Introdução
A síndrome PFAPA (febre periódica, estomatite aftosa, faringite/amigdalite e adenite cervical) é uma síndrome de origem desconhecida com início geralmente antes dos 5 anos de idade. A grande maioria dos doentes entra em remissão antes da adolescência; no entanto, pode permanecer até à idade adulta. Esta síndrome geralmente tem uma duração média de 4,5 anos1.
É a causa mais frequente de febre recorrente em crianças de países com baixa prevalência de febre familiar do Mediterrâneo2. A diminuição da qualidade de vida do doente, da sua família e o absenteísmo escolar constituem o principal problema desta síndrome3.
A febre é um marcador diagnóstico, ao contrário da estomatite aftosa, amigdalite críptica ou faringite e adenite. Outros sintomas menos comuns incluem náuseas, vómitos, diarreia, artrite, conjuntivite e dor abdominal4.
Marshall descreveu pela primeira vez esta síndrome em 19895. Dez anos mais tarde Thomas1 estabeleceu critérios diagnósticos:
Febres recorrentes com início antes dos cinco anos de idade.
Pelo menos um dos seguintes sinais: estomatite aftosa, adenomegalias cervicais ou faringite.
Exclusão de neutropenia cíclica.
Ausência de sintomas entre episódios.
Crescimento e desenvolvimento normal.
A febre tipicamente não responde a paracetamol, ibuprofeno, ácido acetilsalicílico, metamizol ou antibióticos. Tem uma boa resposta à corticoterapia: dose única de prednisolona (1-2 mg/kg/dia) ou betametasona (0,3 mg/kg/dia) (6. Geralmente cessa de forma espontânea ao fim de 5 dias, mesmo sem tratamento.
O papel da amigdalectomia no tratamento da síndrome de PFAPA foi sugerido em 1989 por Abramson, que descreveu um efeito benéfico na remissão da doença7. Em adultos com síndrome de PFAPA a resposta à amigdalectomia parece ser menor do que em crianças8. A amigdalectomia pode ser associada a adenoidectomia, especialmente em casos de patologia obstrutiva do sono, no entanto a última não tem utilidade quando feita de forma isolada7.
Este trabalho pretende realizar uma revisão da literatura e comparar a efetividade da terapêutica farmacológica com a da amigdalectomia na remissão de eventos febris em crianças com síndrome de PFAPA.
Material e métodos
Os autores analisaram retrospetivamente casos com diagnóstico de síndrome de PFAFA, que ocorreram durante o período entre Janeiro de 2016 e Dezembro de 2021, no Hospital Pedro Hispano. O estudo baseou-se na informação obtida através do processo clínico de cada doente.
Os dados colhidos foram gravados numa base de dados Excel (versão MAC) e as variáveis estudadas foram: idade, género, sinais/sintomas, antecedentes familiares de síndrome febril recorrente, tipos de tratamento efetuado (médico e/ou cirúrgico), tempo de remissão (após início de tratamento médico e após tratamento cirúrgico) e remissão no 1º, 3º e 6º mês após amigdalectomia. Todos os doentes intervencionados obtiveram um seguimento mínimo de 6 meses. Os dados foram processados e analisados informaticamente no programa SPSS (versão 28.0) e Excel (versão MAC).
Os critérios de inclusão foram: idade < 18 anos, síndromes febris recorrentes que cumpriram os critérios de Thomas para síndrome de PFAPA.
Os critérios de exclusão foram: idade ≥ 18 anos, outros síndromes febris recorrentes que não cumpriram os critérios de Thomas para síndrome de PFAPA, falta de informação no processo clínico.
Resultados
No total foram avaliadas 9 crianças (56 % do sexo feminino, 44 % do sexo masculino) com idades que variaram entre 1 e 4 anos (idade média 1,9 ± 1,3 anos).
Todos apresentavam febre e amigdalite ao diagnóstico (tabela 1), sendo que 5 apresentavam adenite (55,6%) e 3 estomatite aftosa (33,0%). Apenas 2 crianças (22,2%) apresentavam antecedentes familiares de febre recorrente em idade pediátrica (pai e/ou mãe).
