Introdução
Let us never negotiate out of fear. But let us never fear to negotiate. (J. F. Kennedy)
Without common interest there is nothing to negociate for, without conflict nothing to negotiate about (Iklé, 1964)
Este artigo apresenta uma visão panorâmica das principais abordagens teóricas que deram origem ao campo de estudos da Negociação Internacional (NI)1 e desenvolve uma crítica sociológica e construtivista aos seus fundamentos excessivamente neo-económicos e racionalistas. A Negociação Internacional é um campo de estudos recente e interdisciplinar, mas ultimamente tem ganhado preponderância nas Relações Internacionais (RI)2 devido ao “pratical turn” (ADLER-NISSEN, 2016) na disciplina (MENDES, 2019). Isto significa que após um período muito centrado na lógica estrutural da política internacional, a disciplina das RI começou a desenvolver, igualmente, uma profunda preocupação analítica com a agência das relações internacionais, nomeadamente com as práticas e os habitus dos praticantes e decisores das relações internacionais que formulam as políticas externas dos Estados, constroem a política internacional e constituem a ordem internacional.
Deste modo, se a diplomacia é a prática-chave da política externa dos Estados, a negociação internacional é a prática-chave da diplomacia (MENDES, 2020c). Isto significa que é decisivo compreendermos o que os programas de investigação sobre a negociação internacional vêm demonstrando, bem como fazer um balanço avaliativo crítico dos seus progressos.
Para além da ciência da negociação, importa sublinhar que a negociação internacional é uma importante e tradicional prática humana. Por isso, para além de uma ciência, a negociação internacional é também uma arte. Isto mesmo é sublinhado por importantes diplomatas e negociadores internacionais e deve ser tido em consideração quando analisamos os modelos teóricos da negociação internacional (RAIFFA; RICHARDSON; METCALFE, 2002).
Isto significa que não basta conhecermos os modelos teóricos no vácuo, é necessário assumir que todo o processo negocial tem uma circunstância histórica particular e é conduzido e interpretado por mulheres e homens que têm identidades e “imagens culturais” (MENDES, 2018) específicas, que produzem ideias, interesses e perceções diferentes e muitas vezes divergentes dos outros homens e mulheres que estão à sua frente na mesa negocial.
Existe uma relativamente incontestada visão neoeconómica e racionalista que defende que a negociação é a prática política e social dinâmica através da qual, pelo menos, duas partes levam a cabo o objetivo de encontrar um resultado que permita uma solução partilhada para os seus diferentes interesses materiais face a um determinado problema. Contudo, para além da abordagem centrada no homo economicus, é necessário sofisticar e conjugar esta abordagem dominante com uma visão sociocultural construtivista que integre os fatores culturais, identitários e percetivos presentes nas dinâmicas da negociação.
Partindo desta problemática o artigo está organizado em quatro partes. Na primeira faz uma contextualização teórica sobre o significado da Negociação Internacional e apresenta as origens e evolução deste campo de estudos. Na segunda, identifica sinteticamente os contributos da ciência da Negociação Internacional relativos à teorização das práticas e modelos da negociação, nomeadamente a comunicação e limitação de alternativas e as fases da negociação. Na terceira parte, apresenta uma síntese teórica sobre os dois tipos principais de estratégias negociais (distributiva e integrativa), identifica os principais elementos presentes na dinâmica do processo negocial e realiza uma contextualização teórica do instituto da mediação. Na última parte, apresenta uma visão sociocognitiva construtivista sobre a Negociação Internacional, sublinhando a importância dos fatores culturais e identitários, das perceções e dos contextos.
1. Enquadramento conceptual
1.1. A negociação como prática social e como prática diplomática
A negociação internacional entre Estados e entre outros atores é um dos processos constitutivos das relações internacionais. A negociação foi, e permanece, uma atividade central nas relações internacionais. Tradicionalmente levada a cabo pelos diplomatas e líderes de política externa, a negociação internacional no mundo global é uma atividade constante nas relações internacionais. A negociação internacional multiplica-se exponencialmente no século XXI devido à crescente multilaterização e institucionalização internacional de acordos e regimes nas diversas áreas das relações internacionais, com destaque para as áreas comerciais, da segurança e resolução de conflitos, e da regulação dos bens comuns da humanidade.
Num sentido estrito e abstrato, a negociação é uma sequência de ações onde duas, ou mais, partes apresentam exigências, argumentos e propostas recíprocas com o objetivo de alcançarem um acordo (IKLÉ, 1964, p. 711; ODELL, 2000, p. 10-11). Num sentido das práticas sociais quotidianas, a negociação está igualmente presente e todos, a todo o momento, somos embebidos em práticas e em exercícios negociais. Isto porque a vida humana é constituída por incessantes processos sociais que são liderados por agentes que têm interesses e expectativas divergentes. Isto gera inelutáveis conflitos de interesses que têm de ser geridos através da negociação. Os conflitos são evitados e terminados através da arte e da ciência da negociação. Todos os dias, inúmeras questões de política externa são resolvidas através da negociação. Os acordos de segurança, os direitos da água, os certificados ambientais, os acordos comerciais, o nascimento de novas organizações internacionais, os esforços de manutenção da paz, a definição e distribuição de fundos e políticas da União Europeia (UE), etc.
Praticamente todos os aspetos da interação internacional envolvem negociação. A negociação é utilizada pelos Estados para desenvolverem relações externas com o intuito de atingirem acordos comerciais e técnicos vantajosos; para evitar que um conflito se agrave ou se torne violento; para gerir relações conflituosas através de meios políticos, ou seja, para desanuviar o ambiente de conflito e atenuar, ou eliminar, a escalada da violência; e, como objetivo mais ambicioso, a negociação pode ser o meio para resolver efetivamente as incompatibilidades básicas das posições ou para as transformar em relações de cooperação. O conflito não significa apenas a violência, mas sim qualquer tipo de incompatibilidade ativa de posições sobre uma questão ou problema (ZARTMAN, 2016).
No senso comum ou conhecimento popular, muitas vezes assistimos a comentadores nos media a analisarem os processos negociais através de metáforas desportivas simplistas ou através das analogias militares binárias básicas de vitória e derrota. Contudo, importa sublinhar que a negociação não se limita ao comportamento manipulativo para derrotar o opositor. A analogia tradicional da guerra e da imposição de poder material da parte mais forte à parte mais fraca não capta a lógica da negociação, sendo mesmo contraproducente pensar e compreender a negociação com base nesta lógica simplista de imposição de poder.
A negociação internacional compreende-se melhor através da perspetiva que a identifica como um processo de interação dinâmico onde os atores desenvolvem e comunicam estratégias para a resolução de diferenças através de uma lógica de dar e receber. Nesta lógica, os atores vão acomodando, consentindo ou contestando propostas e contrapropostas, até chegarem a um acordo que implique vantagens mútuas e que signifique uma melhor situação para ambos face à situação anterior ao início da negociação.
Claro que isto não significa, igualmente, que a negociação se limite à acomodação e a acordos win-win (ZARTMAN,1977; FISHER; URY, 2011). Num processo negocial, as partes não negoceiam sempre e necessariamente com base na boa-fé e de acordo com o objetivo de chegar a um acordo que seja mutuamente benéfico para as duas partes. A coerção e a ameaça de imposição de poder não são eliminadas num processo de negociação. Pelo contrário, muitas vezes, a coerção e a imposição de poder são uma prática utilizada quando existe um processo negocial assimétrico.
O processo negocial é assimétrico quando se carateriza pela existência de uma grande desigualdade entre as partes, onde uma parte detém uma clara vantagem negocial. Esta assimetria negocial pode resultar da existência de um grande gap de poder estrutural entre as partes. Contudo, num processo negocial específico, esta assimetria resulta, sobretudo, do facto de uma das partes ter uma muito melhor alternativa ao acordo. Como sublinham Fisher e Ury (2011), é esta best alternative to the negotiated agreement (BATNA) ou, em português, a melhor alternativa ao acordo negociado, que irá definir o poder específico de cada parte no processo negocial. Quando uma das partes tem uma BATNA muito melhor, essa parte vai fazer uso dessa vantagem comparativa e pressionar a outra parte.
Não raras vezes, a parte em desvantagem aceita um acordo que a deixa em piores condições do que antes do acordo porque, face às circunstâncias, recusar o acordo resultaria em maiores prejuízos, piorando ainda mais a sua posição negocial. Isto significa que apesar do objetivo fundamental da negociação ser a obtenção de um acordo que ambas as partes reconheçam como mutuamente benéfico, isso não acontece sempre, nem muito menos de forma consequencial e determinista.
Assim, não é incomum nos processos negociais existirem momentos de pressão que refletem as relações de poder negocial entre as partes. Estes momentos de pressão muitas vezes incluem um alto nível de coerção da parte mais poderosa face à parte mais fraca. A coerção pura e dura raramente é a melhor estratégia negocial e o mais comum é a utilização da ameaça de coerção, ou mesmo algum grau de coerção interligado com os tradicionais mecanismos de influência e persuasão.
Por outro lado, convém introduzir na equação da negociação assimétrica a lógica do “poder dos mais fracos”. Ou seja, numa negociação assimétrica nem sempre é a parte mais forte que consegue mais ganhos num acordo. Vários estudos demonstram que existe um paradoxo do poder nas negociações assimétricas, que contraria a visão realista estrutural defensora de que é a concentração e hierarquia de poder material que determina os resultados numa disputa negocial (HOPMANN, 1996; SNYDER; DIESING, 1977).
