s.d, p. 02).

Lima, Alves e Paiva (2017) observam que a gramática visual concebida Kress e Van Leeuwen (1996; 2006) procura estruturar uma síntese visual para imagem em que os leitores/participantes são considerados através da relação com o espaço para produção de sentido, “tanto interferindo nas possibilidades de interpretação, quanto garantindo a sua função comunicativa” (Lima et al. 2017, p. 116). Ou seja, além dos elementos semióticos contidos na construção dos corpos-stickers em grupos de WhatsApp, é preciso considerar a composição do grupo (quem são os membros?) e o espaço geográfico e cultural (de onde são os membros?) em que os grupos se estabelecem, para que a leitura dos corpos faça sentido ou produza algum significado.

Posto isto, os fragmentos das mensagens analisados a seguir correspondem a um grupo de mensagens no WhatsApp de estudantes de Mestrado da Universidade do Minho, em Braga, Portugal, com membros entre 23 e 35 anos, todos prevenientes do Brasil. Acrescenta-se ainda a forte relação cultural dos brasileiros quanto ao uso dos memes e a manutenção destas linguagens que circulam nas plataformas digitais e nos dispositivos tecnológicos conectados à internet. Meme é uma expressão característica do meio digital para referir-se aos conteúdos - imagens, vídeo, GIFs, entre outras linguagens que viralizam na Internet (Horta, 2015). No Brasil, os Memes têm ganhado importância académica nas pesquisas sobre o uso das linguagens e o seu valor no contexto social e histórico, tanto que ganhou um museu com acervo digital4 idealizado por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense.

Ao realizar esta análise experimental, priorizamos a exposição e exploração dos corpos enquanto linguagem e a sua relação com a multimodalidade para o ganho de compreensão semiótica. Desta maneira, consideramos a análise dos corpos-stickers em dois eixos: (a) corpos com imagens objetivas, que descrevem o contexto e podem ser tão elucidativos quanto o texto, não dependendo da linguagem escrita para ter sentido; (b) corpos subjetivos, em que o texto escrito favorece a construção semiótica para compreensão do contexto.

Análise de caso

A Figura 1 apresenta-nos fragmentos de mensagens cujos diálogos envolvem seis integrantes do grupo “Carrinha Investigativa”, no WhatsApp. Visualmente, é possível identificar múltiplos modos de linguagens semióticas na manutenção dialógica, que passa pela representação dos corpos, colagens, e sobreposições digitais e o uso das linguagens verbal e não-verbal.

Figura 1 Primeiro fragmento do diálogo 

O diálogo inicia-se com o corpo-sticker de Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo - que disputou a última corrida presidencial no Brasil em 2019 -, a segurar uma garrafa de bebida alcoólica, e a fazer o sinal de paz e amor, com a mensagem “BOM DIA, HOJE É SEXTA”. Pelo contexto, observa-se que a abertura da interação no grupo inicia-se numa sexta-feira de manhã e sugere uma certa alegria pela chegada do fim de semana. No entanto, para que esta interpretação fosse possível, foi preciso que houvesse uma leitura composicional sugerida pela Gramática Visual de Kress e Van Leeuwen (1996; 2006) de todos os elementos da imagem, desde a expressão do corpo, sinónimo de contentamento, até ao texto verbal da imagem. Sem a ajuda textual, este corpo-sticker seria apenas a imagem subjetiva de Fernando Haddad com uma bebida, sem qualquer conexão com o tempo (de manhã) e espaço (sexta-feira). Esta relação de dependência da imagem com o texto é encontrada nos estudos semióticos de Barthes (1977), referido por Gomes (s.d.), em que ele denomina esta dependência da imagem em relação ao texto como relay, sendo necessário que haja a junção dos dois módulos semióticos, verbal e visual, para que a leitura imagética seja compreendida.

Em seguida, após uma sequência de três emoticons que enfatizam o riso pela mensagem anterior, o segundo sujeito responde: “bom dia, pessoal!”, encerrando a sentença com o emotion das mãos juntas, sugerindo o agradecimento pelo dia, para então finalizar a sua participação com um sticker. Neste, temos a imagem da Gretchen, cantora brasileira que fez sucesso nos anos de 1980 e que, após anos fora dos média, regressa através da disseminação dos seus memes enquanto participava num reality show. No sticker de Gretchen, a cantora está posicionada com uma das mãos na boca, como se estivesse a tentar esconder a gargalhada, acompanhada do texto verbal em sequência de “kkkkkkkkkkkkkk”, muito usado nas relações sociais mediadas pela tecnologia para expressar o riso. Entretanto, neste caso, mesmo sem o apoio da linguagem textual, seria possível compreender a resposta pelo corpo-sticker de Gretchen em relação ao início do diálogo com a imagem de Haddad. De acordo com Gomes (s.d), esta relação em que a imagem é quem esclarece o texto, não sendo necessária a contribuição textual - mas em que este, no que lhe concerne, amplia a informação não-verbal - é denominada ilustração pela ótica barthesiana.