Doente, Nº | Idade ao diagnóstico, anos | Clínica | Remissão ao diagnóstico, semanas | Tratamento médico | Tratamento cirúrgico | Remissão após cirurgia | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1º mês | 3º mês | 6º mês | ||||||
1 | 2 | F, Am, E | 8 | Ant, Cor | Amig, Aden | ✓ | ✓ | ✓ |
2 | 1 | F, Am, Ad | 4 | Ant, Cor | Amig, Aden | ✓ | ✓ | ✓ |
3 | 4 | F, Am, Ad | 3 | Ant, Cor, Col | - | - | - | - |
4 | 4 | F, Am | 4 | Ant, Cor | - | - | - | - |
5 | 1 | F, Am, Ad | 4 | Ant, Cor | - | - | - | - |
6 | 1 | F, Am, Ad, E | 2 | Ant, Cor | Amig, Aden | ✓ | ✓ | ✓ |
7 | 1 | F, Am, Ad, E | 5 | Ant, Cor | - | - | - | - |
8 | 1 | F, Am | 4 | Ant, Cor | Amig, Aden | ✓ | ✓ | ✓ |
9 | 2 | F, Am | 5 | Ant, Cor | Amig, Aden | ✓ | ✓ | ✓ |
Abreviaturas: F, febre; Am, amigdalite; Ad, adenite; E, estomatite; Ant, antibiótico; Cor, corticoide; Col, colchicina; Amig, amigdalectomia; Aden, adenoidectomia.
Durante a crise, a temperatura variou entre 39,0 °C e 41,0 °C, sendo a temperatura média de 39,9 ± 0,6 °C (tabela 2). A duração média das crises ao diagnóstico foi de 4,1 ± 0,8 dias, com um mínimo de 3 e um máximo de 5 dias.
Durante a crise, os valores médios dos reagentes de fase aguda foram de 15895,6 ± 5759,5 leucócitos/µL e de 94,1 ± 94,7 mg/L para PCR. O valor mínimo registado de leucócitos foi 9300/µL e o máximo de 26790/µL. Para a PCR, o valor mínimo foi de 2,8 mg/L e o máximo 248,7 mg/L.
Todas as crianças foram submetidas a tratamento farmacológico após o diagnóstico (tabela 3). Em alguma fase da doença todas foram tratadas com antibiótico (100%) pela suspeita de infeção bacteriana. Em crise todas (100%) foram tratadas com corticoide. Uma das crianças (11,1%) foi tratada com colchicina com intuito de prevenir novas crises.
Antibiótico | 100 % |
Corticoide | 100 % |
Colchicina | 11,1 % |
Nota - antibiótico: amoxicilina e/ou amoxicilina + ácido clavulânico e/ou penicilina; corticoide: dose única prednisolona.
Aquando do diagnóstico da síndrome de PFAPA, o número médio de semanas de remissão foi de 4,0 ± 1,8. Após iniciar corticoterapia foi de 3,88 ± 1,0 (tabela 4), com um mínimo de 3 e um máximo de 8 semanas. A única criança medicada com colchicina (fora de crise) aumentou o período de remissão em 1 semana (3 para 4 semanas).
Das 9 crianças, 5 (55%) foram submetidas a amigdalectomia por dissecação clássica com adenoidectomia (tabela 1). Destas 5 crianças, 2 (40%) eram do sexo masculino e 3 (60%) eram do sexo feminino, tendo 4 (80%) sido intervencionadas aos 2 anos de idade e 1 (20%) aos 3 anos.
O número médio de semanas de remissão com a amigdalectomia foi de 50,6 ± 33,8, com um mínimo de 24 e um máximo de 88 semanas (tabela 4). Todas apresentaram remissão da doença ao 1º, 3º e 6º mês pós amigdalectomia (tabela 1).
Discussão
A síndrome de PFAPA faz diagnóstico diferencial com patologias infeciosas e autoimunes caracterizadas por episódios febris recorrentes (neutropenia cíclica, febre familiar do Mediterrâneo, síndrome de hiperglobulinemia D, doença de Behçet, artrite reumatoide juvenil e síndrome de febre periódica hereditária autossómica dominante). Um dos critérios de inclusão para o estudo foi o cumprimento dos critérios diagnósticos de Thomas1.
Na síndrome de PFAPA a temperatura tipicamente aumenta de forma súbita, atingindo valores entre 39 e 41 °C. Geralmente dura entre 3 e 5 dias e sem tratamento preventivo pode recorrer ao fim de 3 a 6 semanas2.