Por exemplo, Zartman (1985) sublinha que os atores mais fracos da negociação tendem a utilizar táticas manipulativas e a utilizar expedientes administrativos e logísticos para minar a assimetria negocial. Um Estado mais fraco pode recusar concessões ou exigir propostas irrazoáveis, até estar convencido que a parte mais forte está disponível para fazer concessões (ZARTMAN; BERMAN, 1982, p. 205-207). Pode ainda usar estratégias de agregação e interligação de outros assuntos, ou jogar na construção de coligações com outros Estados para aumentar o seu poder e equilibrar a assimetria (ZARTMAN; RUBIN, 2000, p. 277-281).
Outro exemplo é a capacidade de os Estados mais fracos em negociações comerciais bilaterais com os EUA explorarem a política interna e a pluralidade de grupos de interesses dos EUA em seu benefício (ODELL, 2010a) Na União Europeia, também é comum surgirem bloqueios de Estados mais fracos para poderem explorar vantagens relativas a posteriori. Estudos demonstram que muitas vezes são os Estados mais fracos que, devido a terem menos a perder em não se chegar a um acordo - normalmente multilateral -, tendem a ser mais exigentes e influentes na redação final do acordo. Por exemplo no processo negocial europeu (UE), muitas vezes os pequenos Estados dificultam o acordo e podem até jogar com o seu bloqueio, pois têm pouco a perder com a não obtenção do acordo, relativamente a Estados mais poderosos, ou ao impacto do acordo no conjunto global da questão a acordar.
Tudo isto concorre para a ideia de que no mundo complexo e interdependente do século XXI, o sucesso negocial não depende apenas da imposição e da coerção, podendo mesmo ser um elemento contraproducente que origine resistências e leve ao impasse negocial. Aliás, como demonstram os estudos de tit for tat, num processo negocial as partes tendem a reagir reciprocamente às atitudes e movimentos negociais. Portanto, face a um movimento de retaliação de uma parte, a outra parte tende a reagir replicando reciprocamente a retaliação. Este movimento de tit for tat relativo a uma “retaliação equivalente” é, aliás, replicado no caso de um movimento cooperativo (AXELROD, 1984). Isto significa que, em abstrato e idealmente, a negociação implica um processo de resolução de conflitos, onde a lógica da cooperação impera sobre a lógica da coerção.
Com efeito, a negociação eficaz e duradoura implica chegar a um acordo onde ambas as partes reconhecem o esforço conjunto de conseguirem ganhos e vantagens para ambas as partes, isto é, acordos win-win (ZARTMAN, 1977; FISHER; URY, 2011). Outra questão decisiva na eficácia negocial é a assunção positiva por parte de todos os atores da negociação relativamente à legitimidade do acordo. Isto é crucial para se chegar a um acordo, bem como na sua posterior implementação eficaz. A legitimidade do acordo implica o reconhecimento de que a solução encontrada não é percecionada como abusiva e desigual por nenhuma das partes.
1.2. Diferença e relação entre Bargaining (barganha) e Negociação
Embora, o conceito de bargaining, não reúna um consenso generalizado e o seu significado varie em função das abordagens paradigmáticas utilizadas, é possível constatar algumas ideias gerais. Em primeiro lugar, importa destacar que os conceitos de barganha e negociação internacional são muitas vezes utilizados de forma intermutável.
Todavia, embora relacionados, são conceitos que têm as suas especificidades. A barganha inclui a troca verbal e não verbal de comunicação, bem como trocas informais de comunicação entre as partes, muitas vezes num tom desafiador e exploratório. Pelo seu lado, a negociação internacional diz respeito a um processo formal com base na comunicação verbal e escrita oficial entre as partes (JÖNSSON, 2002). A negociação inclui o processo de barganha, mas podemos caracterizar a barganha como um processo específico dentro do quadro mais geral da negociação3. Deste modo, a barganha caracteriza-se pelo jogo competitivo de ping pong negocial e pode ser compreendida como uma troca de ofertas e contraofertas de concessões e recuos como acontece quando regateamos num bazar marroquino o preço de um tapete persa.
Em segundo lugar, convém sublinhar que a barganha não é exatamente o mesmo processo negocial associado à resolução de problemas como acontece, em regra, na negociação internacional. A negociação internacional é um processo diplomático onde são apresentadas de forma explícita e oficial propostas com o objetivo de se chegar a um acordo. Este acordo é o resultado de intercâmbios e propostas negociais com base na assunção da existência de um interesse comum em resolver um determinado conflito de interesses.
Em terceiro lugar, o processo de barganha está muitas vezes presente na negociação internacional, uma vez que todo o processo negocial é caraterizado em simultâneo por elementos cooperativos e elementos competitivos e conflituais. No final, podemos dizer que a melhor palavra para caracterizar um processo negocial é a interdependência (JÖNSSON, 2002, p. 218). A interdependência significa a necessidade de realizar ações comportamentais mútuas, não apenas unilaterais, onde as ações e propostas dos atores dependem e inter-relacionam-se com a ação e propostas de outros atores.
Em quarto e último lugar, importa destacar que a negociação internacional é caraterizada por ser um processo de tomada de decisão conjunta e deve ser distinguida do processo de coligação onde, apesar de poder existir barganha negocial, a decisão é tomada por agregação numérica, normalmente pelo número de votos. Finalmente, a negociação também se distingue do processo de adjudicação, onde a decisão é tomada por um juiz que tenta agregar interesses conflituantes numa decisão final (ZARTMAN 1977; JÖNSSON, 2002, p. 217).
Como sublinhado, a negociação é uma arte cultivada pela prática diplomática, mas também é uma ciência estudada, quer pelas visões racionalistas neoeconómicas ligadas à decisão racional e à teoria dos jogos, quer pelas visões mais sociocognitivas e ideacionais ligadas à análise dos processos agenciais da negociação. A negociação tem sido alvo de estudo académico em vários campos disciplinares (gestão, direito, psicologia, economia, história diplomática, ciência política e relações internacionais) mas desde a década de 1980 tem vindo a autonomizar um subcampo de estudo que se pode designar de Análise da Negociação (SEBENIUS, 1992; ODELL, 2012). Embora de forma inteligente Odell (2010b) explique que existem três principais ilhas de conhecimento relativamente à Negociação Internacional, por razões de espaço e objeto, iremos centrar a nossa análise na divisão mais geral e típica das RI entre abordagens mais racionalistas e neoeconómicas e abordagens mais construtivistas e sociológicas (MENDES, 2012a).
A Análise da Negociação baseia-se em trabalhos pioneiros que surgiram na década de sessenta do século passado, nomeadamente The Strategy of Conflict de Schelling (1960), o Fights, Games and Debates de Anatol Rapoport (1960), bem como os trabalhos posteriores de Walton e McKersie (1965) e de Raiffa (1982). Entre a década de 1970 e a década de 1980 começam a desenvolver-se programas de ensino da negociação e, finalmente, a partir das décadas de 1980 e 1990, consolida-se a sua institucionalização através do Program on Negotiation da Harvard Law School, e do Processes of International Negotiation Project do International Institute of Applied Systems Analysis nos arredores de Viena, bem como das revistas Negotiation Journal 4 e International Negotiation5 que vieram complementar o pioneiro Journal of Conflict Resolution6.
2. Práticas e modelos da negociação
2.1. Comunicar e limitar as alternativas
A Negociação Internacional é um processo comunicacional entre, pelo menos, duas partes que, embora inicialmente tenham posições divergentes, através da comunicação negocial conseguem chegar a uma decisão conjunta. No início do processo negocial as partes têm um grande conjunto de opções, quase ilimitadas, mas ao longo da negociação é necessário ir reduzindo as alternativas de modo a ser mais fácil a comunicação com vista à convergência de alternativas para se chegar a um acordo.
Como sublinha Zartman (1977; 1988; 1989), o modelo de redução de alternativas no processo negocial pode assumir quatro formas principais. A primeira é fazer com que uma proposta negocial pareça mais apelativa do que outras através, por exemplo, da previsão de mais benefícios inerentes a essa proposta do que a outras.
A segunda forma é fazer com que uma proposta pareça menos atrativa do que outras, seja por implicar prejuízos ou ameaça de sanções associada a essa proposta ou por tentar demonstrar e convencer a outra parte que essa proposta tem custos negociais impossíveis de assumir negocialmente.
A terceira forma é fazer com que uma proposta/alternativa/caminho pareça a definitiva e a única possível. Isto é, assumir que a alternativa já está escolhida e determinada, demonstrando que as alternativas a essa proposta/caminho pareçam impossíveis. Finalmente, a última forma de reduzir as alternativas é demonstrar - fazer parecer/tentar convencer a outra parte - que uma proposta/alternativa já foi eliminada do processo negocial e já não faz sentido sequer equacionar essa alternativa.
O que este modelo de Concessão/Convergência (ZARTMAN, 1977; 1982; 2000) demonstra é que, em regra, todo o processo negocial se inicia com base em alternativas ilimitadas. Contudo, no decorrer do processo negocial, começam a reduzir-se as alternativas até ficarem limitadas às questões-chave que ambas as partes consideram como interesses fundamentais do acordo. Esta limitação gradual de alternativas é definida por Zartman (1977; 1982;2000) como a redução ilimitada alternativas a uma combinação única.
