Introdução
Nas últimas décadas, a otimização dos cuidados de saúde e redução da fertilidade, refletiram-se numa mudança da demografia mundial1, com a população idosa, definida como indivíduos com idade ≥ a 65 anos, a crescer de 524 para 608 milhões, de 2010 a 20152. Esta tendência é também observada em Portugal, onde os idosos representam atualmente 22.1% da população3. Este crescimento reflete-se no aumento da procura de cuidados de saúde por idosos, não sendo a Otorrinolaringologia (ORL) excepção5. Dentro das alterações ORL associadas ao envelhecimento, as alterações otoneurológicas associam-se a grande impacto na qualidade de vida, a elevada morbilidade e mesmo mortalidade2. É, por isso, importante conhecer a magnitude dos sintomas otoneurológicos nos idosos, permitindo uma melhor preparação para a abordagem dos mesmos e promoção da diminuição do seu efeito deletério. Assim, o objetivo deste estudo foi determinar a prevalência dos sintomas otoneurológicos nos doentes idosos referenciados à consulta de ORL e os principais diagnósticos propostos após avaliação.
Material e Métodos
Este estudo foi aprovado pelo Comité de Ética e os direitos dos doentes foram protegidos de acordo com os princípios da Declaração de Helsínquia. Um total de 1304 doentes com idade ≥ a 65 anos, referenciados dos Cuidados de Saúde Primários ao Serviço de ORL de um centro terciário, durante 2019 e 2020, foram incluídos neste estudo retrospetivo observacional. Informação demográfica e relativa aos sintomas que levaram ao pedido de observação foi retirada do P1, sendo os sintomas categorizados em “Otoneurológicos”, “Faringolaríngeos”, “Nasais”, “Outros Sintomas de Cabeça e Pescoço” e “Outros Motivos”. Todos os sintomas foram considerados significativos, com alguns doentes a serem incluídos em mais do que um grupo sintomático. O Processo Clínico foi utilizado para recolha de informação relativa à observação e diagnósticos propostos. A Análise Estatística foi realizada com o software SPSS versão 24 (IBM Corp., Armonk, NY), com valores de p < 0.05 a ser considerados estatisticamente significativos. A análise descritiva das características dos doentes foi realizada utilizando frequências para variáveis qualitativas e média e desvio padrão (DP) para variáveis quantitativas. A distribuição normal foi avaliada com o teste de Shapiro-Wilks e pela análise de skewness e kurtosis. Diferenças entre grupos foram avaliadas com o teste chi-square para variáveis categóricas e o t-test para amostras independentes ou o teste de Mann-Whitney para variáveis contínuas.
Resultados
População em Estudo: Durante 2019 e 2020, registou-se um total de 10 266 referenciações dos Cuidados de Saúde Primários ao Serviço de ORL e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de um centro terciário, com 20% (n= 2084) destes pedidos referentes a indivíduos com idade ≥65 anos. Destes, 37% (n= 779) não foram avaliadas em consulta externa, com 75.2% (n=587) a necessitar de pedido de métodos complementares de diagnóstico, 16.7% (n= 130) faltaram à consulta, 4.2% (n= 33) já se encontravam em seguimento, 3.2% (n= 27) desistiram da marcação e 0.2% (n= 2) morreram antes da consulta. Um total de 1304 doentes foi incluído neste estudo, dos quais 53% (n= 697) eram do sexo feminino, com idades entre os 65 e os 101 anos (Tabela 1).
Número de doentes | Idade Média | |
Feminino | 697 (53%) | 73.49(6.68 |
Masculino | 607 (47%) | 73.18(6.12 |
Total | 1304 (100%) | 73.35(6.42 |
Os sintomas otoneurológicos foram os mais referidos como motivo para a referenciação (65%, n= 852), seguidos dos sintomas faringolaríngeos (17%, n=220) e nasais (13%, n= 167), com os sintomas otoneurológicos a representar 68% dos pedidos de consulta em 2019 e 86% em 2020.
