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População e Sociedade

versão impressa ISSN 0873-1861versão On-line ISSN 2184-5263

População e Sociedade  no.38 Porto dez. 2022  Epub 02-Jan-2023

https://doi.org/10.52224/21845263/rev38a6 

Dossier Temático

Industrialização no Portugal Liberal (1820-1910). Incentivos e Obstáculos

Industrialization in Liberal Portugal (1820-1910). Incentives and Obstacles

José Amado Mendes1  2  3  4 
http://orcid.org/0000-0003-3192-5914

1Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

2Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, Portugal

3CIDEHUS - Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades, Universidade de Évora, Évora, Portugal

4CICH - Centro de Investigação em Ciências Históricas, Universidade Autónoma de Lisboa - UAL, Lisboa, Portugal.


Resumo

A história da indústria não tem sido uma temática muito do agrado dos investigadores. Além de outros motivos, a tese defendida por alguns autores, segundo a qual não se terá registado em Portugal e, mesmo em Espanha, uma Revolução Industrial, não tem contribuído para o estudo do que, efetivamente, não teria existido. Porém, como adiante se verá, se afastarmos a ideia de considerar apenas o modelo britânico como expressão do desenvolvimento industrial - geralmente considerado como “Revolução Industrial” -, verificamos que, em Portugal, se registou efetivamente um certo incremento do setor secundário, entre os alvores do liberalismo e a proclamação da I República, em 1910. Além da evolução do contexto político e socioeconómico, analisar-se-ão os principais incentivos à industrialização e os motivos do respetivo, embora limitado, sucesso. Por outro lado, como o processo também se deparou com obstáculos, serão identificados os mais significativos para que a industrialização no País tenha sido, de facto, lenta e tardia.

Palavras-chave: Capital; Industrialização; Incentivos; Obstáculos; Revolução Industrial; Tecnologia.

Abstract

The history of the industry has not been a subject much to the attention of researchers. In addition to other reasons, the thesis defended by some authors, according to which an Industrial Revolution did not take place in Portugal and, even in Spain, has not contributed to the study of what, effectively, would not have existed. However, as will be seen below, if we move away from the idea of ​​considering only the British model as an expression of industrial development, we find that, in Portugal, there was effectively a certain increase in the secondary sector, between the dawn of liberalism and the proclamation of the First Republic. In addition to the evolution of the political and socio-economic context, the main incentives for industrialization and the reasons for their success will be analyzed. On the other hand, as the process also faced obstacles, the most significant ones will be identified for the fact that industrialization in the country was, in fact, slow and late.

Keywords: Capital; Industrialization; Incentive; Obstacle; Industrial Revolution; Technology.

Introdução

Ao longo da segunda metade do século XX, registou-se uma autêntica revolução na historiografia, não só do ponto de vista metodológico e do recurso a novos tipos de fontes, como também relativamente às temáticas focadas. Foi caindo em desuso a história tradicional ‒ muito centrada nos factos políticos, militares e diplomáticos ‒, passando a despertar a atenção dos investigadores novas facetas do devir histórico - ou “novos territórios” -, entre as quais se encontram o trabalho e a tecnologia, a economia e a sociedade, a ideologia, as empresas, os empresários e o operariado, os costumes e comportamentos, os anónimos ou os “sem voz”, para dar apenas alguns exemplos.

Paradoxalmente, a história da indústria, entre nós, não tem despertado a atenção que merece, apesar de alguns progressos registados nas últimas décadas. Como já foi sublinhado, “los historiadores contemporáneos compreenden demasiado bien que el entendimento del passado ‒ y esto por fuerza significa el passado mismo ‒ cambia de continuo según el énfasis, el interés, y el punto de vista del historiador” (Gerschenkon, 1968, p. 15).

É certo que algumas vozes se pronunciaram sobre o assunto, logo nos inícios do regime liberal, sendo de salientar os alertas lançados por José Acúrsio das Neves (1766-1834), ao afirmar: “a indústria é somente quem pode salvar-nos, porque só ela dá a riqueza, base principal da força e prosperidade dos povos”. Consequentemente, prossegue o autor,

uma História completa dos nossos estabelecimentos fabris, acompanhada das competentes aplicações dos princípios da Economia Política e da Administração Fiscal, seria um importante serviço feito ao Estado, tanto pela novidade e dificuldade da matéria, que os nossos antecessores deixaram intacta e confundida, como pelos muitos auxílios que dela se poderiam tirar (Neves, s/d., p. 45, 71; textos de 1820 e 1827, respetivamente).

A temática não suscitou grande interesse nas duas décadas imediatas (1830-1850) ‒ demasiado turbulentas, com o desmantelar do Antigo Regime, a instabilidade política e a ocorrência de conflitos revolucionários ‒, pelo que só a partir de meados de Oitocentos vários autores começaram a prestar atenção ao fenómeno, o que foi proporcionado pela estabilidade política e pelos simultâneos avanços da industrialização. Com efeito, pode localizar-se nessa altura o eclodir da “primeira historiografia da indústria” em Portugal (1881-1930), período do qual “foi possível reunir seis dezenas de estudos sobre a história da indústria, assinados por 25 autores” (Rodrigues, 2013, p. 378).

Com o Estado Novo (1933-1974) e mesmo já no regime democrático do pós-25 de Abril de 1974, salvo raras exceções ‒ como as obras de Jorge Borges de Macedo, Armando Castro, Manuel Vilaverde Cabral, Joel Serrão e Gabriela Martins e mais uma ou outra, como a história de algumas empresas que têm vindo a lume ‒, pouca historiografia se produziu no âmbito da história da indústria. Recorde-se que, ainda em 1986, Jaime Reis constatava:

o presente exercício [primeira estimativa de um índice da produção industrial portuguesa, 1870-1914] constitui um esforço para preencher uma destas muitas lacunas, num domínio ‒ o industrial ‒ que, se bem que universalmente reconhecido pelo seu interesse, em Portugal tem atraído relativamente pouco a atenção dos historiadores (Reis, 1986, p. 3).

Como explicar esse relativo desinteresse por um assunto da maior relevância na História da Humanidade e, de modo especial, nas últimas duas centúrias, durante as quais se concretizaram três Revoluções Industriais, encontrando-se atualmente a 4.ª Revolução Industrial no seu limiar? (Schwab, 2017). Entre outros, podemos apontar os seguintes motivos: perspetiva dos historiadores sobre o fazer história; limitações da educação e dos programas adotados no ensino; e ideologia dominante.

Quanto à perspetiva dos historiadores, defendia-se a ideia de que, para se fazer história, era necessário ter decorrido um período relativamente longo, pelo que se preferia estudar temáticas mais antigas, descurando as da época mais recente. Entendia-se ‒ embora geralmente de forma não explícita ‒ que, em relação a estas, a proximidade temporal e as dificuldades de acesso a determinadas fontes dificultavam a investigação de eventos ou factos dos últimos dois séculos (XIX e XX). Por outro lado, também o modo como alguns autores de referência aludiam ao assunto não entusiasmava os seus discípulos a dedicarem-se ao tema. Por exemplo, enquanto em Espanha Jordi Nadal deu a uma das suas obras o título de O fracasso da 1.ª Revolução Industrial em Espanha (Nadal, 1975) - embora, posteriormente, tenha fundado a Revista de Historia Industrial: Economía y Empresa, da qual foi diretor e diretor emérito -, Vitorino Magalhães Godinho, relativamente a Portugal, referia-se à “Impossível industrialização” (Godinho, 1977, p. 142-145).

Quanto às limitações da formação recebida, como a história recente ‒ Época Contemporânea ‒ não era regra geral contemplada, inclusive no Ensino Superior, os docentes e investigadores também não revelavam especial interesse pela abordagem de temáticas, relativamente às quais não se sentiam seguros.

