Uma espécie de prólogo
O constructo criança, muito mais que baseado na (i)maturidade biológica, é uma construção antropológica alicerçada no progresso social/civilizacional e no decurso histórico, é, por isso, um processo “pouco” natural. O trilho da infância mostra bastantes momentos de epifanias: a criança passa de um ser em devir para ser um sujeito idiossincrático que se distingue dos jovens, dos adultos e dos idosos; tanto apresenta a criança como um sujeito passivo, no que ao seu conhecimento diz respeito, como passa a olhá-la como co-construtora do mesmo; num momento é considerada individuo “sem voz” e, como tal, todos, pais, educadores/professores, médicos e psicólogos, falam sobre e por ela, como é inteligível que os “não criança” não se conseguem “colocar nos sapatos dos outros”1 e por isso não respondem aos anseios da criança.
A delimitação da infância teve como fundamento estudos da psicologia2, que apontaram para a necessidade de erigir um campo de educação que respondesse e respeitasse as singularidades da infância (Coll et al., 1996). No paradigma socioepistemológico da Modernidade, a conceptualização de criança é tida num registo normativo - como um ser biológico que percorre etapas etariamente definidas, por contraste, a pós-modernidade descobre a vinculação social e histórica da criança, tomando as suas idiossincrasias como baluarte educativo (Baptista, 2005). O conceito de criança e, implicitamente, a definição de infância foram-se alterando e ampliando com as novas perspetivas relativas ao desenvolvimento humano mas, principalmente, com a constituição e legitimação da infância enquanto objeto de estudo de diversas ciências (psicologia, pedagogia, sociologia) (Almeida, 2000, p. 14). Constata-se que, na realidade, este período de vida esteve votado ao “abandono” durante séculos, por tal, Pinto e Sarmento (1999, p. 59), consideram a infância como uma invenção da Modernidade. Como refere Pinto (1996, p. 47), é com este momento [a Modernidade, que a criança se distingue do adulto] porque a sua representação está ligada a uma nova ordem de valores sobre a especificidade, o lugar e o tempo da infância.
Os propósitos da modernidade em relação a “instituir” a infância não alcançaram o sucesso pretendido, uma vez que não prevaleceram as proclamadas dimensões de humanização e de liberdade da criança (Pinto, 1996), pelo contrário implementou-se uma homogeneização reguladora da infância. Reguladora, porque se o mérito da psicologia, na especificação criança/adulto, é inegável, também a ela é atribuída uma normatividade, usada abusivamente que negligenciava os contextos sociais e as singularidades, já não da infância, mas de cada criança (Pinto & Sarmento, 1999).
É com o movimento europeu, inícios da década de 80 do século passado, da sociologia da infância que se inicia a busca da compreensão da perspetiva da criança sobre si própria e sobre o mundo, iniciando-se segundo alguns autores a “Segunda Modernidade” (Ferreira & Sarmento, 2008). Esta época aportou, por um lado, progresso nos direitos da criança, na educação, nas condições sanitárias, nos dispositivos de proteção e na esperança de vida, por outro, tornou, segundo Manuel Sarmento (2004), a experiência da infância um momento de maior complexidade pelas desigualdades sociais entre crianças, pelas doenças, pelas guerras, pela insegurança física e psicológica, pelas crises financeiras, pelos desastres ambientais e pela violência sob todas as suas formas e em todos os seus contextos, do familiar ao global.
Autores como Qvortrup (2000) e Prout (2016) sublinham o facto de que o desenvolvimento da criança depende, por um lado, de sistemas próprios (cognitivo, emocional, fisiológico, entre outros) e por outro, das interações da criança com o ambiente. Interações estas dependentes das circunstâncias sociais, culturais, e, em grande medida, históricas nas quais a sua existência decorre.
Arcaísmos da criança e da infância
Se arcaísmos existem, e factualmente existem, relativamente à criança e à infância devem-se inequivocamente ao adulto. A hegemonia do adulto - adultocentrismo - subjugou, por séculos, a criança e a infância, não recenhecendo nem estes “individuos” nem esta etapa de vida (Morales & Magistris, 2018). O contexto sociocultural regia-se por uma perspetiva adultocentrada, ou seja, os interesses e/ou necessidades das crianças eram como que intuidos pelos mais velhos, tese alicerçada na permissa que procuravam sempre “o melhor” para as mesmas.
