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Revista Portuguesa Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço

versão On-line ISSN 2184-6499

Rev Port ORL vol.61 no.2 Lisboa jun. 2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.34631/sporl.2037 

Artigo de Revisão

Diferenças entre estadiamento clínico e patológico em doentes sujeitos a laringectomia total

Clinical versus pathological staging in laryngectomized patients

Cristina Aguiar1 
http://orcid.org/0000-0001-5049-9565

Mónica Teixeira1 
http://orcid.org/0000-0002-9658-5300

Paulo Pina1 

Edite Coimbra Ferreira1 

Leandro Ribeiro1 

Pedro Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0003-4040-6585

1 Serviço de Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Portugal


Resumo

Objetivos:

Avaliar a acuidade do estadiamento clínico no cancro da laringe e hipofaringe, assim como o seu impacto no tipo de tratamento e fatores associados.

Desenho do Estudo:

Retrospetivo.

Material e Métodos:

Revisão dos casos dos doentes submetidos a laringectomia total com esvaziamento cervical entre 2013-2021.

Resultados:

Registaram-se 54 casos, sendo a maioria do sexo masculino e com média de idades de 61 anos. Foi verificada uma discordância entre o estadiamento clínico e patológico em 17 casos. Verificou-se também uma maior concordância clínico-patológica na invasão do espaço pré-epiglótico, comissura anterior, cricóide, no atingimento contralateral e extra-laríngeo, e uma maior discrepância na invasão da cartilagem tiróide e do espaço paraglótico

Conclusões:

Verificou-se, através da análise da nossa casuística, a necessidade de uma melhor acuidade na avaliação diagnóstica do espaço paraglótico e da invasão da cartilagem tiróide. Um estadiamento clínico mais preciso da invasão destas áreas acarretaria eventuais alterações da estratégia terapêutica, condicionando, assim, as escolhas para cada caso.

Palavras-chave: cancro da laringe; laringectomia total; estadiamento clínico; estadiamento patológico

Abstract

Aim:

To assess the accuracy of clinical staging in laryngeal and hypopharyngeal cancer, as well as its impact on the type of treatment and associated factors

Study Design:

Retrospective.

Material and Methods:

Review of patients submitted to total laryngectomy, between 2013 and 2021.

Results:

There were 54 patients, almost all males and with a mean age of 61 years-old. There was a discrepancy between clinical and pathological of overall stage in 17 cases. There was greater accuracy of diagnosis of pre-epiglottic space, anterior commissure, cricoid cartilage, contralateral and extra-laringeal invasion, as opposed to invasion of paraglottic and thyroid cartilage.

Conclusions:

The correct characterization of this type of tumor requires greater accuracy in the diagnostic evaluation of the paraglottic space and in the invasion of the thyroid cartilage.

Keywords: Laryngeal cancer; total laryngectomy; clinical stage; pathological stage

Introdução

O cancro da laringe é a terceira neoplasia mais comum da cabeça e pescoço, sendo o carcinoma pavimento-celular o subtipo histológico mais frequente.1 Em cerca de metade dos casos, o diagnóstico é realizado em estadios avançados- III e IV - o que faz com que a sobrevida livre de doença aos 5 anos seja inferior a 50%.2,3

A classificação TNM é considerada a mais fidedigna para a avaliação da extensão do tumor (T) e da sua metastização, quer regional (N) quer à distância (M), sendo fundamental para uma decisão terapêutica adequada e avaliação prognóstica. (2 O estadiamento patológico é considerado o gold-standard, implicando, contudo, a remoção cirúrgica da laringe e dos gânglios linfáticos cervicais. (1 Os efeitos da doença e da terapêutica nas funções da deglutição, respiração e fonação fez com que o paradigma do tratamento deste tipo de tumores se tenha focado não apenas na sobrevida mas também nos outcomes funcionais e de qualidade de vida, aumentando o número de doentes incluídos em protocolos terapêuticos que têm como objetivo a preservação de órgão. (4 Nestes doentes, e uma vez que não existe peça cirúrgica, o estadiamento será apenas clínico, baseando-se nos achados clínicos e imagiológicos.1 Na atualidade, não existe nenhum método diagnóstico que avalie com absoluta precisão a extensão do tumor primário ou a existência de metástases regionais, o que pode originar diferenças entre o estadiamento clínico e patológico. (5

Apesar da preservação anatómica da laringe não significar a funcionalidade da mesma, o sobre-estadiamento clínico está tipicamente associado a piores outcomes funcionais (devidos à perda da voz laríngea e à presença de um traqueostoma definitivo) (6, enquanto que o seu sub-estadiamento se associa a um aumento da taxa de recidiva e mortalidade. (1

O objetivo deste trabalho é avaliar a acuidade do estadiamento clínico no cancro da laringe e hipofaringe, assim como o seu impacto no tipo de tratamento e fatores associados.