O terceiro corpo-sticker presente neste diálogo mostra um menino feliz, com umas das mãos no rosto e com o sorriso que nos direciona para um estado de felicidade. No entanto, além da leitura imagética do corpo que nos remete à expressão de felicidade, a imagem apresenta-nos a colagem digital de corações. Voltando às aceções de Kress e Van Leeuwen (1996; 2006) sobre a linguagem enquanto acordo de convenção social, observamos que a imagem, ao usar os corações, reforça a relação de afeto na participação do interlocutor na mensagem. Isto acontece porque o desenho/imagem do coração desempenha um papel de ícone do amor nas relações sociais em diferentes culturas.

Figura 2 Segundo fragmento do diálogo 

O quarto integrante a participar no diálogo, ao enviar a mensagem (figura 2): “Boa sexta e bom teste pra todos mais tarde”, além do emoticon com as mãos juntas, que indica sorte e agradecimento, termina a sua participação com o corpo-sticker de duas mulheres com a frase: “ninguém solta a mão de ninguém.” Este é o sticker mais emblemático do diálogo, pois, para compreendê-lo, é preciso recorrer primeiramente à ótica de Barthes (1977), no qual pode existir na imagem uma relação de relay.

Neste caso, Fonte e Caiado (2014) postulam que no relay o texto e imagem são complementares, sendo preciso a integração das linguagens semióticas, verbal e não-verbal, para a compreensão da mensagem, visto que ambos - texto e imagem - são necessários, e separados se tornam insuficientes. Entretanto, além das reflexões barthesianas, é preciso recorrer às conceções da Semiótica Social de Kress e Van Leeuwen (1996; 2006) para entender o contexto da imagem e a sua relação com o texto. Visualmente as duas mulheres denotam uma certa satisfação e esboçam alegria. Uma delas, a que segura a mão da outra, como se quisesse mostrar algo - que supomos ser as unhas feitas. Portanto, é possível que haja no corpo-sticker em questão uma relação entre a manicura e a cliente. Contudo, esta imagem nada diz em relação ao texto na montagem, e é neste caso que recorremos à Semiótica Social.

“Ninguém solta a mão de ninguém” foi um movimento que viralizou na internet após o resultado das últimas eleições no Brasil. Com o advento da gestão bolsonarista, centenas de milhares de pessoas passaram a compartilhar memes de mãos apertadas como uma espécie de ato solidário, promovido sobretudo por grupos constituídos por minorias, como os movimentos de pessoas GLBTQIAP+, indígenas, negros, feministas, entre outros.

Nesta construção multimodal, o sticker recorre à ironia e à subjetividade ao unir a imagem das duas mulheres com o texto que viralizou no Brasil no último ano. Sendo assim, ponderamos que, além de fazer a leitura imagética e textual deste corpo-sticker seria necessário o conhecimento do contexto político do Brasil e dos seus desdobramentos nas plataformas digitais, para que este fizesse sentido semântico na interpretação do discurso no ecrã.

O penúltimo sujeito a participar no diálogo do grupo reage às mensagens anteriores, replicando novamente a imagem da cantora Gretchen no grupo. Desta vez, a cantora aparece com as mãos cruzadas e juntas à boca, como se estivesse a refletir sobre algo, junto ao apoio textual da pontuação gráfica reticências. Este género de pontuação pode indicar pausas ou continuação de diálogos, interromper situações para que o sujeito imagine o que seria dito, como também tende a exprimir a intenção de pensamento ou ideia. Assim, com a junção da linguagem verbal e visual neste corpo-sticker, presenciamos novamente a conceção de ilustração, sendo que a imagem do corpo-sticker já nos remete pela linguagem própria do corpo que Gretchen se mantém reflexiva na imagem. Neste exemplo, a pontuação de reticências apenas reforça a ideia do comportamento pensativo.

O último sujeito, 6, ao interagir no grupo, responde ao penúltimo interlocutor com um corpo-sticker da apresentadora brasileira Luciana Gimenez acompanhada da legenda: “mas cê tá brava?”. A palavra “você” e “está” estão grafadas compactamente na forma “cê” e “tá”, variação comum da escrita nos dispositivos digitais e na internet.

