1. Os princípios da imprensa periódica portuguesa
A imprensa periódica surgiu em Portugal, assim como em qualquer local da Europa, da confluência de três fatores fundamentais: o progresso tecnológico da tipografia, o avanço das comunicações terrestres/marítimas e o interesse dos públicos pela notícia (TENGARRINHA, 1989, p. 29). Os periódicos portugueses publicados entre Seiscentos e Oitocentos transmitiram múltiplas imagens da História, que permitiram alimentar o imaginário e a cultura genérica dos leitores. As afinidades entre a História e a Imprensa não podem ser antagónicas, mas de coadjuvação mútua, o que sucede desde os primórdios da arte da notícia.
Existe todo um domínio inexplorado que permitirá prospeções fecundas e cremos que estas fontes, quase inaproveitadas, são utilíssimas para entendermos as sensibilidades e as atitudes mentais em várias épocas históricas. Os periódicos portugueses são exemplos vivos da História, quase sempre documentados ou fundamentados na veracidade de cada tempo. Assim, no que concerne ao entendimento da imprensa periódica dita ‘oficial’, da qual se estipulou ter sido iniciada com a Gazeta de Lisboa (1715), existe todo um manancial histórico-jornalístico que importa evocar e correlacionar com tal movimento.
Afigura-se ainda problemático discernir qual a publicação ou as iniciativas editoriais que podem ser consideradas como as ‘componentes embrionárias’ da História da imprensa periódica portuguesa. Um dos primeiros géneros literários a ser transposto para um suporte impresso terá sido o conjunto de informações manuscritas dispersas e inseridas na «literatura de viagens», à semelhança do que se registava na Europa.
Apontado por diferentes catálogos bibliográficos como sendo, muito provavelmente, o primeiro ‘noticiário nacional’, a folha noticiosa Relação Vniversal do qve svccedeo em Portvgal, & mais Prouincias do Occidente, & Oriente constitui um valioso aglomerado de relatos acerca dos eventos bélicos e políticos portugueses entre 1625 e 1626 (PEREIRA, s. d., pp. 54-55; SOUSA, 2007). Estas informações foram inventariadas por Manuel Severim de Faria (1583-1655), doutorado em Teologia pela Universidade de Évora, depois chantre da Sé desta cidade, usando o pseudónimo de Francisco de Abreu (FARIA, 2001).
No entanto, a ausência de periodicidade e continuidade da Relação Vniversal do qve svccedeo em Portvgal, & mais Prouincias do Occidente, & Oriente, de que sobreviveram apenas dois exemplares - segundo o próprio Manuel Severim de Faria apenas seriam editadas quando acontecimentos importantes o justificassem - aparta-as da categoria dos «periódicos» devido à sua cadência editorial descorada (ROCHA, 1998, pp. 20-21). Os dois números que compõem a Relação Vniversal do qve svccedeo em Portvgal, & mais Prouincias do Occidente, & Oriente integram-se, portanto, na classe das folhas volantes reservadas ao restrito público português dos inícios do século XVII. Foi uma folha mensal de 32 fólios, noticiosa e intencionalmente política, com um preço elevado e a particularidade de ser impressa em Braga, à época, um centro periférico da atividade tipográfica nacional.
Não obstante o papel original das Gazetas, datadas de 1641 a 1647-1648, o esforço inicial da imprensa periódica portuguesa situa-se cronologicamente um pouco atrás, pelo que dever-se-á assinalar a importância simbólica destas Relações (LOPES, SARAIVA, 1996, p. 542; SERRÃO, 1974). Note-se que esta publicação apresentava um forte teor nacionalista, a qual já ‘pressentia’ o movimento da Restauração de 1640 (MAS, 1988, p. 523).
A propensão noticiarista de Manuel Severim de Faria consagra-o na ‘galeria’ dos precursores da imprensa periódica em Portugal devido às suas Relações, ainda que seja matéria não totalmente consentânea. No entanto, talvez a sua obra mais conhecida seja Notícias de Portugal (1655), durante largo tempo erroneamente considerado um dos primeiros periódicos, mais não sendo do que um tratado sobre numismática, genealogia nobiliárquica, história das universidades peninsulares, reflexões sobre organização militar nacional e um memorial dos cardeais portugueses (FARIA, 1655, 2003).
É impossível precisar a frequência editorial das relações e/ou a especificidade da sua clientela, dado que o analfabetismo grassava e os preços não eram convidativos à bolsa da maioria dos leitores. Com toda a certeza, foram editadas numerosas «folhas» e «relações» desde 1555 até ao primeiro ‘jornal’, em 1641, as quais motivaram uma expansão gradual entre nós.
2. Os cânones primordiais da imprensa periódica portuguesa
O longo processo político e militar da Restauração originou abundante literatura patriótica, onde não faltaram os tratados panegíricos e tantos outros discursos e panfletos doutrinários e legitimadores da dinastia de Bragança, como se poderá constatar nos domínios da politologia, da historiografia, da parenética e, inclusive, da ‘pueril’ imprensa periódica portuguesa (CUNHA, 2001, p. 354).
As Guerras da Restauração, o arrastado conflito entre Portugal e Espanha (1640-1668), selou o fim do domínio filipino, compreendendo o início do reinado de D. João IV, e apenas cessaram no reinado de D. Afonso VI (1643-1683), embora fosse D. Pedro II (1648-1706) quem dominasse as negociações. Foram lutas incessantes em quatro continentes, particularmente duras nas campanhas brasileiras contra as pretensões holandesas e francesas, mantendo-se as operações militares durante quase três décadas, tendo constrangido Portugal a um enorme esforço financeiro e humano nesse sentido. Paralelamente, as campanhas militares foram acompanhadas de movimentos diplomáticos em prol do reconhecimento internacional perante França, Inglaterra, a Santa Sé, assim como nas Províncias Unidas e Suécia, atuações imprescindíveis para a nossa independência (SELVAGEM, 1999, p. 388).
Na dificílima circunstância política e social que marcou a Restauração irão ser criadas as primeiras publicações periódicas em Portugal. Atualmente, tais fundamentos ainda constituem matéria de estudo algo penosa, não por falta de reflexões histórico-bibliográficas, mas porque as causas que facultaram o surgimento do periodismo português não podem ser aqui amplamente explanadas (CUNHA, 1941, pp. 15-16).
