Introdução
A 14 de julho de 2021, o ministro da Administração Interna anunciava o financiamento de cerca de 1,5 milhões de euros para a instalação de um centro de acolhimento de refugiados, a gerir pelo Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), em Vendas Novas (Lusa, 2021). No dia seguinte, o presidente da Câmara de Vendas Novas acusava o Governo de ter "menosprezado" o município, alegando o desconhecimento da instalação de um centro de acolhimento de refugiados no município (Lusa, 2021). O autarca afirmou: “O poder local não pode ser, desta forma, menosprezado, como, neste caso em concreto sentimos”. Este ressentimento sobre a falta de informação e debate é tanto mais relevante porquanto, como afirma o edil, na mesma reportagem:
Somos nós que temos a noção das condições sociais do território, das carências e necessidades existentes e da melhor forma também de implementar um projeto que não qualificamos como negativo (...). Estamos no nosso direito, enquanto município, de sermos informados de todos os projetos de investimento no nosso território, nomeadamente numa área que nos parece bastante sensível e importante (Lusa, 2021).
Este episódio recente ilustra a dissonância entre a autoridade nacional, o governo, e a autoridade local, o município, apesar do que é expresso, por exemplo, pelo Alto Comissariado para as Migrações:
(...) a procura de níveis superiores de integração deve ser uma constante e que um salto qualitativo e eficaz nas políticas de acolhimento e integração dos imigrantes apenas é possível através de um trabalho conjunto e devidamente articulado entre os diferentes atores, é essencial criar estratégias que garantam uma atuação concertada das diferentes entidades que atuam nesta área, não só a nível nacional, (de que são exemplo, os Planos Nacionais para a Integração de Imigrantes 2007-2009 e 2010-2013 e, mais recentemente o Plano Estratégico para as Migrações 2015-2020), como também a nível local (Alto Comissariado para as Migrações, s/d).
A falta de comunicação entre ambos elucida uma prática política “top-down”, em que as medidas são superiormente adotadas sem que as lideranças políticas locais sejam envolvidas na prossecução de ações que implicam diretamente com os seus territórios. Este facto é contrário ao que se pretende implementar, uma abordagem “bottom-up”, defendida pela Rede de Municípios Amigos dos Imigrantes e da Diversidade (RMAD1) (s.d., p. 6).
Esta situação não é exclusiva de Portugal. Apesar da aposta de vários países da Europa, como o Reino Unido, na participação de autoridades locais (Hynes, 2011), um estudo recente de Meer, Dimaio, Hill, Angelli, Oberg e Emilsson refere, relativamente a Glasgow, que “current iterations of Dispersal involve little policy consultation with local authorities, who feel removed from centralised decision-making processes” (Meer, Dimaio, Hill, Angelli, Oberg e Emilsson, 2021, p. 9).
Não é por isso de estranhar a reação do autarca de Vendas Novas, assim como as alegações sobre a legitimidade do seu papel e função. Na realidade, o papel das autoridades locais adquire, cada vez mais, um papel de destaque, como referem Sholten e van Breugel, “(…) immigrant integration governance is increasingly considered a local concern. The role of local governments in immigrant integration governance has developed from primarily a level of policy implementation to a level of policy development” (Sholten & van Breugel, 2018, p. 4). Tomando as palavras de Sholten e van Breugel, podemos questionar em que posição se encontra o envolvimento dos municípios portugueses na política de integração de migrantes e qual o seu papel: mera implementação de políticas nacionais ou agentes de desenvolvimento de políticas de integração?
A relevância do “local” e, em particular, o papel do usualmente designado “poder local”, que em Portugal tem nos municípios o seu epítome agregador, não tem sido objeto de um estudo aprofundado no contexto das políticas de mobilidade migrante e, em particular, nas de mobilidade forçada. De facto, o papel de autoridades locais no desenvolvimento de políticas para o acolhimento e integração de migrantes forçados nos seus territórios, sobretudo de pequena escala, é um tema inóspito. A emergência da importância do poder local aflora, em particular, na sequência da crise de refugiados de 2015 e no decisivo papel desempenhado pelas autoridades locais no acolhimento (Meer et al., 2021).
Esta centralidade é acrescida pelo facto de a dispersão geográfica ter sido uma das medidas adotadas pelas autoridades nacionais, como estratégia ou mero recurso, face à incapacidade das respostas estatais. Como refere Scholten e van Breugel, “decentralizations have distributed immigrant integration priorities across players both horizontally (between departments and different (non-)state actors) and vertically (between different levels of government, with an emphasis on the shift towards the local level)” (Sholten & van Breugel, 2018, p. 4). A dispersão de refugiados pelo território nacional assume-se assim como um instrumento da tecnologia de governação por parte das autoridades centrais e governos (Tazzioli, 2020, p. 3). Essa dispersão territorial vai ter um impacto em contexto local, quer junto das delegações de entidades oficiais, quer, sobretudo, junto do poder municipal. Todavia, este não tem, por norma, competências nesta área (Sabchev, 2021, p. 1).