É Philippe Ariès, aquando da publicação do livro Séculos da Infância em 1962, que, na vanguarda, apresenta uma historiografia da infância onde patenteia a dissemelhança da infância para as outras “idades” do Homem. Tal ocorre porque durante séculos a etapa de vida que designamos por infância foi definida por oposição ao adulto, tendo como base de sustentação a falta de idade, a imaturidade física e psicológica e a incapacidade de se integrar socialmente (Áries, 1988). O autor (Áries, 1997) considera que, apesar, de apenas a partir dos séculos XVI, XVII e parte do XVIII, surgir o conceito de infância3, não significa que as crianças, em diferentes momentos da História fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas, apenas eram (des)consideradas de forma diferente da atualidade.
A concetualização da infância, por via de razões sociohistóricas, estabelece-se a partir da confluência da herança greco-romana e das contingências do cristianismo. Pelas lentes da Idade Média, vemos a morte, o abandono, a venda e/ou abuso laboral das crianças e atentamos ao poderio paterno, cunho das antigas civilizações, mas também assistimos à elevação do estatuto da criança (infanticídio é considerado crime) e da mãe, consequência dos princípios do cristianismo (Cunningham, 2020).
Surgem, já nesta época, ideias basilares para a infância e para as crianças como, por exemplo, a relevância da gestação, o papel das mães na educação dos filhos, o reconhecimento de estádios de crescimento e a função “disciplinadora” da família (Jenks, 2013). Com o advento do Renascimento, o papel educativo caberá à Igreja, em particular nos países católicos, com o propósito de colmatar as negligências parentais e de “treinar” a criança a fugir do pecado (Cunningham, 2020). Até ao Iluminismo, o Ocidente propaga a ideia de que a criança deve evoluir para o “bom adulto”, conceção altamente questionada por Rousseau (1990)4 mas cujo debate instaurou a noção da infância como melhor fase de vida e a criança como um ser meritoriamente feliz (Mónica, 1997).
A busca da felicidade para esta etapa do ciclo vital leva ao surgimento dos primeiros, e muitos deles, pseudo “Lugares da Infância”: orfanatos, jardins de infância, escolas e associações para a prevenção da crueldade contra crianças. A redução da mortalidade infantil e a disseminação da escolaridade obrigatória aliada a uma monitorização médica tornaram-se estandartes políticos e alicerces sociais incontornáveis.
Ellen Key, pedagoga sueca, pressagia, até certo ponto, corretamente, o século XX como o “O século da criança” ao publicar a sua obra em 1909. A medicina pretendia, não só reduzir a mortalidade infantil, mas também melhorar a vida das crianças, a psicologia procurava medir a inteligência das crianças e entender o funcionamento da mente, nomeadamente para evitar que se tornassem adultos “delinquentes” (Cunningham, 2020; Hällström et al., 2016). Com a publicação do livro de Benjamim Spock (1946), até hoje um dos livros mais vendidos de sempre, no início da década de 40, altera-se, significativa e irrevogavelmente, a educação parental, tornando-se o bem-estar e o futuro dos filhos o enfoque da família nuclear. Todavia, a 2.º Grande Guerra Mundial e a chacina de milhares de crianças judias ameaça este século vaticinado à infância. Tenta remediar-se esta situação ao promulgar, em 1959, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração dos Direitos da Criança (Santos Pais, 1997). O século XXI estreia-se com uma clara separação da infância relativa à adultez, com a promessa da criança com direitos, mas também por via da disseminação dos meios de comunicação social, com o “abandono” das crianças pelos pais à televisão, computadores e redes sociais, com o aumento da obesidade infantil e com a clara perceção dos elevados níveis de doença psico-comportamental na infância (Fonseca et al., 2016; OECD, 2019).