Material e Métodos

Estudo de coorte retrospetivo que pretendeu avaliar os doentes submetidos a uma laringectomia total no Serviço de Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho entre 1 de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2021. Apenas foram selecionados os doentes que apresentavam um subtipo histológico de carcinoma pavimento-celular. O estadiamento do cancro da laringe e hipofaringe foi baseado na 8ª edição da classificação TNM.

Através da consulta dos processos clínicos, foram analisadas e agrupadas as seguintes variáveis clínicas: a) demográficas - idade e género; localização do tumor primário, tratamento adjuvante, recidiva, morte b) estadiamento clínico baseado na combinação dos achados clínicos e imagiológicos c) estadiamento patológico e margens da peça operatória (avaliados por diferentes anátomo-patologistas do serviço de Anatomia Patológica); d) diferença entre o estadiamento clínico e patológico das subcategorias T e N.

Foram apenas consideradas as diferenças entre as categorias T, N e o estadio geral final quando houve mudança de categoria (não de subcategoria). Define-se como downstage os casos em que o estadiamento patológico foi inferior ao estadiamento clínico e upstage os casos em que o estadiamento patológico foi superior ao estadiamento clínico.

A análise dos dados foi realizada com o software SPSS®, versão 27.0. As variáveis discretas são apresentadas como frequências e percentagens e as variáveis contínuas são resumidas com média e desvio-padrão (d.p.) com distribuição normal ou medianas e intervalo interquartil nas variáveis com distribuição não-normal. Na comparação entre grupos foi utilizado o teste qui-quadrado ou teste Fisher para as variáveis categóricas. A significância estatística foi assumida para valores de p<0,05.

Resultados

Ao longo do período de estudo verificou-se uma prevalência mediana de 5 casos por ano, com um pico de prevalência em 2019 (Figura 1).

Figura 1 Distribuição anual das cirurgias 

No período em estudo, foram registados 54 casos de doentes que foram submetidos a laringectomia total (LT) associada a esvaziamento ganglionar cervical bilateral, dos quais 52 pertenciam ao género masculino (96,3%) e 2 ao feminino (3,7%), apresentando idades compreendidas entre os 40 e os 87 anos (idade média ± d.p. 61,04±9,40 anos). O tumor primário foi considerado supraglótico em 59,3% dos casos, glótico em 24,1% e hipofaríngeo nos restantes (16,6%). Foi realizada uma tomografia computorizada por emissão de positrões (PET-TC) em cerca de metade dos casos (53,7%), sendo que os doentes que realizaram PET-TC tiveram mais frequentemente estadios N positivos (N+) (clínicos). Estes foram divididos em 4 categorias de acordo com o estadio geral (patológico): 66% encontravam-se no estadio IV, 24,1% no III, 5,6% no II e os restantes 4,3% no estadio I. As margens da peça cirúrgica foram inferiores a 5mm em 8 casos. O tratamento adjuvante com radioterapia (RT) foi necessário em 38 casos, sendo que em 23 destes foi complementado com quimioterapia (QT). Os doentes com margens cirúrgicas inferiores a 5mm fizeram mais frequentemente QTRT (p<0,001), e também apresentaram taxas de recidiva mais elevadas (p=0,009). (Tabela 1)

Tabela 1 Características dos doentes submetidos a laringectomia total 

Variável Frequência Percentagem
Género
Masculino 52 96,3%
Feminino 2 3,7%
Localização do tumor primário
Supraglótico 32 59,3%
Glótico 13 24,1%
Hipofaringe 9 16,6%
Estadio clínico (cT cN)
cT2 cN0 2 3,7%
cT2 cN1 2 3,7%
cT3 cN0 17 31,5%
cT3 cN1 2 3,7%
cT3 cN2 7 12,9%
cT3 cN3 3 5,6%
cT4 cN0 7 12,9%
cT4 cN1 4 7,4%
cT4 cN2 10 18,6%
Estadio patológico (pT pN)
pT1 pN0 2 3,7%
pT1 pN1 1 1,9%
pT2 pN0 3 5,6%
pT2 pN3 2 3,7%
pT3 pN0 11 20,3%
pT3 pN1 1 1,9%
pT3 pN2 9 16,7%
pT3 pN3 4 7,4%
pT4 pN0 7 12,9%
pT4 pN1 2 3,7%
pT4 pN2 6 11,1%
pT4 pN3 6 11,1%
Estadio geral (patológico)
I 2 4,3%
II 3 5,6%
III 13 24,1%
IV 36 66%
PET-TC
Sim 29 53,7%
Não 25 46,3%
Margens cirúrgicas
<5mm 8 14,8%
>5mm 46 85,2%
Tratamento complementar 38 70,4%
Radioterapia 15 39,5%
Quimioterapia + Radioterapia 23 60,5%
Recidiva
Sim 17 31,5%
Não 37 68,5%
Morte
Sim 18 33,3%
Não 36 66,7%