No caso português, se a dispersão geográfica já tinha sido utilizada anteriormente como estratégia de acolhimento, foi com o processo de recolocação que se incrementou essa prática, como forma de enfrentar o défice de estruturas de acolhimento, face ao número mais elevado de pessoas refugiadas a receber. Todavia, o número de municípios que adotaram uma postura mais pró-ativa, na sua maioria com o apoio do Conselho Português para os Refugiados (CPR), foi diminuta, com a iniciativa a estar a cargo, sobretudo, da sociedade civil, como o demonstra o estudo de Sousa, Costa, Albuquerque, Magano & Bäckström (2021). Em estudo recente, Sabchev demonstra como a liderança em contexto local pode gerar diferentes dinâmicas de acolhimento e integração (Sabchev, 2021, p. 15). Apesar disso, a esfera de ação dos municípios é relativamente limitada, dado que as autoridades locais, por exemplo, não têm intervenção na gestão dos fluxos migratórios, não podem determinar livremente o número de pessoas a receber ou não têm intervenção no processo legal de reconhecimento de estatutos de proteção para as pessoas. Como refere Soltész, as políticas locais acabam por centrarem-se em aspetos mais práticos, como o ingresso no mercado de trabalho, o acesso a cuidados de saúde, o apoio social, ou o acesso à educação e à habitação (Soltész, 2021, p. 3).
Este artigo procura analisar as políticas locais de acolhimento e integração de refugiados desde 2015, tendo como objeto central o papel dos municípios e como referência, em particular, os instrumentos políticos de planeamento. É um trabalho exploratório, assente na análise de documentos de cariz institucional e de dados estatísticos disponíveis, nomeadamente do Alto Comissariado para as Migrações, bem como em declarações públicas efetuadas por autoridades nacionais, locais e não-governamentais, nos últimos anos. Os planos municipais de integração de imigrantes e refugiados analisados foram obtidos na base de dados do Alto Comissariado para as Migrações, não tendo sido considerados aqueles que não continham qualquer referência a refugiados ou a requerentes de asilo2.
A recolocação e a reinstalação de refugiados como política
A recolocação e a reinstalação são termos relativamente sinónimos, mas no universo político-humanitário aplicam-se a contextos diferentes: a recolocação aplica-se ao espaço europeu, enquanto a reinstalação tem uma dimensão internacional.
A noção de “recolocação” é restrita à política de migração europeia e tem como finalidade a “transfer of persons who are in need of international protection from one EU Member State to another EU Member State”3. O conceito resulta da condição específica da União Europeia se assumir como uma “área comum de proteção” no que respeita ao asilo, pressupondo a existência entre os Estados-Membros de uma “fair sharing of responsability and solidarity”. Deste modo, o programa de recolocação assume-se como uma política de mobilidade “interna” destinada a aliviar a pressão dos Estados que estão a receber diretamente os refugiados nas suas fronteiras.
Estes princípios foram testados na crise humanitária de 2015, momento em que a recolocação adquiriu uma maior visibilidade pública. De facto, foram muito variadas as posturas dos Estados quanto a esta distribuição de pessoas refugiadas, revelando interesses contrastantes, e levando, em vários casos, a uma “renacionalização” dos procedimentos de asilo. No caso português, a postura adotada foi muito recetiva, e o governo manifestou disponibilidade para acolher um número relativamente elevado de refugiados, em contraste com a sua postura habitualmente restritiva quanto à concessão de asilo e do estatuto de refugiado (Costa & Sousa, 2017, p. 49).
Por sua vez, a reinstalação tendo por base o mesmo princípio da solidariedade entre estados, é um conceito mais amplo. É considerada, a par do regresso e da integração local, uma das medidas duradouras pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e supostamente é um mecanismo prático de expressão de uma solidariedade e responsabilidade de cariz internacional. Neste caso, a reinstalação “involves the selection and transfer of refugees from a State in which they have sought protection to a third State which has agreed to admit them - as refugees - with permanent residence status” (UNHCR, 2018a, p. 36).
De acordo com o ACNUR, os refugiados candidatos ao processo de reinstalação são categorizados de acordo com critérios de urgência: necessidades legais ou proteção física; sobreviventes de tortura ou violência; necessidades médicas; mulheres e raparigas em risco; crianças e adolescentes em risco; e, por fim, a ausência de uma perspetiva de alternativa duradoura (UNHCR, 2018a, p. 37).
Todavia, o debate sobre o uso político da reinstalação tem sido intenso, verificando-se, por exemplo, que alguns países disponíveis para acolher refugiados pretendem estabelecer quotas privilegiadas para determinados refugiados, efetuando, de facto, uma seleção de pessoas que escapa à dimensão humanitária pressuposta nesta medida (Garnier, Jubilut & Sandvik, 2018).
No Compacto Global para os Refugiados, aprovado em 2018, está previsto um reforço da reinstalação: “(...) to establish, or enlarge the scope, size, and quality of, resettlement programmes” (§91); e “(...) establish or strengthen good practices in resettlement programmes” (§92). A sua implementação deverá obedecer aos seguintes princípios:
(...) to establish private or community sponsorship programmes that are additional to regular resettlement, including community-based programmes promoted through the Global Refugee Sponsorship Initiative (GRSI). (...) humanitarian visas, humanitarian corridors and other humanitarian admission programmes; educational opportunities for refugees (including women and girls) through grant of scholarships and student visas, including through partnerships between governments and academic institutions; and labour mobility opportunities for refugees, including through the identification of refugees with skills that are needed in third countries. (§95) (UNHCR, 2018b).