Outro modelo importante de explicação do processo negocial é o modelo da Fórmula/Detalhe de Berridge (2010). De acordo com o seu ângulo de visão mais ligado à prática diplomática, Berridge explica que através de um processo que tem como centro a capacidade de comunicação e de gestão de expectativas, gratificações e sanções, as alternativas vão-se reduzindo, em primeiro lugar, pela tentativa de se chegar a uma decisão conjunta sobre um princípio de acordo geral, uma fórmula. Finalmente, depois de aceite uma fórmula, a fase posterior é dedicada a negociar especificamente os detalhes finais do acordo. Portanto, num primeiro momento, deve-se chegar a um acordo relativamente aos princípios gerais, uma fórmula, e só posteriormente começar a trabalhar nos detalhes finais. Um exemplo deste tipo de redução de alternativas e obtenção de uma fórmula geral é muito comum em processos multilaterais, ou até num processo de mediação, onde se propõem a elaboração de um texto de princípios que depois é rodado pelas partes para se ir acrescentando e negociando detalhes até ao texto final do acordo.
Neste modelo, a fórmula é a estrutura básica do acordo. Para se chegar a uma boa fórmula negocial devemos negociar de forma íntegra e acessível. De acordo com Berridge (2010), a negociação internacional deve ser comunicativa, compreensiva e flexível e fundamentar-se nos seguintes princípios:
2.2. As Fases da Negociação
De um ponto de vista abstrato/geral, podemos falar em três fases principais da negociação: a fase da pré-negociação, a fase da negociação e a fase da pós-negociação. A fase da pré-negociação inicia-se quando uma ou mais partes considera a negociação como uma opção política e comunica esta intenção às outras partes (STEIN, 1989).
Muitas vezes, nesta fase existem discursos públicos sobre a intenção de negociar e sobre quais os interesses do jogo. A fase da pré-negociação é a fase que antecede a negociação formal, antes de nos sentarmos na mesa negocial. Também é nesta fase que se definem questões prévias ao processo negocial em si como as fronteiras e limites da agenda pré-negocial, bem como as questões logísticas ligadas à organização das rondas negociais como os lugares da negociação, o número e qualidade das comitivas negociais, etc.
Esta fase é muito importante. Em primeiro lugar, para se gerar um espírito de diálogo e um ambiente positivos para as posteriores negociações. É nesta fase que se estabelecem as perceções iniciais sobre a confiança, o espírito de diálogo e a boa-fé negocial das partes. É aqui que, logo à partida, as partes demonstram se estão interessadas em chegar a uma decisão conjunta.
Em segundo lugar, é nesta fase que ambas as partes se preparam para a negociação estudando o problema e as propostas iniciais que ambos defendem para o problema. Esta fase de diagnóstico e análise de informações é decisiva na boa preparação da negociação propriamente dita. Um bom negociador deve preparar-se muito bem nesta fase para não ser apanhado desprevenido. Deste modo, idealmente, o bom negociador deve ter a capacidade de prever e antecipar todos os possíveis dados da situação negocial, nomeadamente as eventuais propostas e argumentos que quer descartar.
A fase da negociação é quando as partes iniciam oficialmente o processo diplomático e se sentam na mesa negocial face to face para discutirem e fecharem um acordo. A fase da negociação desenrola-se, normalmente, de forma intensiva até se alcançar e assinar o acordo. Novamente, importa sublinhar que cada caso é um caso. Muitos dos estudos que dão origem a estas classificações abstratas gerais, estão a referir-se aos processos negociais tradicionais bilaterais de ronda única onde as partes se encontram para negociar o acordo durante um período relativamente curto. Contudo, os acordos multilaterais, mais complexos, duram várias rondas negociais e podem prolongar-se bastante no tempo. Depois, existem ainda acordos que têm muitos aspetos políticos a considerar, nomeadamente a influência dos ciclos da política interna e os jogos de two-level (PUTMAN, 1988), que prolongam e complexificam bastante a negociação, cujo exemplo mais paradigmático é o acordo do BREXIT.
A fase da pós-negociação é a fase após a chegada ao fim do jogo negocial e à assinatura do acordo. Esta é a fase da implementação, monitorização e controlo do acordo na prática, que também, por vezes, implica a ratificação política por parte dos parlamentos, o que também complexifica a sua implementação. É aqui que muitas vezes se comprova que o acordo tem limitações ou virtualidades que permitem fazer um balanço sobre os resultados do acordo e a sua implementação, bem como uma análise crítica e adaptativa do que foi negociado. Finalmente, importa também referir que, por vezes, os acordos não são ratificados pelos parlamentos, o que na prática deita por terra os esforços negociais e as vantagens conseguidas com base no acordo.
Para além desta visão sintética e abstrata tripartida da negociação internacional, é possível apresentar uma visão mais específica que, na prática, desdobra estas fases. Assim, uma das melhores abordagens para compreender as fases da negociação internacional é examiná-la através das lentes dos praticantes. Deste modo, os diplomatas e negociadores olham para a negociação internacional como um processo que se desenrola ao longo do tempo e através de uma sequência de fases (BERRIDGE, 2010). Cada fase tem características e funções distintas. Vários autores desenvolveram modelos sobre as diferentes fases da negociação (ZARTMAN; BERMAN, 1982; BERRIDGE, 2010; DRUCKMAN, 2007). Com base nestes contributos, podemos sintetizar quatro fases principais da negociação: uma fase de pré-negociação, uma fase de negociação da fórmula, uma fase de negociação dos detalhes e uma fase de ratificação.
Fase 1: Pré-Negociação
A pré-negociação pode ser entendida como as iniciais “conversações sobre conversações” (SAUNDERS, 1985). Esta fase compreende o período de tempo e de atividade em que as partes decidem passar de soluções unilaterais conflituosas para uma procura de soluções cooperativas, multilaterais ou conjuntas (ZARTMAN, 1989, p. 4). Começa quando uma ou mais partes consideram a negociação como uma alternativa ao conflito continuado e comunicam esta intenção a outras partes. A fase termina quando as partes em conflito concordam com a agenda e os procedimentos necessários para a realização de conversações, ou, pelo contrário, quando as partes excluem a negociação como um caminho viável para o futuro (STEIN, 1989).
Durante esta fase, as partes envolvem-se em dois conjuntos de atividades: diagnóstico e preparação. A atividade central de diagnóstico é a identificação do problema. Isto é, as partes procuram definir o que está em jogo e considerar se as questões em disputa podem ser redefinidas através da negociação que possibilite um acordo (TOMLIN, 1989).
A decisão de escolher a negociação torna-se mais provável quando as partes assumem que os benefícios potenciais da ação conjunta superam aqueles associados às ações unilaterais ou ao status quo.Zartman (2006) descreve o processo de desenvolvimento e passagem da fase pré-negocial para a fase negocial como um processo de “ripeness” (“amadurecimento”). Na sua ótica, uma das principais formas que “empurram” as partes para a negociação é quando estas percebem que estão num impasse mutuamente penalizante (ZARTMAN, 2006). Esta situação - que designa por “mutually hurting stalemate” (MHS) -, quando combinada com a perceção de que a outra parte está disponível para uma solução negociada, é uma condição propiciadora, ainda que nem sempre suficiente, para se iniciar um processo de negociação (ZARTMAN, 1989, 2007a).
Com efeito, mesmo que muitas vezes exista um impasse politicamente negativo para ambas as partes (MHS) - onde nenhuma das partes acredita que pode vencer -, o que acontece é que também nenhuma das partes está disponível para mudar a sua posição e recuar nem que seja um milímetro. Esta situação estática e posicional entre as partes só muda quando as partes assumem que não é possível a manutenção de um status quo negativo mútuo.
Face ao impasse negativo, esta situação transforma-se e torna-se madura quando as partes percecionam que poderão ter mais benefícios se saírem das suas posições estáticas e caminharem no sentido da negociação de um possível acordo (ZARTMAN, 1989, 2007a). Portanto, a expectativa de minorar os prejuízos origina que as partes sejam “puxadas” para a negociação, pois esta é percecionada como a solução para sair da situação lesiva em que se encontram7.
Quando as partes reconhecem que a negociação é o caminho a seguir, a fase de pré-negociação prossegue do “diagnóstico” para a “preparação”. Neste momento, a conversa entre as partes passa da aceitação da possibilidade da negociação para o que será negociado (TOMLIN, 1989, p. 23). Um passo importante neste processo é a definição da agenda para as conversações. As partes conversam sobre os limites da negociação, nomeadamente identificando questões a serem incluídas na agenda de negociação, bem como as questões que devem ser excluídas.
As partes também procuram resolver questões como a ordem em que as questões serão discutidas e quais as questões que podem ser acrescentadas e/ou subtraídas (STEIN, 1989). Para além de “preparar o terreno” para conversações formais, esta fase é utilizada para consolidar os canais de comunicação e iniciar a construção de uma relação entre as partes. É aqui que é possível começar a dar os primeiros passos para construir “pontes” para ultrapassar o conflito e atingir a conciliação de interesses (ZARTMAN, 1989, p. 13). Deste modo, é comum iniciar-se a suspensão temporária das atividades conflituosas. Por exemplo, podem ser decretados cessar-fogos ou podem ser suspensas as sanções económicas. Estes passos funcionam como “adiantamentos de confiança”, demonstrando a capacidade de reciprocidade e de confiança das partes (ZARTMAN, 1989, p. 13).