Sintomas Otoneurológicos: Todos os sintomas otoneurológicos ou otológicos foram incluídos neste grupo, com um total de 852 doentes com sintomas enquadráveis nesta categoria, dos quais 56% (n= 474) eram do sexo feminino, com média de idades de 73.82 anos (DP= 0.23). A hipoacusia foi o sintoma mais reportado (69%, n= 592), seguida de acufeno (36%, n= 304) e de vertigem/tontura/desequilíbrio (25%, n=213), com a hipoacusia a ser mais frequente em doentes mais velhos (p< 0.001), e a vertigem/tontura/desequilíbrio (p< 0.001) e o acufeno (p= 0.007) a ser mais frequentes em doentes do sexo feminino. A hipoacusia foi, também, o sintoma mais reportado entre todos os doentes (45%, n= 1304) (tabela 2).
Número de doentes (% no grupo) | % no total (n= 1304) | |
HIPOACUSIA | 593 (69%) | 45% |
ACUFENO | 304 (36%) | 23% |
VERTIGEM/TONTURA/DESEQUILÍBRIO | 213 (25%) | 16% |
OTALGIA | 30 (4%) | 2% |
PLENITUDE AURAL | 28 (3%) | 2% |
OTORREIA | 25 (3%) | 2% |
CERÚMEN | 22 (3%) | 2% |
PRURIDO AURICULAR | 14 (2%) | 1% |
OTITE | 12 (1%) | 1% |
LESÃO PAVILHÃO AURICULAR | 2 (0%) | 0% |
Dentro destes sintomas, 159 doentes reportaram a associação de hipoacusia e acufeno, 35 de acufeno e vertigem/tontura/desequilíbrio, 25 de hipoacusia e vertigem/tontura/desequilíbrio e 47 de hipoacusia, acufeno e vertigem/tontura/desequilíbrio.
Diagnósticos: A presbiacusia foi o diagnóstico mais comum (48%, n= 412), seguida da associação entre presbiacusia e Otite Média Crónica (OMC) (9%, n= 74), OMC (8%, n= 69), Cerúmen (6%, n= 51) e Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB) (4%, n=35), encontrando-se uma relação entre presbiacusia e idades mais avançadas (p= 0.024). Os restantes diagnósticos foram encontrados em menos de 1% dos doentes. 8% (n= 71) dos doentes não apresentava alterações ao exame otoneurológico nem em MCDT, sendo que 6% (n= 52) aguardava, à data da colheita de dados, diagnóstico.
Doentes com Hipoacusia: Em relação aos doentes com hipoacusia (n= 359) sem vertigem/tontura/desequilíbrio ou acufeno, 64% (n= 228) foram diagnosticados com presbiacusia, 12% (n= 42) com OMC, 9% (n= 31) com a associação de presbiacusia e sequelas de OMC e 7% (n= 25) com cerúmen, sendo os restantes diagnósticos encontrados em menos de 2% dos doentes (tabela 3).
