Introdução
O histórico referente à proteção internacional aos direitos das pessoas com deficiência é recente no que se refere às lutas e ao reconhecimento, embora a humanidade sempre tenha convivido com pessoas com as mais diversas limitações.
Muitas são as pessoas com deficiência que ainda vivem à margem da sociedade, na chamada exclusão social, por falta de oportunidades, atenção social, educacional especializada, acessibilidade tanto física quanto atitudinal, mas, no decorrer das décadas, movimentos foram criados, bem como políticas públicas, para garantir os direitos legais existentes em prol dessa demanda.
A pessoa que se apresentava, com qualquer tipo de deficiência, para os antigos hebreus, representava um sinal de impureza, era tido como negativo, ruim, aos olhos dos mesmos. No Levítico, havia expressa disposição nesse sentido:
O homem de qualquer das famílias de tua linhagem que tiver deformidade corporal, não oferecerá pães ao seu Deus, nem se aproximará de seu ministério; se for cego, se coxo, se tiver nariz pequeno ou grande, ou torcido; se tiver pé quebrado ou a mão; se for corcunda (...) (LOPES, 2009, p. 24).
A partir do início do século XX as sociedades começaram a se sensibilizar e se envolverem positivamente em relação às pessoas com deficiência. Aos poucos as políticas de inclusão foram concebidas e sendo influenciadas pelos seguintes fatores: uma filosofia social de valorização da pessoa humana, um engajamento da sociedade civil na busca do bem-estar comum motivada pelo progresso técnico e científico, e, fundamentalmente, em razão das ações destruidoras ocasionadas pelas Grandes Guerras Mundiais (LEITE, 2012, p. 1).
Cabe aqui apresentarmos, em ordem cronológica, algumas das legislações protetivas, conquistadas no Brasil, em Portugal e, muitas outras, que abrangem diversos países, incluindo os dois pertinentes ao tema do artigo, proteções legais essas provenientes das lutas das pessoas com deficiência em prol dos seus direitos, inclusive e principalmente os elencados com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, onde a dignidade humana é registrada como valor fundamental.
No Brasil, em sua Constituição Federal, composta por 250 artigos, oito são destinados especificamente aos deficientes: 7.º, XXXI; 23.º, II; 24.º, XIV; 37.º, VIII; 170.º, VIII; 208.º, III; 224.º e 227.º. Temos ainda outros diplomas legais:
Anos | Diplomas Legais | Assunto |
---|---|---|
1985 | Lei n.º 7.405 | Símbolo de acesso |
1985 | Lei n.º 8.103 | Atendimento às pessoas com deficiência |
1989 | Lei n.º 7.853 | Normas gerais dos direitos das pessoas com deficiência |
1990 | Lei n.º 8.874 | Acessibilidade a edifícios públicos |
1991 | Lei n.º 8.213 | Cotas de contratação para empresas privadas |
1991 | Lei n.º 4.150 | Acessibilidade - normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT - NBR 9050) |
1993 | Lei n.º 8.742 | Lei Orgânica da Assistência Social |
1995 | Lei n.º 9.045 | Acesso de Literatura em Braille |
1997 | Lei n.º 10.945 | Atendimento preferencial no Sistema Único de Saúde |
1997 | Lei n.º 11.057 | Adequação ao acesso à escola |
1999 | Decreto n.º 3.298 | Regulamenta a Lei n.º 7 853/89 e dispõe sobre a Política Nacional para Integração da Pessoas com Deficiência na sociedade |
2000 | Lei n.º 10.098 | Estabelece as normas de supressão de barreiras e obstáculos às pessoas com deficiência em espaços públicos, edifícios, meios de transporte e comunicação |
2000 | Lei n.º 10.048 | Prioridade de atendimento às pessoas com deficiência em repartições públicas e bancos |
2002 | Lei n.º 10.436 | Língua Brasileira de Sinais - Libras |
2004 | Decreto n.º 5.296 | Regulamenta as Leis n.os 10 098 e 10 048, que tratam de atendimento e acessibilidade para pessoas com deficiência, redefinindo as deficiências físicas, visual e auditiva |
2005 | Lei n.º 11.126 | Cão-guia |
2009 | Decreto n.º 6.949 | Promulga a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência |
2011 | Decreto n.º 7.612 | Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência |
Em Portugal, país que zela pelo bem-estar social, apresentando incentivos de forma a preservar os direitos de sua população em geral, e, às pessoas com deficiência, seja qual for, há diplomas legais com direitos específicos a essa demanda, apresentadas algumas delas a seguir, em ordem cronológica.