Em Portugal, os processos de reinstalação tiveram uma dinâmica ad hoc ao longo do tempo, com pedidos pontuais efetuados pelo ACNUR (Sousa & Costa, 2018).
A primeira lei de asilo, a Lei n.º 38/80, de 1 de agosto, não enunciava a figura da reinstalação. A sua sucedânea, a Lei n.º 70/93, de 29 de setembro, no artigo 21.º, aludia ao pedido de reinstalação a ser formulado pelo ACNUR, estabelecendo o procedimento interno de apreciação. O disposto continua na Lei n.º 15/98, de 26 de março, e na Lei n.º 27/2008, de 30 de junho. Somente na Lei n.º 26/2014, de 5 de maio, que procede à primeira alteração à Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, se expande a formulação processual para mencionar, sem dizer o seu nome, a participação do CPR no processo (artigo 35.º).
Em 2006, chegaram a Portugal 34 refugiados reinstalados - as estatísticas oficiais indicam 17 -, provenientes de Marrocos. Esta chegada, “a título excecional” (CPR, 2008: p. 3), foi organizada no terreno com o apoio do CPR. Na sequência disso, é formalizado o compromisso, tímido, por parte do Estado português no acolhimento regular de refugiados reinstalados, com a aprovação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 110/2007, de 21 de agosto, a qual representa o primeiro comprometimento do Estado português em receber anualmente trinta refugiados reinstalados:
(...) no âmbito da continuidade de lançamento de políticas activas de acolhimento e apoio aos asilados, em coordenação com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e com o Conselho Português para os Refugiados, revela-se imperativo promover a criação de condições para conceder anualmente, no mínimo, asilo a 30 pessoas, designadamente para fazer face aos pedidos de reinstalação de refugiados, previstos no artigo 27.º da Lei n.º 15/98, de 26 de Março.
Efectivamente, o instituto da reinstalação é um elemento essencial da política comum de asilo que assenta na solidariedade entre os Estados membros e pressupõe a existência de mecanismos tendentes a assegurar uma repartição equilibrada dos esforços assumidos pelos Estados membros ao acolherem refugiados e pessoas deslocadas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento.
É interessante observar que as razões invocadas para esta medida não decorrem das necessidades explicitas das pessoas em causa, conforme os critérios que estão estabelecidos pelo ACNUR, mas é apresentado como um instrumento político de solidariedade entre Estados, numa linguagem estranha, com referência a “Estados membros”, mais frequentemente utilizada no contexto da União Europeia. Esta racionalização política da reinstalação contrasta com a postura defendida pelo CPR, em 2008, que recentra a medida no seu cariz humanitário e alerta para o perigo de critérios de aceitação assentes na capacidade dos refugiados para se integrarem e não nos motivos subjacentes ao risco em que se encontram (CPR, 2008, p. 4-5)4.
Esta linguagem oficial desprovida de razões humanitárias persiste, em 2019, no capítulo sobre Portugal integrado no relatório do ACNUR sobre a reinstalação. De acordo com as autoridades portuguesas, a reinstalação é considerada se o repatriamento voluntário ou a integração local não foram efetivas: “if both these durable solutions (voluntary repatriation and local integration) are not available for a refugee within a reasonable time frame, UNHCR may submit refugees to Portugal for resettlement consideration” (UNHCR, 2019). E, as pessoas, a quem deverá ser dada prioridade, são:
Convention refugees, members of the Humanitarian-protected Persons Abroad Class (HPC) and persons who are admitted under public policy considerations due to the compelling nature of their particular situation. These latter two groups are, respectively, persons who are not Convention refugees but who are in refugee-like situations or who represent vulnerable groups within their own country or a third country and who require protection through resettlement (UNHCR, 2019).
Entre 2007 e 2016, os processos de reinstalação foram efetuados em colaboração com o ACNUR, que tinha como parceiro operacional em Portugal o CPR. Já nesta fase o CPR afirmava a importância do papel do poder local:
(...) os municípios devem desempenhar um papel fulcral na integração dos reinstalados, concretamente, após a sua saída do Centro de Acolhimento. Poderão contribuir ao nível da identificação e promoção de alojamentos para os reinstalados e promover (através da criação de incentivos) a fixação de reinstalados em meios diversificados ou com baixa densidade populacional, e onde existam oportunidades de emprego (CPR, 2008, p. 14).
Na sequência do afluxo de refugiados de 2015, e da implementação do plano de recolocação europeu, a figura da reinstalação emerge também na sequência do acordo estabelecido com a Turquia. Apesar da dispersão geográfica de pessoas recolocadas em cerca de 100 municípios, estes números resultam, sobretudo, da ação da sociedade civil. De facto, na altura, o papel das autarquias locais, nomeadamente a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), foi limitado, participando somente na divulgação e recolha de manifestações de interesses (Sousa, et al., 2021).
A partir de 2017, o processo de reinstalação de refugiados em Portugal passou a ser organizado no quadro da Agenda Europeia para as Migrações, tendo Portugal estabelecido missões de seleção nos países onde se encontram os refugiados. Desta forma a seleção das candidaturas à reinstalação são apresentadas pelo ACNUR, com a entrevistas a serem conduzidas pelas missões de seleção. Até ao momento, estas missões realizaram-se em dois locais: Cairo e Ankara.
