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Revista Portuguesa Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço

versão On-line ISSN 2184-6499

Rev Port ORL vol.60 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.34631/sporl.1051 

Artigo Original

Disfonia Geriátrica: quais os diagnósticos mais frequentes?

Geriatric Dysphonia and the most frequent diagnosis

Clara Serdoura Alves1 
http://orcid.org/0000-0002-0012-0817

Mariline Santos1 
http://orcid.org/0000-0001-7041-0994

Sara Azevedo1 
http://orcid.org/0000-0002-3171-3842

Maria Casanova1 
http://orcid.org/0000-0002-8701-4901

João Lino1 

Luís Meireles1 

1 CHUPorto, Portugal


Resumo

Introdução:

O declínio vocal associado ao envelhecimento afeta a capacidade de comunicação, particularmente nos idosos, predispondo-os a isolamento social e introversão. Torna-se, portanto, importante o melhor conhecimento da magnitude da disfonia na população geriátrica e quais as alterações associadas a este sintoma.

Objetivo:

determinar a prevalência da disfonia nos idosos referenciados dos cuidados de saúde primários à consulta de otorrinolaringologia e quais os principais achados laringoscópicos associados.

Métodos:

O presente estudo retrospectivo incluiu todos os doentes com idade igual ou superior a 65 anos, referenciados dos cuidados de saúde primários ao departamento de otorrinolaringologia durante os anos de 2019 e 2020. Doentes sem relatório de laringoscopia e gravação da mesma foram excluídos.

Resultados:

Um total de 1304 doentes foi incluído neste estudo, sendo os sintomas oto-neurológicos a principal causa de referenciação (65%, n= 852), seguindo-se os sintomas faringo-laríngeos (17%, n=220) e sintomas nasais (13%, n=167). O achado mais frequente foi a existência de refluxo faringo-laríngeo (44.81%, n=82), Presbilaringe ((21.31%, n=39), parésia ou paralisia das cordas vocais (5.46%, n=10) e pólipo das cordas vocais (5.46%, n=10).

Conclusões:

Este estudo cimenta a disfonia como uma das principais queixas otorrinolaringológicas entre os idosos, enaltecendo a importância de uma maior e melhor preparação para a avaliação e acompanhamento dos doentes idosos que se apresentam com disfonia, reconhecendo o impacto e implicações que esta alteração acarreta para a vida diária dos doentes idosos.

Palavras-chave: Geriatria; Disfonia; Presbifonia; Presbilaringe; Refluxo

Abstract

Introduction:

Aging is associated with a decline in voice quality, predisposing older adults to social withdrawal and introversion. It is therefore increasingly important to better understand the magnitude of dysphonia among geriatric patients and what laryngeal alterations are most commonly associated with the symptom.

Objective:

to determine the prevalence of dysphonia among elderly patients referred from primary care to otorhinolaryngology and evaluate the commonest laryngeal findings underlying this symptom.

Methods:

patients aged 65 and older referred from Primary Care to the Otorhinolaryngology department of a tertiary center during 2019 and 2020 were enrolled in this retrospective observational study. The exclusion criteria were the absence of videostroboscopy report and/or video recording in the patient ́s file,

Results:

A total of 1304 patients were included in this study, with oto-neurologic symptoms as the main cause of referral (65%, n= 852), followed by Pharyngolaryngeal symptoms (17%, n=220) and Nasal symptoms (13%, n=167). The most prevalent findings were laryngopharyngeal reflux (44.81%, n=82), Presbylarynx (21.31%, n=39), vocal fold paresis or paralysis (5.46%, n=10), and vocal fold polyp (5.46%, n=10).

Conclusions:

Geriatric dysphonia remains one of the common but undertreated health problems among the elderly, with this retrospective study cementing dysphonia as one of the main symptomatic complaints among geriatric patients. This enhances the need for a better preparation of otorhinolaryngologists for the evaluation and management of elderly patients presenting with dysphonia, recognizing the impact this symptom has on the day-to-day life of elderly patients.