Diagnósticos em doentes com apenas Hipoacúsia (n= 359) | Nº de doentes | Diagnósticos em doentes com apenas Vertigem/Tontura/Desequilibrio (n= 106) | Nº de doentes | diagnósticos em doentes com apenas Acufeno (n= 63) | Nº de doentes | |
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Presbiacusia | 228 | Sem alterações ORL | 38 | Presbiacusia | 34 | |
OMC | 42 | VPPB | 24 | Aguarda | 7 | |
OMC + Presbiacusia | 31 | Presbiacusia | 9 | Sem alterações ORL | 6 | |
Cerúmen | 25 | Défice Multissensorial | 8 | Cerúmen | 4 | |
Aguarda | 8 | Aguarda | 8 | OMC | 4 | |
Sem alterações otoneurológicas | 8 | Hiporreflexia Vestibular (após provável Neuronite Vestibular) | 6 | Artéria Carótida Aberrante | 1 | |
Sem alterações ORL | 4 | OMC | 2 | Disfunção ATM | 1 | |
Desistência da Consulta antes de diagnóstico | 3 | PPPD | 2 | Disfunção Tubária | 1 | |
Exostoses | 2 | Sem alterações Otoneurológicas | 2 | Presbiacusia + OMC | 1 | |
Perda auditiva Neurossensorial unilateral | 2 | Arreflexia Vestibular unilateral | 1 | Hipoacusia Neurossensorial unilateral | 1 | |
Disfunção tubária | 1 | Presbiacusia + VPPB | 1 | Otite Externa | 1 | |
Eczema do Canal Auditivo Externo | 1 | Doença de Ménière | 1 | Otite Média Aguda | 1 | |
Presbiacusia + Exostoses | 1 | Neuronite Vestibular Aguda | 1 | Sem alterações otoneurológicas | 1 | |
Otite Externa | 1 | Cerúmen | 1 | |||
Otosclerose | 1 | Desistência da Consulta antes de diagnóstico | 1 | |||
VPPB | 1 | Eczema do Canal Auditivo Externo | 1 |
Doentes com Vertigem/Tontura/Desequilíbrio: Dos doentes referenciados por vertigem/tontura/desequilíbrio (n= 106) sem hipoacusia ou acufeno, verificou-se mais frequentemente, após avaliação pela especialidade, a não existência de alterações ao exame objetivo otoneurológico ou em MCDT (38%, n= 40). Em 23% (n= 24) dos doentes foi diagnosticada VPPB, sendo cada um dos restantes diagnósticos encontrados em menos de 8% dos doentes (Tabela 3).
Doentes com Acufeno: Dentro dos doentes que reportavam acufeno (n= 63) sem hipoacusia ou vertigem/tontura/desequilíbrio, 67% (n= 42) apresentavam sintomatologia bilateral, 29% (n= 18) unilateral e 5% (n= 3) já não apresentavam esta sintomatologia à data da observação, sendo que apenas 1 doente com acufeno bilateral reportava caráter de pulsatilidade. 54% (n= 34) dos doentes foram diagnosticados com presbiacusia, 11% (n= 7) aguardavam diagnóstico à data da colheita dos dados e 11% (n= 7) não apresentavam alterações ao exame físico otoneurológico ou em MCDT. Os restantes diagnósticos foram encontrados em menos de 6% dos doentes (tabela 3).
Doentes com associações de sintomas: Dos doentes que reportavam hipoacusia e acufeno (n= 159), a maioria (60%, n= 96) foi diagnosticada com presbiacusia (Tabela 4), sendo este também o diagnóstico mais frequente em doentes com hipoacusia e vertigem/tontura/desequilíbrio (52%, n= 13; Tabela 4) e em doentes com hipoacusia, acufeno e vertigem/tontura/desequilíbrio (38%, n= 18; Tabela 4).