Entre 2006 e 2020, Portugal recebeu 1033 refugiados reinstalados. Entre 2006 e 2015, o seu número foi reduzido, na ordem máxima das quatro dezenas. Todavia, segue-se o período de recolocação, sobretudo entre 2016 e 2017. A partir desta data, e nos últimos quatro anos, a reinstalação foi assumida pelo governo como uma medida privilegiada, o que se observa sobretudo nos anos de 2019 e 2020. A figura n.º 1 demonstra esta evolução, em conjunto com o processo de recolocação e as situações de recolocação ad hoc resultantes de pedidos relativos a migrantes em barcos.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/2019, de 20 de agosto, aprovou o Plano Nacional de Implementação do Pacto Global das Migrações, mas é omisso quanto a reinstalação. No contexto regional, a Comissão Europeia apresentou, a 23 de setembro de 2020, o “Pacto para as Migrações e Asilo”, no qual a reinstalação emerge como um mecanismo chave de resolução dos fluxos de cariz humanitário, visando promover um “enquadramento estável para a contribuição da UE para os esforços globais de reinstalação” (CE, 2020, p. 4). As prioridades definidas para a reinstalação pela UE são as crianças e as pessoas vulneráveis. Porém, entre as medidas preconizadas observa-se que a reinstalação permitirá igualmente dar continuidade a medidas de externalização, isto é, a um controlo a distância dos fluxos, em países terceiros, com o objetivo de selecionar, antes da chegada, as pessoas desejadas, como são exemplo as missões a países como a Turquia e Egito.
Por seu turno, os principais instrumentos nacionais sobre o acolhimento e integração de migrantes, assim como sobre o asilo e refugiados, são relativamente omissos quanto ao papel do poder local, como é exemplo o Plano Nacional de Implementação do Pacto Global das Migrações5. Embora o Pacto Global das Migrações preveja a constituição de um fórum internacional para a avaliação das migrações em que o “nível local” emerge como elemento base, este mesmo “local” é pouco valorizado. De facto, o papel das autarquias só é mencionado no objetivo 14, medida 56, em que se prevê a cooperação com as autarquias locais na implementação dos Gabinetes de Apoio ao Emigrante, e no objetivo 16, ponto 63, em que as autarquias locais farão parte das entidades a mobilizar para desenvolver projetos de sensibilização para a interculturalidade. A medida mais concreta que se observa é o ponto 64: “aumentar o número de planos nacionais e locais de integração de migrantes, em articulação com os CNAIM e CLAIM e tendo em conta os Contratos Locais de Segurança”.
Na Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/2020, de 23 de novembro6, que estabelece um sistema único de acolhimento e integração de requerentes e beneficiários de proteção internacional, é dado pouco destaque ao papel das autarquias. De facto, estas só são mencionadas em relação às novas tarefas acometidas ao Alto Comissariado para as Migrações, que, conforme o ponto 11, pode convocar entidades públicas, nomeadamente autarquias, para participar em reuniões, ou articular com as autarquias locais o mapeamento das disponibilidades de acolhimento local.
A reinstalação acordada a nível global, e regional, necessita agora de ser implementada a nível local. Esta política de glocalidade é essencial para o sucesso de qualquer plano de reinstalação. Tornar a instalar é um processo que obriga a readaptar a vida, os hábitos e a cultura das pessoas acolhidas, assim como as dinâmicas locais.
Os planos locais de integração e as migrações forçadas
A diversidade de condições sociais, económicas e culturais entre as pessoas que vivem num mesmo espaço geográfico torna necessária a adoção de medidas e de políticas de integração, que potenciando a igualdade entre elas, possam servir para promover a coesão social e para gerar um sentimento comum de identidade na comunidade nacional (Costa, 2015, p. 56), os quais são necessários para suportar ou gerar comportamentos de cooperação e reciprocidade entre todas as pessoas e que são a base para a vida em sociedade.
Estas medidas de integração tanto podem ser gerais, no sentido de se aplicarem a qualquer pessoa, como podem ser específicas, dirigidas a quem faz parte de determinado grupo social, cultural ou étnico, e que esteja numa situação particular de desvantagem. Em qualquer caso, o sucesso desta intervenção de política pública é muito determinado pela capacidade de planeamento, ou seja, pela implementação de procedimentos que permitam definir objetivos e metas a atingir, pela identificação de medidas a adotar, pela calendarização de ações a desenvolver e pela criação de mecanismos de fiscalização e avaliação dos resultados. Pois, só desta forma é possível dar sentido e coerência a uma determinada intervenção pública, evitando o recurso a medidas casuístas e destituídas de uma orientação estratégica. Assim, é fundamental a adoção de programas ou planos públicos de intervenção, os quais não só nos devem permitir perceber como vai ser concretizada uma determinada política, como também os pressupostos e os objetivos dessa intervenção.
Em termos genéricos, os migrantes podem ser considerados como destinatários privilegiados de medidas de integração, dado que, por exemplo, frequentemente apresentam práticas culturais e sociais distintas daquelas que são predominantes nas sociedades de acolhimento. Podem apresentar dificuldades no domínio da língua oficial e os rendimentos auferidos podem ser mais reduzidos pela realização de trabalhos pouco qualificados. Em simultâneo, podem vivenciar a ansiedade associada à renovação dos títulos de residência, que poderá gerar alguma instabilidade na sua permanência, dado que não sabem se a continuidade da sua residência será autorizada. Por isso, ao mesmo tempo que são destinatários de apoios sociais genéricos, nas mesmas condições que os nacionais em resultado do princípio constitucional da igualdade, podem também beneficiar de medidas específicas que visem superar dificuldades e promover a igualdade de oportunidades.