Foi verificada uma discordância entre o estadio final clínico e patológico em 17 (31,5%) casos, sendo que esta não esteve relacionada com a localização do tumor (supraglótico (p=0,522), glótico (p=0,303) ou hipofaríngeo (p=0,703)). O downstage do estadio geral ocorreu em 10 casos, sendo mais comum (6/10) a mudança de IV para III, enquanto que o upstage ocorreu em 7 casos (subida do estadio III para o IV em 6/7 doentes). A mudança de estadio final não se associou a um aumento da taxa de recidiva (p=0,911 e p=0,859, respetivamente) ou morte (p=0,805 e p=0,775, respetivamente). Existiu uma discordância da categoria T em 35,1% (19/54) dos casos, sendo que este foi mais vezes sobrevalorizado clinicamente, o que se reflete na maior percentagem de casos de downstage (68,4%; 13/19 casos) comparativamente ao upstage (31,6%; 6/19 casos). Já o estadio N foi discordante em 44% (24/54 casos) dos casos, tendo sido mais subvalorizado clinicamente, o que se reflete na maior percentagem de casos de upstage (75%; 18/24 casos) comparativamente ao downstage (25%; 6/24 casos). (Tabela 2)

Tabela 2 Diferenças entre o estadiamento clínico e patológico 

Estadio Patológico T Estadio Patológico N
Estadio Clínico T T1 T2 T3 T4 Estadio clínico N N0 N1 N2 N3
T1 - - - - N0 19 1 6 1
T2 1 1 - 1 N1 1 1 2 3
T3 2 3 19 5 N2 3 2 7 5
T4 - 1 6 15 N3 - - - 3
Downstage (n) 3 4 6 - Downstage (n) 4 2 - -
Upstage (n) - - - 6 Upstage (n) - 1 8 9

Relativamente ao estadio T, verificou-se que existiu uma maior concordância clínico-patológica na invasão do espaço pré-epiglótico (p=0,017), da comissura anterior (p=0,003), da cricóide (p=0,039), no atingimento contralateral (p=0,022) e extra-laríngeo (p=0,05), enquanto que a invasão do espaço paraglótico (apenas 8 em 19 casos) e da cartilagem tiróide (6 em 18 casos na lâmina interna e 10 em 18 na lâmina externa) revelou uma maior discordância. Foi realizado estudo complementar com RMN em 5 dos 19 doentes, sendo que, relativamente à invasão da cartilagem tiróideia, os achados na TC-RMN foram apenas concordantes em 2 casos, aumentando para 4 quando avaliada a concordância RMN/patologia. (Tabela 3)

Tabela 3 Concordância clínico-patológica entre diferentes variáveis 

Variável Concordância clínico-patológica p-value
Espaço pré-epiglótico 84,2% (16/19) 0,017
Espaço paraglótico 42,1% (8/19) 0,650
Comissura anterior 88,2% (15/17) 0,003
Comissura posterior 58,8% (10/17) 1,000
Subglote 88,2% (15/17) 0,063
Lâmina interna da cartilagem tiróide 33,3% (6/18) 0,335
Lâmina externa da cartilagem tiróide 55,6% (10/18) 0,294
Cartilagem cricóide 89,5% (17/19) 0,039
Cartilagens aritenóides 66,7% (12/18) 0,326
Extensão contralateral 83,3% (15/18) 0,022
Extensão extra-laríngea 77,8% (14/18) 0,050

Os doentes com upstage do T não tiveram mais frequentemente margens cirúrgicas curtas (<5mm) (p=0,575) ou recidiva (p=1,000).