Fase 2: A Fase da Negociação e identificação da Fórmula
A segunda fase começa quando as partes se reúnem “à mesa”. Esta fase de negociações não se desenrola sempre rapidamente ou em linha reta. Pelo contrário, normalmente, os negociadores não conseguem identificar facilmente uma solução abrangente (fórmula) com base numa troca de argumentos e propostas iniciais. Deste modo, o mais comum é as partes começarem a desenvolver um processo negocial incremental de redução de alternativas, estreitamento das diferenças e de identificação de pontos comuns. Como identificado, a melhor forma de atingir isto com sucesso é através do acordo sobre uma fórmula que sirva de enquadramento para as posteriores trocas negociais.
É possível identificar dois tipos básicos de fórmulas (ZARTMAN, 2016). O primeiro tipo é uma fórmula de concordância mínima. Aqui, o principal objetivo é gerir o ambiente de crise conflitual, tentando atenuar ou suspender o conflito, enfatizando a gestão de conflitos sobre a resolução de conflitos. O segundo tipo é a fórmula de resolução. Aqui as partes não estão preocupadas apenas com uma visão tática de gestão da crise e abordam diretamente as questões centrais subjacentes ao conflito. O objetivo não é a gestão da crise, mas tentar resolver diretamente as questões de conflito.
As fórmulas assumem várias formas, podem ser uma declaração de princípios, um primeiro esboço de um texto de negociação, ou uma solução intermédia entre estas duas hipóteses. Um exemplo clássico foi a fórmula encontrada entre a República Popular da China e o Reino Unido sobre o estatuto de Hong Kong. Ambas as partes concordaram que seria o princípio “um país, dois sistemas” que orientaria as negociações sobre o estatuto final de Hong Kong.
Fase 3: A Fase de Negociação dos Detalhes
Depois de se conseguir acordar uma fórmula de orientação negocial geral, as negociações avançam para a fase de detalhes. Nesta fase, os negociadores procuram traduzir os conceitos amplos e princípios orientadores da fórmula num conjunto de compromissos mútuos específicos (ZARTMAN; BERMAN, 1982). Normalmente esta fase é mais longa e a atmosfera negocial mais competitiva e até hostil relativamente à fase da definição da fórmula. A finalização dos detalhes implica que cada parte faça compromissos substantivos com custos reais e mensuráveis. Esta definição complexifica o acordo sobre os pormenores e faz com que possam reemergir pontos de resistência e impasses no acordo.
Por vezes, a obtenção de um acordo sobre os detalhes torna-se muito difícil porque uma ou mais partes consideram esta fase como uma oportunidade para rever, reequilibrar ou alterar o conteúdo da fórmula. A fase de negociação dos detalhes continua até que todas as partes reconheçam o acordo sobre todas as questões pendentes. O reconhecimento da chegada ao acordo pode assumir várias formas. As mais comuns resultam na emissão de uma declaração conjunta na qual se indica que os assuntos foram resolvidos e na encenação de um momento audiovisual - usualmente uma fotografia -, na qual as partes assinalam o acordo final através de um aperto de mão.
Fase 4: A Fase de Ratificação
A última etapa do processo de negociação é a ratificação. Embora nem sempre seja tida em conta durante o processo de negociação e até por vezes seja considerada desnecessária devido aos acordos poderem ser informais, a ratificação é muitas vezes exigida nas negociações entre Estados. Aqui, o acordo alcançado só ganha efeitos jurídicos e políticos vinculativos após a ratificação (BERRIDGE, 2010). Em alguns casos é suficiente a assinatura do negociador principal ou de um alto responsável político (ministro, chefe de governo ou de Estado). Noutros casos, porém, é obrigatório o acordo ser endossado por autoridades políticas constitucionalmente designadas, como acontece com os EUA, onde os tratados internacionais negociados pelo poder executivo não têm efeito jurídico até serem ratificados pelo Senado.
Mais do que uma formalidade, a ratificação do acordo é que oficializa o fecho da negociação. Até à ratificação, permanece a possibilidade de uma ou mais partes procurarem rever, alterar, ou de outra forma alterar os termos do resultado negociado. Os negociadores que não dão atenção à importância desta etapa correm o risco de ver o seu acordo duramente conquistado, ameaçado ou minado por completo, como aconteceu com o Irish Backstop, negociado entre a primeira-ministra britânica, Theresa May, e os seus homólogos da União Europeia.
3. Tipos de estratégias, elementos dinâmicos e institutos negociais
3.1. Estratégias de Negociação
Os estudos sobre negociação desenvolveram-se em diferentes áreas e disciplinas académicas. Deste modo, a investigação sobre a negociação internacional recorreu a diferentes culturas teórico-paradigmáticas e a diferentes contextos e métodos de investigação.
Isto originou uma variação na terminologia usada para caracterizar vários aspetos da negociação e para descrever determinados processos negociais, que muitas vezes utilizam diferentes conceitos para explicarem o mesmo fenómeno. Embora por vezes sejam utilizadas diferentes conceptualizações para os descrever, no mundo académico da negociação, é comum a distinção entre dois tipos principais de negociação.
3.1.1. A Negociação Distributiva
O primeiro tipo de negociação é usualmente descrito como negociação distributiva, ganha-perde, soma nula (zero sum game) ou transacional. Muitas vezes estes termos são usados de forma intermutável. De um ponto de vista sintético, podemos dizer que todas estas conceptualizações dizem respeito às negociações caracterizadas pela consciência que a questão a negociar envolve um “bolo fixo” a distribuir de forma competitiva, onde, aquilo que uma parte ganha, a outra perde. Logo, a negociação de tipo distributiva envolve uma competição entre as partes relativamente a quem fica com a parte maior, e ganha, face a quem fica a perder e com a parte menor do “bolo” (RAIFFA; RICHARDSON; METCALFE, 2002).
O outro tipo de negociação é habitualmente descrito como negociação cooperativa, integrativa, win-win (ganha-ganha, positive-sum game) ou relacional. Como referido, diferentes terminologias podem ser usadas, mas existe uma ideia básica que percorre a negociação de tipo integrativa: as partes têm a perceção que o assunto a negociar não é de soma fixa, e que ambas as partes podem ganhar se conseguirem negociar conjuntamente uma solução que acomode positivamente os interesses das partes e as opções disponíveis.
Neste quadro, a negociação de dominante cooperativa não se baseia na competição, mas antes no desenvolvimento de uma relação colaborativa entre as partes e na integração de esforços conjuntos relativamente a gestão cooperativa dos recursos e interesses presentes com o objetivo final de ambas as partes saírem a ganhar (RAIFFA; RICHARDSON; METCALFE, 2002).
A obra pioneira que demonstra esta diferença de estratégia negocial foi publicada no quadro de uma situação laboral. Foram Walton e Mckersie (1965) que, ao estudarem um processo de negociação coletiva, propuseram esta abordagem, distinguindo a negociação quanto ao seu caráter estratégico de interação, nomeadamente a negociação distributiva e a negociação integrativa.
Como o estudo de Walton e McKersie (1965) demonstra, em situações negociais puramente distributivas, os interesses das partes correlacionam-se negativamente. Isto é, o aumento de utilidade e benefícios dos resultados de uma das partes está ligado à diminuição da utilidade e de benefícios do resultado da outra parte. Aqui, as partes jogam um jogo competitivo de perceções individuais sobre os outputs ideais a atingir e os resultados mínimos aceitáveis face à divisão do bolo.
Normalmente, o tipo de negociação distributiva está associado a um único assunto a negociar, que, por regra é o preço ou valor a distribuir. Deste modo, na lógica distributiva, cada negociador define um preço de reserva (ponto de resistência) que será o seu limite para atingir o acordo (RAIFFA, 1982). No início da negociação, as partes têm posições de partida distantes. Durante o processo negocial, as partes vão iniciar um processo dinâmico de aproximação até se atingir a zona de possível acordo (ZOPA, Zone of Possible Agreement). Portanto, a negociação também se explica pelo processo que resulta da saída da posição inicial distante e divergente entre as partes para uma zona de proximidade e de convergência de interesses. Existe sempre uma margem de convergência entre os pontos de resistência de ambas as partes que se direciona para a zona de possível acordo (ZOPA). Neste processo dinâmico de convergência e aproximação das partes, a qualidade da oferta inicial e a estratégia de concessões são variáveis essenciais para o sucesso neste tipo de negociações.
3.1.2. A Negociação Integrativa
A negociação do tipo integrativa caracteriza-se por ambas as partes assumirem que existe um problema comum, no qual as partes se concentram colaborativamente para tentar encontrar uma solução conjunta. Na negociação integrativa, existem importantes elementos cooperativos na relação negocial uma vez que se assume que ambas as partes podem ganhar se conseguirem alcançar uma boa decisão conjunta sobre o problema.
Uma negociação puramente integrativa permite que ambas as partes possam atingir todos os seus objetivos (WALTON; MCKERSIE, 1965). Contudo, para se conseguir uma solução integrativa, a negociação tem que ser multidimensional (LAX; SEBENIUS, 1986). Só assim será possível a existência de uma troca de concessões ampla e plural entre as partes, que possibilite explorar várias dimensões do problema e onde as partes podem valorizar negocialmente essas múltiplas dimensões negociais.