Keywords: Geriatrics; Dysphonia; Presbyphonia; Presbylarynx; Reflux

Introdução

Durante as últimas décadas, a otimização dos cuidados de saúde e subsequente aumento da esperança média de vida, levaram a uma alteração da demografia mundial com a população idosa, definida como indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos, a aumentar de 524 para 608 milhões entre 2010 e 20151),(2, representando os idosos 22.1% da população portuguesa. Esta alteração demográfica reflete-se num aumento do número de idosos que procura os cuidados de saúde, não sendo a Otorrinolaringologia exceção, com a hipoacusia, alterações do equilíbrio, da voz e sinusite a terem grande impacto na qualidade de vida dos idosos3. Dentro destas alterações, a disfonia geriátrica permanece como um problema comum mas subtratado na população idosa4),(5. Apesar de a incidência de alterações da voz nos idosos ser estimada entre 12 e 35%, de acordo com o National Health Interview Survey de 2012, conduzido nos Estados Unidos, apenas 10% dos idosos com alterações da voz procurou os cuidados de saúde e, destes, apenas 22% foi avaliado por um otorrinolaringologista6.

O declínio da qualidade vocal associa-se a diminuição da capacidade de comunicação dos idosos predispondo-os a isolamento social, enaltecendo alguns investigadores a importância de uma avaliação adequada e de uma intervenção precoce por forma a evitar o impacto psicológico e psicossocial associados à disfonia na população geriátrica5. Desta forma, torna-se crucial o reconhecimento da magnitude da disfonia na população geriátrica5, sendo o objetivo do presente estudo a determinação da prevalência da disfonia nos idosos referenciados à consulta de Otorrinolaringologia (ORL) bem como os achados mais comuns na avaliação laringoscópica e a existência, ou não, de acompanhamento otorrinolaringológico posterior à primeira avaliação.

Materiais e Métodos:

O presente estudo foi aprovado pelo comité de ética local, tendo sido conduzido de acordo com as guidelines da Declaração de Helsínquia. Um total de 1304 doentes com idade igual ou superior a 65 anos, referenciados dos Cuidados de Saúde Primários ao serviço de ORL de um centro terciário durante os anos de 2019 e 2020, foi incluído neste estudo retrospetivo observacional, sendo a informação relativa aos motivos de referenciação e dados demográficos retirada do P1. Os motivos para referenciação foram subdivididos em “Sintomas Otoneurológicos”, “Sintomas Nasais”, “Sintomas Faringolaríngeos”, “Outros sintomas de Cabeça e Pescoço” e “Outros motivos”. O processo clínico dos doentes foi utilizado na recolha de informação relativa à manutenção de acompanhamento pela especialidade e à avaliação laringoscópica, realizada com laringoscopia rígida, tendo todas as gravações videoestroboscópicas sido avaliadas, de forma independente, pelas primeira e segunda autoras. Todos os doentes sem gravação foram excluídos. O diagnóstico de Refluxo Faringo-Laríngeo foi considerado perante a observação de sinais como a hipertrofia da comissura posterior, muco endolaríngeo e eritema aritenóideu, sendo a Presbilaringe diagnosticada pela presença de proeminência das apófises vocais e/ou bowing das cordas vocais e/ou existência de uma fenda glótica ovalar. A Análise Estatística foi realizada com o software SPSS versão 24 (IBM Corp., Armonk, NY), com valores de p inferiores a 0.05 a ser considerados estatisticamente significativos. A análise descritiva das características dos doentes foi realizada utilizando frequências para variáveis qualitativas e média e desvio padrão (DP) para variáveis quantitativas. A distribuição normal foi avaliada com recurso ao teste de Shapiro-Wilks e pela análise de skewness e kurtosis. Diferenças entre grupos foram avaliadas utilizando o teste chi-square para variáveis categóricas e utilizando o t-test para amostras independentes ou o teste de Mann-Whitney para variáveis contínuas.