Anos | Diplomas Legais | Assunto |
---|---|---|
1986 | Decreto-Lei n.º 143 | Estabelece normas sobre a restituição do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) |
1986 | Lei n.º 46 | Define a Lei de Bases do Sistema Educativo |
1986 | Decreto-Lei n.º 202 | Estabelece o regime de avaliação de incapacidade das pessoas com deficiência para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei, alterado e republicado pelo decreto-lei n.º 291/2009, de 12 de outubro |
2001 | Decreto-Lei n.º 29 | Estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade funcional igual ou superior a 60%, em todos os serviços e organismos da administração central, regional autônoma e local |
2003 | Decreto-Lei n.º 307 | Aprova o cartão de estacionamento de modelo comunitário para pessoas com deficiência |
2004 | Lei n.º 38 | Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência |
2006 | Decreto-Lei n.º 163 | Acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos públicos |
2010 | Decreto-Lei n.º 8 | Cria um conjunto de unidades e equipas de cuidados continuados integrados de saúde mental |
2016 | Decreto-Lei n.º 58 | Institui a obrigatoriedade de prestar atendimento prioritário às pessoas com deficiência |
2017 | Decreto-Lei n.º 126 | Oficializa o Sistema Braille em Portugal |
2018 | Decreto-Lei n.º 54 | Educação Inclusiva |
2019 | Decreto-Lei n.º 136 | Procede à terceira fase de implementação da prestação social para a inclusão, definindo o acesso à medida para crianças e jovens com deficiência |
No que respeita à proteção internacional, onde se inclui Brasil e Portugal, em 1955, foi promulgada a Recomendação n.º 99 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual dispõe sobre a “Reabilitação das Pessoas Deficientes”. Em 1975, foi assinada a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes onde encontra-se afirmado que as pessoas com deficiência gozam dos mesmos direitos civis e políticos, econômicos, sociais e culturais que os demais seres humanos.
A década de 1980 foi estabelecida como a Década Internacional da Pessoa com Deficiência e o ano de 1981 foi adotado pela ONU como o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência. Dois anos depois, a OIT edita a Convenção n.º 159, a qual dispõe sobre a Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes.
Em 1989 teve lugar a Convenção da Guatemala que dispôs sobre a prática da discriminação e no ano seguinte foi aprovada a ADA (Lei dos Deficientes dos Estados Unidos), aplicável a toda empresa com mais de quinze funcionários. Em 1991, a Convenção 159 da OIT foi alvo de uma readaptação profissional e no ano seguinte foi estabelecida pela ONU a data de 3 de dezembro como Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.
Assinada em 1994, a Declaração de Salamanca (Espanha) tratou da educação especial, e três anos depois foi ratificado o Tratado de Amsterdã, em que a União Europeia se compromete a facilitar a inserção e a permanência das pessoas com deficiência nos mercados de trabalho.
Em 1999 foi promulgada na Guatemala a Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência; três anos depois, em março, realizou-se o Congresso Europeu sobre Deficiência, em Madri, que estabeleceu 2003 como o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência. Finalmente, em 2006, foi aprovada pela ONU a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
Em destaque, conforme exposto acima, Brasil e Portugal têm sido imperativos em relação aos avanços no que diz respeito à promoção e efetividade dos direitos das pessoas com deficiência, valorizando assim cada cidadão, permitindo, como um dos fundamentos do arcabouço dos direitos humanos, a igualdade entre todos, sem qualquer tipo de discriminação.
Outro ponto a ser aqui destacado entre Brasil e Portugal, vem a ser a atualização em relação à Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF), que, em 2001, ocorreu uma revisão em seu critério de classificação sobre o tema da deficiência pela Organização Mundial de Saúde, utilizando os parâmetros: corpo, indivíduo e sociedade.