A imprensa periódica portuguesa, estreitamente conectada com a praxis jornalística, nasceu das convulsões sociais e políticas da Restauração de 1640, revelando, desde logo, o seu incomensurável poder de intervenção. Estas características editoriais, aliadas ao propósito eminentemente informativo, só se reúnem primeiramente nas denominadas Gazetas, a primeira das quais ostenta um título longo (como era costume), de Gazeta, em Qve Se Relatam as Novas Todas, Qve Ovve Nesta Corte, E Qve Vieram de varias partes no mes de Nouembro de 1641, sendo conhecidas por Gazetas da Restauração, ou, simplesmente, de Gazetas (DIAS, 2006; SOUSA, 2010).
Ao invés, perante a incerteza informativa das relações ou panfletos editados irregularmente, tanto nas versões manuscritas como impressas, as quais já não conseguem corresponder às necessidades informativos do público, verifica-se um interesse crescente em acompanhar os acontecimentos políticos e militares da época. Daí a necessidade de um órgão de informação que nutrisse a alma patriótica e servisse os objetivos propagandísticos da Coroa, razões que levaram as Gazetas a afirmarem-se como o mais relevante meio de informação após a Restauração.
As Gazetas venderam-se pela primeira vez em dezembro de 1641, mas volvidos poucos meses, as Gazetas seriam interrompidas, invocando-se a lei de 19 de agosto de 1642, «em razaõ da pouca verdade de muitas noticias e do mau estilo de todas elas.» Seria o primeiro entrave da Coroa à imprensa periódica, logo após o seu ‘nascimento’ (PEREIRA, 1901, pp. 9-10; ALVES, 1983, p. 5).
Apesar do movimento independentista da Restauração, a primeira gazeta esteve subordinada à censura instituída no reinado de Filipe III de Espanha (1578-1621), consagrada à regulamentação das publicações (1603) e vocacionada para combater a proliferação progressiva de «folhas volantes» e outras «relações». Entretanto, o regime restaurado empregará, neste contexto, a lei de 29 de janeiro de 1643, ordenando que «não se imprimiam livros sem licença d’El-Rei.»
A sua periodicidade foi estritamente mensal desde o primeiro número. Deste modo, as Gazetas, aguardadas em datas previamente estabelecidas, geraram alguns hábitos de leitura próprios do Jornalismo. Limitadas por uma circulação circunscrita a certos círculos, dado que o analfabetismo abrangia mais de 90% da população portuguesa, também o seu preço elevado (de 6, 8 e 10 réis, conforme o número de fólios impressos), não era atrativo. Entre os seus leitores englobar-se-iam os aristocratas, os burgueses, os religiosos e os burocratas régios, entre outros indivíduos ligados à Corte lisboeta (HERCULANO, 1838, pp. 101-102), mas todos extremamente interessados nas «novidades» dos conflitos com a vizinha Espanha e nos territórios ultramarinos, assim como por toda a Europa, na fase final da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).
Foram sempre impressas em Lisboa, principiando na Officina de Lourenço de Anvers e na Officina de Domingos Lopes Rosa, intercalando com a Officina de António Álvares, estando abrangidas pelo privilégio real concedido a Manuel de Galhegos (1597-1665), por alvará de 14 de novembro de 1641, e um dos presumíveis redatores desta publicação (MARTINS, 1964). As Gazetas compunham-se com um número variável de fólios mensais, embora prevalecesse o formato in-quarto com oito páginas, apresentando um conteúdo noticioso fortemente politizado e propagandístico, como já afirmámos. Não obstante, não esquecendo a suscetibilidade literária e política da época, devem ser consideradas fontes históricas fundamentais para a compreensão das manifestações políticas, militares e sociais nos primeiros anos da Restauração (MARTINS, 1942, p. 19).
O nome de fr. Francisco Brandão (1601-1680) (BRANDÃO, 1650, 1976, p. XIII; SILVA, 1859, pp. 137-141, 360-361; PEREIRA, RODRIGUES, 1906, p. 479; FIGUEIREDO, 1922, pp. 177-178; ANDRADE, 1963, pp. 1793-1794; CRUZ & SILVA, 1985, p. 50) foi frequentemente indicado como um dos autores das Gazetas, pelo menos após julho de 1645, além do poeta Manuel de Galhegos, João Franco Barreto (c. 1600-c. 1674) (BARRETO, 1981) e até o próprio D. João IV, segundo alguns pareceres pouco críticos. O objetivo central das Gazetas foi, essencialmente, fomentar um processo volumoso de informações e contrainformações militares, onde o protagonismo das forças portuguesas estacionadas nas fronteiras e em todas as possessões ultramarinas foi enaltecido. Quanto às operações militares nos teatros de operações peninsulares e europeus, as Gazetas fornecem-nos indicações preciosas, algumas das quais totalmente inéditas. No sentido de garantir o apoio de Luís XIII de França (1601-1643), foram despachadas missões diplomáticas para Paris, às quais as Gazetas concederam uma atenção acrescida, não deixando, contudo, de mencionar os compromissos algo vagarosos e dúbios por parte da Corte francesa (ERICEIRA, 1945, pp. 176-177; DIAS, 2008, pp. 9-48).
Terminada abruptamente a edição das Gazetas em setembro de 1647 ou, como defendemos, em meados de 1648, até à criação do Mercvrio Portvgvez (1663), existem escassos registos fiáveis acerca de qualquer atividade jornalística em Portugal, além de algumas «folhas volantes» impressas e manuscritas com notícias das Guerras da Restauração ou outros assuntos de menor importância. Desde muito cedo, as Gazetas foram compreendidas como instrumentos políticos que era necessário controlar, pelo que estas publicações carregavam, no seu âmago, a génese do poderio da opinião pública e do interesse pela intelectualidade jornalística.