Resultados:

População em Estudo:

Durante 2019 e 2020, registou-se um total de 10 266 referenciações dos Cuidados de Saúde Primários ao Serviço de ORL de um centro terciário, com 20% (n= 2084) destes pedidos referentes a doentes com idade igual ou superior a 65 anos. Destes, 37% (n= 779) não foram avaliados em consulta externa, com 75.2% (n=587) a necessitar de pedido de métodos complementares de diagnóstico, 16.7% (n= 130) faltaram à consulta, 4.2% (n= 33) já se encontravam em seguimento, 3.2% (n= 27) desistiram da marcação e 0.2% (n= 2) morreram antes da consulta.Um total de 1304 doentes foi então incluído neste estudo, dos quais 53% (n= 697) era do sexo feminino e 47% (n= 607) do sexo masculino, com uma média de idades de 73.35 anos (DP= 6.42, intervalo de 65-101) (Tabela 1).

Tabela 1 População em estudo 

Número de doentes Percentagem Média de Idades Desvio Padrão
Feminino 697 53% 73.49 6.68
Masculino 607 47% 73.18 6.12
Total 1304 100% 73.35 6.42

Os sintomas otoneurológicos foram o principal motivo para referenciação (65%, n= 852), seguindo-se os sintomas faringo-laríngeos (17%, 342) e os sintomas nasais (13%, n=167) (Tabela 2). A hipoacusia foi o sintoma mais citado entre todos os doentes (45%, n= 590), seguindo-se o acufeno (23%, n= 304), a vertigem (16%, n= 213) e a disfonia (14%, n= 183). A co-existência de sintomas mais prevalente foi entre os sintomas nasais e faringolaríngeos (n= 36) (Tabela 2).

Tabela 2 Coe-existência de pessoas 

Sintomas Oto-neurológicos Sintomas Nasais Sintomas Faringo-laríngeos Outros sintomas de cabeça e pescoço Outros
Sintomas Oto-neurológicos 852 20 25 2 -
Sintomas Nasais - 167 36 3 2
Sintomas Faringo-laríngeos - - 342 5 -
Outros sintomas de cabeça e pescoço - - - 13 -
Outros - - - - 19

Sintomas Faringo-laríngeos:

Todos os sintomas atribuíveis à faringe e/ou laringe foram incluídos neste grupo (Tabela 3). Um total de 343 doentes apresentava sintomas faringolaríngeos, dos quais 50% eram do sexo feminino (n= 172) e 50% eram do sexo masculino (n= 171), com uma idade média de 72.37 anos (DP= 0.31). A disfonia foi o sintoma mais comummente referido pelos doentes neste grupo (54%, n= 183), seguindo-se o globus pharingeus (19%, n= 6), o pigarro (14%, n= 48) e a disfagia (12%, n=41) (Tabela 3), sendo que 5% (n= 10) dos doentes com disfonia apresentava hipoacusia concomitante.

Tabela 3 Sintomas Faringo-Laríngeos 

Número de doentes (n) % entre doentes com sintomas faringo-laríngeos (n= 342) % entre todos os doentes
Disfonia 183 54 14
Globus Pharyngeus 66 19 5
Pigarro 48 14 4
Disfagia 41 12 3
Odinofagia 30 9 2
Tosse 28 8 2
Engasgamento 19 6 1
Roncopatia 11 3 1
Faringite 3 1 0
Paralisia da CV 1 0 0
Dispneia 1 0 0

Achados Laringoscópicos:

Uma ou mais patologias laríngeas que poderão contribuir para o surgimento de disfonia foram encontradas em 144 doentes (78.69%). O achado mais prevalente foi a existência de sinais de Refluxo Faringo-laríngeo (44.81%, n= 82), Presbilaringe (21.31%, n= 39) paralisia ou parésia de cordas vocais (5.46%, n= 10), pólipo das cordas vocais (5.46%, n= 10) e edema de Reinke (4.92%, n= 9), não existindo diferenças estatisticamente significativas entre estes achados laringoscópicos e o género dos doentes. No entanto, a idade média dos doentes com Presbilaringe foi estatisticamente superior ((74.56 anos; DP= 0.85; p<0.001) à idade de doentes com disfonia sem sinais de Presbilaringe, sendo a média de idades de doentes com pólipo das cordas vocais (68.40 anos; DP= 0.78) e edema de Reinke (69.11 anos; DP= 1.17) estatisticamente inferior do que a de doentes com disfonia por outras causas. Outros achados laringoscópicos foram: quisto das cordas vocais (n= 3), nódulos das cordas vocais (n= 1), granuloma das cordas vocais (n= 2), sulcus vocalis (n= 2), leucoplasia das cordas vocais (n= 4), fibrose das cordas vocais (n= 1), carcinoma epidermoide laríngeo (n= 4), hemangioma (n= 1) e tremor laríngeo (n= 1). Não foram encontrados achados laringoscópicos relevantes em 31 doentes (16.94%; 15 homens e 16 mulheres).

Alta vs Seguimento

Após a primeira avaliação otorrinolaringológica por disfonia, 112 doentes (61.20%) teve alta, tendo sido a maior taxa de altas registada nos doentes com Presbilaringe (84.62%), seguindo-se os doentes sem alterações laringoscópicas (83.87%).