Esta Classificação traz uma alteração substancial, passando a usar o termo “deficiência” para expressar o fenômeno multidimensional resultante da interação entre as pessoas e seus ambientes físicos e sociais, não constituindo assim, um instrumento medido do estado funcional dos indivíduos, mas, passa a permitir a avaliação das suas condições de vida e a fornecer, como item importante a se destacar, subsídios para a formulação de políticas públicas de inclusão social (LOPES, 2009, p. 46).
Diversas ações, além de legislações, em prol dessa demanda surgiram no Brasil, bem como em Portugal, como por exemplo: textos informativos em braille, vídeos em libras para as pessoas com deficiência auditiva e com audiodescrição para as com deficiência visual, nos mais variados espaços públicos (parques, teatros, cinemas, museus, entre outros), lançamento, com versão acessível, de documentos oficiais, como por exemplo a Cartilha dos Direitos Humanos dos Brasileiros no Exterior e a cartilha de Informações sobre o Auxílio Emergencial, este último, elaborado recentemente pela Caixa Econômica Federal.
Em Portugal, por exemplo, “são mais de 630 mil pessoas que vivem com algum tipo de deficiência, e que necessitam de orientação e apoio para o seu dia a dia” (RAMALHO, 2020).
No Brasil, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, são 46 milhões de brasileiros que se declararam com algum tipo de deficiência (IBGE, 2020). São incontáveis os desafios que enfrentam, como: dificuldades no acesso, continuidade e inclusão na educação e no emprego, agravadas pela falta de meios, materiais e estratégias de comunicação presencial e à distância, preparo dos docentes para atenderem às necessidades dessa demanda, dezenas de obstáculos físicos nas ruas, a desinformação de como atender às necessidades básicas dessa demanda, entre outros.
É de suma importância a redução das desigualdades sociais, inclui-se aqui as barreiras estruturais de acesso à informação, e, principalmente aos serviços essenciais, como a educação, moradia e saúde, por exemplo. As informações, para serem acessíveis às pessoas com deficiência, devem ser partilhadas pelas autoridades em geral, inclusive em linguagem gestual, assim como através de outras formas de acesso como a tecnologia digital, mensagens escritas e de fácil leitura, inclusive de forma auditiva para melhor atender às pessoas com deficiência visual.
Necessário se faz garantir que as pessoas com deficiência tenham acesso a informações, comunicações, bem como a bens e serviços além de acesso imediato aos serviços de saúde, educação, moradia acessível, sem sofrer qualquer tipo de discriminação para todo e qualquer tipo de atendimento, nos serviços públicos ou particulares, destacamos aqui uma palavra de suma importância: o respeito para com as pessoas com deficiência, essencial para uma vida minimamente digna.
1. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP e a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) foi criada em 17 de julho de 1996, em Lisboa, e é constituída por nove Estados-Membros, em ordem alfabética temos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, e tem como objetivos a harmonia política e diplomática entre os seus Estados membros, a cooperação entre as nações constituintes em todos os domínios, e o desenvolvimento de projetos de promoção e divulgação da língua portuguesa através de um intenso diálogo cultural.
Seus princípios são: Igualdade soberana dos Estados-Membros; Não ingerência nos assuntos internos de cada Estado; Respeito pela sua identidade; Reciprocidade de tratamento; Primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social; Respeito pela sua integridade territorial; Promoção do desenvolvimento; Promoção da cooperação mutuamente vantajosa.
São órgãos da CPLP: a Conferência de Chefes de Estado e de Governo; o Conselho de Ministros; o Comitê de Concertação Permanente; o Secretariado Executivo; a Assembleia Parlamentar da CPLP; a Reunião dos Pontos Focais de Cooperação e as Reuniões Ministeriais. A CPLP conta ainda com o Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP), instituição que tem como objetivos o planejamento e execução de programas de promoção, defesa, enriquecimento e difusão da Língua Portuguesa.
A CPLP assume-se como um novo projeto político cujo fundamento é a Língua Portuguesa, vínculo histórico e patrimônio comum dos nove países - que constituem um espaço geograficamente descontínuo, mas identificado pelo idioma comum, e tem como objetivos gerais a conciliação política, incluindo, principalmente a cooperação nos âmbitos social, cultural e econômico (SANTIAGO, 2020).