Acerca da ideologia, o enviesamento era de dois tipos. Por um lado, a preferência manifestada por algumas personalidades com responsabilidades ‒ políticas ou intelectuais ‒ por um Portugal agrícola a um país industrializado, devido aos supostos “perigos” sociais que poderiam resultar deste último (Mendes, 1996); por outro, os cultores da chamada “História Nova”, veiculada pela “Escola dos Annales”, preferiam investigar outras temáticas - tais como movimentos demográficos e sociais, transações comerciais, preços e salários ‒ e não questões relacionadas com a industrialização, necessariamente associadas a empresas e empresários, uma vez que estes se encontravam do “outro lado da barricada”, segundo os ideais marxistas ou sob influência destes.

Face ao exposto, no presente artigo pretende-se analisar os contributos de que já dispomos para uma melhor compreensão do desenvolvimento da indústria no Portugal Liberal, no século XIX e inícios do século XX, bem como indagar alguns dos motivos que permitem explicar as limitações do incremento industrial e da respetiva historiografia.

Por outro lado, procura-se igualmente clarificar e distinguir dois conceitos relacionados com a temática, isto é, o de “industrialização” e de “revolução industrial”. Não obstante o sucesso e vulgarização desta expressão, defendo que, em Portugal - como em diversos outros países, cujo desenvolvimento da indústria moderna se verificou em período mais recente -, não se chegou propriamente a registar uma revolução industrial, pelo menos segundo o modelo britânico, mas sim um processo de industrialização, lento e tardio, como tem sido sublinhado por alguns autores.

1. Contexto político e socioeconómico

Na história do século XIX, em Portugal, distinguem-se dois períodos, tanto do ponto de vista político como socioeconómico. Com efeito, até meados da centúria, concretizou-se a transição do Antigo Regime para o Liberalismo, durante a qual tiveram papel relevante as Invasões Francesas (1807-1810), no contexto da Guerra Peninsular, e as suas consequências. Seguiu-se a Revolução Liberal de 1820 e a consolidação da Monarquia Constitucional, marcada por avanços e vicissitudes, cujos momentos mais significativos foram as Lutas Liberais (1828-1834), a Revolução Setembrista (1836), a Maria da Fonte (1846) e a Patuleia (1847).

Neste período, devido à entrada em vigor da 1.ª Constituição (1822) e do novo enquadramento legal ‒ anterior e subsequente ‒, a situação socioeconómica foi-se alterando, com a abolição das antigas corporações de artes e ofícios e da Casa dos Vinte e Quatro (1834), a libertação da propriedade agrícola dos encargos a que até então estivera sujeita e a própria desamortização das ordens religiosas (1834 e anos seguintes).

Em meados de Oitocentos, com a Regeneração (1851), “nome português do capitalismo” ‒ usando a conhecida expressão do autor da História Contemporânea (Martins, 1977, p. 240) ‒, passou a ser possível equacionar outro tipo de problemas, com vista ao desenvolvimento económico, social e cultural do País. De entre eles, podemos recordar os transportes e comunicações, as reformas educativas e a questão pautal.

A problemática dos transportes e comunicações, já começada a ventilar, pelo menos, na década de 1840, veio a registar consideráveis progressos com a criação do Ministério das Obra Públicas, Comércio e Indústria (1852) e a notável ação de Fontes Pereira de Melo (1819-1887) (Mónica, 1990, 1997). A sua ação ‒ à qual não é estranho o facto de se tratar de um engenheiro ‒ foi de tal ordem que o período em que este se destacou politicamente, no desempenho de diversas funções governativas (1851-1887), além do nome genérico de Regeneração, é também conhecido por Fontismo (Justino, 2016).

A primeira grande transformação teve lugar com a introdução do caminho de ferro, tendo o primeiro troço, entre Lisboa e Carregado, sido inaugurado em 1856. Até finais do século XIX, foi construída a parte substancial da nossa rede ferroviária - à qual Oliveira Marques chamou “coluna vertebral” do respetivo sistema - que, em 1910, atingia 3 000 km (Marques, 1973, p. 198). Também a rede de estradas aumentou significativamente no mesmo período, totalizando 11 000 km em 1910, bem como as redes de telégrafo e telefone (Marques, 1973, p. 199). Como resultado dos progressos alcançados, que facilitaram consideravelmente a circulação de pessoas e bens ‒ a nível nacional e internacional ‒, aqueles também tiveram efeitos notórios na ampliação do mercado e, bem assim, na formação do “espaço económico nacional” (Justino, 1988-1989).

No que concerne às reformas educativas, entre outras destacaram-se as referentes ao ensino industrial, com a criação da Escola Politécnica de Lisboa e da Academia Politécnica do Porto (1837), as reformas do ensino industrial (de 1852 e seguintes) e a instalação de escolas comerciais e industriais, sobretudo a partir dos anos de 1880.

A questão pautal foi muito debatida, logo a partir da década de 1830. Entre outras reformas do setor, destacaram-se as pautas alfandegárias promulgadas em 1837 e 1892 (protecionistas) e 1852 (livre-cambista). O tema tem sido objeto de alguns estudos (Ribeiro, 1977; Lains, 1987) e suscitado interpretações diferentes. Ao invés da interpretação tradicional, que atribuía um caráter eminentemente livre-cambista à pauta de 1852 e reformas posteriores, até aos inícios da década de 1890 (Pereira, 1983), posições mais recentes têm defendido que, verdadeiramente, nunca houve um regime de livre-câmbio em Portugal.

A propósito, já foi enfatizado: “não é correto caracterizar-se o regime aduaneiro português de livre-cambista entre 1852 e 1892 e que o período que se seguiu à promulgação da pauta deste último não se diferencia pelos seus níveis de proteção” (Lains, 1987, p. 485). Um dos principais argumentos aduzidos é o de que, num Estado com finanças deficitárias, era impossível adotar uma política de livre-câmbio. Assim, as pautas, além da alegada proteção dos setores económicos mais débeis, visavam sobretudo diminuir o desequilíbrio das contas do Estado.

Ora, no contexto acabado de sintetizar, como é que a indústria se comportou? Também aqui não há unanimidade. Deste modo, entre a chamada “Revolução Industrial” (Armando de Castro) e a “industrialização irrealizada” (Magalhães Godinho), há outras nuances a considerar. Assim, em termos gerais, não obstante o período de 1780 a 1917 já ter sido apelidado de “idade da revolução industrial” (Berend & Ránki, 1982, p. 7), podemos dizer que, pelo menos no período do liberalismo aqui considerado, não chegou a registar-se uma Revolução Industrial no País.

Aliás, como já se referiu noutros trabalhos (Mendes, 1984, p. 16-25; 2010, p. 75-92), não se trata de um caso exclusivamente português, pois, além da Inglaterra ‒ onde aquela se verificou com nitidez, entre cerca de 1770 e 1830, de forma rápida e intensa ‒, em vários outros países o processo, além de tardio, foi mais lento. Assim, em vez de Revolução Industrial ‒ já considerada “a grande rutura mundial contemporânea” (Salorti i Vives, 2012) ‒, ultimamente prefere falar-se de industrialização. Contudo, também já se defendeu que, apesar das críticas feitas à expressão “Revolução Industrial”, em certos casos o desenvolvimento industrial começou desta forma eruptiva e súbita, ou seja, de maneira “revolucionária” (Gerschenkron, 1968, p. 20). Recorde-se, porém, que :

l´argumentation des principaux protagonistes de la “Nouvelle Histoire Économique” a sérieusement ébranlé la notion de “supériorité” industrielle anglais par rapport à certains pays continentaux et remis en question la valeur analytique du concept de retard, comme d´ailleurs la validité du concept de take-off (Veyrassat, 1995, p. 211).