O eco destas problemáticas despertou atenções e alertas para as, supostamente, já reconhecidas singularidades da infância, todavia, continuavam a ser adultos a tentar colocar-se no “ser” e no “estar” da criança, tarefa poucas vezes conseguida por alguns, poucos, mas veja-se por exemplo o Walt Disney que criou o palácio que nem as próprias meninas sabiam que queriam. Mas para além, destes raros exemplos, o entorno infantil continuava a ser idealizado por quem já nem se lembra do que é ser criança. Esta falta de resposta acentua-se no virar do século com a vulgarização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), com crianças que parecem já nascer com apetência para as mesmas - “nativo digitais” (Mateus & Noronha-Sousa, 2016; Prensky, 2001). O hiato acentua-se com os aportes das neurociências ao evidenciar a crucialidade dos primeiros anos de vida onde as habilidades básicas são aprendidas, estimuladas e refinadas, devido à plasticidade cerebral, potenciando uma personalidade mais saudável e equilibrada e uma identidade positiva para as etapas futuras (Lalancette & Campbell, 2012). Volvido quase um quarto do seculo XXI, o desassossego deve prevalecer na comunidade educativa em geral uma vez que a mesma ainda não é tão responsiva e adequada como a criança necessita e merece.
Reptos da contemporaneidade para a educação
Um enquadramento socioepistemólogico coloca-nos na Contemporaneidade, conjuntura pautada por fluxos (e.g., pessoas, informações/conhecimento, valores) (Mateus & Noronha e Sousa, 2016). Estas afluências perenes dão sentido ao que Bauman (2013) designa por “modernidade líquida”. Esta liquidez emoldura um mundo sob a égide da liberdade, liberdade de tal forma exponenciada em que os cidadãos dão lugar a indivíduos, onde o trabalho dá lugar à procrastinação, o casamento dá lugar à coabitação e o patriotismo dá lugar ao extremo nacionalismo (Best, 2019).
A outra face da volatilidade é o progresso e o desenvolvimento nas suas mais variadas formas (e.g., social, económico, cultural, epistémico). Esta evolução, em simultâneo, acarreta múltiplos proventos e grandes desafios, nomeadamente, as supra mencionadas crianças “nativo-digitais”, via institucionalização sistémica das TIC; um, sem precedentes, fosso geracional ou generation gap 5 , pelo aumento da esperança média de vida; e a especialização profissional, nomeadamente, na educação, não só pelos aspetos referidos, mas também fruto dos avanços científicos na área das neurociências (Urban et al., 2020).
As crianças deste novo milénio são, desde a vida intrauterina, seres eminentemente tecnológicos, por um cotidiano intrinsecamente conectado à tecnologia (Hanna, 2016). As crianças, nos dias de hoje, nascem, crescem e desenvolvem-se em contextos e sociedades intrinsecamente tecnológicas. Fruto das circunstâncias socioeducativas a criança detém especificidades, nomeadamente, pelo facto de ter a sua vida pautada pelos recursos tecnológicos, que com eles contactam quando veem televisão, brincam com computadores, telemóveis ou tablets (Bohnert & Gracia, 2021). O Homem, outrora “pai” das tecnologias e detentor do conhecimento, vê-se agora ultrapassado e até subjugado aos seus “filhos”, “nativo-digitais” (Prensky, 2001), ou e-crianças. Ao ultrapassar o adulto na corrida digital, as crianças digitalmente competentes assumem-se como líderes autónomas na utilização e apropriação dos recursos tecnológicos (Bohnert & Gracia, 2021), facto que conduz a dificuldades comunicacionais e adaptativas entre gerações (Hanna, 2016).
A concetualização de geração, central na sociologia da infância, é de foro relacional, no sentido em que emerge do assumir de posições entre crianças e adultos. A lacuna entre gerações resulta das diferenças naturais, entre indivíduos que nascem e crescem em determinado contexto sociocultural e histórico, face a outros que, por força da evolução humana, se desenvolvem num contexto diferente. As gerações (eg. Baby Boomers, geração X, Millennials) edificam-se em vivências e experiências distintas, com consequentes dissemelhanças de comportamentos, atitudes e valores (Prasad, 1992). Distinguem-se faixas geracionais por aspetos tão mundanos como a linguagem (tipo de gíria ou calão usados, por determinados sujeitos), passando pela atitude face ao trabalho e ao ócio/lazer, culminando em questões tão capitais como significado da vida e de felicidade (Prasad, 1992). A diferença de perspetivas deve ser ultrapassada, mas, em simultâneo, assumida nomeadamente nas investigações, não só, as relações intergeracionais (entre diferentes gerações, crianças e adultos), mas também as intrageracionais (as subgerações dentro da geração infância, por exemplo, as crianças em idade de creche e as crianças em idade pré-escolar) (Sarmento, 2005). Assim, se a psicologia nos demonstrou as idiossincrasias da criança, a sociologia apresenta-nos a heterogeneidade da infância.