Importante destacar sobre a Convenção de Nova York sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o Protocolo Facultativo, assinados por 161 países em março de 2007, que o Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal, dentre os nove da CPLP, assinaram antes dos demais, e que Angola, aderiu em 19/05/2014, São Tomé e Príncipe em 05/11/2015, Guiné Equatorial e Timor-Leste não são signatários bem como não aderiram à Convenção. No Brasil, foi a primeira Convenção Internacional sobre Direitos Humanos a ser incorporada com status de Emenda Constitucional, incluindo o §3.º, do art. 5.º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA…, 1988).
A ratificação da Convenção ocorreu pelo Congresso Nacional Brasileiro através do Decreto Legislativo n.º 186/2008 e sua promulgação ocorreu através do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.
Portugal subscreveu integralmente a abordagem dos direitos humanos das pessoas com deficiência defendida pela Convenção e participou ativamente na negociação multilateral da mesma, tanto a nível das Nações Unidas quanto da União Europeia. As associações das pessoas com deficiência e suas famílias participaram também nesta negociação através dos seus representantes europeus e internacionais.
É da interação entre o corpo com impedimentos e as barreiras sociais que se restringe a participação plena e efetiva das pessoas. O conceito de deficiência, segundo a Convenção, não deve ignorar os impedimentos e suas expressões, mas não se resume a sua catalogação. “Essa redefinição da deficiência como uma combinação entre uma matriz biomédica, que cataloga os impedimentos corporais, e uma matriz de direitos humanos, que denuncia a opressão, não foi uma criação solitária da ONU. Durante mais de quatro décadas, o chamado modelo social da deficiência provocou o debate político e acadêmico internacional sobre a insuficiência do conceito biomédico de deficiência para a promoção da igualdade entre deficientes e não deficientes” (BARTON, 1998, p. 25; BARNES et al, 2002, p. 4).
A Convenção certamente reconstruiu tanto o termo direitos quanto humanos e, portanto, necessário se faz que os defensores dos direitos humanos se familiarizem e se baseiem nas lições dessa primeira Convenção sobre Direitos Humanos do novo milênio.
1.1. Modelo médico, social e biopsicossocial (ou interacional) da deficiência
“Na discussão terminológica sobre deficiência, é possível identificar duas grandes tendências: a estadunidense, pautada em plataforma de direitos civis, que adota o conceito pessoa com deficiência ou pessoa portadora de deficiência, e a britânica, baseada no modelo social da deficiência, que prefere utilizar a forma pessoa deficiente ou deficiente” (DINIZ, 2003).
Cabe destacar que, a terminologia “pessoa com deficiência”, faz parte do texto aprovado pela Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, em 2006, realizada na Assembleia Geral da ONU, da qual Brasil e Portugal são signatários.
No que concerne ao modelo médico, este foi utilizado até a metade da década de 1990, dominando as definições do significado de deficiência, pois, referiam-se a esta, como sendo um impedimento físico, com perda completa de órgãos ou funções, ou seja, a deficiência era diagnosticada através de um conjunto dos chamados então, defeitos corporais.
Entre o modelo médico, e o próximo a ser abordado, modelo social, há uma grande diferença no que se diz respeito à lógica da causalidade da deficiência, pois no modelo médico a causa está no indivíduo apenas, e no modelo social está na estrutura social como um todo, criada pelo ambiente e que, muitas vezes, gera exclusão social, devido às restrições ocasionadas pela organização social em si, que exclui as pessoas com deficiência das atividades da sociedade, sendo assim, o modelo social vem a ser uma corrente que se contrapõe ao modelo médico dominante.
Em destaque, no Brasil, existe a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Lei n.º 13.146/2015, que, tanto a referida Lei quanto a Convenção Internacional para os Direitos das Pessoas com Deficiência, constam com uma mudança de paradigma sobre a deficiência no então nominado modelo social, onde a deficiência, conforme reza o artigo 2.º da LBI, vem a ser a expressão da diversidade, e, qualquer desvantagem não decorre do diagnóstico clínico única e exclusivamente, mas sim das diversas barreiras, tal como as de natureza arquitetônicas e principalmente atitudinais.
Quando nos referimos ao modelo biopsicossocial ou interacional da deficiência, nele a deficiência é vista como parte de uma condição de saúde que a gerou, sendo, portanto, esse modelo, uma integração dos modelos médico e social, onde encontramos a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF - OMS) refletindo e corroborando com a ideia de que a deficiência vem a ser o resultado de interação de capacidades, habilidades e do meio ambiente.