Nos casos em que se verificou um downstage da categoria T, após avaliar as co-morbilidades, as características do doente e do tumor, e com base nas guidelines da “National Comprehensive Cancer Network”, verificou-se que 7 dos 13 doentes poderiam ser elegíveis para tratamento de preservação de órgão. Nos restantes, o tratamento proposto passaria pela cirurgia. (Tabela 4)

Tabela 4 Impacto no prognóstico relativamente aos doentes com downstage do estadio T 

Tratamento proposto LT LT Preservação de órgão Preservação de órgão LT LT Preservação de órgão Preservação de órgão LT Preservação de órgão LT Preservação de órgão Preservação de órgão
Disfagia Não Sim Não Não Não Não Não Não Não Não Sim Não Sim
Traqueotomia prévia Sim Sim Não Não Não Não Não Não Sim Não Não Não Não
Mobilidade laríngea Imóvel Imóvel Normal Normal Hipomóvel Imóvel Normal Hipomóvel Normal Normal Normal Normal Normal
Invasão da lâmina interna da cartilagem tiróide Sim Sim Não Sim Sim Não Não Sim Não Não Não Não Não
Dimensão do tumor (> medida) 3,5 cm 2,4 cm 2 cm 3,6 cm 2,5 cm 3,4 cm 1,2 cm 2 cm 3,5 cm 1,7 cm 3 cm 4,5 cm 2,6 cm
Localização do tumor Glótico Supraglótico Supraglótico Supraglótico Supraglótico Supraglótico Glótico Glótico Hipofaringe Glótico Supraglótico Supraglótico Hipofaringe
Condições para tratamento conservador Sim Não Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim
Índice de Karnofsky 90% 80% 90% 80% 90% 90% 90% 90% 80% 80% 70% 80% 90%
Idade Estadio cT cN Estadio pT pN 53A; cT4cN0; pT3pN0 80A cT4cN0; pT3pN0 60A; cT4cN0; pT3pN0 51A; cT4cN1: pT3pN0 69A; cT4cN2; pT3pN2 57A; cT4cN2; pT3pN2 62A cT3cN0; pT2N0 57A; cT3cN0; pT2N0 61A; cT3cN1; pT2N3 56A; cT3N0; pT2cN1 75A; cT4cN2; pT2pN3 46A cT3cN2; pT1pN0 78A: cT2cN1; pT1pN0

Relativamente aos casos em que se verificou uma mudança do estadio N, a concordância clínico-imagiológica e clínico-patológica foi considerada caso se tratasse de N0 ou N+, tendo existido uma correlação clínico-imagiológica em 62,5%, 15/24 casos), sobretudo na presença de um PET-scan (p=0,02). A mudança do estadio N não se relacionou com a dimensão (p=0,093) nem com a lateralidade dos gânglios (p=0,317).

Discussão

No presente estudo, a discordância entre o estadiamento clínico e patológico foi comum e similar à reportada na literatura (entre 18% até 50%), sendo superior na categoria N relativamente à categoria T. (1,5,7 De facto, cerca de 20% dos doentes que clinicamente eram N0, apresentavam gânglios positivos (N+) no estadiamento patológico. Apesar de a categoria pN ser habitualmente o fator que melhor se relaciona com a sobrevida5,7, no presente estudo não se verificou um impacto global da mudança do estadio N nos outcomes globais.

O estadiamento T da 8ª edição agrupa na mesma categoria T3 tumores que podem exibir padrões de invasão e comportamentos distintos. (3 São classificados como T3 os tumores que condicionam uma fixação da corda vocal, que invadam o espaço pré-epiglótico, o espaço paraglótico e/ou a lâmina interna da cartilagem tiróide. (3 O espaço pré-epiglótico e o espaço paraglótico, ambos ricos em tecido adiposo, vasos sanguíneos e linfáticos, são importantes vias de disseminação submucosa do carcinoma da laringe. (8 A invasão do espaço pré-epiglótico ocorre através de fenestrações na cartilagem epiglótica, no caso dos tumores supraglóticos (sobretudo da epiglote), por disseminação superior a partir da comissura anterior (nos tumores glóticos) ou, em alguns casos, por invasão do espaço paraglótico quando não existe nenhuma barreira anatómica/camada fibrosa que separe os dois espaços. (8,9 A invasão do espaço paraglótico, por sua vez, poderá condicionar uma disseminação tumoral nos sentidos posterior (articulação cricoaritenoideia, hipofaringe e esófago), inferior (para a subglote), anterior (para os tecidos extra-laríngeos pelo hiato existente entre a cartilagem tiróide e cricóide) ou, menos frequentemente, superior (para o espaço pré-epiglótico). (9 A identificação da invasão tumoral nestes espaços assume, desta forma, uma importância fulcral, não só em termos prognósticos, mas também terapêuticos. (3,8 A RMN apresenta uma sensibilidade superior à TAC na avaliação do espaço paraglótico, embora a possa sobrestimar, sobretudo na presença de biopsias submucosas prévias. (10,11 Contrariamente ao encontrado na nossa amostra, a acuidade na avaliação do espaço paraglótico nos trabalhos de Jaipura9 e Locatello3) foi de 82% e 93,3%, respetivamente. No que toca à invasão da cartilagem tiróide, a distinção entre invasão e penetração em toda a sua espessura permanece difícil, sendo que o valor preditivo positivo não excede os 75%, a não ser que haja uma clara invasão extra-laríngea, o que aconteceu em 55% da amostra estudada. (2,3 Embora apenas uma pequena percentagem de doentes tenha realizado RMN, esta aumentou a acuidade diagnóstica na avaliação da cartilagem tiroideia em 50% dos casos, validando a sua utilidade na invasão destra estrutura. Neste trabalho, a acuidade diagnóstica na invasão do espaço pré-epiglótico, extensão contralateral e extensão extralaríngea foi superior a 78%, em conformidade com o reportado no estudo de Locatello et al. (3