A negociação integrativa requer um comportamento exploratório das possibilidades de resolução de problemas e faz apelo à criatividade e inovação de soluções por parte dos negociadores (RAIFFA,1982; ZARTMAN; BERMAN, 1982). Deste modo, vários autores (RAIFFA; RICHARDSON; METCALFE, 2002) sublinham sinteticamente três aspetos essenciais a desenvolver pelas partes para se conseguir alcançar acordos integrativos:
a incorporação de elementos novos ao conflito (recursos económicos, sociais, temporais e normativos);
a redução de custos e aumento dos benefícios mútuos;
o desenvolvimento de outras alternativas que, mesmo, não coincidindo com os interesses iniciais satisfaçam as necessidades subjacentes a ambas as partes.
Por sua vez, Walton e Mckersie (1965) referem três etapas no processo de negociação integrativa:
identificação do problema (partilha de informações acerca do problema e o reconhecimento das dificuldades que a situação implica para cada uma das partes);
procura de novas soluções e a análise das consequências das mesmas (recurso à criatividade e à inovação de propostas alternativas e ou interligadas);
hierarquização de soluções e escolha da ação a implementar (organização da importância das preferências das partes).
Idealmente, a negociação integrativa traduz o princípio basilar da negociação: a busca de uma solução partilhada em que todas as partes ganham mais benefícios com o acordo do que se estivessem fora do acordo. É precisamente devido à constatação de que o acordo permite ganhos win-win que as partes desenvolvem negociações. Contudo, importa referir, que embora nos acordos integrativos os ganhos conjuntos sejam, em regra, sempre superiores a qualquer acordo distributivo, isto não significa que ambas as partes envolvidas beneficiem exatamente o mesmo.
3.2. Dinâmica negocial: elementos básicos
A negociação internacional é um processo dinâmico que se desenvolve na interligação de interesses estruturais relativos ao sistema internacional - ao ambiente que embebe o problema/situação em disputa - e a maximização dos interesses dos atores envolvidos na resolução do problema e no seu consequente procedimento negocial (BERCOVITCH; JACKSON 2009; ZARTMAN, 2007a).
Outra questão clássica na negociação é a necessidade de não confundir os interesses com as posições negociais8. Os interesses são o que está em jogo no resultado que se quer obter com a negociação. À partida existe um interesse comum em negociar, mas muitas vezes as posições não se aproximam e dificultam a negociação. A posição reflete as decisões adotadas para defender os interesses, mas no jogo negocial de defesa de interesses particulares podem adotar-se várias e diferentes posições.
Uma compreensão correta e objetiva dos interesses próprios e dos interesses da outra parte constitui um fator chave numa negociação. Isto significa que devemos ser claros e o mais específicos possível nos pontos negociais. Devemos identificar objetivamente os nossos interesses, bem como reconhecer a legitimidade dos interesses da outra parte. Num processo negocial devemos ser rigorosos e transparentes, adotar uma atitude cordial e educada com a outra parte e, acima de tudo, desenvolver um espírito positivo e comunicativo, visionando o sucesso do acordo negocial numa lógica dinâmica e construtiva e não numa lógica posicional estática e de trincheira (FISHER; URY, 2011).
Um outro elemento a considerar numa negociação, são as relações de poder que as partes estabelecem entre si e o modo como essas relações de poder influenciam os processos de negociação. Pode mesmo dizer-se que o poder constitui um dos elementos determinantes da negociação. O poder e a sua avaliação preceptiva são fatores críticos no processo negocial. Contudo, é necessário temperar o excessivo destaque que as abordagens neorrealistas atribuem à quantificação do poder material (capacidades de hard power, recursos económicos, demográficos, militares, geopolíticos, etc.). Num processo negocial a capacidade útil e real de poder passa, sobretudo, por ter uma boa alternativa para negociar. Neste sentido, Fisher e Ury (2011) desenvolveram o conceito conhecido por BATNA (Best Alternative To the Negotiated Agreement), que consiste na via alternativa que as partes devem seguir se não conseguirem chegar a um acordo. Como sublinhado, o conhecimento e o desenvolvimento de alternativas ao resultado de uma negociação constituem uma importante fonte de poder.
A BATNA estabelece o ponto exato para a tomada das decisões principais na negociação. Como por exemplo, aceitar uma proposta final colocada na mesa de negociação superior à BATNA ou recusar qualquer outra proposta inferior à BATNA. Thompson (2004) chama a atenção para o facto de a BATNA não ser, exatamente, um conceito estático. Pelo contrário, a BATNA deve ser compreendida como um conceito dinâmico que, durante o processo, a todo o momento, pode melhorar ou piorar. Os negociadores devem procurar constantemente melhorar a sua BATNA, procurando obter informação objetiva com base em evidências e factos comprovados. A identificação da BATNA ajuda claramente um negociador a definir o seu ponto de resistência, o que representa um elemento estratégico essencial para o resultado de uma negociação.
Por outro lado, a capacidade de poder negocial passa igualmente por estabelecer boas relações políticas e diplomáticas com as partes através do desenvolvimento de uma comunicação clara e do estabelecimento de uma boa base de confiança (BERRIDGE, 2010).
Outros aspetos também relevantes são a apresentação de acordos legítimos que satisfaçam ambas as partes (FISHER; URRY, 2011). A perceção de satisfação e de legitimidade na negociação dos acordos é um ponto decisivo no estabelecimento de compromissos colaborativos e para todas as partes se empenharem num esforço negocial integrativo. Todos estes aspetos contribuem para outro elemento fundamental da negociação: a capacidade de construir a confiança entre as partes que permita o desenvolvimento de uma relação futura e durável.
Outra questão decisiva no processo negocial é a informação. Em qualquer atividade a informação é um elemento fundamental para o sucesso e a negociação não é exceção. Todos os autores destacam a importância da fase de recolha de informação, nomeadamente na fase pré-negocial, mas mesmo durante a fase da negociação a busca de melhorar a informação sobre as questões a discutir, ou sobre outros fatores que podem influenciar a negociação é decisivo. A informação, ou a falta dela, é um dos principais obstáculos à cooperação entre os atores internacionais (KYDD, 2012).
Deste modo, a capacidade de recolher e dominar um conjunto de informações sobre o contexto político, cultural e ideacional dos oponentes, sobre os seus interesses e as suas alternativas revela-se fundamental em todas as negociações internacionais. É com base numa cuidada recolha de informações que se consegue uma boa preparação e planeamento da negociação, bem como se pode gerir melhor o processo de troca de informação durante o processo negocial. A este nível, a informação mais decisiva e importante para o agente negociador é o conhecimento da BATNA do seu oponente, pois é esta informação que permite identificar as fronteiras e pontos de resistência da negociação.
No processo negocial é fundamental que as partes não assumam posições estáticas e que procurem ser dinâmicas no sentido de se aproximarem da zona de possível acordo. Até chegarem à ZOPA é comum na dinâmica negocial a utilização de técnicas de barganha instrumentais manipulativas. Por exemplo, começar a negociação com propostas iniciais distantes da realidade, dissimular interesses; dar sinais/indícios contraditórios; exagerar/esconder propostas de concessão, etc.
Outro elemento importante na dinâmica negocial é relativo à postura prática dos negociadores: a sua estratégia negocial e comunicacional prática. Em todo o processo negocial, os negociadores têm de ter a capacidade de adaptação à dinâmica da negociação e serem capazes de balancear diversos imperativos contraditórios, por exemplo:
firmeza versus flexibilidade (“flexibilidade firme” ou “rigidez flexível” (DRUCKMAN, 2007);
abertura e honestidade versus secretismo e engano;
comunicação explicita e direta versus comunicação ambígua;
manipulação do risco (bluff) versus minimização do risco;
agregação de assuntos versus desagregação de assuntos;
atitude de confiança (positiva) versus atitude de desconfiança (negativa).
Last but not least, importa sublinhar que o sucesso de uma negociação também depende da capacidade de se desenvolver um bom relacionamento entre as partes. Sendo a negociação um processo interdependente de tomada de decisões conjuntas, a capacidade de construir uma relação próxima e de confiança com a outra parte assume uma importância crucial. Neste quadro, vários autores tentaram identificar quais os elementos que propiciam a construção de um bom relacionamento na dinâmica da negociação (BERTON et al, 1999; SHARP, 2009; JÖNSSON; HALL 2005; BERRIDGE, 2010). Assim, é possível identificar cinco elementos que caracterizam um bom relacionamento num processo negocial: a confiança, a abertura, o respeito, a empatia e a aceitação.
Todo o processo negocial é particular e tem as suas dinâmicas próprias, quer ligadas ao assunto a negociar, quer relativas às circunstâncias políticas e económicas, nacionais e internacionais. De qualquer modo, podemos assumir que, em regra, existem alguns pontos universais na dinâmica negocial. Num esforço de síntese, é possível identificar seis fatores fundamentais que marcam presença na dinâmica negocial de qualquer processo negocial, a saber:
uma perceção clara (não distorcida/enviesada) dos interesses próprios e dos interesses das outras partes;
a relação de poder entre a as partes (poder estrutural versus poder comportamental negocial específico);
a legitimidade e equilíbrio das propostas (o sentimento de justiça negocial);
a identificação da BATNA e da ZOPA;
a gestão da informação;
a credibilidade das propostas (ameaças e concessões);
a capacidade de construir um bom relacionamento.