Quanto a Portugal, é óbvio que a industrialização registada foi lenta e tardia, como tem sido constatado por vários autores (Lains, 1987, p. 207; Mendes, 1993b, p. 493), mas, no entanto, foi uma realidade e, por isso mesmo, é digna de ser investigada e divulgada. Comprovam-no não só os números revelados, por exemplo, por Gerardo Pery (1835-1893) e pelos Inquéritos Industriais de 1852,1881, 1890 e 1917 (Moura et al., 1957, p. 13-24), mas também as transformações verificadas na terminologia. G. Pery, na sua conhecida obra de 1875, apesar de lamentar “não termos estatística industrial”, informa que, em 1863, existiam em Portugal 9 402 estabelecimentos industriais grandes e 106 157 pequenos (Pery, 1875, p. 145).

Estudos mais recentes têm vindo a revelar, igualmente, o desenvolvimento do processo de industrialização no período em análise. Assim, das 50 maiores empresas da indústria transformadora existentes no País (entre 1881 e 1917), destacavam-se as dos seguintes ramos: têxtil (28), tabaco (6), papel, minerais não metálicos e produtos metálicos (4 cada), vestuário, madeira e cortiça (2 cada) (Neves, 2007, p. 149).

De modo análogo, em determinadas áreas ou localidades verificou-se um certo incremento do setor secundário, como no Vale do Ave, em grande parte devido à deslocalização de várias empresas do têxtil algodoeiro da zona do Porto para lá (Mendes, 2002, p. 12-37); na própria cidade do Porto, ainda na 1.ª metade de Oitocentos (Magalhães, 1988); e, em Lisboa, na área de Alcântara, entre meados do século XIX e o final da 1.ª República (Pistola, 2009) e nas zonas de Marvila e Beato, desde 1835 (Silva, 2018).

Em alguns casos ‒ como no da indústria algodoeira ‒, os lucros auferidos pelos empresários, em certos anos (1887 e 1888 e 1895-1900), eram elevados, tornando aquele ramo da indústria atrativo para novos investimentos, pois excediam sempre os 10%, aproximando-se mesmo dos 20%, em determinados anos (1887, 1889 e 1900) (Mendes, 1980, p. 41).

Quanto à terminologia, é elucidativo o facto de o vocábulo “indústria” que, nos inícios de Oitocentos, significava toda a atividade (industrial, comercial e agrícola), entre os anos de 1830 e cerca de 1850 adquiriu o significado que tem hoje. Por seu turno, ao longo dos três últimos quartos do século XIX, o termo “artista” ou “artífice” foi evoluindo para os de “operário” e, finalmente, “proletário” (Mendes, 1984, p. 17; 1993b, p. 494-496). Estas alterações na linguagem acompanhavam as transformações que se iam operando no tecido socioeconómico e profissional do País.

Em suma: podemos afirmar, sem qualquer hesitação, que do ponto de vista da indústria ‒ isto é, da transformação de matérias-primas, em oficinas, manufaturas ou fábricas ‒, o Portugal dos inícios do século XX já era muito diferente do patenteado no tempo da Revolução Liberal de 1820. Veremos, em seguida, quais os principais fatores que proporcionaram os progressos alcançados e, em contrapartida, os obstáculos mais relevantes que terão impedido um desempenho mais notório das forças envolvidas no setor secundário.

2. Incentivos e desafios favoráveis à industrialização

2.1. Papel do associativismo em prol da indústria

Uma das primeiras iniciativas neste domínio foi a criação da Sociedade Promotora da Indústria, em 1822. Devido à instabilidade política que se registava no País, nas primeiras décadas da sua existência, teve um percurso atribulado, pois foi suspensa durante alguns anos (1824-1826), dissolvida em 1828 e restaurada em 1834.

Fundada numa altura em que a especialização dos setores da atividade económica ainda não se encontrava bem definida, não surpreende que admitisse, como sócios: “funcionários públicos, sábios, artistas, agricultores, fabricantes, negociantes e todos os amigos das artes, que quisessem tomar parte nos seus trabalhos, aumentar os seus meios e recursos e gozar das vantagens que de seus esforços resultassem”. Os seus fins eram bastante amplos, visando promover e divulgar as diversas atividades económicas; propagar a instrução pública relativa à indústria, instituindo prémios, organizando exposições e publicando os respetivos Annaes (Sociedade Promotora…, 1978, p. 480). Segundo Maria Elvira Castanheira, “entre 1851 e 1854 [data do termo da sua publicação], as áreas de divulgação de conhecimentos úteis centram-se à volta de três grandes núcleos, a saber: Agricultura, Exposições e Indústria” (Castanheira, 1996, p. 435).

Já mais direcionada especificamente para a promoção da indústria, surgiu a Associação Industrial Portuguesa (AIP), fundada, em Lisboa, em 28 de janeiro de 1837. Como já foi salientado, tratou-se de “uma das primeiras manifestações de associativismo empresarial. Organizada pela sociedade civil, a associação nasceu num período de expansão dos movimentos liberais, a partir de uma burguesia rica, activa e cultivada, com a percepção do atraso industrial do país e com propósitos de desenvolvimento e competitividade”. Após um período conturbado ‒ anos de 1840 e inícios da década seguinte ‒, retomou a sua atividade em 1860, sob a designação de Associação Promotora da Indústria Fabril ‒ APIF (Santos, 2011, p. 5).

Em 1852, havia sido constituída a Associação Industrial Portuense, sucedendo-lhe outras:

Na segunda metade do século XIX foram criadas várias Sociedades e Associações Agrícolas e Industriais que tinham por finalidade promover o desenvolvimento das actividades económicas e, como tal, incluíam entre os seus principais objectivos a divulgação científica e tecnológica. Entre estas destacaram-se a Real Associação de Agricultura Portuguesa, a Sociedade Promotora da Indústria Fabril e a Associação Industrial Portuense.

Na verdade, estas associações/sociedades, “além de funcionarem como organismos fomentadores do desenvolvimento, actuavam também como grupos de pressão” (Rodrigues & Mendes, 1999, p. 191).

Acrescente-se, ainda, que:

a acção destas sociedades foi norteada pela ideia de que a aliança íntima da ciência e da indústria é um dos poderes criadores das grandezas do nosso século [XIX], a ciência soube sair da região das abstracções para pensar nos interesses da sociedade; a indústria soube abandonar as vulgaridades da rotina para receber da alta ciência lições e inspirações sublimes (Matos, 2000, p. 401).

Também a edição de publicações periódicas ‒ algumas delas por iniciativa de associações, academias científicas e sociedades económicas contribuiu para promover a industrialização.

2.2. Exposições como vitrinas da industrialização e “festas da civilização”

A partir de finais do século XVIII realizaram-se várias exposições, de índole local e regional. Portugal foi pioneiro na organização deste tipo de eventos. Com efeito, no período pombalino, mais precisamente em 1775-1776, “a vila de Oeiras viu dentro dos seus muros a primeira exposição industrial, que houve neste reino, e também a primeira, julgamos poder afirmá-lo, que se realizou na Europa” (Mendes, 1998, p. 252).

Desde então, e até meados de Oitocentos, registaram-se vários outros certames similares, não só em Portugal como noutros países. Por exemplo, em Paris, em meio século (1798-1848), “sucederam-se onze exposições do género, em diversas instituições” (Castanheira, 1996, p. 428). Porém, em 1851, iniciou-se um novo ciclo no domínio expositivo, com a realização da 1.ª Exposição Mundial em Londres, no Hyde Park, que teve como ponto fulcral de atração o famoso Crystal Palace, primeiro grande edifício de uma nova modalidade construtiva, a arquitetura do ferro, o qual viria a ser destruído por um incêndio, 85 anos depois (1936). Tratando-se de uma primeira iniciativa do género ‒ à escala mundial ‒, não deixa de ser surpreendente que tenha recebido cerca de seis milhões de visitantes, para cuja afluência o referido palácio também contribuiu significativamente.