No âmbito das migrações, devemos distinguir as migrações voluntárias das forçadas. No primeiro caso, a deslocação para um outro local ou país tem por base uma decisão livre da pessoa e pode ter como objetivo, por exemplo, a realização de uma atividade económica ou o prosseguimento de estudos. No caso das migrações forçadas, a decisão de partir não é livre, mas é determinada por uma necessidade de proteger a integridade física ou a própria vida, em razão, por exemplo, de se ser perseguido pelas autoridades nacionais por determinadas características pessoais ou por ter sido exposto às consequências de fenómenos naturais extremos ou conflitos armados. Esta diferença quanto às razões de partida nas migrações forçadas é relevante, dado que pode ter consequências diretas para as pessoas, como, por exemplo, ter que lidar com sequelas emocionais associadas à perseguição, ao medo ou ao receio pela situação dos familiares, pode resultar na falta de documentação de identificação e viagem (o que complicará a entrada noutro país), assim como pode ser difícil comprovar a situação de perseguição, por falta de provas “evidentes”, que não se conseguiram reunir (Sousa, 1999).
A especificidade da condição de refugiado e a necessidade de estabelecer um sistema de acolhimento e proteção internacional encontrou tradução na aprovação da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951), a qual abrange qualquer pessoa que receie, ou seja, “perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas” (artigo 1.º, A-2). Ao longo do seu articulado, a convenção estabelece a necessidade de os Estados Parte assegurarem o reconhecimento de um conjunto de direitos, nomeadamente em matéria de emprego, habitação ou educação.
O atual regime de asilo português, aprovado pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio, no seu capítulo VII, estabelece os direitos e as obrigações que são atribuídos aos beneficiários dos estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de beneficiários da proteção subsidiária, prevendo o artigo 76.º que “a fim de facilitar a integração dos refugiados e dos beneficiários da proteção subsidiária na sociedade portuguesa, devem ser promovidos programas de integração pelas entidades competentes”.
Apesar disso, e embora Portugal tenha aprovado vários planos de integração direcionados para os imigrantes, não aprovou qualquer plano ou programa de integração para os refugiados. Efetivamente, em matéria de migrações, Portugal adotou até hoje três planos de integração:
o Plano para a Integração dos Imigrantes (2007-2010), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007, de 3 de maio;
o II Plano para a Integração dos Imigrantes (2010-2013), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 74/2010, de 17 de setembro; e,
o Plano Estratégico para as Migrações (2015-2020), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 12-B/2015, de 20 de março.
Em nenhum destes planos é feita referência aos refugiados ou ao asilo. Se isso parece natural no caso dos dois primeiros, dado que se dirigiam aos imigrantes, já poderá ser mais questionável no caso do plano estratégico para as migrações, embora essa ausência possa refletir a pequena dimensão numérica dos refugiados em Portugal, em larga medida resultante de uma política restritiva de concessão de asilo.
Em reconhecimento da importância da dimensão local nos processos de integração, o Plano Estratégico para as Migrações, logo na sua primeira medida, previu o apoio à criação de planos locais para o acolhimento e integração de migrantes. Na sequência disso, foram aprovados 18 planos municipais e um plano intermunicipal para o período de 2015-2017 (Costa, 2016, p. 72). No entanto, nenhum deles incluiu medidas que tivessem os refugiados como destinatários específicos e apenas um deles, o do município de Viana do Castelo, fazia uma breve referência aos refugiados, na parte do diagnóstico local, assinalando a residência de refugiados no concelho (Torres, 2015, p. 9). Note-se que a elaboração destes planos municipais foi financiada por uma linha de financiamento europeia relativa à integração de nacionais de países terceiros, o que pode ter contribuído para a omissão dos refugiados. Uma análise dos dados disponíveis na página do ACM relativa aos Planos Municipais para a Integração de Migrantes - PMIM7, permite-nos apurar que participaram, até ao momento, 40 municípios (Quadro n.º 1).
Considerando exclusivamente Portugal Continental, com 308 municípios, a percentagem de participação é de 12,98%. Se analisarmos a constância da participação poderemos ver que somente cinco municípios participaram nos três planos, uma opção que não se deve somente à presença significativa de população estrangeira. De facto, de acordo com dados da Pordata, podemos observar, relativamente a 2020, ano em que se registava que 6,4% da população era estrangeira, que dois municípios, Torres Vedras e Viana do Castelo, estão abaixo desse valor (Quadro n.º 2).
Município | % pop. Estrangeira |
Lisboa | 21% |
Odemira | 39% |
Sintra | 10,50% |
Torres Vedras | 6,20% |
Viana do Castelo | 2,90% |
Analisando a distribuição dos planos por distritos, podemos observar que é o de Lisboa que se destaca, com 17 planos, seguido do de Setúbal, com oito, o de Castelo Branco e o de Beja, com quatro cada (Figura n.º 2).
O ano de 2015 marcou uma charneira na abordagem europeia, e portuguesa, das migrações forçadas. Na sequência da crise humanitária, resultante da chegada de mais de 911 000 refugiados e migrantes às fronteiras europeias (Spindler, 2015), principalmente à Grécia e à Itália, os Estados-Membros da União Europeia (UE) implementaram um programa de recolocação de pessoas refugiadas invocando o princípio da responsabilidade e solidariedade europeia (Comissão Europeia, 2015, p. 4)8.