3.3. Institutos e práticas negociais: a importância da mediação
A mediação é um dos institutos negociais mais importante na diplomacia e nas práticas de resolução de conflitos e de negociação internacional (BERRIDGE, 2010; JÖNSSON; HALL, 2005; SHARP, 2009). Tradicionalmente, a mediação faz parte das estratégias da negociação internacional na resolução de conflitos histórico-identitários com raízes profundas, como acontece com os conflitos do Médio-Oriente e com os Balcãs.
De forma sintética podemos dizer que a mediação é a forma de intervenção política de uma terceira parte num processo negocial com o intuito de melhorar o processo negocial e favorecer o ambiente político que resulte num acordo entre as partes. A mediação transforma a visão clássica da negociação assente numa lógica de díade negocial. Com a mediação, a díade negocial transforma-se num triângulo9. Os mediadores, convidados pelas partes ou oferecendo voluntariamente os seus serviços de mediação, têm sempre de ser aceites pelas partes.
Na mediação, e ao contrário da arbitragem ou adjudicação, a autoridade das decisões finais permanece sempre nas mãos das partes em disputa. Contudo, o grau de intervenção do mediador é variável. O nível de intervenção do mediador no processo negocial pode variar, desde pouco interventivo até muito interventivo (ZARTMAN; TOUVAL, 1985; BERCOVITCH; HOUSTON, 1996). A mediação de grau pouco interventivo caracteriza-se por se centrar em estratégias de facilitação da comunicação. Aqui, o mediador limita-se a gerir os aspetos de procedimento e de comunicação entre as partes, não intervindo diretamente nas questões em disputa do processo negocial.
Ao contrário, numa mediação de alto grau de intervenção, o mediador, além dos aspetos de gestão formal do processo, envolve-se diretamente nas questões negociais. Aqui, o mediador utiliza de forma direta e assertiva as suas capacidades diplomáticas e de poder material para influenciar o resultado das negociações. O mediador envolve-se diretamente no processo negocial oferecendo recompensas e punições às partes, propondo hipóteses de fórmulas, novas alternativas ou pressionando com ultimatos10.
Outra tipologia clássica é a que distingue a mediação principal e a mediação pura (BEARDSLEY, 2011; HEEMSBERGEN; SINIVER, 2010; GREIG; DIEHL, 2012). A mediação principal é associada à mediação formal e oficial ligada a diplomacia de track 1, enquanto a mediação pura para além da diplomacia de track 1 também inclui as dinâmicas da mediação informal e dos encontros não oficias ligados à diplomacia track 2 e 3.
A análise da mediação principal está associada às visões realistas onde a lógica de power politics é o mais relevante na explicação. Esta visão assume que o mediador faz uso das suas capacidades de poder material para manipular e influenciar as partes. Aqui, mais importante do que a neutralidade face à situação e a imparcialidade no tratamento das visões das partes é a capacidade política de influenciar as partes e de ter capacidades materiais para impor a sua posição.
Diferentemente, a mediação pura foca-se nas capacidades de argumentação, persuasão e de comunicação com, e entre as partes. Ao contrário da mediação principal, a mediação pura não utiliza estratégias coercivas de mediação e procura ter um papel ativo na reformulação da disputa, na transformação da lógica de conflito inicial, para uma lógica de cooperação assente no reconhecimento dos pontos de interesses comum das partes. Enquanto a mediação principal é típica das grandes potências com interesses na disputa, a mediação pura é típica de organizações internacionais ou Estados normativos, que não têm interesses materiais específicos em causa, além da vontade de proporcionar condições para a resolução pacífica de um conflito, bem como dos interesses normativos gerais que decorrem das cartas de princípios das organizações ou dos seus princípios constitucionais de manutenção da paz e da sua cultura política.
Outra importante proposta de tipologia sobre a mediação é apresentada por Kleiboer (1998). Este autor identifica quatro tipos ideais de mediação. O primeiro é o modelo de mediação designado por power brokerage e tem por base explicativa as teorias neorrealistas. Este modelo explica que os Estados com maior poder material, as grandes potências, são os mediadores mais plausíveis e eficazes devido à sua capacidade de projeção de poder e de consequente liderança política.
O segundo modelo é designado de political problem-solving e tem por base explicativa as teorias ligadas à psicologia política e às abordagens fenomenológicas ( ref-type="bibr" rid="r51">MENDES, 2020a). Este modelo de mediação explica que o mediador é importante e eficaz porque é um ator com grandes conhecimentos técnicos e políticos do conflito, tem um especial compromisso com a paz e a resolução pacífica do conflito e possui grandes capacidades de comunicação diplomática com as partes.
Outro modelo é o modelo de domínio. Este modelo baseia-se nas teorias do estruturalismo, a sua perspetiva é olhar para a mediação como um instrumento usado pelas elites dos Estados poderosos para defender o status quo. Finalmente, o último modelo é aquilo que podemos designar por reestruturação das relações. Este modelo baseia-se nas teorias críticas e defende uma perspetiva segundo a qual o mediador tem um comprometimento com a mudança social e assume as vantagens de desenvolver esforços de mediação que ultrapassam as arenas diplomáticas tradicionais, que consigam chegar a realidades informais mais próximas dos problemas e dos cidadãos.
Existem três fatores fundamentais e interligados para compreender e enquadrar o instituto da mediação: os resultados da mediação; a imparcialidade dos mediadores; e o timing dos esforços da mediação (JÖNSSON, 2002).
Em relação aos resultados, podemos dizer que a mediação tem sucesso quando consegue introduzir avanços e alcançar mudanças na disputa em causa. Por exemplo, em primeiro lugar, quando consegue iniciar o diálogo inexistente ou abandonado. Em segundo lugar, a mediação é eficaz quando consegue travar ou evitar a violência entre as partes em disputa. Em terceiro lugar, a mediação também tem sucesso quando consegue permitir que ambas as partes salvem a face. Outros aspetos importantes relativos à capacidade de a mediação apresentar resultados dizem respeito à sua capacidade de construir um precedente útil; à sua capacidade de atingir os objetivos propostos inicialmente para a mediação e, por último, se a mediação consegue contribuir para amenizar, ou até resolver, as raízes profundas, estruturais e identitárias, do conflito.
Relativamente à imparcialidade dos mediadores, importa começar por sublinhar que a imparcialidade dos mediadores tem que ser percecionada pelas partes, mas isso não significa automaticamente que o mediador seja uma parte desinteressada na disputa. Apesar da mediação, por definição, ter que incorporar o princípio da imparcialidade e da equidade no diálogo negocial entre as partes, é impossível negar que muitas vezes o mediador tem preferências. Todavia, para além destas preferências e do eventual enviesamento da imparcialidade em favor de uma das partes, no final - mais importante do que uma perceção de imparcialidade ideal -, o que define a aceitação e o sucesso da mediação pelas partes é a sua eficácia. Por exemplo, na mediação do conflito israelo-árabe é possível identificar um relativo enviesamento preferencial dos EUA como mediador face a Israel, mas esta circunstância não elimina a eficácia dos EUA como mediador, nomeadamente na sua capacidade de comunicar assertivamente com Israel.
A terceira condição da mediação diz respeito ao tempo apropriado para se introduzir a mediação num processo negocial. A visão tradicional é que quando existe um impasse negocial entre as partes em conflito é necessário introduzir uma terceira parte para permitir que a mediação consiga ultrapassar este impasse e colocar as partes novamente em diálogo negocial.
Por outro lado, a mediação também é muito comum quando após várias tentativas e possibilidades sem sucesso de negociação, as próprias partes reconhecem o insucesso e procuram a ajuda de uma terceira parte. Por outro lado, como explica Zartman (2007b), várias vezes as partes reconhecem a existência de uma situação de impasse, mutuamente prejudicial, que obriga e facilita o recurso à mediação.
No final, a mediação tem provado ser um fundamental instituto da negociação internacional, uma vez que é através da mediação que se consegue ultrapassar conflitos, bloqueios e impasses que derivam dos problemas relativos às perceções erradas; à má informação e ausência de comunicação; aos conflitos de interesses e preferências (KYDD, 2012; CROCKER et al, 2012); à desconfiança e às divisões políticas e identitárias (internas e internacionais). Apesar das diferentes abordagens analíticas e normativas, a mediação tem contribuído positivamente para a resolução de conflitos e tem sido importante na construção de regimes multilaterais para promover a paz.
4. Uma visão sociocognitiva construtivista sobre a negociação internacional: cultura, perceções, contextos e lógicas de comportamento
4.1. A importância da cultura, identidade e dos estilos negociais
Ao contrário das visões dominantes ocidentais e racionalistas11, é importante compreender a importância da cultura e da identidade nas relações internacionais e na prática da negociação internacional. Os Estados são atores sociais que constroem identidades nacionais e internacionais que socializam práticas culturais e estilos negociais nas suas políticas externas (MENDES, 2020b; 2020c).
As culturas políticas nacionais e respetivas identidades formatam uma identidade internacional dos Estados que determinam estilos diplomáticos e negociais particulares que influenciam as suas práticas negociais, quer ao nível comunicacional, quer ao nível da forma como os negociadores trocam informações e se comportam no processo negocial (FAURE, 1999; BRETT, 2000). Por exemplo, os estilos e formas de comunicação e expressão, verbais e não verbais, afetam a organização da negociação e, sobretudo, a apresentação e interpretação dos factos, nomeadamente a relação interpretativa entre tempo e espaço da situação negocial (FAURE; RUBIN, 1993; ALON; BRETT, 2007). As diferenças culturais podem expressar divergentes noções de organização do cronograma e da agenda negocial, ou mesmo diferentes interpretações de justiça e equidade na negociação. Estas diferenças podem ter importantes impactos na definição do processo negocial e nos seus resultados.
