Introdução
Surgimento da cirurgia robótica transoral (TORS)
A cirurgia assistida por robô pode ser observada desde a década de 80, sendo seu conceito concebido no período da Segunda Guerra Mundial, visando a criação de um sistema cirúrgico com possibilidade de controle remoto 1,2. A cirurgia robótica deu início a uma nova era de procedimentos minimamente invasivos, tornando-se o padrão ouro em determinadas especialidades. Deste modo, a cirurgia robótica tem a capacidade de auxiliar o cirurgião a realizar feitos antes considerados excelsos, através da sua notável precisão, eliminação de tremores, graus de liberdade (DOF’s, degrees of freedom), ergonomia aprimorada e visão tridimensional ampliada do campo operatório 2)
A cirurgia robótica transoral (TORS) tem ganhado notoriedade desde a publicação de Weinstein et al., 2007 sobre a tonsilectomia radical com uso da TORS para o tratamento de tumores na região da orofaringe, região que é conhecida por apresentar acesso cirúrgico desafiador, tendo o seu grau de dificuldade aumentado exponencialmente quando associado a tumores complexos 3,15. Deste modo, a técnica adveio da era robótica com o objetivo de substituir a modalidade cirúrgica aberta até então considerada de escolha para o tratamento de tumores de orofaringe, além disso, a TORS tem como princípio a ressecção cirúrgica em bloco, técnica descrita para tumores tonsilares via transoral por Huet et al., 1951., o que envolve a ressecção transoral da tonsila e do músculo constritor superior, profundamente ao espaço parafaríngeo, gerando resultados expressivamente superiores devido a ergonomia e visão ampliada proporcionadas pelo robô 3.
O robô basicamente consiste em um conjunto de estruturas, sendo elas o console do cirurgião, o carrinho do paciente com braços articuláveis ou giratórios e a torre de imagem. O sistema robótico mais amplamente utilizado é o Da Vinci Surgical System (Intuitive Surgical, Inc., Sunnyvale, CA, Estados Unidos) o qual atualmente utiliza ampliação 3D de alta definição (HD, high definition) com sete DOFs. O sistema é controlado por pulsos articulados que permitem uma visão estereoscópica, trazendo uma maior destreza e amplitude visual melhorada 2.
Principais vantagens da técnica
A precisão cirúrgica da TORS permite uma abordagem menos invasiva que implica numa redução expressiva de complicações tais quais sangramentos e fístulas, além de apresentar resultados estéticos melhores, melhora da qualidade de vida do paciente, redução das taxas de infecções e internamento hospitalar quando comparada a técnica aberta, além disso, a TORS têm demonstrado diminuição das dores pós-operatórias e tempo de recuperação do paciente 1,6,16,17,18. Deste modo, a aplicação da TORS está diretamente relacionada a quadros que necessitem de uma precisão cirúrgica elevada devido a região orofaríngea apresentar um difícil acesso, o que pode ser agravado com a proximidade do tumor e relação a estruturas nobres. A TORS permite uma maior manobrabilidade do instrumental e melhor visualização da lesão, permitindo reconstruções microcirúrgicas a partir de anastomoses em espaços extremamente confinados, o que propicia uma maior gama de confecções de enxertos vascularizados para fechamento do leito operatório. 2,9,10,12,16,17,18
TORS associada a outras tecnologias
Além da própria utilização da tecnologia robótica no período intraoperatório, também é possível melhorar a experiência do planejamento cirúrgico com a utilização de métodos como planejamento cirúrgico virtual (VPS, Virtual Surgical Planning) e da impressão 3D de modelos anatômicos 1,2,4,5. O VPS têm se demonstrado um grande avanço, principalmente nos casos em que se faz necessário realizar a reconstrução mandibular, além disso, pode ser usado no planejamento da incisão de face Lift modificada que promove uma incisão reduzida, sendo utilizada nos casos de dissecção cervical nos cânceres de cavidade oral. Deste modo, a realização de incisões menores está atrelada a um melhor resultado estético e recuperação mais rápida do paciente, porém a mesma também ocasiona uma maior dificuldade técnica durante o ato cirúrgico devido a menor janela operatória, sendo assim, limitações como esta podem ser sanadas a partir do uso do VPS associado a TORS 2,5
Métodos
Trata-se de uma revisão integrativa de literatura realizada com base em estudos publicados nas bases de dados PubMed/MEDLINE, Google Scholar e Cochrane Library no intervalo de 2011 a 2022. Foram utilizados os termos de busca “Transoral Robotic Surgery” (TORS); “Head and Neck Squamous Cell Carcinoma” (HNSCC), “Oropharyngeal Cancer” (OPSCC). Revisores independentes conduziram separadamente a busca eletrônica e todos os artigos foram inicialmente selecionados quanto à relevância por título e resumo, obtendo-se o texto completo do artigo. Foram obtidos um total de 81 artigos, sendo aplicado o processo de seleção resultando em 25 artigos os quais foram utilizados para compor esta revisão, como explicitado na (Tabela 1). Critérios de inclusão: Artigos disponíveis na íntegra, escritos em língua inglesa e/ou portuguesa, publicados entre 2011 a 2022 e em conformidade com o tema trabalhado. Critérios de exclusão: Artigos não disponíveis na íntegra, escritos em línguas que não Inglês ou Português, publicação anteriormente ao ano de 2011 e artigos que tangenciam o tema abordado.