O processo de recolocação de refugiados na União Europeia traduziu-se no aumento do número de pessoas acolhidas por Portugal, embora nem todas aquelas que chagaram ao país tivessem visto reconhecido o estatuto de refugiado. Por falta de estruturas estatais de acolhimento, este processo só foi possível com o envolvimento de um elevado número de organizações da sociedade civil, o que se traduziu não só na intervenção de muitos técnicos sem experiência na integração dos refugiados, mas também na sua dispersão geográfica pelo território nacional (Sousa et al., 2021).
A preparação deste processo de acolhimento foi organizada pelo Grupo de Trabalho para a Agenda Europeia para as Migrações, criado pelo Despacho n.º 10041-A/2015, de 3 de setembro, a quem competia “aferir a capacidade instalada e preparar um plano de ação e resposta em matéria de reinstalação, relocalização e integração dos imigrantes”.
Na sequência, foi adotado um manual de procedimentos para as entidades de acolhimento, no qual era indicado que a “estratégia nacional para a plena integração dos refugiados em Portugal” tinha os seguintes princípios orientadores: institucional, descentralizado, articulado, integrado e autónomo. O conteúdo destes princípios seria clarificado no relatório de atividades do Alto Comissariado para as Migrações, em que se indica que o acolhimento deverá estar a cargo de instituições, em territórios de média e baixa densidade, com articulação das instituições locais, contemplando as várias dimensões da integração e visando permitir a gradual autonomia dos refugiados (ACM, 2016, p. 27). O manual incluiu um conjunto de orientações sumárias e genéricas para cada uma das dimensões da integração, como a habitação, a saúde ou a educação.
Dado que alguns municípios acolheram, no contexto do processo de recolocação mais pessoas durante este processo, como foi o caso de Guimarães, com 5,6%, Sintra, com 6,2%, e Lisboa, com 19,9% (Oliveira, 2020, p.124), estes adotaram planos próprios de integração, embora estes planos procurassem, sobretudo, instituir um conjunto de mecanismos de trabalho e de organização que possibilitasse o desenvolvimento do acolhimento.
Em resultado da visibilidade mediática que os refugiados tiveram durante o processo de recolocação, associado ao aumento das pessoas recebidas, eles passaram a ser mencionados em alguns planos municipais de integração para o período de 2018 a 2020, mudando assim a anterior omissão e/ou invisibilidade que caraterizava a permanência de refugiados em Portugal.
Foi o caso do município da Amadora, o qual adotou um Plano de Acolhimento e Integração de Refugiados (PAIR), para dar resposta a um protocolo celebrado com o CPR para serem acolhidas três famílias de refugiados no município, até um máximo de quinze pessoas. Esse plano integrava, enquanto anexo, o II Plano Municipal para a Integração de Migrantes da Amadora (2018-2020) e visava, exclusivamente, estabelecer a forma de intervenção local, indicando as instituições envolvidas na parceria e as respetivas funções, de forma a encontrar respostas, fundamentalmente, para a habitação, a alimentação, a educação, o emprego e a ocupação de tempos livres das pessoas a acolher.
De acordo com o PAIR, no final da vigência do protocolo estabelecido com o CPR, o qual teria a duração de 18 meses, as famílias acolhidas “[...] serão encaminhadas para as respostas sociais existentes no concelho, caso necessitem das mesmas para a sua integração e autonomia [...]” (Moreno, Sousa & Gonçalves, 2018, p. 73).
Embora se intitulasse Plano Municipal para a Integração de Imigrantes de Lisboa (2015/2017), este documento continha várias referências aos refugiados, nomeadamente em sede de diagnóstico local, registando que: embora fosse um grupo relativamente pouco numeroso, apresentava algumas vulnerabilidades específicas; estava sobre representado na Área Metropolitana de Lisboa, o mesmo acontecendo com as infraestruturas de acolhimento; e que, na sequência da recusa de pedidos de apoio à instalação, se poderiam tornar imigrantes irregulares sem redes sociais de apoio (CML, s/da, p. 38-39). No grupo dos imigrantes [sic] especialmente vulneráveis foram incluídos os refugiados e os requerentes de asilo (CML, s/d, p. 48), revelando assim um problema conceptual na distinção das diferentes categorias.
A partir desse diagnóstico, este plano estabeleceu como objetivos de intervenção: o apoio ao acolhimento de refugiados; o apoio ao acesso a habitação, através da criação de residências temporárias de acolhimento e integração de refugiados (quatro fogos) (CML, s/d, p.95); a promoção de visitas pedagógicas e culturais a equipamentos municipais, tendo em vista a promoção do diálogo intercultural (três visitas/ano) (CML, s/da, p.98); e o acesso a formação prática em contexto de trabalho ou estágio ( três refugiados/imigrantes por ano) (CML, s/da, p.100).