Não podemos esquecer que as próprias regras do jogo negocial que tradicionalmente dominam a teoria e prática da negociação são produto da cultura ocidental e refletem uma visão dominante, racionalista e utilitária. Esta visão ocidental produz enviesamentos culturais que se traduzem na prática negocial, nomeadamente através da valorização de valores e práticas sociais - como a competição, o poder, a instrumentalização dos ganhos e da lógica maximização-minimização (max-min), o compromisso, as trocas e alternativas materiais, etc. -, que podem não ser exatamente universais no tempo e espaço social, uma vez que em função dos contextos culturais e identitários podem ser alvo de diferentes preferências e interpretações. Importa ter presente que grande parte dos conceitos e valores que constroem os modelos e teorias da NI são contruídos pela cultura ocidental racionalista, utilitária e liberal que, não raras vezes, colocam problemas ao diálogo negocial intercultural e à resolução de conflitos.
Como, finalmente, vários autores norte-americanos vêm assumindo, é necessário compreender que os valores culturais e as crenças identitárias não ocidentais não são equivalentes a valores materiais, instrumentais e utilitários. Isto significa que em processos de negociação relativos a conflitos identitários é necessário compreender e respeitar a importância e especificidade dos sacred values e não relativizar ou materializar estes valores numa lógica utilitarista (ATRAN; AXELROD, 2008).
Relativamente às negociações interculturais, importa sublinhar que a ignorância e o desrespeito pelas diferenças culturais são um obstáculo à negociação. Outra constatação é que as culturas asiáticas atribuem maior valor ao estabelecimento de relações pessoais de respeito e confiança entre negociadores e parceiros comerciais do que as culturas ocidentais (MILES, 2000). Em algumas culturas, um pedido para “pôr por escrito” é interpretado como um sinal de desrespeito que prejudica a relação. A cooperação intergovernamental na região da Ásia-Pacífico revelou uma preferência histórica na Ásia por acordos informais e uma baixa incidência de acordos altamente legalizados com obrigações precisas e vinculativas e medidas de execução (KAHLER, 2000).
Outro exemplo clássico diz respeito às diferenças entre sociedades que enfatizam a comunicação de baixo-contexto versus as sociedades que comunicam em alto-contexto. Nas sociedades de baixo contexto comunicacional (por exemplo, os Estados Unidos), as pessoas comunicam de forma direta e costumam verbalizar especificamente o que querem dizer. Nas sociedades de contexto elevado (por exemplo, o Japão), os significados da comunicação oral são muitas vezes apenas sugeridos no que é dito e exigem familiaridade com a cultura para serem claramente compreendidos.
Isto significa que é necessário ter consciência que a política externa é uma política de autor que reflete a identidade nacional e internacional do Estado. Esta identidade reflete-se na diplomacia e no seu estilo de negociação12. Para além de percebermos a influência dos estilos negociais dos Estados, é essencial equacionar a capacidade de diálogo intercultural dos seus estilos diplomáticos.
Neste quadro, num mundo exponencialmente global e multilateral e de consequente intensificação de contextos de negociação internacional, é fundamental que os diferentes atores diplomáticos desenvolvam boas capacidades de diálogo intercultural. Neste contexto, por exemplo, Portugal tem uma identidade internacional que se carateriza por uma relativamente extraordinária capacidade de diálogo intercultural, assumindo-se como um “Estado-pivot ecuménico” (MENDES, 2020c) que proporciona excelentes bases para a negociação internacional13.
4.2. As imagens culturais e os choques percecionais
Existe uma longa tradição da escola psicológica e cognitiva no estudo da negociação. Seguindo Thompson, Neale e Sinaceur (2004), podemos dizer que existiram três períodos fundamentais no estudo psicológico da negociação. O primeiro período é o da análise e descoberta dos “preconceitos cognitivos” que têm raízes na teoria da decisão comportamental e na revolução cognitiva na psicologia e ciência política. Incluem, por exemplo, as categorias analíticas do enquadramento da negociação, do excesso de confiança e da fixação.
O segundo período abrange a identificação dos enviesamentos que têm origem na perceção das situações sociais, incluindo o enviesamento do “bolo fixo”, a desvalorização reativa, a ignorância face à cognição dos outros e ao erro de atribuição. Este período de análise dos enviesamentos cognitivos tem origem no desenvolvimento da relação com a psicologia social, e tornou o estudo da cognição na negociação mais social.
Mais recentemente, os estudos psicológicos na negociação centraram-se, em primeiro lugar, na análise dos enviesamentos motivacionais, isto é, em enviesamentos que resultam dos objetivos e necessidades dos negociadores. Em segundo lugar, os estudos psicológicos da negociação centraram-se na análise dos enviesamentos emocionais, isto é, nos enviesamentos resultantes da inexatidão de julgar e ler as emoções do eu e do outro, nas crenças erradas sobre a duração das emoções, e nas crenças incorretas sobre o impacto causal que as emoções têm no comportamento.
Finalmente, Thompson, Neale e Sinaceur (2004) avançam que o futuro da investigação psicológica na negociação passará pela ultrapassagem da abordagem tradicional centrada no estudo da cognição ao nível individual, dando lugar a estudos com uma abordagem que explique de que forma os preconceitos cognitivos são construídos e sustentados em contextos sociais e identitários particulares.
Por exemplo, em regimes autoritários altamente ideológicos e com uma forte identidade, existem processos de socialização que constroem discursos e práticas com origem em misperceptions (JERVIS, 2017) coletivas sobre a realidade (MENDES, 2020b) que afetam as decisões dos atores, quer na formulação da estratégia da política externa, quer em situações negociais específicas. Este processo de socialização de misperceptions coletivas também se expressa em regimes democráticos atuais, sobretudo onde o neopopulismo se afirma e se manifesta uma crescente polarização ideológica, política e interpretativa da realidade. Neste processo de polarização populista é constatável a construção intersubjetiva de mundos políticos e culturais opostos e quase alternativos: a realidade populista e pós-verdadeira versus a realidade crítica do populismo e da pós-verdade (MENDES, 2021b). Estas visões e perceções ideológicas alternativas têm impacto nos processos negociais internacionais, como por exemplo a retirada dos EUA e do Brasil do acordo de alterações climáticas de Paris.
Na nossa visão sociocognitiva construtivista, desenvolvemos um modelo de análise sociocultural (MENDES, 2017, 2018) da política externa que incorpora várias categorias analíticas da escola psicológica que também são úteis na sua aplicação na negociação internacional como prática-chave da política externa dos Estados.
Neste quadro, introduzimos o conceito de imagens culturais (MENDES, 2018) para operacionalizar a ligação entre identidade, ideias e definição de interesses e preferências dos atores internacionais. Por um lado, as imagens culturais são ideias e crenças que: a) formatam a perceção do decisor e b) constroem a sua visão sobre o consequente comportamento expectável. Por outro lado, (re)produzem hábitos, práticas e discursos que balizam as linhas de orientação e a ação dos decisores sobre determinado problema em política externa ou, neste caso, a situação negocial. As imagens culturais refletem a identidade e cultura política dos Estados e funcionam como guias comportamentais que os decisores utilizam para interpretarem a realidade e legitimarem as suas opções (MENDES, 2018, p. 459-460).
Isto significa que, sobretudo na negociação internacional entre Estados, os interesses e preferências dos atores não podem apenas explicar-se através da lógica racionalista materialista e utilitária, mas através da sua interligação com uma lógica identitária da construção dos interesses. Para compreendermos e explicarmos os interesses em disputa em situações de conflito internacional temos de ter em conta a sua construção social, os seus ambientes ideacionais, identitários e culturais.
O nosso modelo não contraria o argumento que os interesses dos Estados partem de expectativas autocentradas de max-min, essencialmente egoístas, nem que os interesses são constrangidos por fatores materiais e pelo interesse básico de atingir um resultado favorável na disputa negocial. O que argumentamos é que mais do que os puros fatores materiais de poder, e dos interesses objetivos em disputa, o que conta são as imagens culturais e as perceções dos negociadores, bem como a sua interpretação intersubjetiva e respetiva assunção partilhada ao nível dos negociadores, dos governos e das elites políticas e sociais (MENDES, 2018).
No final do dia, mesmo ao nível do processo negocial específico, mais do que uma visão idealmente objetiva da situação negocial, o que é decisivo são as perceções dos negociadores sobre os dados da situação, sobre o poder relacional da situação e a interpretação subjetiva e sociocultural dos atores sobre os interesses em jogo.
A perceção que as partes envolvidas têm sobre o problema e os seus processos, influencia fortemente os comportamentos dos negociadores. Como é assumido por um autor de referência da negociação: “Ripeness is a matter of perception, a subjective appreciation strengthened by but independent of objective evidence. So states may well need help in perceiving the need and opportunities for negotiation” (ZARTMAN, 2016, p. 2010, itálico nosso).