No nosso estudo todas as crianças foram diagnosticadas antes dos 5 anos de idade, com um predomínio do sexo feminino. Durante a crise, em termos laboratoriais, observou-se um aumento dos reagentes de fase aguda (nomeadamente da PCR) e do valor sérico absoluto de leucócitos, tal como referido na literatura. Os níveis séricos de IgD e IgE também podem aumentar2. Não existe nenhum marcador laboratorial específico para esta síndrome, sendo que as culturas e os testes diretos de antigénio rápido para Streptococcus pyogenes são geralmente negativos2.
Embora a síndrome de PFAPA apresente uma evolução autolimitada, a maiores dos autores recomenda que seja oferecido tratamento após o diagnóstico9,10. A patogénese desconhecida traz algum grau de incerteza relativamente ao seu tratamento. O tratamento farmacológico (corticoide e colchicina) é o mais frequentemente utilizado. Por outro lado, na prática clínica diária, a amigdalectomia não é comumente considerada como tratamento inicial.
A corticoterapia é uma das poucas terapêuticas farmacológicas que encurtam ou resolvem os episódios febris9. Complicações associadas à única de corticoide em idade pediátrica são extremamente raras10; porém, os riscos potenciais devem ser explicados aos pais. No nosso estudo observou-se um ligeiro encurtamento do período de remissão após início de corticoterapia. Segundo a literatura intermacional9, em doentes com necessidade recorrente de corticoterapia está documentado um encurtamento do período de remissão9. Outras armas terapêuticas referidas na literatura incluem por exemplo os inibidores da IL-1, geralmente reservados para crises refratárias à corticoterapia11. Segundo a literatura1, a utilização de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) tem pouca utilidade. O acetominofeno e o ibuprofeno reduzem a temperatura em apenas 6 e 33 % dos casos, respetivamente, sendo este efeito temporário.
Na prevenção farmacológica de episódios febris, a colchicina (1 mg/kg) demonstrou ser eficaz a reduzir significativamente o número de eventos12. Neste estudo apenas foi utilizada numa criança e aumentou o período de remissão da doença em 1 semana. Em sentido contrário, uma meta-análise recente concluiu que a cimetidina é ineficaz na prevenção de novos eventos8,13-15.
A amigdalectomia não foi considerada como arma terapêutica inicial. A ausência de resposta e/ou o encurtamento do período de remissão após terapêutica farmacológica motivou que 5 crianças fossem enviadas a consulta de ORL, com o intuito de serem inscritas para amigdalectomia. Segundo as últimas recomendações da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia da Cabeça e Pescoço, o diagnóstico de síndrome PFAPA é uma das indicações para realizar amigdalectomia na idade pediátrica16. Vários ensaios clínicos randomizados17,18 e séries de casos foram publicadas sobre o efeito positivo da amigdalectomia. Estudos recentes demonstraram que a remissão com o tratamento médico é significativamente menor, quando comparada com o tratamento cirúrgico19. Em alguns estudos foi relatada resolução completa dos episódios febris após amigdalectomia17-18,20. A base fisiopatológica para este efeito benéfico da amigdalectomia permanece desconhecida. Alguns estudos21 sugerem que se deve ao controlo da resposta inflamatória excessiva e recorrente do tecido linfoide palatino, a estímulos internos ou externos, nomeadamente a nível das células amigdalinas.
Embora com uma amostra reduzida, os resultados cirúrgicos do nosso estudo vão de encontro ao supracitado, com um período de remissão pós amigdalectomia muito superior ao obtido com o tratamento farmacológico. Nenhuma das crianças submetidas a tratamento cirúrgico apresentou nova agudização da doença na janela temporal avaliada, reforçando o papel da amigdalectomia na abordagem terapêutica da síndrome de PFAPA em idade pediátrica.
Conclusão
Neste estudo a amigdalectomia demonstrou ser uma opção terapêutica muito útil na remissão da doença. A avaliação prospetiva da eficácia deste procedimento cirúrgico pode reforçar ainda a sua importância no tratamento da síndrome de PFAPA.
Conflito de Interesses
Os autores declaram que não têm qualquer conflito de interesse relativo a este artigo.