O periódico que ora se apresenta com a designação abreviada de Le Mercvre Portvgais (DIAS, 2005) é, porventura, das publicações mais enigmáticas deste período e, simultaneamente, das mais desconhecidas (PEREIRA, s.d., pp. 49-49v). Lançado à estampa no primeiro semestre de 1643, subsistem várias incertezas sobre a sua autoria. Nas poucas referências bibliográficas disponíveis, a sua redação foi atribuída aos editores Antoine de Sommaville (1597-1664) (SOMMAVILLE, 1657) e Augustin Courbé (159?-166?) (Courbé, 1651), responsáveis pela famosa Officina do Collège de France. No entanto, o estudo bibliófilo sugere-nos que o seu autor tenha sido François de Grenaille (1616-1680) (GRENAILLE, 1640), cuja identificação figura ao final do Le Mercvre Portvgais. Assim sendo, defendemos que seja, efetivamente, o verdadeiro redator deste periódico, embora contasse com o auxílio dos editores referidos, sem esquecer a participação imputada a Manuel Fernandes Vila Real (1608/11?-1652) (VILA REAL, 2005).
O Le Mercvre Portvgais foi editado em Paris, propondo-se apresentar matéria informativa sobre o decurso da Restauração em Portugal. Detendo um privilégio de impressão aprovado por Luís XIII de França, estaria ciente das conversações que originaram os primeiros acordos franco-portugueses (COSTA, 2004, pp. 45-46).
De certo modo, aparenta-se como uma proclamação panegírica dedicada a D. Vasco Luís da Gama (1612-1676), 5.º conde da Vidigueira, embaixador extraordinário em Paris, mas cuja leitura se destinaria às cúpulas da sociedade francesa (SOUSA, 1946, pp. 336-337). Aliás, este típico «mercúrio» dirige-se a esta individualidade (embora, segundo consta, tenha sido editado a expensas do mesmo) como um ‘arauto’ das pretensões portuguesas (CARDIM, 2002, pp. 47-87).
Assumindo-se como um dos mais notáveis testemunhos das relações franco-portuguesas após 1640, este periódico permanece quase ignorado nas referências bibliográficas sobre esta época crucial da nossa História. Este periódico, quase desconhecido da investigação historiográfica, primou nas convicções apaixonadas e propagou uma quase ‘diabolização’ dos inimigos de Portugal, inclusive dos traidores à Pátria. Foram apresentadas as principais estratégias para fazer vingar a Restauração como, por exemplo, os elencos das principais missões diplomáticas portuguesas na Europa, entre outras informações de interesse historiográfico. No entanto, por causas desconhecidas, o Le Mercvre Portvgais cessará em abril de 1643, embora o seu lugar na Cultura portuguesa deva ser reconsiderado.
Seguiu-se o curioso periódico intitulado Mercvrius Ibernicvs e que apenas conheceu um único número, taxado a 13 de fevereiro de 1645, mas devido às licenças exigidas superiormente, só sairia a público, possivelmente, em meados de março desse ano (TENGARRINHA, 1989, p. 42). Não se concebem suspeitas acerca da sua autoria, embora se constate facilmente que o seu anónimo autor seja português ou residente em Portugal. Redigido em castelhano, ao invés de ser considerada uma postura pró-espanhola, pensou-se na divulgação além-fronteiras, numa clara manobra de propaganda política. Por que motivo teria sido suprimido da leitura pública, logo após o primeiro número? Ninguém o sabe, pese apenas existir este exemplar, em formato in-quarto, de oito fólios, em tudo idêntico aos inúmeros panfletos que então circulavam.
O Mercvrius Ibernicvs foi impresso na Officina de Domingos Lopes Rosa, em Lisboa, editor da Gazeta e um dos artífices impressores mais conceituados do seu tempo. Portanto, este periódico não poderia ser, em boa verdade, uma publicação ‘marginal’, visto que foi taxado e cumpriria com todas as exigências burocráticas, embora não saibamos o seu preço exato, visto essa indicação estar omissa no original. Provavelmente redigido por alguém ligado ao ‘círculo’ da Gazeta, o seu autor seria, pelo menos, um conhecedor atento daquele periódico, pois é supracitado amiúde.
No entanto, o primeiro objetivo do Mercvrius Ibernicvs seria noticiar alguns eventos ‘prodigiosos’ sucedidos na Irlanda subjugada pelas tropas protestantes inglesas e as manifestações, ditas ‘sobrenaturais’, encaradas como sinais da intervenção divina a favor das bandeiras católicas irlandesas. Ou seja, para explicar cada fenómeno ou episódio, o autor preocupou-se em expor as fontes de informação mais idóneas e credíveis, apontando, inclusive, várias testemunhas em trânsito por Lisboa, as quais teriam testemunhado certos episódios mencionados.
Se existem enigmas nos primórdios da imprensa periódica portuguesa, um caso singular diz respeito à existência (ou não) de um periódico chamado Gazeta do Parnaso Prologetica. Lançado provavelmente em Lisboa (1649?), não se conhecem outras informações a seu respeito, a não ser o que nos confidenciou Augusto Xavier da Silva Pereira (1838-1902) nas suas obras (PEREIRA, s.d., pp. 47-47v). Terá existido tal periódico? Tudo leva a crer que a resposta é afirmativa, atendendo à autoridade deste bibliófilo, embora não se conheça exemplar algum. Quem teriam sido os seus autores ou onde seria impresso? Segundo parece, possuía um conteúdo encomiástico dedicado a D. João IV e à causa da Restauração, baseado em motivos mitológicos.
Seguindo a linha cronológica dos exemplares disponíveis na imprensa periódica nos finais do século XVII, apresenta-se-nos uma «relaçam», dita «terceira» e «quarta», das vitórias das forças portuguesas sob o comando do mestre-de-campo-general D. Sancho Manuel de Vilhena (c. 1610-1677), 1.º conde de Vila Flor, em operações na raia fronteiriça entre as praças-fortes de Almeida e Ciudad Rodrigo (SOARES, 2003, pp. 158-159). Referindo-se explicitamente no frontispício, e respetivos títulos, ao terceiro e ao quarto números de uma «relaçam» focando a mesma matéria, sugere a existência de um primeiro e segundo números, possivelmente agrupados numa única «relaçam» (SILVA, 1906, p. 209). Ter-se-ão perdido ou permanecerão esquecidas em algum acervo ou impropriamente catalogadas?