A especificidade da infância é ainda sublinhada na atualidade, pelas descobertas na área das neurociências. Estudos nesta esfera apontam a primeira infância, dos 0 aos 3 anos, como a plataforma de descolagem do nosso desenvolvimento na medida em que, a partir do nascimento, as experiências cotidianas do bebé/criança desempenharão um papel importante no desenvolvimento de seu cérebro. Nesta etapa do desenvolvimento, a produção de novos neurônios (neurogénese) e a conexão entre eles (sinaptogénese) aumentam a possibilidade de modificação na função cerebral (plasticidade cerebral), que depende principalmente das primeiras experiências (Bartoszeck, 2006). É neste período que surgem “janelas de oportunidade”, já previstos por Montessori (2002), que os designou de “períodos sensíveis”, ou designados por “períodos ótimos” pelas Neurociências (Bartoszeck, 2006) que se potenciam as funções superiores do cérebro que irão ter implicações futuras na adaptação da criança ao ambiente social e nas suas interações com os outros. Os estudos neurocientíficos apontam para processos, como a mielinazação das áreas cerebrais e a maturação do cérebro, necessários para que competências nas várias áreas do desenvolvimento se consolidem, ao aliarem-se às indicações genéticas e às influências ambientais (Johnson, 2001).
Os adultos que convivem com a criança nos primeiros anos de vida funcionam como “potenciadores” do cérebro do bebé e subsequentemente do(s) futuro(s), por exemplo académicos e de vida das crianças. Isto porque funciona como o mediador entre a criança e as suas experiências, vitais para a integração sensorial, a coordenação sensoriomotora, desenvolvimento emocional, processos de atenção e de autorregulação - vértices da aprendizagem, desenvolvimento e autonomia da criança (Mateus & Noronha e Sousa, 2016). É, então, inteligível, que por via da responsabilidade, os profissionais da infância tenham que ser altamente especializados.
Em verdade, a diferenciação/especialização é “tendência emergente” nesta era da Contemporaneidade, eg. existe um médico para as crianças mas também um para parto/recém-nascidos - pediatra e obstetra; o pronto a vestir infantil divide-se entre recém-nascido, bebé, menino/menina; a infância é, em termos legais, dividida entre a criança e o adolescente… Esta particularizaçao é não só desejável como deve ser, rápida e eficientemente, estabelecida, também, no que concerne à educação. Tempos houve em que qualquer mulher era apta a educar uma criança pequena6 (Cardona, 2006), a contemporaneidade, por oposição, reclama profissionais profundamente qualificados em interações (Oliveira-Formosinho, 2007) e no desenvolvimento (Folque, 2018).
Para responder de forma plenas às crianças e à infância carecemos de técnicos superiores com conhecimentos, aptidões, práticas e técnicas lhes permitam por ações, trans e multidisciplinares, uma intervenção que potencie uma praxis pedagógica promotora de ação educativa responsiva e promotora da qualidade necessária (Noronha e Sousa & Mateus, 2017). Mas estes especialistas precisam ser contextualizados através de orientações educativas para a sua práxis, em ambientes consagrados à crianças dos 0 aos 3 anos, verdadeiros “lugares de infância” (Mateus & Noronha e Sousa, 2016; Oliveira, Mateus & Noronha-Sousa, 2019). É nesta conjuntura idealizada que se exige a emergência de um novo, revigorado e inclusivo “Sistema Educativo” aquele que abraça, considera e destaca a CRECHE.