diagnósticos em doentes com Hipoacúsia + Acufeno (n= 159) | Nº doentes | Diagnósticos em doentes com Hipoacusia + Vertigem/Tontura/Desequilíbrio (n= 25) | Nº doentes | DIAGNÓSTICOS EM DOENTES COM HIPOACUSIA + ACUFENO + VERTIGEM/TONTURA/DESEQUILÍBRIO (N= 47) | Nº doentes | Diagnósticos em doentes com associação de Acufeno + Vertigem/Tontura/Desequilíbrio (n= 35) | Nº doentes |
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Presbiacusia | 96 | Presbiacusia | 13 | Presbiacusia | 18 | Sem alterações ORL | 7 |
Presbiacusia + OMC | 23 | VPPB | 2 | Aguarda | 10 | Presbiacusia | 6 |
OMC | 11 | OMC | 2 | Sem alterações ORL | 4 | VPPB | 5 |
Cerúmen | 9 | Hiporreflexia Vestibular (após provável Neuronite Vestibular) | 2 | Presbiacusia + OMC | 3 | Aguarda | 5 |
Aguarda | 6 | Presbiacusia + OMC | 1 | Défice Multissensorial | 2 | Défice multissensorial | 3 |
Hipoacusia Neurossensorial unilateral | 4 | Presbiacusia + Hipovalência vestibular (após provável Neuronite Vestibular) | 1 | OMC | 2 | Presbiacusia + OMC | 2 |
Sem alterações ORL | 5 | Doença de Ménière | 1 | VPPB | 2 | OMC + VPPB | 1 |
Exostoses | 1 | Otosclerose | 1 | Presbiacusia + Défice Multissensorial | 1 | Presbiacusia + Défice Multissensorial | 1 |
Otosclerose | 1 | Aguarda | 1 | Doença de Ménière | 1 | Presbiacusia + Hiporreflexia Vestibular (após provável Neuronite Vestibular) | 1 |
Hiporreflexia Vestibular (após provável Neuronite Vestibular) | 1 | Sem alterações ORL | 1 | Otite Média Aguda | 1 | Doença de Ménière | 1 |
VPPB | 1 | Cerúmen | 1 | Hiporreflexia Vestibular | 1 | ||
Sem alterações otoneurológicas | 1 | Presbiacusia + OMC + Hiporreflexia Vestibular (após provável Neuronite Vestibular) | 1 | PPPD | 1 | ||
Hipoacusia Neurossensorial Unilateral | 1 | OMC | 1 |
Nos doentes referenciados pela associação de acufeno e vertigem/tontura/desequilíbrio, a maioria (20% n= 7) não apresentava alterações ao exame objetivo ou MCDT (Tabela 4).
Discussão
A população idosa representa o segmento com maior crescimento da sociedade5. Apesar do reconhecimento dos sintomas otoneurológicos como tendo marcado impacto negativo na qualidade de vida dos idosos, não é clara a magnitude destes sintomas junto da população idosa6),(7. Assim, o principal objetivo do presente estudo foi perceber a prevalência dos sintomas otoneurológicos nos idosos referenciados à consulta de ORL e os diagnósticos associados aos mesmos. O grupo dos sintomas otoneurológicos foi o mais reportado como motivo para a referenciação, algo verificado em ambos os anos de recolha de dados, solidificando os sintomas otoneurológicos como a principal queixa ORL nos doentes idosos. A hipoacusia foi o sintoma mais referido, sendo isto verificado no grupo de sintomas otoneurológicos e entre todos os doentes. Entre os sentidos comprometidos pela idade, a audição é o mais afetado8, sendo a hipoacusia a quinta alteração crónica mais frequente nos idosos portugueses9, corroborando-se, com este estudo, a associação entre hipoacusia e a idade, sendo a presbiacusia o diagnóstico mais frequente nos doentes que reportaram hipoacusia (n= 359). De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a presbiacusia é a segunda doença mais comum na população geriátrica e a terceira doença mais prevalente a nível mundial10. Apesar da capacidade cognitiva diminuir, de forma independente, com a idade, a presbiacusia agrava este declínio, sendo fator de risco para o desenvolvimento de demência, devendo-se avaliar cognitivamente os idosos diagnosticados com presbiacusia10. A presbiacusia condiciona, ainda, dificuldades na comunicação e isolamento social, sendo fator de risco para o desenvolvimento de depressão nos idosos10. Apesar deste impacto negativo, apenas 20-25% dos indivíduos com presbiacusia que beneficiaria de reabilitação auditiva se encontra sob a mesma10, muito em parte pelo estigma associado à utilização de próteses auditivas10. Fomentar a adesão à reabilitação auditiva permanece então um importante desafio clínico. Importa também referir o surgimento da OMC como segundo diagnóstico