Esta «relaçam», cuja autoria permanece desconhecida, terá conhecido uma divulgação alargada, dado ser publicada pouco antes do Mercvrio Portvgvez e por um impressor lisboeta de renome, Domingos Carneiro (164?-169?). Segundo tudo indica, teve o patrocínio régio proporcionado pelo governo de D. Luís de Vasconcelos e Sousa (1636-1720), 3.º conde de Castelo Melhor, e escrivão da puridade de D. Afonso VI. Com um preço unitário de 6 réis (formato «in-quarto», de seis fólios e ornamentação gráfica simples), os seus exemplares foram taxados a 22 de agosto de 1662, em Lisboa, depois do exame prévio de vários censores régios e eclesiásticos, onde se destacou D. Fr. Pedro de Magalhães (1594-1675) (MACHADO, 1752, pp. 591-592; SILVA, 1862, p. 429).
Note-se a rapidez com que os acontecimentos de 9 e 10 de agosto de 1662 foram noticiados a 22 de agosto seguinte, pressupondo uma exigência de propagandear os sucessos militares portugueses naquela zona da fronteira. As facilidades reveladas pela censura régia e a equipa de impressão, tornando possível a rapidez desta «relaçam», não foram alheias à persuasão dos agentes régios que controlavam as «relaçoens» à época.
Embora nos encontremos na etapa final das Guerras da Restauração, ainda iriam travar-se batalhas decisivas, entre as quais a do Ameixial (8 de junho de 1663). Face ao desgaste provocado pelo arrastar do conflito, a notícia de vitórias era sempre um bom auspício para levantar o moral e a credibilidade das políticas e estratégias militares. Portanto, esta «relaçam» mais não foi do que o registo do êxito das operações militares portuguesas e da sua (suposta) supremacia perante as forças espanholas. Embora sejam ações de pequena monta - escaramuças entre pequenos contingentes, ataques e saques guerrilheiros a comboios militares, apreensão de material bélico e captura de prisioneiros -, na zona de Almeida, este periódico possui ainda um caráter nitidamente laudatório à liderança de D. Sancho Manuel de Vilhena, tal como patente noutras publicações.
Sucessor do primeiro periódico usualmente conhecido como Gazeta da Restauração, surgiria, na mesma senda, o Mercvrio Portvguez, sob a autoria e direção de D. António de Sousa de Macedo (1606-1682), doutor em Leis pela Universidade de Coimbra, embaixador plenipotenciário de D. João IV em Londres e, a partir de 1650, nas Províncias Unidas (MACHADO, 1741, pp. 399-403; SOUSA, 1946, pp. 77-78; MATTOS, 1878, 1970, pp. 592-594). Nomeado Secretário de Estado para o governo do 3.º conde de Castelo Melhor, dirigiria o Mercvrio Portvguez até finais de 1666, concorrendo para a elevação de um órgão noticioso indispensável à causa independentista (MATTOS, 1944, p. 373).
Sem se furtar às controvérsias, um pouco à semelhança da conduta pessoal do seu redator, foi um dos periódicos mais notáveis da incipiente imprensa periódica, apesar da sua breve duração (RIVARA, 1838, p. 102; P.M., 1842, pp. 343-344). Organizado segundo o modelo da primeira Gazeta, o Mercvrio Portvguez compreende a iniciativa política dos últimos anos das Guerras da Restauração, sendo que a Gazeta reproduziu as dificuldades da causa restauracionista (FARIA, FARIA, 1975).
Ambos os periódicos representam, nesta circunstância, o preâmbulo e o desfecho de um ciclo brutalmente agitado da nossa História e são, assim o defendemos, as melhores fontes históricas para estudar este período (DIAS, 2010; SOUSA, 2013; SOUSA, TEIXEIRA, 2015). O Mercvrio Portvguez foi, definitivamente, um utensílio periodístico profusamente patriótico e, não obstante a personalidade férrea do seu redator, um órgão de propaganda submisso ao governo de D. Afonso VI. Direcionado pelos subterfúgios modernos da dissuasão informativa, o Mercvrio Portvguez lutou ferozmente em prol da coesão nacional, impondo uma vernaculidade combativa, sem perder as regras da objetividade e veracidade, ainda que, por vezes, ‘resvalasse’ para as inclinações panegíricas. Embora o Mercvrio Portvguez fosse um órgão noticioso de cariz bélico e político-diplomático, concedeu-nos um retrato fiável da sociedade coeva, ainda que com a rispidez singular das «relações» (PINHEIRO, 1971).
Espectador atento da conjuntura político-militar europeia transmitida pelas «gazetas» e «mercúrios» espanhóis, holandeses, italianos e franceses, lutou contra todas as publicações que se lhe opunham num verdadeiro cenário de informação e contrainformação. Todo o discurso encetado por D. António de Sousa de Macedo centrava-se na salvaguarda de Portugal, por vontade da Providência (CUNHA, 1941, p. 42). Contudo, a partir dos inícios de 1667, será um outro redator, ainda incógnito, que conduzirá o Mercvrio Portvguez até expirar, identidade que a pesquisa bibliófila nunca desvendou. Quanto ao «distinto» redator anónimo, terá sido alguém próximo do redator oficial, apesar do afastamento de D. António de Sousa Macedo? Ninguém o sabe.
3. A difusão de outras formas jornalísticas: as folhas, relações e cartas
Findo o ciclo da Restauração, seguiu-se um longo hiato na imprensa periódica nacional até 1715, período apenas colmatado pela propagação de «folhas», «relações» e «cartas», as quais, gradualmente, não conseguiriam responder à avidez de notícias num mundo que progredia a passos largos para a contemporaneidade. Assim, seguir-se-ão vários periódicos que, de algum modo, tentaram preencher essa lacuna, tal como a Continvaçam Historica (1684-1685), uma série de relações impressas que circularam até aos finais do século XVII, denunciando a passividade, falta de originalidade e funcionalidade da nossa imprensa periódica devido às pressões do governo de D. Pedro II (CRUZ & SILVA, 1985, pp. 38, 72).
Composta a partir de informações procedentes da correspondência diplomática e das gazettas europeias, a Continvaçam Historica foi compilada, traduzida em vários idiomas e impressa em Portugal e Espanha, entre outras nações. A sua autoria é desconhecida, ainda que se saiba que fosse uma iniciativa de várias personalidades e editores. A informação incluída na Continvaçam Historica foi publicada primeiramente em Madrid, para leitura na Corte espanhola (7 de novembro de 1684) e pouco tempo depois em Lisboa, na nossa Corte (20 de novembro desse ano), sendo ambas impressas na Officina de Miguel Deslandes (?-1703), entre outros editores lisboetas.