As referidas exposições ‒ que se têm repetido, periodicamente, até à atualidade e, de forma intercalar com outras de menor escala, as “exposições internacionais” ‒ têm-se notabilizado pelas diversas vertentes de que se revestem, nomeadamente: política e ideologia (nacionalismo), inovação, economia, mercado e concorrência; ciência e tecnologia; educação, cultura e desenvolvimento.

Portugal, logo desde 1851, tem-se feito representar praticamente em todas as ditas exposições, inclusive através de delegações constituídas por políticos, intelectuais, cientistas, empresários e técnicos. Por exemplo, na segunda metade do século XIX e inícios do seguinte, integraram as respetivas delegações vultos conhecidos e prestigiados, como João Andrade Corvo, Sebastião José Ribeiro de Sá, Joaquim Henriques Fradesso da Silveira, António Augusto de Aguiar, Rafael Bordalo Pinheiro, Gerardo Augusto Pery, Conde de Farrobo e José Ferreira Pinto Basto, fundador da fábrica Vista Alegre, em 1824 (Mendes, 1998, p. 263).

Pode dizer-se que a observação direta da tecnologia e dos produtos provenientes dos países mais industrializados constituía como que uma “faca de dois gumes”. Por um lado, permitia estabelecer o contraste entre os países que, em termos de industrialização, se encontravam na linha da frente e os late comers e periféricos, como era o caso de Portugal (Berend & Ránki, 1982, p. 115). Por outro, a constatação desse desfasamento funcionava igualmente como um desafio para que o País procurasse avançar rumo à industrialização, a fim de diminuir o fosso que o separava dos primeiros.

A propósito, é elucidativo o testemunho de Cavaleiro e Sousa, após ter visitado a Exposição de Paris de 1889 (cuja grandiosidade se deveu, em grande medida, ao facto de se tratar da celebração do 1.º centenário da Revolução Francesa de 1789). Numa altura em que a máquina a vapor era “rainha”, lamentava que Portugal apresentasse somente “um pequeno tear de madeira, bastante rudimentar e usado pelas populações rurais […], o qual apenas tinha um valor etnográfico”. Porém, apesar da modéstia dos produtos portugueses patentes, destacava as vantagens de se visitar a exposição, uma vez que nela se encontrava “o que não seria possível ver, nas suas respectivas proveniências, em dez anos de estudos e viagens” (Mendes, 1998, p. 263).

2.3. Transportes e comunicações, mercado e concorrência

A questão dos transportes e comunicações, já anteriormente referida, foi crucial para o desenvolvimento do País e, obviamente, para o fomento da industrialização na segunda metade de Oitocentos. Com efeito, o mercado interno expandiu-se, com o aumento da população que quase duplicou, entre 1835 e 1911, aumentando de 3 061 684 para 5 547 708, ao mesmo tempo que foram melhorando, lentamente, as condições de vida de um número cada vez mais elevado de pessoas (Pereira, 1893).

Assim, além das maiores facilidades de circulação de pessoas e bens, também se facilitou a chegada de novos equipamentos aos locais mais recônditos de Portugal, designadamente da máquina a vapor, aplicada à indústria desde 1820-182 - e não em 1836, como tem sido frequentemente indicado (Mendes, 1985, p. 23-32) -, mas cuja difusão só se intensificou a partir de meados do século XIX.

Obviamente que os progressos alcançados nas comunicações também facilitaram a concorrência de produtos e equipamentos importados, mas, simultaneamente, criavam-se oportunidades para a indústria nacional se tornar mais competitiva, do ponto de vista da qualidade dos produtos e do respetivo preço.

A dualidade dos efeitos do comboio, apontada por Oliveira Martins ‒ ao facilitar tanto a circulação interna como a concorrência da indústria estrangeira ‒, tem sido igualmente sublinhada por autores estrangeiros, como S. Pollard. Segundo este autor, o caminho de ferro permitiu não só a especialização da indústria em certas regiões como o contacto com produtos de regiões e países mais industrializados, contribuindo para uma espécie de “seleção natural” do tecido empresarial, através do sucesso das empresas que melhor se adaptavam à nova situação e a extinção das mais frágeis (Pollard, 1982, p. 115).

É certo que, com o referido progresso dos transportes e comunicações, não se atingiu o nível de desenvolvimento almejado, como bem sublinhou Ezequiel de Campos:

com o liberalismo alargámos e romanticamente a política do transporte; nunca iniciámos a da fixação de gente e dos produtos do País, povoando o nosso território da Metrópole e do Ultramar e industrializando bem o que dele colhêssemos; e, por isso, nunca normalizámos o comércio (Campos, 1923, p. 6).

2.4. Sistema educativo: formação de recursos humanos para a indústria

Um dos óbices ao desenvolvimento da indústria, frequentemente invocado por autores coevos e pelos próprios empresários (por exemplo, nos depoimentos publicados nos Inquéritos Industriais de 1881 e 1890), era a falta de preparação de recursos humanos, ao nível de gestores, técnicos e operários. Com a já referida extinção das antigas corporações de artes e ofícios e da Casa dos Vinte e Quatro (1834), deixou de haver qualquer controlo e apoio às “artes industriais”. Uma vez estabilizado o regime liberal, deu-se um passo em frente quanto à formação de pessoal qualificado, pelo menos no que toca à gestão e preparação de quadros técnicos, com a criação da Escola Politécnica de Lisboa e da Academia Politécnica do Porto, em 11 e 13 de janeiro de 1837, respetivamente.

Os objetivos dos dois estabelecimentos de ensino politécnico ‒ já então considerado superior ‒ eram diferentes e adequados ao contexto das cidades onde ficariam sediados. Deste modo, o de Lisboa tinha por “fim principal de habilitar alumnos com os conhecimentos necessarios para seguirem os differentes cursos das Escólas de applicação do Exercito e da Marinha; oferecendo, ao mesmo tempo, os meios de propagar a instrucção geral superior e de adquirir a subsidiaria para outras profissões scientificas” (Decreto-Lei de 11.1.1837). Como se verifica pelo exposto, tratava-se de uma escola preparatória para a frequência de cursos do Exército e da Marinha ‒ portanto, muito ligada ao poder central, sediado na capital ‒ e, subsidiariamente, para promover instrução geral superior e ministrar formação para outras profissões científicas.

Por sua vez, a Academia Politécnica do Porto foi instituída com finalidades mais relacionadas com o desenvolvimento da indústria, da agricultura e do comércio, como se pode ler no respetivo diploma de criação:

a Academia Real da Marinha e Commercio da Cidade do Porto fica sendo denominada Academia Polytecnica do Porto; tem por fim especial o ensino das Sciencias Industriaes e é destinada a formar: 1.º ‒ os Engenheiros Civis de todas as classes, taes como os engenheiros de minas, os Engenheiros constructores e os Engenheiros de pontes e estradas; 2.º ‒ os Officiaes de Marinha; 3.º ‒ os Pilotos; 4.º ‒ os Commerciantes; 5.º ‒ os Agricultores; 6.º ‒ os Directores de Fabricas; 7.º ‒ em geral os Artistas (Decreto-Lei de 13.1.1837).

Para esta abrangência de objetivos, além de ter contribuído o legado da instituição sua antecessora ‒ Academia Real da Marinha e Comércio ‒, também pesou o próprio estádio de desenvolvimento em que se encontrava a indústria portuense, no final dos anos de 1820 e na década de 1830. A propósito, escreveu Joel Serrão: “Até 1830, pelo menos […], o Porto encontra-se à frente do esforço de industrialização portuguesa, e daí o interesse que resulta da análise que dele se faça” (Serrão, 1980, p. 86).