A CIF é baseada em abordagem biopsicossocial que incorpora os componentes de saúde nos níveis corporais e sociais, apresenta uma coerência em relação às diversas perspectivas da saúde, como a biológica, individual e social. Tem como objetivo, facilitar a divulgação de informação no que diz respeito aos cuidados com a saúde pessoal, bem como com a prevenção da mesma, buscando inclusive evitar barreiras sociais, pois fornece linguagem padronizada para descrever a saúde, permitindo inclusive a comparação de dados entre Brasil e Portugal para melhor atenção aos serviços de saúde.
2. Diferença e Diversidade na Perspectiva da inclusão
Na abordagem sobre os conceitos de diferença e diversidade na perspectiva da inclusão, é inegável ressaltar que essa visão incorpora os valores morais e ideológicos que legitimam ou reproduzem as relações de dominação ou de negação de um estigma.
Não se trata, porém, de um condicionante idêntico, atemporal, cuja historicidade anule os contextos. O que se sabe é que sempre se buscou uma padronização diante do diferente; a comparação com o que já se conhece acaba sendo inevitável, mesmo que reprimida, não exteriorizada. Há primeiro uma busca pela normatização, desconsiderando-se a diversidade. É nesse sentido que a ideia de que a deficiência conectada com a diversidade faz surgir uma visão afirmativa dessas deficiências como uma questão de direitos humanos, pois a igualdade pode também significar tratamento diferente para os diferentes.
Sobre essa visão afirmativa das diferenças, Goffman afirma que:
Os estigmas são as marcas que as pessoas carregam e que as fazem diferentes conforme as normas sociais (...). Assim deixamos de considerá-la criatura comum e total, reduzindo-a a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande (...) (GOFFMAN, 1975, p. 12).
De certa forma as diferenças sustentadas por estigmas colocam as pessoas como alguém menos capaz ou então, como aquelas que fogem do que a sociedade generalizou como padrão; como se as habilidades fossem definidas por um modelo de perfeição e os traços da personalidade somados às possibilidades de ação a partir daquilo que o ambiente oferece de oportunidades de acesso, de interação, de desenvolvimento.
Em outras palavras, é nas relações sociais que encontramos as negligências ou as oportunidades de enfrentamento aos mecanismos de exclusão, no desejo da estagnação ou dos avanços, do retrocesso ou do desenvolvimento. A diversidade é entendida como um valor social conseguido através da forma pela qual as diferenças são concebidas e tratadas nos grupos em que se inserem; fato é que grupos muito heterogêneos necessitam que a hegemonia da igualdade seja confrontada. A compreensão de que há muitas dificuldades entre as pessoas “normais” que podem fazê-las tão incapacitadas quanto uma pessoa com deficiência vem a ser a própria compreensão da diversidade. Esta noção deve estar internalizada na elaboração de instrumentos jurídicos responsáveis pela ruptura dessa dicotomia e na valorização dos direitos humanos desses cidadãos.
Essa ruptura pressupõe o entendimento de que a igualdade é desigual, sobretudo porque somos todos sujeitos sociais e subjetivos. A igualdade sustenta, portanto, um caráter que se opõe ao próprio conceito da diferença enquanto pessoas que se desenvolvem em contextos diversos. Parece óbvio, mas a diversidade consiste no tratamento da diferença sob a ótica da equidade. Entretanto o termo “diversidade” na “diferença” assume um aspecto mais positivo, como um tratamento que representa a luta em favor dos direitos de pessoas excluídas, estigmatizadas ou marginalizadas socialmente.
Em oposição a exclusão, o termo “inclusão” indica que as questões sociais, nas mais variadas formas, ganharam espaço no cenário, correspondendo a inclusão social de pessoas que experimentam algum tipo de exclusão, seja da escola, mercado de trabalho e/ou qualquer outro espaço social, devido sua condição socioeconômica, gênero, raça, etnia, não domínio de tecnologia ou por possuir algum tipo de deficiência.