Para o período de 2018-2020, o Plano Municipal para a Integração de Migrantes de Lisboa continha igualmente várias referências aos refugiados, em particular na dimensão da habitação, o que resultou na indicação de uma medida, no “Eixo I - Acolhimento e Direitos” (CML, s/db, pp.79-84), visando a disponibilização de centros de acolhimento ou habitação autónoma temporária para pessoas refugiadas ou migrantes em situação de vulnerabilidade social, pretendendo-se abranger um total de 75 pessoas por ano (0, p. 81). Este problema de habitação, que já constava do anterior plano, foi identificado num workshop participativo, no qual se assinalou que as pessoas refugiadas não têm recursos para arrendar uma casa e que os centros de acolhimento estão lotados, pelo que foi proposta a criação de bolsas de habitação.
No “Eixo 2 - Integração e Participação” (CML, s/db, pp. 85-90), e como forma de contribuir para o aumento das oportunidades de emprego, era estabelecido que a Câmara Municipal de Lisboa deveria privilegiar “a contratação pública de entidades prestadoras de serviços compostas maioritariamente por pessoas migrantes e/ou refugiadas” (CML, s/db, p. 85), prevendo-se como meta a contratação de cinco entidades. No mesmo eixo, previa-se ainda a divulgação de serviços de apoio à comunidade LGBTI junto de migrantes e pessoas refugiadas, com a realização de uma ação (CML, s/db, p. 88).
É interessante assinalar o facto de este plano municipal analisar, na componente do diagnóstico, o anterior Programa Municipal de Acolhimento de Refugiados de Lisboa, referente ao processo europeu de recolocação, assinalando várias críticas ao modo como decorreu esse processo, nomeadamente, a falta de respostas das entidades do Estado central, como o tempo de resposta do SEF, a demora na assinatura dos protocolos com as entidades de acolhimento ou a falta de vagas no acesso a creches e jardins de infância. No entanto, não foram apresentadas propostas de intervenção municipal que pudessem influenciar a correção desses procedimentos.
No Plano Municipal para a Integração de Migrantes de Castelo Branco (2018-2020), é indicada a promoção do acesso à habitação por refugiados ou nacionais de países terceiros em situação de vulnerabilidade como um dos seus objetivos gerais (Carvalho, 2018, p. 77). No entanto, o plano é omisso quanto à indicação concreta de qualquer medida nesta área. Em alternativa, é indicada uma ação concreta, a realizar no Dia Mundial dos Refugiados, que visava sensibilizar para o impacto da discriminação na qualidade de vida e bem-estar dos nacionais de países terceiros (Carvalho, 2018, p. 114).
No plano municipal para o período de 2020-2022, é assinalado que existem 115 refugiados no concelho de Castelo Branco, correspondendo a 30 famílias (Silva, 2020, p. 57). Em termos de medidas mais específicas de apoio, é referido o projeto “Português Língua de Integração”, a cargo do Centro Distrital da Segurança Social e da Cáritas Interparoquial de Castelo Branco, com o qual se pretende envolver 30 participantes ao longo de dois anos; e o projeto “Migrantes e Refugiados: Pistas para uma Intervenção Multissetorial”, o qual visa publicar um guia técnico-pedagógico para apoio aos profissionais e voluntários que participam no acolhimento de nacionais de países terceiros.
No diagnóstico do Plano Municipal para a Integração de Migrantes do Fundão (2020-2022), é indicado que o município acolheu 42 pessoas refugiadas e requerentes de asilo no Centro para as Migrações do Fundão, em razão de um protocolo estabelecido com o ACM, tendo 11 deles abandonado o programa (CMF, 2021, p.48). No entanto esta informação não é coincidente com os dados apresentados nas tabelas 14, 15 e 16 e a figura 6, os quais apresentam divergências entre si, em todos eles. O ano 2020 é disso exemplo pois são indicados 31 refugiados e requerentes de asilo (Tabela 14), embora, na Tabela 15, referente às classes de idade, sejam identificados 30. Na Tabela 16, relativa ao sexo são indicadas 29 pessoas (CMF, 2021, p. 49-50).
O Centro para as Migrações do Fundão tem três dimensões: um centro de acolhimento de refugiados (projeto Casa F), uma residência para trabalhadores e estudantes e um centro de capacitação para NPT's (Fundão Acolhe) (CMF, 2021, p. 38).
Na construção do plano do Fundão foi aplicado um questionário aos migrantes e, embora sejam apresentados alguns dados de caracterização do grupo “Refugiados e Requerentes de Asilo” não é dada informação sobre quantas pessoas constituíam este grupo, nem são indicadas medidas específicas de intervenção que as tenham como destinatárias.
No caso de Viana do Castelo, o plano municipal de integração de migrantes para 2018-2020 indica que tendo verificado “dificuldades no arrendamento de habitação a imigrantes, mais especificamente a requerentes de asilo [sic], entende-se que é prioritário desenvolver ações de sensibilização junto de empresários do setor imobiliário, no sentido de uma maior abertura a estas situações” (Torres, s/d, p. 49). A questão da habitação é identificada também como um problema no plano para 2020-2022, assinalando a falta de alojamentos temporários para receber refugiados “enviados pelo Conselho Português para os Refugiados, quando estes manifestam vontade de se fixarem”, indicando-se que o município está a elaborar uma estratégia para colmatar as necessidades existentes (Torres, 2020, p. 23).