Se as referidas escolas se destinavam a formar quadros técnicos e gestores, já no período da Regeneração se contemplou a formação de operários, cuja necessidade era imperiosa, pela carência de conhecimentos técnico-profissionais, agravada pela elevada taxa de analfabetismo que, ainda nos inícios do século XX, se aproximava dos 75%.

Entre outras medidas tomadas em prol da educação do operariado contam-se a criação de escolas industriais e comerciais, cujo primeiro diploma regulador é de 30 de dezembro de 1852, ao qual se sucederam outros, assim como a criação de novas escolas técnicas, sobretudo na década de 1880 e seguintes (Gomes, 1978). Para algumas das referidas escolas foram mesmo contratados professores estrangeiros muito prestigiados.

Outra iniciativa, verdadeiramente inovadora, foi a da concessão de bolsas a operários para estagiarem em fábricas estrangeiras de referência (1884-1885), das quais beneficiaram 11 operários ‒ selecionados através de concurso, a nível nacional ‒, que estagiaram em modernas fábricas, na Alemanha e na Bélgica (Mendes, 1980, p. 49-51).

As medidas acabadas de expor contribuíram, certamente, para a aceleração do desenvolvimento industrial no século XIX, em especial na sua segunda metade, embora o seu contributo concreto só possa ser devidamente avaliado à medida que se vão efetuando novas investigações, inclusive através da elaboração das histórias de empresas industriais como estudos de caso.

2.5. Empresários e industrialização

Ao estudarmos a evolução da indústria, no período em foco, não podemos olvidar o papel crucial desempenhado pelos empresários. Como salienta A. G. Kenwood, no capítulo 10 da sua obra Technological Diffusion and Industrialisation Before 1914 ‒ capítulo intitulado “Industrialization and Entrepreneurship” (Kenwood, 1982, p. 132-144) ‒, “Entrepreneurs are frequently singled out as the key force that made possible the whole process of modern economic growth” (Kenwood, 1982, p. 132). O tema tem merecido alguma atenção entre nós ‒ embora ainda insuficiente ‒, não só em monografias sobre empresas e empresários industriais como em algumas revistas, por exemplo: Análise Social: História Empresarial em Portugal (4.ª série, vol. XXXI, n.os 136-137, 1996, 2.º-3.º); Estudos do Século XX, 4: Empresas e Empresários (Mendes & Filipe coordenação, 2004).

Apesar de não abundar a investigação (biográfica e prosopográfica) sobre empresários industriais do período em análise e anos imediatos, alguns foram marcantes, pelo que os seus nomes têm sido recordados. Entre muitos outros, distinguiram-se: José Ferreira Pinto Basto (1774-1839), Conde de Farrobo (Joaquim Pedro Quintela, 1801-1869), Henry Burnay (1838-1939), José dos Santos Barosa (1855-1923), Duarte Ferreira (1856-1948), Ricardo dos Santos Gallo Júnior (1861-1912), Narciso Ferreira (1862-1933), Alfredo da Silva (1871-1942), António Hipólito (1882-1954) e Henrique de Araújo Sommer (1886-1944).

Todos eles criaram empresas, em vários ramos industriais, que vieram a tornar-se importantes, várias delas dando origem a grupos económicos relevantes, em alguns casos já sob o controlo dos seus sucessores. Foram não apenas inovadores ‒ característica fundamental do empresário, segundo Schumpeter (Kenwood, 1982, p. 132) ‒, mas também ousados, enfrentando, com determinação, riscos inerentes aos respetivos empreendimentos. Acerca de alguns dos nomes recordados, interrogou J. N. Ferreira Dias Júnior:

Quem garantiu o êxito a Alfredo da Silva quando, em 1907, empreendeu a grande obra do Barreiro, a maior unidade industrial portuguesa que dá hoje [1945] trabalho a 5000 pessoas? Quem garantiu o êxito a Narciso Ferreira quando, em 1900, com a primeira fábrica algodoeira, lançou os fundamentos do que é hoje a risonha povoação de Riba d´Ave? Quem garantiu o êxito a Henrique Sommer quando, em 1920, pôs de pé a admirável obra da Maceira? Quem levou estes três homens (para só falar dos que morreram) à situação de merecerem o reconhecimento dos portugueses pelos instrumentos de riqueza que criaram? Levou-os a sua intuição, esta guarda avançada do raciocínio mais lesta e mais segura do que êle (Dias Júnior, 1945, p. 208-209).

Além dos empresários nacionais, alguns estrangeiros merecem igualmente ser lembrados e estudados - uma vez que escasseia investigação neste domínio -, pois eles, por meio dos respetivos investimentos, contribuíram para a industrialização do País. Também estes deveriam merecer especial atenção da parte dos historiadores ‒ através de estudos biográficos e prosopográficos ‒, visto o seu contributo ter sido relevante, ao arrepio do que defendia alguma historiografia tradicional, ao atribuir à dependência do estrangeiro ‒ sobretudo britânica ‒ a responsabilidade pela nossa tímida industrialização.

Sobre o assunto, já foi devidamente enfatizado:

Os estrangeiros, radicados em Portugal, também desempenharam um papel fundamental na primeira industrialização do país. Ao ler a lista dos fundadores das primeiras fábricas, deparamo-nos com sucessivas vagas de apelidos estranhos, os Grahms, os Daupias, os Schalcks, os Peters, os Gilmans, os Robinsons, os Symingtons […]. É difícil não exagerar a importância dos estrangeiros na modernização do país (Mónica, 1990, p. 20-21).

Em certos casos, como no da famosa Fábrica de Lanifícios de Santa Clara (Coimbra), é revelador o facto de, após tentativa falhada por empresários portuguesas (anos de 1870), sobretudo devido a erros de gestão, o projeto só posteriormente se ter concretizado e alcançado enorme sucesso (1888-1994), graças à participação de empresários e know-how estrangeiros (espanhóis, de Sabadell) e italianos (Freitas, Meunier & Mendes, 2019).

2.6. Progressos registados no processo de industrialização

Numa apreciação geral, podemos interrogar-nos em que medida é que os desafios e condições favoráveis, anteriormente sumariados, impulsionaram o desenvolvimento da indústria e com que resultados. Numa apreciação global, é possível distinguir três períodos, no processo industrializador português, no quadro temporal em análise. No primeiro (década de 1840), foram criadas algumas unidades industriais importantes dos ramos têxtil, papel, cerâmica, metalurgia e curtumes. Segundo Oliveira Marreca, das 21 grandes unidades industriais existentes no País em meados de Oitocentos, cerca de metade (10) surgiram na década de 1840 (Marreca, 1983, p. 54-151). Encontravam-se distribuídas pelo território nacional, mas predominantemente na área de Lisboa, onde estavam sediadas 15 do total das 21 unidades referenciadas (Mendes, 1993a, p. 358). Na referida década, já a indústria implantada na capital suplantava a do Porto, ao invés do que sucedia na década de 1830, como já se indicou.

Na fase seguinte (1850-1880), a industrialização intensificou-se, inclusive com a utilização da energia a vapor, pois partia-se de um patamar muito baixo, uma vez que, segundo Luís Augusto Palmeirim, na introdução ao Inquérito Industrial de 1881, nos inícios do período (1852), apenas laboravam no País cerca de 70 máquinas a vapor (ApudMendes, 1993a). Diferentemente do critério utilizado por Oliveira Marreca - que referenciou apenas grandes unidades industriais -, Palmeirim informa que, no referido ano de 1852, laboravam no país 386 fábricas (Mendes, 1993a, p. 360).