Assim sendo, podemos observar que, os principais avanços e desafios em avaliar a deficiência como restrição de participação social, vem a ser uma nova compreensão derivada da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da OMS de 2001, bem como da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU de 2006 e, mais recentemente, da Lei Brasileira de Inclusão de 2015, conhecida também como Estatuto da Pessoa com Deficiência.
A mudança de compreensão sobre a deficiência de uma perspectiva meramente biomédica, para uma compreensão como desigualdade social reforça a ideia da deficiência não como atributo individual, mas como resultado de uma sociedade despreparada para a diversidade humana. A partir de uma análise documental do marco legislativo sobre as políticas para as pessoas com deficiência, sobretudo, da LBI e das avaliações da deficiência que já utilizam a CIF no país, o argumento defendido é o de que classificar e impor valor a deficiência nessa perspectiva é desafiante para profissionais avaliadores e para as políticas públicas brasileiras e portuguesas. Principalmente, devido aos desafios para apreciar as barreiras e os fatores ambientais que essa demanda se depara no dia a dia, que impedem a plena participação das pessoas com deficiência na sociedade (SANTOS, 2016, p. 3007).
Com isso, a referida Convenção estabelece como pessoas com deficiência, aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial, os quais em interação com as diversas barreiras podem obstruir sua plena participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (SANTOS, 2016, p. 3009).
A LBI por sua vez, como afirma W. Santos:
estabeleceu seis tipos principais de barreiras: urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações, atitudinais e tecnológicas. Sendo assim, para a caracterização da deficiência, além da avaliação das Estruturas, Funções do Corpo, dos Fatores Ambientais, Atividades e Participação como estabelecidos na CIF, a apreciação dos tipos de barreiras descritas na LBI são fundamentais para a consideração da deficiência na perspectiva da Convenção. Isto é, da deficiência como restrição de participação social (SANTOS, 2016).
A LBI, após mais de treze anos de tramitação no Congresso Nacional, passou a ser um dos principais marcos legislativos para a proteção dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil. Para W. Santos, além de afirmar e estar de acordo com o conceito de pessoas com deficiência da Convenção, o texto da LBI traz a questão das barreiras como uma inovação para fins de reconhecimento e qualificação da deficiência como restrição de participação social (SANTOS, 2016, p. 3011).
Essa questão traz alertas importantes a respeito da centralidade que a dimensão da dependência pode assumir - o que pode trazer riscos para a própria compreensão da deficiência na perspectiva da funcionalidade. A dependência não pode ser o único descritor da deficiência na perspectiva da funcionalidade. Ela objetiva e pragmatiza sobremaneira a avaliação de quais atividades uma pessoa consegue desempenhar em uma métrica universalizável.
Nesse sentido, todo esse movimento pela inclusão e aceitação da diversidade discutida neste ponto, nota-se na atualidade a busca pela superação da visão negativa da “deficiência”, no sentido de aprender a olhar para as pessoas que possuem tais traços, como pessoas merecedoras de respeito e dignidade.
Podemos constatar que a deficiência não está no sujeito, mas sim nos momentos e espaços dos quais ele participa e interage que não atendem suas necessidades específicas, com a apresentação de falta de acessibilidade como rampas, elevadores sonoros, entre outros, deixando-o em desvantagem, excluídos, perante as demais pessoas. (LENZA, 2012).
A questão social, o meio em que as pessoas com deficiência vivem e convivem implica não somente num olhar mais humanizado, mas também na concepção de estruturas mais acessíveis.
A inclusão social, nessa perspectiva, é posta como um processo que contribui para o desenvolvimento e a manutenção de um estado democrático, uma vez que tem por finalidade garantir a todos o acesso irrestrito aos espaços sociais, nos quais prevalecem as relações de acolhimento à diversidade e à aceitação das diferenças, bem como os esforços no sentido de garantir a equiparação de oportunidades a todos os cidadãos.
Diante disso, “atualmente o conceito de deficiência, que se fundamenta nas barreiras arquitetônicas e atitudinais encontradas pelas pessoas nos diferentes ambientes e grupos sociais, percebe a inclusão como sendo o processo antagônico ao da integração” (SILVA, 2006).
É fato que se faz cada vez mais necessária a conscientização e mobilização dos atores sociais para garantir a inclusão bem como para trazer a ideia de que a efetivação desse processo está diretamente ligada com questões que envolvem aceitação, respeito e também acessibilidade.