mais comum. Embora classicamente ligada à Pediatria, a prevalência de OMC, em adultos no Reino Unido, é de 1.5% e 2.6% para doença ativa e inativa, respectivamente11, sendo os dados relativos à população idosa escassos. O diagnóstico de OMC em doentes idosos é desafiante, particularmente no que toca à abordagem terapêutica, uma vez que estes doentes apresentam, muitas vezes, co-morbilidades que condicionam risco cirúrgico superior12. No entanto, e apesar de os limiares auditivos de condução decrescerem gradualmente com a idade, a intervenção cirúrgica pode melhorar significativamente a audição, associando-se a risco mínimo de lesão do ouvido médio12. Desta forma, apesar da decisão de intervenção cirúrgica ser mais complexa, esta opção terapêutica não deve deixar de ser considerada em casos de OMC em idosos. A sintomatologia de vertigem/tontura/desequilíbrio foi a terceira mais reportada, sendo mais comum em doentes do sexo feminino13, associação corroborada pelo presente estudo. A prevalência destes sintomas aumenta com a idade, associando-se a risco de queda e incapacidade14, com cerca de 73% dos idosos portugueses a reportar pelo menos uma queda9. No idoso, a patologia cardiovascular representa a principal causa de tontura, sendo as alterações vestibulares periféricas menos preponderantes14. Efetivamente, no presente estudo, quando observada isoladamente, ou em associação a acufeno, o mais frequente foi a objetivação da inexistência de alterações ao exame objetivo otoneurológico/ORL ou em MCDT sugestivas de patologia vestibular periférica, sendo de notar que os doentes foram observados em consulta de otorrinolaringologia geral com posterior referenciação, se necessário, a consulta de otoneurologia. Em todos os doentes, foi realizada otoscopia, acumetria, pesquisa de nistagmo com óculos de Frenzel, Head Impulse Test, Head Shake Test, avaliação da marcha, teste de Romberg e de Unterberger-Fukada, prova dedo-nariz e manobras de Dix-Halpike, McClure e hiperextensão, estas com utilização de óculos de Frenzel se sintomatologia sugestiva de VPPB sem objetivação de nistagmo. Foi também realizada pesquisa de nistagmo com hiperventilação e vibração em casos selecionados, bem como avaliação dos restantes pares cranianos, avaliação dinâmica da acuidade visual e Romberg sensibilizado. O facto de não se encontrarem alterações na avaliação supra-descrita pode ser reflexo das inúmeras causas etiológicas subjacentes a esta sintomatologia, com a tontura no idoso a ser, na maioria dos casos, uma entidade multifatorial15, sendo em todos os doentes pedida observação pelo médico assistente para avaliação cardiovascular, nomeadamente do perfil tensional e alterações do mesmo com o ortostatismo, por ser este o sistema mais comummente associado à sintomatologia de tontura. Realça-se, assim, a importância da abordagem multidisciplinar e diagnóstico diferencial da sintomatologia de vertigem/tontura/desequilíbrio, particularmente considerando que um idoso recorre ao Serviço de Urgência a cada 11 segundos por uma queda e que um idoso morre a cada 19 minutos devido a uma queda15. Nos doentes com alterações, a VPPB foi o diagnóstico mais comum, corroborando esta entidade como a principal causa de vertigem no idoso16, sendo que a presença de co-morbilidades frequentes nos idosos, nomeadamente a Hipertensão Arterial ou Diabetes Mellitus, condiciona maior risco de ocorrência de VPPB e maior risco de recorrência desta patologia17. Embora o diagnóstico seja estabelecido como nos doentes mais jovens, a realização de manobras diagnósticas poderá estar condicionada por patologia osteoarticular, devendo acarretar maior cuidado. Em doentes com associação de hipoacusia e vertigem/tontura/desequilíbrio, a presbiacusia foi o diagnóstico mais frequente, sendo que este diagnóstico se associa a aumento do risco de quedas, com o uso de próteses auditivas a associar-se a melhor equilíbrio e diminuição do medo de queda18, reforçando, de novo, a importância da reabilitação auditiva. Importa ainda referir o conceito de