Recorda-se, todavia, que nesta altura ‒ ainda em fase final de proto-industrialização (Krieddt et al., 1881, p. 4-6, 35) ‒, a energia hidráulica era bastante utilizada, sobretudo onde abundavam os cursos hídricos, como no Vale do Ave e na Beira interior, com destaque para a indústria dos lanifícios, na Covilhã e outras localidades das faldas da Serra da Estrela. Porém, como também já foi lembrado, “os recursos hidráulicos revelavam-se insuficientes para abastecimento simultâneo da agricultura e da indústria durante a estiagem, [pelo que] o ritmo do trabalho industrial diminuía e tornava-se noturno” (Pereira, 2001, p. 12).

Acerca deste período, G. Pery aludia ao “progresso de Portugal nestes últimos tempos” (Pery, 1875). A opinião deste autor também já foi recordada nos seguintes termos: “para o século XIX, Gerardo Pery (1875) não deixou de apontar, com base na informação que ia sendo lentamente fornecida pela incipiente estatística nacional, que a economia portuguesa registava importantes transformações, desde a década de 1840 até à data em que escrevia” (Lains, 2008, p. 156-157). No último período (1881-1910), o desenvolvimento industrial registou uma aceleração, como é testemunhado, por exemplo, comparando os dados fornecidos pelo Inquérito Industrial de 1881 com os do Inquérito Industrial de 1890.

Os avanços então verificados pesaram significativamente para que o produto industrial português tivesse crescido a uma taxa média anual de 2,5%, ao longo da segunda metade do século XIX e da década que precedeu a Primeira Guerra Mundial (Lains, 2003, p. 137; Reis, 1986).

Deverá ainda acrescentar-se que, nas últimas três décadas de Oitocentos e na primeira de Novecentos, além dos progressos alcançados nas indústrias tradicionais ‒ lanifícios, cerâmica, vidreira, papel, cortiça, curtumes, moagem e conservas, entre outras ‒, surgiram novas indústrias já caraterísticas da 2.ª Revolução Industrial, entre as quais a de produtos químicos (em especial adubos), cimento (artificial) e de produção e distribuição de eletricidade (Rodrigues & Mendes, 1999, p. 243-261; Mendes, 1993a, p. 363-365).

Foi no final do último período (1908) que a Companhia União Fabril (CUF) se deslocalizou de Lisboa (zona de Alcântara) para o Barreiro, pela mão de Alfredo da Silva (Faria e Mendes, 2010), dando um contributo decisivo para posteriores novos avanços da industrialização em Portugal, inclusive nos transportes e na construção naval (Mendes e Freitas, 2022).

A despeito dos progressos alcançados, há uma certa unanimidade, entre investigadores, que a industrialização do País, além de tardia, foi lenta, o que, aliás, se verificou igualmente em Espanha, tendo o PIB per capita de ambos os países crescido moderadamente, entre 1860 e 1910 (Berend & Ránki, 1982, p. 158-159). Sensivelmente no mesmo período, em Portugal, a agricultura continuou a ocupar uma percentagem considerável da população, enquanto a que se dedicava à atividade industrial ia crescendo moderadamente, subindo apenas de 18,4% para 19,4% e 21,1%, em 1890, 1900 e 1911, respetivamente (Castro, 1976, p. 52).

Corroborando o que se acaba de expor, num estudo recente revela-se algo digno de reflexão. Segundo Paul Bairoch, Portugal, que no primeiro período moderno tinha tido um bom desempenho, em termos comparativos, podendo considerar-se próspero e mesmo um dos países mais ricos da Europa ainda em 1800, começou, entretanto, a perder dinamismo, pelo que, em 1850, já o seu PIB per capita era ultrapassado pelo da Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Espanha (Palma & Reis, 2019, p. 500-501).

Face ao exposto, perguntar-se-á: quais os principais fatores que travaram o ritmo da industrialização no País e, inclusivamente, que obstaram a que Portugal tivesse efetuado a sua Revolução Industrial e, consequentemente, que não integrasse a lista de países que fizeram o seu tak-off industrial, entre 1783 e 1914? (Kenwood, 1982, p. 19).

Trata-se de um tema recorrente ‒ a tentativa de explicação do atraso ‒, sobre o qual já foi observado: “a maioria de estudos sobre a economia portuguesa [mais evidente nos estudos sobre o século XIX] é ainda centrada em tentativas de explicação do atraso económico do país, sendo claramente relegada para plano secundário a preocupação em explicar a profunda alteração que a economia sofreu” (Lains, 2008, p. 155). Como anteriormente se focaram determinados aspetos pertinentes da mencionada alteração, em seguida concentremo-nos em alguns dos principais obstáculos ou, por outras palavras, nos principais fatores do atraso.

3. Obstáculos à industrialização

A questão, pela sua relevância, tem merecido a atenção de alguns autores, como se comprova pelos títulos de certos capítulos ou alíneas de trabalhos sobre história económica ou da indústria, vindos a lume: “Os limites do crescimento industrial” (Reis, 1987, p. 217-220); “Bloqueios à industrialização” (Mendes, 1993a, p. 365, 367); e “Os limites do crescimento industrial” (Lains, 2003, p. 137-145). Por tal motivo, a partir destas e de outras análises já disponíveis, em seguida apenas se fará uma resenha sucinta do que se afigura mais pertinente e elucidativo.

Não se desenvolverá aqui a tese de Anselmo de Andrade, segundo a qual o País, por não ter matérias-primas, não existir carvão de pedra, faltarem mercados de consumo e não poder produzir barato, não era nem nunca poderia ser um país industrial (Andrade, 1918, p. 341-344). Acrescente-se que, para esta conceção anti-industrialista e agrarista do autor, também contribuía a sua posição ideológica, como revelam as suas próprias palavras: “e todos sabem o que é uma multidão de operários na rua, sem trabalho e com fome” (Andrade, 1918, p. 343), perspetiva idêntica à de António de Oliveira Salazar, de quem aquele autor foi, inclusive, admirador confesso (Mendes, 1986, p. 198-199). A tese que se acaba de sumariar foi oportuna e devidamente refutada ‒ com argumentos incontestáveis ‒ por José Henrique Azeredo Perdigão (Perdigão, 1916, p. 11-14 e seguintes), entre as datas da primeira e da segunda edição da obra de Anselmo de Andrade, Portugal. Theorias efactos (1902 e 1918, respetivamente).

Na opinião de Azeredo Perdigão, «o nosso sub-solo é dos mais ricos do mundo, sob o ponto de vista mineralógico, e de que a agricultura e a zootecnia, da mesma forma que a exploração mineira, encontram e Portugal condições admiráveis para o seu desenvolvimento». Alude também ao carvão e à hulha branca, isto é, aos recursos hídricos, abundantes no País (Perdigão, 1916, p. 12).

Nem todos os investigadores se revelam tão otimistas como o autor citado, relativamente à abundância de matérias-primas no País. Todavia, mais grave do que sua escassez era a reduzida exploração das que existiam e, ainda, a fraca qualidade de algumas, designadamente o carvão, motivo pelo qual se importava de Inglaterra grandes quantidades.

3.1. Ação política e estratégias empresariais

No plano político, constata-se que os mentores da Revolução Liberal de 1820 e os que elaboraram a primeira Constituição (1822) não estavam muito sensibilizados quanto às questões relacionadas com o desenvolvimento da indústria, quer pela sua formação de base, quer pelo estatuto e funções profissionais desempenhadas. Assim, entre os 13 membros do Sinédrio, encontramos: magistrados (5), comerciantes (5), militares (2) e médico (1) (Cardoso, 2019, p. 93). Deste modo, pode concluir-se que nenhum deles teria uma apetência especial pela indústria.