Cada número da Continvaçam Historica é constituído por 15 fólios, providos de um frontispício simples e ornamentação gráfica exígua, mas expresso numa linguagem simples e fundamentada, apesar de se tratarem de mensagens recalcadas de várias fontes, com diversos cortes, versões, traduções e retroversões. Para melhor instrução do leitor, encontrava-se, ao início dos números, o índice dos acontecimentos, expondo lugares e personagens que seriam, a priori, algo estranhos ao usos e costumes portugueses.
A Continvaçam Historica é, portanto, o resumo detalhado das operações militares acionadas contra o Império Otomano (chamados aqui de «turcos», «bárbaros» ou «infiéis») e das coligações entre a Santa Sé, o Sacro Império Romano-Germânico, a Polónia, a Signoria de Veneza e outras potências reunidas na Santa Liga ou Liga Sagrada, instituída em março de 1684. As forças polacas iniciaram as ofensivas, as quais foram lideradas por João III Sobieski (1629-1696), o «Invencível Leão do Norte», o libertador do cerco turco a Viena após a batalha de Kahlenberg (12 de setembro de 1683). Foi o culminar das grandes contraofensivas e do concerto das alianças militares para suster o poderio turco otomano no centro da Europa.
Quase desconhecido da historiografia atual, não deixa de ser um documento histórico obrigatório, nomeadamente para os estudos seiscentistas. Quais seriam os canais de comunicação orais, manuscritos e impressos destas informações? Não obstante, são um reflexo evidente da permuta de notícias por essa Europa fora, embora não se refira quais as reações de Portugal, enquanto país periférico, a esses acontecimentos.
O periódico chamado Noticias Catholicas, e Politicas de Inglaterra (setembro de 1687) foi uma relação perfeitamente igual às incontáveis publicações impressas que pululavam no universo informativo europeu dos finais do século XVII. Os inventários bibliográficos dão-nos conta de ser apenas um número único, não seriado, mas somos de opinião de que existira um número anterior (ou mais, presumivelmente), como se menciona, a dada ocasião, no seu conteúdo (CRUZ, SILVA, 1985, p. 62). Se terá existido uma sequência da sua edição, não podemos caucionar tal presunção.
A relação Noticias Catholicas, e Politicas de Inglaterra possui um arranjo gráfico simples em formato in-quarto, sem grande ornato, exibindo uma narrativa sucinta ao longo dos seus doze fólios. Não se conhece o seu autor(es) e/ou compilador(es), sendo uma súmula de outras gazetas e correspondência diplomática, a avaliar pela lista de assuntos expostos no frontispício. Apesar de editado em Lisboa com todas as licenças institucionais, não conhecemos os seus censores - também nada nos informa acerca de acontecimentos e/ou outros periódicos portugueses, em comprovação da extrema carestia do nosso universo jornalístico.
Apresentando-se como uma «folha» noticiosa defendendo um catolicismo belicoso, subscrevia a restituição do culto católico romano em Inglaterra propugnado por Jaime II (1633-1701) e o núncio apostólico em Londres, D. Ferdinando D’Adda (1649/1650-1719), assim como o restabelecimento das relações diplomáticas e eclesiásticas entre Londres e a Santa Sé (GRIMBERG, 1967, pp. 145-150).
A matéria noticiosa que constitui as Noticias de Constantinopla (ou a sua Continuacion…, 1687-1688) dispõe-se em três números seriados redigidos em castelhano, não se sabendo se terão existido números anteriores ou posteriores. Estas publicações estiveram a cargo da Officina de Miguel Deslandes, com uma média de 12 a 15 fólios por cada exemplar (CRUZ, SILVA, 1985, p. 62). As Noticias de Constantinopla abarcam as traduções das missivas diplomáticas e comerciais de um indivíduo anónimo (mas que se identifica pelas siglas «N. N.», de nacionalidade francesa) com funções consulares em Constantinopla, daí que as cartas tenham sido despachadas para uma individualidade governamental que não identificámos, mesmo após persistente indagação. Muito provavelmente, trata-se de um tal Monsieur Geradin, secretário do embaixador plenipotenciário francês então em Constantinopla.
Recapitular as relações estratégicas de Luís XIV de França (1643-1715) com o sultanato turco otomano pode auxiliar à compreensão deste tráfego epistolar. Estas cartas transmutam uma visão pessoal das ocorrências, mantendo-se a sua estrutura narrativa inicial. Que interesses terão estado na origem na difusão das Noticias de Constantinopla em Portugal? Portanto, as Noticias de Constantinopla reúnem algumas cartas redigidas por alguém que, em segredo, presenciou as lutas provocadas pela classe dos janízaros no Império Otomano e os tumultos em Constantinopla depois da deposição do sultão Mehmet IV (1642-1693) e a usurpação do sultão Süleyman II (1642-1691), seu irmão. O desconhecido redator relata-nos os acontecimentos presenciados em Constantinopla entre setembro e dezembro de 1687, ainda que restrito aos bairros cristãos da capital.
A «folha» noticiosa abreviadamente chamada Noticias de Inglaterra, editada em dois únicos números (1 e 3 de janeiro de 1689), facultou informações credíveis sobre a queda de Jaime II de Inglaterra e o seu exílio em França, assim como da fuga da Família Real e dos súbditos mais fiéis. Trata-se de um periódico de oito a doze fólios em formato in-quarto, onde se encontram outras notícias oriundas de toda a Europa, via Amesterdão.
Contudo, o assunto basilar das Noticias de Inglaterra são as agitações político-militares dos partidários de Jaime II de Inglaterra e Guilherme de Orange (1650-1702), futuro Guilherme III de Inglaterra, retratando o que seria chamado a Gloriosa Revolução. É de ressaltar a velocidade das notícias transmitidas pelo Noticias de Inglaterra, com uma extrema atualidade de dias ou poucas semanas desde Inglaterra, fornecendo dados muito consistentes para dezembro de 1688, passando por Amesterdão, Calais, Bruxelas, Paris, Ratisbona, etc. e onde se encontram declarações de Jaime II de Inglaterra e da sua segunda esposa, a rainha Maria de Modena (1658-1718), assim como da Corte fugitiva e do amparo de Luís XIV de França. Ainda assim, as Noticias de Inglaterra merecem especial realce pela sua célere difusão e vivacidade descritiva, particularidades ainda escassas noutros periódicos coevos.