Discussão

A fonação é uma das funções humanas afetadas pelo envelhecimento, com a disfunção vocal a diminuir a capacidade de comunicação, conduzindo a isolamento social, ansiedade e depressão na população idosa7. O impacto das alterações vocais nos idosos ganha uma ainda maior dimensão quando consideramos o crescente número de idosos que se mantém como parte ativa laboral, onde a comunicação pode ser central7, sendo estudos sobre a voz dos idosos de extrema importância. Assim, o principal objetivo do presente estudo foi identificar a prevalência da disfonia entre os idosos referenciados à consulta de otorrinolaringologia. No presente estudo, os sintomas Faringo-laríngeos foram o segundo grupo de sintomas mais prevalente entre os doentes idosos referenciados para avaliação otorrinolaringológica, seguindo-se aos sintomas otoneurológicos, com a disfonia a ser o sintoma mais comum dentro do grupo e o quarto mais comum de forma geral. O achado da disfonia como quarta principal queixa é um indicador do impacto que este sintoma tem no dia-a-dia dos idosos, enaltecendo mais uma vez a importância de uma melhor preparação dos otorrinolaringologistas para a avaliação deste sintoma nos doentes idosos. A prevalência concomitante de disfonia e hipoacusia foi previamente reportada como sendo de 10.5%, com 5% dos doentes deste estudo a reportar ambos os sintomas8. Esta associação sintomática deve ser valorizada, uma vez que a hipoacusia agrava o impacto negativo da disfonia na capacidade de comunicação dos idosos, aumentando o risco de introversão e isolamento social, com scores de depressão a serem significativamente superiores em doentes com ambos os sintomas6),(8. Este efeito sinérgico alerta para a necessidade de avaliar a existência de disfonia e hipoacusia em doentes idosos, particularmente naqueles que já apresentem um destes sintomas, principalmente quando considerada a existência de tratamentos potencialmente eficazes para cada um dos sintomas e que a disfonia deve ser abordada como uma alteração potencialmente tratável8),(9. O segundo objetivo deste estudo foi determinar quais os achados laringoscópicos mais prevalentes em doentes idosos com disfonia. A evidência científica relativa às alterações laringológicas mais frequentemente encontradas em doentes idosos com disfonia é conflituosa, com a Paralisia das cordas vocais, o Refluxo Faringo-laríngeo (RFL) e a Presbilaringe a surgirem como as principais causas de disfonia nos idosos, com a existência de sinais de RFL a ser o achado mais comum neste estudo7),(10),(11),(12. A incidência de RFL aumenta com a idade, uma vez que o envelhecimento altera a barreira anti-refluxo, diminuindo a clearance ácida, apresentando os idosos também maior predisposição à existência de hérnia do hiato ou à toma de medicação indutora de relaxamento do esfíncter esofágico inferior, nomeadamente nitratos, bloqueadores dos canais de cálcio ou benzodiazepinas13. No entanto, o peso preciso desta patologia nos doentes idosos permanece por esclarecer, uma vez que o RFL se associa a um elevado número de sintomas, reportando um menor número de idosos ardor retro-esternal e regurgitação, comparativamente a indivíduos mais jovens13),(14. Apesar disso, os achados deste estudo parecem consolidar o RFL como uma das principais causas de disfonia nos idosos, havendo por isso maior necessidade de melhor preparar os otorrinolaringologistas para o tratamento desta patologia, minimizando sintomas e prevenindo sequelas da doença não tratada. A Presbilaringe foi o segundo achado laringológico mais comum, com sinais da patologia identificados em 21.31% dos doentes, encontrando-se uma associação entre idade mais avançada e este diagnóstico. Apesar de esta prevalência se encontrar de acordo com estudos prévios, mantém-se a controvérsia relativa à verdadeira frequência desta patologia, com estimativas a variar entre os 12% e os 72%7),(15. Uma possível explicação para esta discrepância poderá ser a inexistência de critérios de diagnóstico precisos para esta patologia16. Várias alterações estruturais e funcionais, nomeadamente proeminência das apófises vocais, bowing das cordas vocais e a existência de uma fenda glótica ovalar, têm sido associadas a Presbilaringe. No entanto, estes sinais podem não se encontrar presentes simultaneamente, com vários idosos a apresentar proeminência das apófises vocais e bowing das cordas vocais, sem observação de escape glótico durante a fase de oclusão das cordas vocais. Uma vez que alguns autores consideram o diagnóstico de Presbilaringe apenas na presença de fenda glótica ovalar, estes doentes são excluídos do diagnóstico, contribuindo para uma menor prevalência de Presbilaringe e possível subdiagóstico da mesma. Apesar disto, dentro das várias causas de disfonia geriátrica, a Presbilaringe tem ganho maior importância, com o presente estudo a sedimentar este diagnóstico como uma das principais causas de disfonia entre os doentes idosos12),(16. Isto, a par da evidência crescente que sugere a existência de opções terapêuticas eficazes para o tratamento da Presbilaringe, enaltece a importância do reconhecimento deste diagnóstico e da sua abordagem12. Dentro das outras causas de disfonia, observou-se que os doentes com nódulos, pólipos e quistos das