Por seu lado, as próprias Cortes Constituintes (1821-1822) integravam sobretudo comerciantes, proprietários e magistrados. Não era muito diferente o panorama dos vereadores de câmaras que ocuparam cargos municipais, entre 1815 e 1833, pois também aqui nos deparamos com proprietários, militares, comerciantes/negociantes e juristas. É ainda mencionado um agricultor, mas não aparece qualquer industrial (Rodrigues e Mendes, 1999, p. 188).

Como já foi notado, as vereações tinham um caráter elitista, cujos membros, aristocratas ou não, pertenciam sempre às camadas superiores da população (António Pedro Manique, apudRodrigues e Mendes, 1999, p. 188). Somente com o Setembrismo (1837) e, de modo especial, com a Regeneração, a partir de meados de Oitocentos, os governantes passaram a estar mais sensibilizados relativamente ao incremento da industrialização, para o que terá contribuído a formação em engenharia de Fontes Pereira de Melo, como já se referiu anteriormente.

Contudo, as políticas adotadas passaram mais pelo desenvolvimento do sistema de transportes e comunicações - caminho de ferro, estradas e produção e distribuição de energia, sobretudo gás e eletricidade, já no final do período focado - que pelo incentivo ao processo industrializador. Também a legislação produzida na segunda metade de Oitocentos, relativamente liberal, não protegia as indústrias nacionais da concorrência estrangeira, o que só foi alterado com a pauta protecionista de 1892, tão solicitada pelos empresários inquiridos no âmbito dos Inquéritos de 1881 e 1890.

No que concerne aos empresários industriais, já nas últimas décadas do período em foco, adotaram uma estratégia que também não foi favorável a uma industrialização mais significativa, pois optaram por investir, maioritariamente, em ramos das indústrias tradicionais, campo no qual não dispunham de condições para enfrentar a concorrência dos países mais industrializados e com credenciais firmadas nesse género de indústrias.

Como recorda Pedro Lains, “o principal problema da industrialização da economia portuguesa terá sido o de ter seguido uma via de concorrência directa com os países industrializados, em vez de tentar explorar as poucas vantagens que Portugal apresentava perante o exterior” (Lains, 2003, p. 142). Os late comers, ao integrarem-se no sistema capitalista mundial, sentiam dificuldades, devido às fragilidades das respetivas economias (Berend & Ránki, 1982, p. 160). Também a dependência estrangeira, cuja tese foi amplamente defendida, entre outros, por Miriam Halpern Pereira e Sandro Sideri, constituiu um certo obstáculo para a industrialização, apesar de investigações mais recentes (de Pedro Lains, Jaime Reis e Maria Flomena Mónica) terem vindo a atenuar a relevância anteriormente atribuída a este fator.

3.2. Formação insuficiente de recursos humanos e dificuldade no recrutamento de mão-de-obra

Os industriais procuravam colmatar as dificuldades do setor recorrendo ao protecionismo do Estado, inclusive por meio da política pautal, solicitando o agravamento das taxas de importação de produtos que se produzissem no País e a diminuição das aplicadas aos produtos, matérias-primas e equipamentos não disponíveis no mercado interno. As solicitações, nesse sentido, multiplicaram-se nos testemunhos recolhidos para os já mencionados Inquéritos Industriais de 1881 e 1890 e, inclusive, em correspondência dirigida aos decisores políticos, como se verificava na remetida a Oliveira Martins e que, por certo, o terá influenciado na elaboração da já referida pauta de 1892, de pendor mais protecionista.

Sobre o comportamento dos empresários industriais, ainda que exagerando ‒ através da generalização ‒, escreveu Ramalho Ortigão: “Nos chefes de indústria, ausência absoluta do espírito de classe, de amor de profissão. Uma vez enriquecido, o industrial procura tornar-se capitalista, homem de negócios, influente político, comendador, visconde, director de Bancos, gerente de companhias” (Ortigão, 1946, p. 82; já citado por Rodrigues e Mendes, 1999, p. 215-216).

Um outro autor coevo afinava praticamente pelo mesmo diapasão, ao declarar, num estudo dedicado aos lanifícios: “a direção da indústria estava nas mãos de ‘homens sem ciência, sem inteligência e sem boa vontade’” (J. de Azambuja Proença, apudReis, 1987, p. 227). Obviamente que não se deve generalizar, pois alguns dos empresários, como os já anteriormente referenciados e vários outros, destacaram-se pela ousadia, investindo na criação de unidades de produção industrial, sobretudo em certas zonas do País, áreas do Porto e de Lisboa, do Vale do Ave e da Serra da Estrela, entre outras.

Também se registava carência de técnicos e operários especializados, pelo que foi necessário recorrer à mão-de-obra estrangeira especializada, em certos domínios, como nas indústrias têxtil, vidreira, química e metalúrgica. A situação agravava-se pela relutância dos empresários/patrões em recrutar técnicos formados pelas escolas técnicas, com “a justificação […] que esses diplomados queriam salários mais elevados, se mostravam arrogantes e discutiam com os patrões” (Reis, 1987, p. 277).

Como notou Magalhães Godinho, seguindo a tese de Paul Bairoch, em Portugal não se verificou o que aconteceu em todos os países que se industrializaram, a saber: «a revolução da máquina a vapor, e do maquinismo em geral, foi precedida por profundas transformações na agricultura e na sociedade agrária, caracterizadas pelo acréscimo da produtividade agrícola e correlativa diminuição da mão-se-obra empregada nesse sector de actividade» (Godinho, 1977, p. 127). Consequentemente, a falta de modernização tecnológica na agricultura, no período focado, manteve-se até bem avançado o século XX, ocupando uma elevada percentagem de trabalhadores no setor, impedindo grande parte de se deslocar para a atividade industrial.

A elevada taxa de analfabetismo da população ‒ já referenciada ‒ e, naturalmente, do próprio operariado também tornava mais difícil a sua adaptação ao uso e à manutenção da tecnologia e equipamentos importados, bem como a processos de trabalho mais inovadores. Neste contexto, é compreensível a baixa produtividade e o reduzido valor acrescentado por trabalhador (1881-1890), em comparação com os valores registados, por exemplo, na Grã-Bretanha e França (Reis, 1987, p. 223).

3.3. Dificuldade de acesso a capital para investimentos

A questão da dificuldade de acesso ao capital foi outra das limitações do fomento industrial. Como o tecido empresarial português era constituído, maioritariamente, por pequenas e médias empresas ‒ muitas de índole familiar ‒, o respetivo capital social era, em muitos casos, limitado e obtido no âmbito das próprias famílias. O crédito tornava-se difícil de obter e as taxas de juro eram geralmente mais elevadas em Portugal (Reis, 1987, p. 221). Das dificuldades apontadas davam conta muitos dos empresários, nas respostas aos questionários conduzidos, no âmbito dos já referidos Inquéritos de 1881 e 1890. Alguns estudos de caso disponíveis ajudam a compreender melhor as estratégias usadas para que as empresas tivessem acesso ao capital.

No Vale do Ave, onde predominou o têxtil algodoeiro a partir da década de 1840, parte considerável do capital investido provinha de comerciantes da cidade do Porto que também se tornaram industriais, produzindo assim artigos que abasteciam o respetivo comércio. Assim sucedeu, por exemplo, com a Fábrica de Fiação do Rio Vizela (1845), cujos fundadores eram, na sua maior parte, negociantes da cidade do Porto. Por sua vez, também “a Reguladora/Boa Reguladora ‒ famosa na produção de relógios de sala [fundada no Porto e posteriormente deslocada para Vila Nova de Famalicão, 1892-1895] ‒ tivera como sócios fundadores um comerciante, um técnico (relojoeiro) e um proprietário” (Mendes & Fernandes, 2002, p. 23-24).