O periódico conhecido como Mercvrio da Evropa é um exemplo perentório da qualidade das relações impressas nos finais do século XVII. Saíram apenas três números (20 e 28 de maio; 7 de junho de 1689), com poucas mudanças nos títulos. Não se sabe se terão existido edições posteriores deste mercurio e desconhece-se quem tenham sido os seus autores e compiladores. Detém uma excelente apresentação gráfica, com letras capitulares, gravuras ilustrativas e uma narração excepcionalmente imparcial. Como o seu próprio título assinala, o Mercvrio da Evropa foi uma publicação de índole ‘europeísta’, sendo mais utilitária do que os seus congéneres, particularmente no volume de matéria estritamente informativa (CASTELO-BRANCO, 1963, p. 380).
O Mercvrio da Evropa recolheu várias epístolas diplomáticas e informações avulsas, posteriormente traduzidas para a língua portuguesa e propagadas em «forma de gazeta ou relaçam». Os autores terão sido quase sempre estrangeiros e poucas referências são alusivas a Portugal (SILVA, 1894, p. 33). O Mercvrio da Evropa reuniu notícias enviadas de Londres, Paris, Roma, Viena e Varsóvia, entre outras cidades, anunciando-se, em primeiro lugar, as campanhas de Santa Liga, à semelhança de outros periódicos.
É de sobressair a periodicidade semanal do Mercvrio da Evropa, característica ainda inusitada na maioria das relações, gazetas e mercurios conhecidos, a que não deve ter sido estranho a contribuição de D. Pedro II, sem esquecer a presença de D.ª Catarina de Bragança (1638-1715) em Inglaterra, rainha viúva de Carlos II de Inglaterra e cunhada de Jaime II, a qual só regressaria a Portugal em 1692, o que justificará a publicação semanal deste material informativo (DIAS, LOURENÇO, 2005).
Segue-se o Noticias Geraes de Evropa, uma publicação não seriada, editada precisamente no dia anterior (27 de maio de 1689) ao segundo número do Mercvrio da Evropa, cuja substância é análoga àquele periódico. Compreende 7 fólios impressos, não numerados e em formato in-quarto, da responsabilidade da Officina de Miguel Manescal (1667-1720), impressor do Santo Ofício. Devem ainda recordar-se as razões religiosas que podem justificar as facilidades concedidas para informar as diligências de Jaime II ou, por outro lado, da Santa Liga no sudoeste europeu.
De qualquer modo, este periódico menciona notícias expedidas de Viena, Belgrado (temporariamente reconquistada pelas tropas habsburgas entre 1788 e 1790), Ratisbona, Amesterdão, Londres, Dublin, Bruxelas, Veneza, Milão, etc., pese não haver quaisquer referências a Portugal. Teriam existido mais números das Noticias Geraes de Evropa, tanto precedentes como posteriores? Qual será a verdadeira identidade dos autores, compiladores e tradutores destas relações? Com classificar as ambivalências dos formatos, títulos e conteúdos numa ‘organização’ em conjuntos periódicos (SILVA, 1894, p. 243) ou incluir números único nesses grupos?
4. Lacunas e dificuldades do panorama periódico nos inícios do século XVIII
Portugal ‘entrou’ no século XVIII sem que nenhuma publicação periódica impressa em pleno desempenho de funções (TENGARRINHA, 1989, p. 43). Todos os periódicos editados no século XVII tiveram uma existência breve, pelo que o início do século XVIII apresentou-se pouco promissor ao avanço da imprensa periódica, encontrando-se, nesse tempo, em estagnação absoluta. Segundo alguns catálogos, o periódico que se apresenta abreviadamente como Gazeta teria sido a primeira publicação periódica impressa do século XVIII, com dois exemplares seriados, correspondentes a agosto e outubro de 1704. Composta por seis fólios num formato gráfico in-quarto, desconhece-se a existência de números precedentes ou posteriores deste periódico.
Assim, por esses tempos ainda pouco conhecidos, nada faria crer que o periodismo vingasse em Portugal enquanto força e expressão social em crescendo como noutros países da Europa. Como explicar este desinteresse aparente do público português e a ausência de iniciativas periódicas conhecidas? Qual o papel do Estado e da Igreja neste “deserto” da atividade periodista?
Segundo algumas indicações, esses dois exemplares da Gazeta transmitiriam notícias procedentes de vários pontos da Europa, mas também sobre o bulício de Lisboa (SILVA, 1870, p. 420). Como não conseguimos averiguar a sua existência, seguimos os indícios de Inocêncio Francisco da Silva (1810-1876), o primeiro erudito que catalogou estes dois exemplares embrulhados em volumes da Gazeta de Lisboa na biblioteca de D. Augusto Romano (1822-1909), 1.º visconde de Sanches de Baena. Curiosamente, Augusto Xavier da Silva Pereira (1838-1902) não as menciona no seu Diccionario Jornalistico Portuguez e somente Alfredo da Cunha (1863-1942) lhes concederá alguma atenção (CUNHA, 1941, pp. 66-67), problematizando a sua existência, tal como José Tengarrinha (1932-2018).
Não obstante todas as dificuldades, e dado que o início do século XVIII foi paupérrimo em publicações periódicas impressas, estamos a encetar os primeiros passos numa longínqua caminhada e o horizonte afigura-se-nos auspicioso.
As folhas noticiosas que compõem a coletânea Noticias dos Gloriosos Successos… (CRUZ & SILVA, 1985, p. 61) foram publicadas ao longo de 1704 e reportam-se às contra-ofensivas portuguesas comandadas pelo D. António Luís de Sousa (1644-1721), 2.º marquês das Minas e governador de Armas da Beira, contra as coligações franco-espanholas na região de Castelo Branco, no início da participação na Guerra da Sucessão de Espanha (1702-1714) (ALMEIDA, 2004, pp. 468-469).