presbivestibulopatia, apesar de não ter sido um diagnóstico formalmente estabelecido neste estudo. A idade associa-se a alterações histológicas nos órgãos vestibulares, podendo originar sintomas vestibulares nos doentes mais idosos19. Esta deterioração fisiológica, embora reconhecida há décadas, foi descrita de forma consensual em 2019, com a criação de critérios de diagnóstico20. Este é, portanto, um diagnóstico aceite, de forma geral, recentemente19, podendo ser um diagnóstico mais frequente nos idosos observados em consulta de ORL à luz dos conhecimentos atuais. A prevalência de acufeno aumenta com a idade e, no presente estudo, o acufeno foi o segundo sintoma mais comum, sendo mais frequentemente encontrado em associação a hipoacusia do que isoladamente. A presbiacusia foi o diagnóstico mais comum em doentes com acufeno e em doentes com associação a hipoacusia, corroborando a maior prevalência deste sintoma em doentes com alterações audiométricas21. Como descrito, a presbiacusia agrava o declínio cognitivo, existindo evidência de que o acufeno possa, também, acelerar a progressão do mesmo, particularmente a nível da atenção e memória de trabalho22. Em doentes com esta associação, o impacto cognitivo poderá, então, ser agravado, sendo que em doentes com presbiacusia e acufeno, a utilização de próteses auditivas se associa a diminuição da perceção sonora do acufeno, reduzindo o impacto deste sintoma23. Como referido anteriormente, não foram encontradas alterações ao exame objetivo otoneurológico na maioria dos doentes com acufeno e vertigem/tontura/desequilíbrio. Estes sintomas têm muitas vezes génese psicogénica, com cerca de 8-10% dos sintomas de vertigem/tontura/desequilíbrio a associar-se a ansiedade ou depressão24, com a ansiedade a ser mais prevalente em doentes com acufeno sem alterações audiométricas do que em doentes com acufeno e alterações audiométricas23. Embora fosse importante a relação destes sintomas com eventuais antecedentes pessoais de saúde mental, pode-se colocar a hipótese de que doentes com esta associação sintomática poderão apresentar uma etiologia psicogénica para os mesmos, tornando a sua abordagem mais desafiante. Algo que importa notar no presente artigo é o facto de os sintomas otoneurológicos terem passado de 68% dos pedidos de consulta de ORL, em 2019, para 86%, em 2020. O ano de 2020 foi marcado pela pandemia por SARS-CoV2 e seu impacto no acesso aos cuidados de saúde, algo verificado pela queda nos pedidos de consulta. O facto de os sintomas otoneurológicos terem visto crescer a sua preponderância é indicativo do impacto desta sintomatologia. O presente estudo apresenta algumas limitações, nomeadamente ser um estudo retrospetivo observacional, sendo suscetível a fatores de confundimento, particularmente no que toca aos diagnósticos realizados. Em segundo lugar, todos os sintomas reportados foram considerados significativos, podendo ser interessante avaliar o impacto de diferentes sintomas em doentes com associações, percebendo quais acarretam maior impacto. Apesar das limitações, e apesar de estudos prévios que avaliaram a prevalência isolada de alguns sintomas e diagnósticos otoneurológicos em idosos, este é o primeiro estudo a avaliar a prevalência destes sintomas nos doentes idosos referenciados à consulta de ORL e quais os diagnósticos associados a cada um dos sintomas/associação de sintomas, podendo estes achados ser úteis na preparação da abordagem destes sintomas e diagnósticos junto dos idosos.
Conclusão
Os doentes idosos representam uma porção crescente dos doentes referenciados a otorrinolaringologia, sendo que os achados do presente consolidam os sintomas otoneurológicos como a principal queixa otorrinolaringológica dos doentes geriátricos, enaltecendo a importância do seu conhecimento e abordagem.
Conflito de Interesses
Os autores declaram que não têm qualquer conflito de interesse relativo a este artigo.
Confidencialidade dos dados
Os autores declaram que seguiram os protocolos do seu trabalho na publicação dos dados de pacientes.