Outra fonte importante de capital foi a dos “brasileiros” de “torna-viagem” (Alves, 1994), isto é, emigrantes que haviam enriquecido no Brasil, regressavam a Portugal e investiam os seus capitais na indústria do Vale do Ave, como na Fábrica do Bugio (anos de 1879), Fábrica de Fiação e Tecidos de St.º Tirso (1896), Fábrica de Fiação e Tecidos de Riba d´Ave e firma Sampaio Ferreira e C.ª Ltd.ª (1896), entre outras (Alves, 1994, p. 20-24).

Outro estudo reporta-se à área económica de Coimbra (Mendes, 1984). Como fontes do capital industrial em parte do período estudado (1867-1927), identificaram-se: agricultura, comércio, autofinanciamento e crédito. Também, neste caso, alguns comerciantes investiram na instalação de unidades industriais, frequentemente no ramo do respetivo comércio (têxtil e curtumes, por exemplo). Quando o autofinanciamento era insuficiente, recorria-se ao crédito, junto de familiares, de amigos ou da banca. Em qualquer dos casos, os juros eram por vezes elevados, chegando a atingir os 15%, embora os mais comuns se situassem entre os 5% e os 10%.

No período aqui focado, a banca não prestou grande apoio à indústria, pois a oferta de instituições bancárias, era ainda limitada. Por exemplo, na cidade de Coimbra, restringia-se à Agência do Banco de Portugal e ao Banco Comercial de Coimbra (1874-1899) (Faria & Mendes, 2013, p. 89-93). Além disso, as instituições financeiras exigiam contrapartidas hipotecárias pouco favoráveis aos clientes, sobretudo no crédito a longo prazo.

3.4. Exiguidade do mercado

O mercado do Portugal liberal não constituía incentivo para o incremento da industrialização. Apesar do crescimento demográfico, sobretudo a partir da década de 1830 ‒ como já se referiu ‒, a população portuguesa, em 1910, era apenas de cerca de 6 milhões de habitantes. Acrescia que a maior parte tinha reduzido poder de compra, ao passo que o grupo social que constituía a classe média ou mesmo alta, em menor percentagem, recorria mais aos produtos estrangeiros que aos nacionais.

Também o mercado colonial, além de afetado pela independência do Brasil, em 1822, com reduzida densidade demográfica e baixo poder de compra, não favorecia a exportação de produtos industriais em larga escala.

Sobretudo em artigos de melhor qualidade ou mais consentâneos com a moda, importados de outros países, a indústria nacional não se encontrava em condições de concorrer com os que nos chegavam pelas importações. A propósito, em termos sucintos, já foi evidenciado:

A concorrência das manufaturas estrangeiras e as oportunidades oferecidas pelas actividades de agro-exportação foram os principais obstáculos ao crescimento industrial e as principais divergências [entre os autores que têm estudado o fenómeno] residem apenas na determinação do momento em que foram removidos e, por conseguinte, em que teve início a industrialização moderna em Portugal (Reis, 1987, p. 209).

Conclusão

No presente artigo focam-se três tópicos, diferentes mas complementares. Em primeiro lugar, faz-se uma breve incursão sobe o estado da arte, no que toca à história da indústria. Apesar de se tratar de um tema para o qual se chamava a atenção já nos inícios de Oitocentos, pela pena de José Acúrsio das Neves - que recordava as vantagens que adviriam se investigássemos a história das empresas -, só na última metade daquela centúria alguns autores começaram a escrever sobre o assunto. Faziam-no em simultâneo com os relativos avanços da industrialização.

Já no século XX, não só historiadores como também economistas e engenheiros passaram a equacionar a questão industrial, na sua relação com o crescimento económico e o desenvolvimento. Entre outros, encontram-se os trabalhos de Anselmo de andrade, José de Azeredo Perdigão, Ezequiel de Campos e José Ferreira Dias. Desde meados do século XX, não obstante os valiosos contributos de Armando de Castro, Jorge Borges de Macedo, Vitorino Magalhães Godinho, Oliveira Marques e alguns mais, a industrialização não foi um tema particularmente grato aos investigadores, por motivos que foram referidos: distanciamento em relação à história mais recente, interesse crescente pela história política, social, diplomática e militar e interesse reduzido pelas questões relacionadas com as empresas, a tecnologia e o trabalho. Nas últimas décadas a situação tem vindo a alterar-se, como demonstra o número crescente de estudos acera das temáticas industriais e empresariais.

Em segundo lugar, recordam-se os progressos alcançados pela industrialização ao longo do período em análise, com destaque para o que decorreu entre meados do século XIX e 1910. Como se sublinhou, a despeito de não se ter registado em Portugal uma verdadeira Revolução Industrial - pelo menos pelo padrão inglês que tem servido de referência -, não se pode olvidar que houve progressos assinaláveis, no âmbito da industrialização.

Por último, recorda-se que, tratando-se de um processo efetivo - embora lento e tardio, como também é enfatizado -, para a sua explicação torna-se necessário invocar vários tipos e fatores, uns como estímulos e outros inibidores. Apontam-se vários, de diversa natureza: política, legislativa, social, económica, cultural, educativa e ideológica. Todavia, é extraordinariamente difícil sopesar a relevância de cada um dos dois tipos, no processo da industrialização portuguesa. Além do mais, eles foram variando com o tempo, as conjunturas e os protagonistas envolvidos na atividade industrial, ao longo do período focado.

Na análise sucinta do “Crescimento e pulsões económicas”, num período em parte coincidente com o abordado no presente artigo, além da relevância dada, entre outros tópicos, aos índices industriais e do crescimento económico e às flutuações e suas determinantes (1851-1900), conclui Octávio Figueiredo:

Parece em primeiro lugar claro que a economia portuguesa sofreu um lento, mas nítido, processo de industrialização nos cerca de 50 anos que se estendem entre 1851 e 1900. Com efeito, a evidência empírica actualmente existente aponta para que o produto industrial tenha crescido no período em análise a uma taxa de 2,5% ao ano, em termos reais, enquanto o produto agrícola terá evoluído mais lentamente, situando-se o seu crescimento nos cerca de 1% ao ano. Entretanto, o crescimento do produto industrial, que foi sobretudo impulsionado pela substituição de importações no mercado interno, mas onde as solicitações de procura externa tiveram também um papel relevante, parece ter-se feito de uma forma bastante regular e suave, tudo indicando que a ausência de sutos de expansão industrial tenha sido uma característica da evolução a indústria portuguesa na segunda metade do século XX (Figueiredo, 2004, p. 95).

Pelo que se acaba de analisar, comparando o Portugal da Revolução Liberal de 1820 com o da implantação da República, em 1910, não há dúvida que o País se foi industrializando, sobretudo a partir de meados de Oitocentos. Parafraseando Manuel Lisboa, tratou-se da “industrialização possível” (Lisboa, 2002, p. 89-239). De forma análoga se pronunciou Joel Serrão, acerca do liberalismo: “O liberalismo português foi, na verdade, o que pôde ser, a partir do condicionalismo herdado e dos meios de acção de que pôde dispor” (Serrão, 1965, p. 740).

No entanto, reitera-se que, não obstante Portugal se ter industrializado, “não chegou nunca a fazer a sua Revolução Industrial, se considerarmos o país na sua globalidade. Ainda assim, quando mais se terá aproximado desse desiderato, foi nas últimas décadas de Oitocentos e nas de 1950-1960” (Mendes, 2010), mas este período já fica fora do quadro temporal aqui considerado.

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Recebido: 27 de Julho de 2022; Aceito: 07 de Novembro de 2022

Correspondence: José Amado Mendes E-mail: jamendes@autonoma.pt

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