Todos os exemplares conhecidos das Noticias dos Gloriosos Successos… são formados por sete fólios em formato «in-quarto», com uma estrutura narrativa bastante explicativa. Embora não se conheçam todos os exemplares nem tão-pouco a sua autoria, os quatro números apresentam uma homogeneidade entre si, não obstante algumas diferenças nos títulos, nas ilustrações, mesmo sendo impressos em Officinas distintas. Trata-se de uma fonte histórica incontornável para conhecer as primeiras intervenções de Portugal na Guerra da Sucessão de Espanha, tendo sido um instrumento muito útil às manobras propagandísticas a favor da nossa participação no conflito (MONTEIRO, 2004, p. 302).
Tendo as forças franco-espanholas ocupado e saqueado severamente a zona raiana, nomeadamente entre Castelo Branco e Vila Velha de Rodão, seriam posteriormente derrotadas perto de Monsanto entre 11 e 12 de junho de 1704. Movimentando-se a partir da praça-forte de Almeida, no sentido norte-sul e repartindo-se em várias linhas, as hostes portuguesas infligiram uma derrota brutal às forças invasoras, retirando-se apressadamente para Espanha. Este episódio foi bastante empolado no circuito noticioso, o mesmo se passando no campo da historiografia militar coeva (SEQUEIRA, 1938).
A derrota esmagadora das forças invasoras foi divulgada num teor sinistro, a julgar pela ausência de compaixão pelos prisioneiros de guerra. Em boa verdade, trata-se de um excelente exemplo da ‘guerra psicológica’ movido por um periódico quase desconhecido. No entanto, mais uma vez, nada encontramos sobre acontecimentos medievos, embora aludisse repetidamente a vários combates nas Guerras da Restauração.
A relação denominada Diaria, y Veridica Relacion de las Operaciones… foi dedicada ao cerco de Barcelona em março de 1706, no decorrer da Guerra da Sucessão de Espanha, quando a cidade, maioritariamente a favor do pretendente arquiduque Carlos de Áustria (aclamado como Carlos III de Espanha, 1685-1740), apoiado por D. Pedro II, resistiu às forças do rival Filipe V (1683-1746). É um opúsculo noticioso com 48 fólios in-quarto, redigido em castelhano e impresso em Barcelona, o qual, sem qualquer retroversão para português, foi publicado em Lisboa, a 28 de agosto de 1706.
Ainda no contexto da Guerra da Sucessão de Espanha, salientamos a relevância da série Relações da Marcha do Exercito… (abril-novembro 1706) pela sua subtileza e minúcia, sendo quase desconhecida da historiografia atual, a qual foi constituída por sete números in-quarto de 12 fólios. Como curiosidade, no frontispício de cada exemplar, abaixo da indicação do impressor, indica-se os locais de venda destas relações (na «casa de Manoel Diniz às portas de S. Catharina»), facto inédito até então e que atesta o acréscimo do interesse geral pela informação periódica e nos concede alguns dados sobre o circuito comercial destas publicações. Aliás, em todos os exemplares das Relações da Marcha do Exercito… verifica-se uma preocupação renovada em informar com veracidade, idoneidade e comprovação, exigências basilares da atividade jornalística. Ainda podemos mencionar a sequência dos diferentes números entre si e noutros periódicos anteriores focando os mesmos assuntos (SILVA, 1906, pp. 232-234).
As Relações da Marcha do Exercito… relataram o itinerário das forças aliadas congregando cerca de 14 700 soldados portugueses e 4200 efetivos anglo-holandeses, sob o comando de D. António Luís de Sousa, 2.º marquês da Minas, até entrarem em Madrid, percorrendo cerca de 500 quilómetros percorridos em três meses de operações (BORGES, 2003). Nesta campanha, capturaram-se mais de 8000 prisioneiros e 100 peças de artilharia em vários combates contra as forças franco-espanholas comandadas por James Stuart Fitzjames (1670-1734), 1.º duque de Berwick.
A finalizar esta primeira grande etapa do periodismo nacional, seguiu-se a edição do Anno Historico, Diario Portuguez… (1714-1744), da autoria do padre Francisco de Santa Maria (1653-1713) (BACELAR, 1739), o qual encerra um discurso historiográfico centralizado nas ‘efemérides’, ou seja, trata-se uma obra ‘periódica’ que enumerou as personalidades e os acontecimentos da nossa História ao longo dos 365 dias do ano. Primeiramente difundida em «gazetilhas» e compilada posteriormente em três volumes, numa disposição quadrimestral, foi publicada postumamente.
Exemplo sui generis da historiografia setecentista, quase esquecido nos nossos dias, o Anno Historico, Diario Portuguez… inclui-se igualmente nos meandros da imprensa periódica, ainda que com os devidos cuidados. Com certeza, não foi a primeira publicação a expor efemérides e não se pode considerar uma «gazeta», uma «folha» ou uma «relação», então bastante vulgares. Foi um exercício historiográfico orientado para a divulgação de individualidades e eventos memoráveis da História de Portugal.
O padre Francisco de Santa Maria é lembrado, essencialmente, pelo pioneirismo do Anno Historico, Diario Portuguez…, ainda que o primeiro volume fosse editado em 1714, pouco depois da sua morte, e os restantes dois volumes em 1744. Após comparar as disparidades entre ambas as edições, volvidos precisamente 30 anos, seria o padre Lourenço Justiniano da Anunciação (1678-1755) que, revendo e corrigindo este repositório, enalteceria os seus predicados historiográficos (MACHADO, 1759, pp. 232-233; SILVA, 1860, pp. 197-198). Demonstrando uma rara humildade, assumiu o papel de simples revisor, escusando-se a outras veleidades, mas não restam dúvidas de que os volumes póstumos do Anno Historico, Diario Portuguez… foram aperfeiçoados e dilatados por si.
A prática de narrar efemérides permanecer um procedimento usual na História e no Jornalismo. Reiteramos novamente que o objetivo do Anno Historico, Diario Portuguez… não seria a problematização do acontecimento per si, mas a sua evocação, ordenando os acontecimentos pela ordem dos dias, conquanto valessem ser relembrados (DIAS, 2015).