Nos processos negociais de resolução de conflitos internacionais é tradicional existirem perceções subjetivas e deficientes quando os negociadores não têm acesso a informação suficiente para procederem a análises objetivas e tomarem decisões racionais. Por outro lado, a perceção sobre o problema de cada uma das partes pode não coincidir, levando os negociadores a percecionar divergências de interesses quando, na realidade, podem existir interesses compatíveis ou mesmo complementares entre as partes. Isto significa que muitas vezes existem choques percecionais (MENDES, 2021a) que fazem falhar o processo negocial.
4.3. A importância dos contextos, timing e instituições
As principais limitações da visão racionalista ligados à teoria dos jogos sobre a negociação e aos seus aspetos estruturais e neorrealistas pode ser sintetizada através de dois pecados analíticos. O primeiro é a tendência para a homogeneização racional e instrumental dos atores. Em regra, as partes são consideradas como atores unitários, racionais, obedecendo, antes de tudo, a uma lógica de ação utilitária e consequencialista. O segundo é a relativa desconsideração pelos aspetos contextuais e institucionais. Contudo, mais do que os modelos negociais no vácuo, importa compreender o impacto decisivo dos fatores contextuais14.
Deste modo, em primeiro lugar, é necessário considerar o timing da negociação. O espaço temporal para negociar e, sobretudo, o tempo político para chegar a um acordo são fundamentais. Em muitos casos, as motivações para fechar um acordo são muito determinadas pelo timing e por ripe moments, janelas de oportunidade e turning points (DRUCKMAN, 2001). Outro fator contextual decisivo na chegada ao acordo final é a boa coordenação entre os processos de política interna e os processos de política internacional. Por outro lado, os Estados não são todos iguais na sua lógica de two level games (PUTMAN, 1988). Existem estruturas nacionais plurais que resultam em diferentes formas de influência no processo de negociação internacional (KAARBO, 2001).
Um dos aspetos mais decisivos para compreendermos os processos negociais diz respeito ao contexto político, económico e institucional que muitas vezes escapam à lógica racionalista abstrata, estrutural e neoeconómica da teoria dos jogos. Fatores contextuais tradicionais identificados no estado da arte da NI são relativos, por exemplo ao padrão histórico do relacionamento entre as partes. Saber se as partes são rivais, amigas ou parceiras tem influência, uma vez que afeta o ambiente negocial e a perceção positiva de obtenção de um acordo.
Outra questão importante é perceber se o acordo é um acordo de acompanhamento, de extensão ou um acordo inicial novo. Outra questão contextual que pode afetar as negociações é o ambiente económico, nomeadamente os processos negociais comerciais de caráter económico são muito sensíveis às mudanças de contexto dos mercados.
No mundo real da negociação existem imensos fatores contextuais que influenciam o comportamento dos atores e os processos negociais. Mas existe um que merece destaque que é o de saber se a negociação está embebida num quadro institucional ou se se trata de uma negociação fora de um quadro institucional. Como explicam as teorias institucionalistas das relações internacionais, as instituições promovem a cooperação e a negociação integrativa. Em primeiro lugar, as instituições estendem o horizonte temporal das interações entre os atores, criando um jogo reiterado de movimentos, jogadas e encontros, ao invés de uma rodada negocial única. Devido à existência de um quadro institucional de negociação relativamente permanente, os atores sabem que, mesmo que num determinado encontro tenham perdas relativas, podem sempre ter a expetativa de que no próximo encontro conseguirão recuperar e obter melhores resultados (MENDES, 2019).
Por outro lado, enquanto num quadro negocial único a tendência é maximizar os lucros e minimizar as perdas, mesmo que para tal se tente tirar vantagens das fraquezas momentâneas do ator concorrente, num quadro de negociação institucional permanente os Estados têm consciência que terão de interagir e negociar de forma reiterada com os seus concorrentes. Isto incentiva-os a cumprirem com as suas obrigações contratuais de curto prazo para que possam continuar a beneficiar dos lucros da cooperação a médio e longo prazo. A lógica institucional promove a utilidade e a eficácia do relacionamento cooperativo dos atores. Os Estados são incentivados a trabalhar dentro das instituições para conseguirem obter uma boa reputação no cumprimento das suas obrigações contratuais, o que, por outro lado, também torna as hipotéticas sanções mais credíveis (MENDES, 2019).
As negociações num quadro institucional tendem a ser contínuas. Isto significa que num quadro institucional os atores estão mais propensos à cooperação e a chegar a um acordo, do que negociações fora de um quadro institucional numa ronda única ad hoc. Por outro lado, as instituições desenvolvem ainda uma cultura negocial assente em normas, práticas e linguagens comuns que normalizam e institucionalizam a negociação e a cooperação permanente. O exemplo mais claro da negociação institucionalizada é o caso da União Europeia que foi caracterizada como “permanente negotiation institute” (BAL, 1995, p. 1) ou “multilateral inter-bureaucratic negotiation marathon” (KOHLER-KOCH, 1996, p. 367). Na verdade, o caso da União Europeia é o exemplo paradigmático da negociação integrativa, onde os atores todos os dias negoceiam numa lógica de resolução conjunta de problemas. Esta é a lógica dominante que reforça a institucionalização da negociação integrativa, todavia, também existe espaço para, em determinadas circunstâncias, se verificarem comportamentos negociais distributivos (ELGSTRÖM; JÖNSSON, 2000).
Conclusão
Após uma sistematização sobre alguns dos principais pressupostos teóricos e conceptuais da Negociação Internacional, estamos agora em condições de apresentar algumas considerações finais relativas à nossa problemática.
Em primeiro lugar, importa sublinhar que a Negociação Internacional como subcampo de estudo desenvolveu um importante número de conceitos e modelos teóricos sobre a prática da negociação internacional15. Estas abordagens teóricas relevam, sobretudo, da visão original da teoria dos jogos que se desenvolveu e institucionalizou no que podemos designar por Análise da Negociação.
Embora algumas das suas obras pioneiras também incorporem elementos sociocognitivos nas suas análises, em regra a Negociação Internacional foi construindo as suas teorias e modelos de análise com base num paradigma racionalista e neoeconómico. Este paradigma argumenta que os atores assumem uma visão utilitarista onde procuram maximizar os ganhos e minimizar as perdas (max-min). Esta visão racionalista utilitária não está errada, mas é incompleta devido às suas limitações. As principais limitações identificadas são relativas à desconsideração quanto à negociação como um processo social, nomeadamente aos seus fatores culturais e identitários e aos fatores contextuais e circunstanciais de cada negociação.
Os atores têm interesses materiais e funcionam racionalmente de acordo com o paradigma (max-min) do homo economicus. Todavia, esta visão racionalista tem de ser complementada por uma visão sociológica e construtivista. Para além de assumirmos que os atores têm interesses materiais, e que os definem de acordo com uma lógica racional utilitária de maximização de benefícios e minimização de custos, é essencial perceber que esta lógica racional dos atores não se processa no vácuo, mas antes é reflexiva dos contextos políticos, ideacionais e identitários que embebem os atores e que influenciam as suas perceções sobre o que é um benefício e um custo.
Em abstrato, todos os atores deveriam recorrer ao diálogo negocial e à possibilidade de negociar de forma construtiva um acordo integrativo que resultasse em mais benefícios para ambas as partes. Na prática, muitos acordos falham não apenas porque as condições negociais materiais não permitiriam uma solução win-win, mas porque as partes percecionam a situação de forma diferente e desenvolvem choques percecionais, impossibilitando uma solução acordada win-win.
Ao contrário das visões racionalistas dominantes, onde todos os atores internacionais se comportam de forma semelhante, isto é, de acordo com uma visão utilitária e consequencialista de maximização de ganhos e minimização de custos, importa sofisticar esta visão monista sobre o racionalismo dos atores e das suas práticas diplomáticas. Esta lógica de comportamento racionalista dos atores internacionais existe e está presente em todas as práticas diplomáticas negociais. Contudo, é necessário introduzir uma lógica de comportamento adicional, a lógica identitária, para complementar a lógica racionalista e conseguirmos explicar de forma mais completa os comportamentos dos atores internacionais.
Isto significa que os Estados e os seus decisores são atores sociais que socializam as identidades, imagens culturais e padrões históricos dos seus Estados e que esta socialização se reflete no seu estilo negocial e nas suas práticas diplomáticas.
Em síntese, importa sublinhar que, para além do processo diplomático negocial estrito, a negociação internacional está sempre dependente de fatores contextuais e de fatores agenciais ligados aos próprios negociadores. Assim, em primeiro lugar, o sucesso da negociação está dependente de fatores contextuais relativos ao tipo de conflito/assunto; à dialética entre fatores internos e internacionais; à pressão do tempo; e às ideias, agendas e circunstâncias históricas e políticas que formatam e embebem o ambiente negocial, bem como às características pessoais - diplomáticas, comunicativas, intelectuais e emocionais - dos negociadores.
No fim do dia, os negociadores têm de enfrentar os desafios e dilemas que se colocam em cada processo negocial particular. Isto significa que a arte da negociação muitas vezes desafia a ciência da negociação e, como na vida real, não existem fórmulas estáticas e mágicas que apresentem soluções ideias.
Precisamente por isto, o diplomata norte-americano, Richard Halbroke16, um grande negociador internacional, sublinhou que um processo de negociação internacional é como o jazz: uma síntese de grandes aptidões técnicas e muita capacidade de improvisação17.