Quanto ao contexto da imagem, aparentemente sem entender o posicionamento reflexivo do último participante quanto ao teste a ser aplicado, o sujeito 6 finaliza a sua participação com o sticker da apresentadora. Entretanto, neste caso, observamos que não existe uma ligação entre texto e imagem ou imagem e texto, que nos possa direcionar ao entendimento do contexto imagético. Visualmente Luciana está no exercício da sua função, utilizando um microfone, o que nos remete para uma possível entrevista no seu programa. Mas a legenda escolhida não figura entre os jargões da apresentadora, nem a um possível meme que nos direcione à compreensão do real significado da construção deste sticker. Posto isto, caberá à subjetividade e à abstração de cada um a quem esta imagem alcança, bem como a conceção de um significado próprio para que esta faça sentido.

“Onde a linguística tradicional tinha um idioma definido como um sistema que funciona através de dupla articulação, onde uma mensagem era uma articulação entre significante e significado, vemos os textos multimodais como construtores de sentidos em múltiplas articulações” (Kress & Van Leeuwen, 2001, p.3).

6. Considerações

Os diálogos no WhatsApp denotam a reorganização dos sentidos característicos das imagens contemporâneas que circulam nos dispositivos tecnológicos e nas redes digitais. A aplicação de comunicação favorece a criação, manutenção e circulação de informações multimodais. Com isso, retomando à hipótese inicial, demanda o domínio de novos aprendizados para leitura e interpretação dos sentidos que contemplem a multimodalidade e a gramática social, uma vez que os conceitos apresentam contribuições para os estudos do letramento imagético. Ao contrário das primeiras pesquisas, que abordavam as imagens a partir da perpectiva correspondente ao que as identificavam como léxico da comunicação, a gramática social centraliza a imagem na sua natureza semiótica, voltada para a construção dos sentidos. Desta forma, indica que a leitura de uma imagem seja realizada de maneira composicional, mas também contextual, priorizando o recorte temporal em que a imagem passa a circular.

Os corpos-stickes analisados nesta pesquisa enfatizam que esta forma de comunicação demanda a apreensão de novos saberes. Isso porque, em tais produções, os módulos de linguagens presentes nas imagens, por vezes, operam de maneira assíncrona. Logo, os sentidos interpretativos das imagens não estão ancorados apenas no texto ou na imagem, mas na leitura composicional que engloba o contexto, a história, a cultura e o repertório de cada indivíduo. Assim, tais stickers exemplificam o caso em que as construções imagéticas divergem em relação às estruturas linguísticas e os módulos de linguagens, denotando a confluência do texto, contexto, história e demais possibilidades multimodais, cuja construção pode interferir na construção dos sentidos.

Nesta tentativa de refletir acerca da construção dialógica a partir dos corpos-stickers no WhatsApp, tencionamos contribuir cientificamente para a necessidade constante de se pensar o corpo e a multimodalidade, e o que ambos representam na sociedade da informação e da tecnologia. Costa; Nunes e Vanin (2012, p. 09) expressam que o “conceito expandido de corpo é uma totalidade; ele não é apenas objeto, mas é também sujeito e, sob essa perspetiva, outras dualidades são diluídas - corpo/mente, razão/emoção, ambiente/sociedade, natureza/cultura, digital/analógica”. Por isso, ao refletir sobre os corpos-stickers, torna-se também possível ponderar sobre a lacuna existente entre o uso socialmente trivial desta linguagem e a ausência da literacia digital em que se assenta o reconhecimento da linguagem multimodal.

Em suma, embora a análise seja mais exploratória do que sistematizada, observamos que os corpos convertidos em stickers podem apresentar uma diversidade de significados e por vezes necessitam de uma leitura de narrativa com base na sua representação social, não apenas imagética e não-verbal. Por esta razão, por vezes são incapazes de oferecer significados mais concretos ao terem os seus modos de linguagem interpretados de maneira isolada, sendo indispensável a leitura multimodal.

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1 Emoticon é um termo criado a partir das palavras inglesas "emotion" e "icon" - ou "ícone de emoção" em tradução livre. Eles foram criados com a intenção de expressar emoções próximas do comportamento humano, fazendo uso essencialmente de caracteres tipográficos. O ícone foi criado em 1982, por Scott Fahlman, professor assistente de pesquisa de ciência da computação da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos.

2Os emojis surgiram no Japão da década de 90, sendo concebidos por Shigetaka Kurita, que elaborou a palavra a partir das expressões japonesas “e” (imagem) e “moji” (personagem), que em português tem significando de pictograma. Os emojis são a evolução dos emoticons, que tomaram forma e corpo digital, agregando elementos simbólicos como o coração e as lágrimas, além de adereços como óculos de sol, roupas e acessórios.

3Os smiles são uma espécie de evolução dos emojis, mas estes, por outro lado, não são estáticos. Eles são ícones em movimento que representam expressões faciais, corporais ou alguma expressão da emoção humana.

4Disponível em: https://museudememes.com.br/

Recebido: 19 de Maio de 2022; Aceito: 20 de Dezembro de 2022

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