No presente trabalho, o sobre-estadiamento clínico do T em doentes que potencialmente poderiam ter sido candidatos a tratamento conservador de órgão ocorreu em 7 doentes. Apesar de retrospetivamente ser difícil inferir sobre o estado do paciente e se conseguiria ter sido evitada a laringectomia total, os doentes em que isto se verificou poderiam eventualmente mostrar um bom controlo da doença e uma boa função laríngea com um esquema terapêutico de preservação de órgão. A decisão no tratamento do cancro da laringe localmente avançado deve ser multidisciplinar e individualizada, ponderando-se os riscos e benefícios das diferentes abordagens, cirúrgicas e não cirúrgicas. (4,12 Nos estadios T4N0 ou T4N+, a laringectomia total oferece uma taxa de sobrevida livre de doença superior quando comparado com estratégias de preservação de órgão. (4,12 No entanto, no caso de alguns tumores estadiados como T3N0 ambas as estratégias mostram taxas de controlo da doença globalmente semelhantes. (4,12 Nestes doentes, as estratégias de preservação de órgão deverão ter em consideração os fatores associados ao paciente - idade, profissão, co-morbilidades (incluindo a função pulmonar), compliance, abstinência tabágica e alcoólica -, e ao tumor - dimensão, localização, função laríngea. (4,12 De facto, doentes com doença pulmonar, fixação vocal, com gastrostomia e/ou traqueostomia e com tumores volumosos (supraglóticos>5.0cc ou glóticos >2.5cc) parecem ter melhores resultados quando tratados cirurgicamente. (4 Dever-se-á ter também em consideração os fatores associados ao sistema de saúde, no sentido em que será necessário um follow-up regular de forma a identificar e tratar as complicações associadas aos tratamentos de quimio e radioterapia (como a aspiração crónica, disfagia e dispneia), bem como eventuais recidivas ou persistências tumorais passíveis de cirurgias de resgate. (4,12 No estudo de Sherman et al13, o score TALK - estadio T, albumina sérica, hábitos alcoólicos, índice de Karnofksy - mostrou ser um bom preditor nos esquemas de preservação de órgão, correlacionando-se positivamente com o controlo da doença, com a ausência de traqueotomia e de alimentação por tubo de gastrostomia.

As limitações deste artigo prendem-se não só com o facto de se tratar de um estudo de carácter retrospetivo, mas também com o facto da avaliação clínica dos doentes ter sido realizada por diferentes profissionais (cirurgiões, radiologistas e anátomo-patologistas). A decisão terapêutica dos doentes incluídos foi sempre realizada numa consulta de grupo multidisciplinar que envolveu Otorrinolaringologistas, Radiologistas e Oncologistas.

Conclusão

O estadiamento clínico nos cancros da laringe e hipofaringe, quando inadequado, poderá associar-se a estratégias terapêuticas inadequadas e a piores outcomes vitais e funcionais. A correta caraterização deste tipo de tumores faz com que seja necessária uma maior acuidade na avaliação diagnóstica do espaço paraglótico e da cartilagem tiróide, de forma a avaliar corretamente a sua extensão. Estas conclusões, resultado de um estudo observacional e com um pequeno número amostral, poderão ser validadas num estudo multicêntrico e de maiores dimensões.

Proteção de pessoas e animais

Os autores declaram que os procedimentos seguidos estão de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos diretores da Comissão para Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram que seguiram os protocolos do seu trabalho na publicação dos dados de pacientes.

Conflito de Interesses

Os autores declaram que não têm qualquer conflito de interesse relativamente ao presente artigo.

Financiamento

Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

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Recebido: 13 de Dezembro de 2022; Aceito: 12 de Fevereiro de 2023

Contato principal para correspondência: cristinaaguiar16@gmail.com

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