Reconhecer uma sociedade como inclusiva requer, não somente, que os locais estejam devidamente sinalizados e preparados arquitetonicamente de acordo com cada deficiência, mas principalmente, permitir a percepção, experimentação e interpretação de forma segura e autônoma nos espaços, produtos e serviços ofertados a uma população. A partir do momento em que há a promoção de acessibilidade para todos, com o objetivo de favorecer a igualdade de oportunidades, as deficiências são aniquiladas ou, com certeza, minimizadas.
Esse empoderamento efetiva-se como fruto de uma reparação histórica e do reconhecimento de potencialidades humanas que independem de capacidades sensoriais, físicas ou intelectuais.
A ideia dominante do processo de inclusão é a de que a sociedade precisa se adaptar para poder incluir em seus sistemas sociais pessoas consideradas diferentes da comunidade a que pertencem. Ocorre num processo bilateral, no qual as pessoas ainda excluídas da sociedade buscam juntas equacionar problemas, discutir soluções e equiparar oportunidades para todos. Busca-se incrementar a diversidade como uma forma de promoção da igualdade de chances, para que todos possam desenvolver seus potenciais.
3. Direitos Humanos
Como temas inerentes aos Direitos Humanos, temos, entre outros, a igualdade de oportunidades, participação e inclusão na sociedade, acessibilidade e não discriminação, representando aspectos do respeito e da valorização da diversidade humana.
Os Direitos Humanos, nomenclatura que nasceu em 1945, trata-se da junção dos direitos fundamentais internos e internacionais fundados na dignidade humana, embora com limitação de poder. Alteram-se conforme as mudanças históricas, as transformações técnicas, as necessidades da sociedade e as possibilidades de se concretizarem.
Flávia Piovesan destaca como um dos temas centrais à temática dos Direitos Humanos, a reflexão de como compreender a concepção contemporânea desses, ou seja, qual é o legado da Declaração Universal de 1948, onde se afirma que, enquanto reivindicações morais, os direitos humanos nascem quando devem e quando podem nascer. Diz Bobbio que os direitos humanos não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Para Hannah Arendt os direitos humanos não são dados, mas são invenção humana em constante processo de construção e reconstrução - esse constructo axiológico que é fruto da nossa história, do nosso passado, do nosso presente, parte sempre de um espaço simbólico de luta e ação social. Para Joaquín Herrera Flores, os direitos humanos compõem a nossa racionalidade e resistência, traduzindo esses processos que abrem e consolidam espaço de luta pela dignidade humana, invocando uma plataforma emancipatória voltada de um lado à proteção e à dignidade humana e, de outro à prevenção e ao sofrimento humano. Eles não apresentam uma história linear. Não são a história de uma marcha triunfal nem tampouco são a história de uma causa perdida de antemão, mas uma constante na luta pela afirmação dos direitos humanos é serem a história de um combate, de uma luta e de ações sociais, Flores afirma ainda que os Direitos Humanos se inspiram em uma dupla vocação: afirmar a dignidade humana e prevenir o sofrimento humano (PIOVESAN, 2009).
4. Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência - Brasil e Portugal
É precisamente com o intuito de proteger os Direitos Humanos que se desenvolvem diplomas normativos específicos sobre grupos em situação de maior vulnerabilidade, como no caso em tela, pessoas com deficiência.
Norberto Bobbio (2004) afirma que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los”. Fato é que quando se assina uma Declaração ou uma Convenção deve-se estruturar politicamente para a garantia dos direitos decorrentes de tais documentos, mas, o que sabemos é que, ainda existem por exemplo, calçadas inadequadas para pessoas com deficiência física, nem todas as cidades tem seu transporte adaptado, entre outras demandas que garantam a isonomia material entre as pessoas com e sem deficiência, logo podemos concluir que, há um problema político de efetivação de direitos humanos, para assim, garantir a cidadania da pessoa com deficiência, sendo esta a tarefa atual dos direitos de inclusão no plano nacional e internacional.
No Brasil no que tange à proteção de direitos de pessoas com deficiência é peculiar, pois, esta é uma das poucas matérias em que a legislação nacional é anterior e, em muitos pontos, mais protetiva do que tratados internacionais.