cordas vocais apresentavam idade estatisticamente inferior à dos doentes com disfonia por outras causas, corroborando estudos prévios que observaram uma diminuição consistente destas lesões benignas com a idade7. Apesar de o motivo para esta diminuição permanecer desconhecido, é possível que se possa dever a uma alteração no perfil de uso da voz nos idosos que condicione menor fonotrauma7. As neoplasias da cabeça e pescoço são o sexto cancro mais comum no mundo, afetando os idosos de forma desproporcional, com a prevalência de neoplasias laríngeas a atingir o seu pico entre a sétima e oitava décadas de vida, independentemente do género17),(18. Isto é particularmente importante quando consideramos as alterações laríngeas nas quais o tabaco atua como principal fator de risco encontradas neste estudo, nomeadamente o Edema de Reinke e a Leucoplasia19),(20. Mantendo-se o uso do tabaco como principal fator de risco para as neoplasias da laringe, idosos com hábitos tabágicos têm maior risco de desenvolver neoplasia laríngea, com a leucoplasia a revelar um maior risco de cancro laríngeo com o avançar da idade20. A percentagem de doentes com disfonia nos quais a laringoscopia foi considerada normal é também relevante. Apesar de a laringe representar o órgão central da fonação, o envelhecimento afeta outros sistemas envolvidos na criação e modolação da voz, nomeadamente os sistemas respiratório e neurológico, com um elevado número de doenças a associar-se a disfonia, com a existência de multimorbilidade a associar-se negativamente com alterações vocais, tendo um terço dos casos múltiplas causas6. No presente estudo, a principal co-existência de sintomas foi encontrada entre os sintomas faringolaríngeos e os sintomas nasais e, interferindo a patologia nasossinusal com o processo de fonação, é possível que os sintomas nasais levem a disfonia sem alterações laríngeas evidentes. Apesar de ser de interesse relacionar a disfonia e sintomas nasais específicos, estes achados corroboram a disfonia no idoso como uma entidade multifatorial. Outra possível explicação para esta percentagem é a falta de critérios de diagnóstico para Presbilaringe, como explicado acima, o que pode levar à consideração dos achados laringoscópicos como normais. O terceiro objetivo do estudo foi determinar qual o acompanhamento dos doentes idosos com disfonia após uma primeira avaliação otorrinolaringológica, sendo que 61.20% dos doentes teve alta. Como esperado, um número significativo de doentes idosos diagnosticados com RFL, pólipo das cordas vocais, alterações da motilidade e edema de Reinke teve pelo menos uma consulta subsequente, com a maior taxa de altas a ser encontrada nos doentes com Presbilaringe (84.62%). Este facto deverá, eventualmente, fazer com que os otorrinolaringologistas reavaliam a forma de acompanhamento dos doentes com Presbifonia e Presbilaringe, mudando-se o paradigma destas alterações como inevitáveis no envelhecimento sem abordagens terapêuticas adequadas. Assim, devem ser aplicados questionários de auto-avaliação para melhor perceber a perspetiva do doente, bem como o seu status clínico, de forma a oferecer um plano terapêutico adequado. O tratamento eficaz da Presbifonia requer uma abordagem multidisciplinar e o protocolo de reabilitação atual apresenta tipicamente a terapia da fala como primeira linha de tratamento21),(22),(23. Quando um indivíduo com Presbifonia não atinge um progresso satisfatório através de terapia da fala, intervenções médicas ou cirúrgicas poderão ser oferecidas para otimizar o encerramento glótico21. Assim, consultas subsequentes podem ser necessárias para re-avaliação podendo, no futuro, diminuir a taxa de altas após a primeira avaliação em doentes com Presbilaringe. Este estudo apresenta algumas limitações. Primeiramente, é um estudo retrospetivo conduzido num único centro, sendo que fatores de risco para disfonia, como co-morbilidades e medicação, não foram avaliados. Em segundo lugar, a avaliação laringoscópica foi realizada por diferentes profissionais, havendo inevitavelmente impacto nos achados laringoscópicos, ainda que as gravações das diferentes avaliações laringoscópicas tenham sido avaliadas pelos autores. Apesar disto, o presente estudo é o primeiro a determinar a prevalência de disfonia nos doentes idosos referenciados dos cuidados de saúde primários à consulta de otorrinolaringologia, com a recolha de dados durante dois anos consecutivos a permitir a inclusão de um elevado número de doentes. Associadamente, todos os doentes com sintomas faringo-laríngeos tinham um relatório laringoscópico escrito e vídeo da avaliação e, desta forma, foi possível o acesso à avaliação gold standard dos doentes com disfonia.

Conclusão

A disfonia geriátrica permanece um problema subtratado na população idosa, representando uma das principais queixas que leva os idosos à consulta de ORL. O presente estudo permite um melhor conhecimento das alterações associadas a disfonia nos idosos, permitindo uma melhor abordagem deste sintoma potencialmente tratável e que acarreta importante impacto na qualidade de vida.

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Recebido: 05 de Maio de 2022; Aceito: 07 de Setembro de 2022

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