O Plano Municipal do Montijo para a Integração das Pessoas Imigrantes 2015-2017, na área da saúde, coloca um conjunto de questões sobre as quais considera existirem dúvidas, sendo uma delas referente a refugiados (“Qual a validade de isenção das taxas moderadoras de cidadãos e cidadãs estrangeiras, com estatuto de refugiado/a?”), argumentando que se essas questões não forem esclarecidas “se podem traduzir em serviços pouco inclusivos e em dificuldades de acesso por parte das pessoas imigrantes [sic]” (CMMo, 2015, p. 47). Mas não foram propostas quaisquer medidas de intervenção na área.
Também no Plano Municipal para a Integração de Imigrantes de Loures (2015-2017) é mantida esta confusão conceptual entre refugiados e imigrantes, pois, contendo vários objetivos gerais envolvendo os refugiados, isso é feito num plano de integração dirigido a imigrantes. Em termos de medidas mais concretas, é indicada a intenção de criar uma bolsa de mediadores voluntários para apoio na integração de requerentes de asilo e refugiados, os quais deverão ter igualmente esse perfil, mas sem especificar nenhum número de mediadores. É ainda indicada a promoção de cursos de língua portuguesa para refugiados e requerentes de asilo, uma campanha anual de sensibilização e a comemoração do Dia do Refugiado.
No plano para o período de 2020-2022, este problema conceptual é corrigido, passando o instrumento a ser designado por Plano Municipal para a Integração de Migrantes de Loures. No entanto, nas medidas adotadas não é feita nenhuma menção concreta aos refugiados, tem sido adotado o conceito de nacionais de países terceiros, ao longo do documento, o qual no contexto da política europeia é utilizado para designar os imigrantes não-europeus.
Os dois planos de integração de migrantes de Almada (2018-2020 e 2020-2022) são parcialmente iguais, com o mesmo conteúdo. Têm apenas uma referência aos refugiados, na parte do diagnóstico, assinalando a existência no município de um polo de acolhimento de famílias refugiados da Fundação Islâmica de Palmela, no âmbito do processo europeu de recolocação.
No caso do plano de integração de Braga (2018-2020), é indicado que o CLAIM local atendeu nove pessoas com o “título de refugiados” (Logframe, s/d, p. 38).
Por sua vez, o plano de Ferreira do Alentejo (2020-2022) tem um glossário final, no qual inclui os conceitos de “migração forçada” e de “requerente de asilo” - são definições vagas, em particular a última.
O plano de integração de migrantes de Guimarães (2018-2020) apenas tem referências ao programa de acolhimento de refugiados desenvolvido em 2016 (Guimarães Acolhe).
No plano de Matosinhos (2018-2020) é feita uma menção ao problema do domínio da língua portuguesa sentido pelos refugiados, em particularmente as mulheres, com reflexos em termos isolamento social (CMM, s/d, p. 23).
Por fim, o plano de Figueira de Castelo Rodrigo contém um extenso texto de enquadramento internacional, com várias menções a refugiados, mas não faz qualquer caracterização para o município, pelo que, pela sua leitura, não é possível saber se efetivamente acolhe pessoas refugiadas.
Considerações finais
A análise realizada aos planos locais de integração de migrantes aprovados pelos municípios portugueses permite constatar que a intervenção destes em matéria de integração de refugiados é, ainda, pouco pró-ativa, atuando sobretudo na receção das pessoas e seguindo um guião de resposta às necessidades imediatas das pessoas acolher. Este facto pode resultar do pouco conhecimento ou sensibilidade para a situação específica das pessoas refugiadas, dada a sua reduzida expressão antes de 2015, mas pode também resultar de uma certa marginalização por parte do poder central, o qual não inclui diretamente os municípios nos processos e fóruns de decisão nacional.
Esta situação é observável no escasso número de planos municipais de integração de migrantes que contém referências aos refugiados, com a maioria a ser omissa, ou as referências que lhes são feitas a serem muito sintéticas. Por outro lado, prevalece alguma confusão conceptual entre migrantes, refugiados e imigrantes, bem como a utilização de “neo-conceitos”, como nacionais de países terceiros, provavelmente favorecida por estes planos serem mais direcionados para os imigrantes e terem financiamento europeu para a sua realização. A consequência é que não existe uma clara definição sobre eventuais opções diferenciadoras no processo de integração de cada um destes grupos, os quais têm motivações, percursos e, em particular, estatutos de proteção distintos.
Os planos são detalhados na implementação de políticas de ação concreta, micropolíticas de acolhimento e integração, mas não reclamam, contudo, um lugar na formulação de medidas políticas mais amplas e no estabelecimento de objetivos orientadores a longo prazo. Este envolvimento dos municípios não é acompanhado pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, cabendo a dinâmica congregadora ao governo, via financiamento dos planos, ou através de iniciativas como a criação de uma Rede de Municípios Amigos dos Imigrantes e da Diversidade.
Estes planos apresentam também uma dimensão essencialmente operativa, logística, são as ações essenciais para um resultado que se pretende alcançar. As justificações alegam, sobretudo a dimensão moral e humanitária e o dever de solidariedade, face à Europa e ao compromisso de Portugal.
Há assim, e independentemente dos planos adotados, a necessidade dos municípios compreenderam a condição especial em que estão os refugiados, os motivos que estão na origem da sua condição e a necessidade de encontrar respostas adaptadas à sua situação. Este processo implica não só uma postura humanitária, mas também a compreensão de que estes são fenómenos de longa duração, complexos, que supõem o envolvimento e a parceria com a sociedade civil e devem ter em consideração a especificidade de cada pessoa.