5. A Gazeta de Lisboa como paradigma instituidor
Foi a 10 de agosto de 1715, um sábado, que o primeiro periódico oficial português iniciou a sua publicação e ocuparia o lugar cimeiro na História da imprensa periódica nacional. Embora seja vulgarmente conhecida como a Gazeta de Lisboa, ao longo da sua vida editorial ostentou diferentes títulos, constituindo, em si mesma, uma ‘espinha dorsal’ que alicerçou o universo periódico entre os séculos XVIII e XIX, mesmo quando adotou outras denominações e estratégias divergentes (SILVA, 1859, pp. 137-141; PEREIRA, s. d., pp. 39-44v; CUNHA, 1941, pp. 70-101; ROCHA, 1998, pp. 21-22; ALVES, 2005, pp. 152-156). Graças à sua autoridade, todos os periódicos publicados de 1715 em diante consideraram, em algum prisma, a Gazeta de Lisboa como um padrão institucional.
Publicado semanalmente em folhetos com quatro, seis ou oito fólios (com suplementos, ou não) num formato in-quarto, ostentava o título Historia Annual, Chronologica, e Politica do Mundo, & especialmente da Europa… no seu primeiro número, sendo o seu redator José Freire de Monterroio Mascarenhas (1670-1760), o qual dirigiu a sua publicação até falecer com uma idade bastante avançada (MACHADO, 1759, pp. 853-858; SILVA, 1860, pp. 343-353).
Como compreender o protagonismo da Gazeta de Lisboa no incremento da atividade periódica, nomeadamente nas mudanças estruturais da sociedade portuguesa em todo o século XVIII? Sendo a leitura da Gazeta de Lisboa destinada aos estratos sociais mais instruídos, poderemos verificar a evolução dos periódicos em Portugal, os quais acompanharam as tendências europeias, mesmo no panorama manuscrito, ainda largamente disseminado (LISBOA, MIRANDA & OLIVAL, 2002/2005).
A Gazeta de Lisboa possuía uma circulação circunscrita, quando comparável com outros periódicos europeus: em meados do século XVIII, calculava-se que a tiragem média rondasse sensivelmente os 1500 exemplares por edição. Sabe-se que a Gazeta de Lisboa era recebida na província, a julgar pela correspondência do seu primeiro redator, mas seria lida maioritariamente em Lisboa, revelando-se igualmente uma certa macrocefalia cultural. Tal como a maioria dos periódicos congéneres, a Gazeta de Lisboa não informava o grande público, como se exigirá à imprensa periódica a partir do terceiro quartel do século XIX. Antes disso, os periódicos dos séculos XVII-XVIII difundiram-se unicamente entre as camadas mais alfabetizadas e elitistas da sociedade, como se observa em toda a nossa reflexão.
O ‘primeiro ciclo’ da Gazeta de Lisboa (1715-1760) tem sido alvo de várias reinterpretações em estudos e dissertações académicas, permitindo responder às muitas omissões bibliófilas e jornalísticas na historiografia contemporânea (BELO, 2001). De facto, a Gazeta de Lisboa apresentava-se como uma obra de expressão e funcionalidade histórica. Como o primeiríssimo título o indica, propunha-se a “fazer memória” das pessoas notáveis, das batalhas e guerras, da diplomacia e dos acontecimentos mais meritórios no decorrer das semanas. Assim, José Freire de Monterroio Mascarenhas contribuiu para a escrita da História do seu quotidiano, embora a sua redação fosse fortemente fiscalizada (RAMOS, 1988, p. 143; ARAÚJO, 2003, pp. 66-67).
A Gazeta de Lisboa foi escrita de acordo com um método político-historicista, mas simultaneamente cronológico e sociogeográfico. As primeiras notícias de cada número da Gazeta de Lisboa eram as mais antigas, oriundas de numerosos pontos da Europa e do resto do mundo. Consoante a contiguidade da informação, em média, cada acontecimento era descrito posteriormente entre um a dois meses na Gazeta de Lisboa. Só a última parte de cada número era timidamente dedicado às notícias sucedidas em Portugal e na nossa Corte. Esta secção, por razões de atualidade, era a última a entrar na composição gráfica, mas permaneceu sempre minoritária na expressão noticiosa da Gazeta de Lisboa. A consciência da influência dos textos impressos motivou as autoridades a controlarem a sua proliferação, particularmente na gazeta ‘oficial’.
A Gazeta de Lisboa tinha um modo muito próprio de comentar o «tempo presente» ou o «tempo longínquo». Este periódico, em virtude da vocação historicista do seu redator, apresentava um raciocínio cronológico extremamente competente. Não sendo propriamente uma obra histórica nem tão-pouco um jornal ‘moderno’, mas sim um compêndio incomensurável de notícias, apresentava-se como uma espécie de repositório que poderia auxiliar outros trabalhos históricos. Por conseguinte, defendemos que a Gazeta de Lisboa pretendia escrever História - ou seja, em nossa opinião, uma excelente mesclagem entre a História e o Jornalismo. José Freire de Monterroio Mascarenhas era um entusiasta da História e a sua extensa obra historiográfica é meritória.
Autor de numerosas obras de História e Genealogia, nutriu uma predileção pelos temas historiográficos, a julgar pelas indagações publicadas e inéditas. Por norma, a Gazeta de Lisboa editava notícias breves, tanto nacionais como internacionais, comunicadas diretamente ao redator ou remetidas a partir de outras localidades onde conservava uma rede de correspondentes assíduos e fortuitos. Esse espaço noticioso seria progressivamente dilatado na Gazeta de Lisboa, mas a publicação, algo avessa a mudanças abruptas, manteve sempre o molde primordial.
Subserviente aos poderes instituídos, a Gazeta de Lisboa esforçava-se por representar convenientemente toda a hierarquia nobiliárquica e eclesiástica nacional, embora dedicasse uma maior atenção expositiva às Cortes europeias. Na Gazeta de Lisboa narravam-se os mais diversos acontecimentos sociais, políticos e religiosos, mas a preocupação em não interferir com a imagem pública da Coroa. A Gazeta de Lisboa oscilava na fronteira entre os conceitos de «livro» e da «relação». Por conseguinte, encontrando-se na transição entre o livro e o jornal, compartilhava características específicas das «gazetas» europeias dos séculos XVII-XVIII, as quais continuarão percetíveis noutras publicações periódicas que se lhe seguirão.