As diversas expressões da deficiência, tais como as representadas por restrições de habilidades mais leves ou as deficiências graves, exigem do Estado ações e instrumentos legais que permitam a construção de uma proteção social às pessoas deficientes. “A proteção social pode se expressar por meio de políticas de inclusão ao mercado de trabalho, ações de inclusão na educação ou políticas de assistência social” (VILELA, 2020).
A deficiência já foi tida como um drama pessoal ou familiar, com explicações religiosas que a aproximaram ora do infortúnio, ora da benção divina em quase todas as sociedades (LAKSHMI, 2008).
A diversidade humana não apenas é parte constituinte de qualquer sociedade, como também, a depender de como as sociedades se organizam, algumas expressões da diversidade podem resultar em fenômenos de desigualdade (BRAH, 2006).
Cabe aqui ressaltar que, simultaneamente ao desenvolvimento da legislação e à implementação de medidas de proteção de pessoas com deficiência, o Brasil faz parte de duas Convenções celebradas no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) que abordaram esse tema: o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - Protocolo de São Salvador - e a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência - Convenção da Guatemala.
Sobre a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, onde Brasil e Portugal são signatários, destaca-se, em especial, por além de ser o mais recente, ter natureza jurídica de Tratado, simbolizar a mudança de paradigma na compreensão da deficiência e apresentar regulamentação abrangente, que considera as muitas peculiaridades dessa demanda.
Fato é que, com a positivação de direitos e garantias através de legislações e tratados internacionais, visando, em última análise, à promoção da igualdade e ao fim de preconceitos, pode-se afirmar que uma das etapas da proteção aos direitos humanos deste grupo foi percorrida com sucesso.
Conclusão
Apresentamos com o presente artigo que, de um passado de exclusão, onde as pessoas com deficiência eram deixadas à margem da sociedade, chegou-se nos tempos modernos à elaboração de uma Convenção da ONU, entre tantas outras legislações protetivas à essa demanda, cujo objetivo específico foi a consagração dos direitos das pessoas com deficiência, assumindo tal proteção o status jurídico de direitos humanos.
A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência reconhece e enfatiza a questão da deficiência como um tema de justiça, direitos humanos, promoção da igualdade e equidade social, com isso, exige-se que as legislações infraconstitucionais sejam revistas e formuladas novas políticas públicas à essa demanda populacional. Fato é que, com o devido cumprimento da atenção legal para as pessoas com deficiência, certamente ocorrerão resultados diretos para a garantia do bem-estar e a promoção da dignidade das pessoas com deficiência no Brasil e em Portugal, bem como a todos os países-membros que lutam por essa demanda populacional.
Com o surgimento dos direitos civis e políticos, elencados na Convenção, toda a comunidade internacional e as pessoas com deficiência contam com um importante instrumento legal, para realização de sua plena inclusão, favorecendo a efetivação e concretização de seus direitos fundamentais, principalmente aqueles ligados à igualdade.
Movimentos políticos, no decorrer das últimas décadas, ganharam visibilidade, permitindo que as pessoas com deficiência, como agentes em busca da transformação da sociedade, através de uma mobilização nacional e internacional, buscassem a garantia de seus direitos, conforme previsões legais, enfrentando com frequência os efeitos da vulnerabilidade e exclusão social, bem como as dificuldades de inclusão nas escolas e no mercado de trabalho, por exemplo, devido a inúmeras barreiras principalmente atitudinais, por consequência, passam por dificuldades e muitas vezes impossibilidade de garantirem sua autonomia econômica e social, o que resulta e persiste em exclusão e isolamento social.
Colaborações implícitas e explícitas têm sido oferecidas aos países com os quais se identifica histórica e afetivamente, seja pelos laços comuns da língua, como por exemplo Portugal, seja pela composição étnica da população brasileira.
A sociedade como um todo precisa impor a mobilização de agentes públicos e privados com vistas a combater a discriminação contra as pessoas com deficiência e viabilizar o acesso destas aos bens e serviços essenciais a seu desenvolvimento e sua liberdade, bem como a inclusão social com acessibilidade e respeito.
O movimento da inclusão, como consequência da visão social de um mundo democrático, revela-se também no anseio em respeitar direitos e deveres de todos, independente das diferenças de cada um.