Resultados
Tabela 2 Descrição: Resultados e conclusões dos estudos retrospectivos, metanálises e revisões sistemáticas e integrativas acerca da eficácia da TORS.
Título do artigo | Autor/ano | Desenho do estudo | Resultados | Conclusão |
Robotics in oral surgical procedures: Integrative review | Queiroga et al. 2021 | Revisão integrativa da literatura | O emprego de robôs como ferramenta se mostrou bem sucedido para diversas aplicações como em cirurgias minimamente invasivas, no tratamento de câncer de cabeça e pescoço, em cirurgias craniomaxilofaciais e em osteotomias pré- programadas roboticamente. | Diante do exposto, podemos afirmar que a literatura converge ao considerar a aplicação da robótica em procedimentos cirúrgicos odontológicos uma combinação de grande potencial com relação à segurança, precisão, melhor recuperação funcional pós-operatória e melhores resultados estéticos. |
Is There Room for Microsurgery in Robotic Surgery? | Silva et al. 2022 | Revisão sistemática da literatura | Os parâmetros de avaliação foram o nível de fadiga do cirurgião, o grau de tremor, e a facilidade para realizar o procedimento. Os autores aprovaram o sistema nas três avaliações, e afirmaram que ele possibilita a execução de uma técnica precisa e de qualidade para a microneurocirurgia. | Conclui-se que existe grande espaço para a robótica na microcirurgia. Os estudos selecionados apontam grande perspectiva de crescimento dessas práticas, que se pautam no uso da robótica para os mais variados campos. A cirurgia transoral se trata de uma opção segura e eficaz para a identificação e tratamento de diversos tumores de cabeça e pescoço. A garantia da destreza, acuidade visual e precisão cirúrgica a tornam uma técnica segura e auspiciosa, aplicável a diferentes áreas da microcirurgia |
Transoral Robotic Surgery for Oropharyngeal Cancer | Paleri et al. 2018 | Revisão sistemática da literatura | A cirurgia robótica transoral tem se mostrado uma promessa significativa no manejo do câncer orofaríngeo desde sua descrição em 2007. A eficácia oncológica deste procedimento foi comprovada em vários estudos unicêntricos, publicações colaborativas multicêntricas e revisões sistemáticas | O aumento da incidência, novas técnicas de tratamento cirúrgico e não cirúrgico e uma população de pacientes mais jovens criaram a necessidade de gerar evidências robustas. É muito provável que os processos de tratamento para esta doença mudem na próxima década. |
Transoral robotic surgery and intensity‑modulated radiotherapy in the treatment of the oropharyngeal carcinoma: a systematic review and meta‑analysis | De Virgilio et al. 2021 | Meta-analysis | O subgrupo IMRT mostrou uma taxa de sobrevivência cumulativa de 83,6% (IC 99% 76,9-89,3%), enquanto foi de 91,3% (IC 99% 81,2-97,8%) no subgrupo TORS. A sobrevida livre de doença foi significativamente diferente entre IMRT (79,6%, IC 99% 70,6-87,3%) e TORS (89,4%, IC 99% 82,7-94,5%). | TORS parece ser uma abordagem cirúrgica eficaz consolidada no tratamento de OPSCC, de acordo com os resultados oncológicos e funcionais. Mais estudos randomizados controlados comparando TORS e IMRT com coortes homogêneas em termos de estadiamento do tumor e status de HPV são aconselháveis |