Reforma do Sistema Educativo pela CRECHE
O século XXI apresenta-se desafiador, por um lado, a dar visibilidade à singularidade infantil e ao processo neurofisiológico do desenvolvimento, e por outro lado, respeitador do direito da criança enquanto ser social que necessita de um atendimento que aponta a paradigmas intervencionistas e educacionais, onde a criança evolui emocionalmente, de acordo, com as suas idiossincrasias. Esta conjuntura é altamente desafiante e angustiante para o Sistema Educativo que vigora no nosso país (Nóvoa, 2009) adequado a um sujeito pré concebido, a uma conceção de família desatualizada e a um mundo inexistente, um modelo educativo incongruente com a sociedade contemporânea.
A Lei de Bases do Sistema Educativo português fez 30 anos em 2016, um momento que deveria ter possibilitado repensar, refletir e problematizar determinados avanços “morosos” e algumas negligências prementes que confluem num Portugal adiado no que à educação diz respeito. O Estado português adia-se quando tem uma Lei de Bases do Sistema Educativo (ME,1986) que demorou mais de duas décadas a promulgar a universalidade da Educação Pré-escolar para crianças a partir dos 5 anos e persiste na negligência da “não” educação das crianças dos 0 aos 3 anos de idade, da “não” tutela pelo Ministério da Educação dos contextos - creches; e dos profissionais “não” especializados nesta etapa (Mateus & Noronha e Sousa, 2016).
Ao longo dos tempos sempre as sociedades se ocuparam da educação dos mais jovens a resposta à infância foi, ao longo do último século, incorporada numa resposta onde as questões laborais e/ou sociais se sobrepuseram à necessidade de educar as crianças antes da entrada na escolaridade obrigatória (Oliveira, Mateus & Noronha-Sousa, 2019). Nos últimos anos, o processo de consolidação do sistema educativo, em particular, no que diz respeito aos anos que antecedem a entrada no ensino básico (3 a 6 anos) (ME, 1997) foi deixando de fora as crianças mais novas. Neste relato sociopolítico, a tutela da creche foi sendo desenvolvida pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social, percebendo-se que os ideais educativos foram sendo olvidados em prol das intenções do cuidar. Não se priorizando a educação os profissionais a responder à valência creche não veem reconhecida a sua intervenção docente, nomeadamente, na contagem de tempo de serviço. Desde a LBSE de 1986 e da implantação da Rede Pública de Jardins de Infância, e as jovens Escolas Superiores de Educação, receberam à época, diretrizes do Ministério da Educação sobre a estrutura formativa e um currículo exclusivo para responder à educação das crianças dos 3 aos 6 anos.
Do relatado, poderemos tirar obvias conclusões que nas últimas três décadas formativas, as ESE têm colocado no mercado, profissionais que desempenham funções para as quais, grosso modo, não adquiriram conhecimentos, metodologias e práticas adequadas para o setor creche, considerado um entre muitos, contexto não formal (Craveiro, 2016), no qual estão a desempenhar funções7. Fácil se torna tomar noção do “caos” instalado que quer a tutela, quer as escolas de formação criaram à sociedade portuguesa. A reviravolta provocada pela implementação do Tratado de Bolonha, em Portugal (ME, 2006) retirou, em definitivo, a possibilidade de capacitar profissionais que respondam à creche fazendo sobressair o “buraco negro” concernente à educação das crianças até aos 3 anos.
A nossa posição neste artigo é que urge uma resposta legal, como tal inserida na Lei de Bases do Sistema Educativo, que se consubstancia na CRECHE. Considera-se que só através desta resposta educativa aos primeiros anos, se atinge a inclusão e a equidade para todas e cada criança, por um lado, compensando situações de vulnerabilidade social (e.g., pobreza, negligência, doença) e equilibrando diferenças sociais e, por outro lado, estimulando o potencial genético e o potencial contextual das mesmas.
Apenas creches com a devida qualidade educativa se podem reverter em oportunidades de “poda sinática”, redutoras de rotinas stressantes, através de um ambiente estimulante, que se constitua como um efetivo “Lugar de Infância”, com adultos empáticos, onde as crianças se permitam espantar, como se do castelo da Disney se tratasse. O futuro prevê-se bem mais harmonioso e fraterno se o respeito começar para com os mais novos.