Oncological and functional outcomes of trans-oral robotic surgery for pyriform sinus carcinoma: A French GETTEC group study | Mazerolle et al., 2018 | Retrospective multicentric study | A mediana de internação foi de 10 dias; a traqueostomia preventiva foi realizada em sete casos (12%) todos foram decanulados com sucesso; A realimentação oral foi possível para 93%, após uma mediana de 5 dias; A terapia adjuvante foi proposta em 31 casos (54%); acompanhamento médio de 23 meses, sobrevida global e livre de doença foram, respectivamente, 84% e 74% em 24 meses, e 66% e 50% em 48 meses; Ao final do seguimento, a taxa de preservação de órgãos foi de 96%. Nenhum dos pacientes sobreviventes precisou de traqueostomia e a dieta oral foi possível para 96%. | A TORS pode ser considerada um procedimento conservador e seguro para pequenas lesões no seio piriforme, em terapia inicial ou de resgate. Tem resultados oncológicos aceitáveis e excelentes resultados funcionais. No entanto, é um dos tipos mais complexos de cirurgia assistida por robô, sendo necessária uma seleção rigorosa dos casos, principalmente para lesões que envolvem o ângulo anterior, onde a exposição é difícil e a excisão segura da margem é difícil de conseguir. |
Robotic compared with open operations for cancers of the head and neck: a systematic review and meta-analysis | Liu et al., 2019 | Systematic review | A meta-análise também mostrou que a cirurgia robótica pode reduzir significativamente o risco de margens de incisão invadidas, particularmente na ressecção de câncer orofaríngeo (9,5% em comparação com 19,1%; RR 0,54 (95% CI 0,34 a 0,86; p = 0,01); I 2 = 0%; Não houve diferença entre cirurgia robótica e aberta no que diz respeito à morte e sobrevida livre de doença, mas a cirurgia robótica pareceu reduzir significativamente a taxa de recorrência para ressecção de tumores primários (8,3% em comparação com 17,8%; RR 0,48 (95% CI 0,25 a 0,91); p = 0,02; I 2 = 0%) | De acordo com os estudos incluídos e nossos resultados, concluímos que o sistema cirúrgico robótico tem benefícios notáveis na redução da taxa de margens invadidas, diminuindo as complicações e melhorando a qualidade de vida dos pacientes em comparação com a cirurgia aberta convencional para câncer de cabeça e pescoço. No entanto, a falta de feedback tátil e seu alto custo podem ser as principais limitações até agora. Apenas alguns estudos investigaram os resultados oncológicos, bem como a recuperação funcional e a qualidade de vida a longo prazo, portanto ainda há um longo período de desenvolvimento para a cirurgia robótica antes que ela se torne um tratamento universal |
The role of transoral robotic surgery, transoral laser microsurgery, and lingual tonsillectomy in the identification of head and neck squamous cell carcinoma of unknown primary origin: a systematic review | Fu et al., 2016 | Systematic review | O TORS/TLM identificou o tumor primário em 111/139 (80%) pacientes no geral e 36/54 (67%) pacientes sem achados notáveis após exame físico, imagem radiológica e panendoscopia com biópsias direcionadas. A amigdalectomia lingual identificou o tumor primário em 18/25 (72%) pacientes sem achados. A hemorragia (5%) foi a observação perioperatória mais comum. TORS/TLM localizou com sucesso o tumor primário em 111 de 139 (80%) | Esta revisão sistemática apóia o uso de TORS e TLM para auxiliar na identificação de carcinoma espinocelular primário de cabeça e pescoço de origem desconhecida, com taxas de detecção superiores em comparação com a investigação diagnóstica tradicional. Também demonstramos que a adição de amigdalectomia lingual formal usando TORS/TLM é uma opção segura e eficaz que pode aumentar o rendimento da localização de um tumor primário oculto |
Transoral robotic surgery in head neck cancer management | Kwong et al., 2015 | Systematic review | O TORS permite que o cirurgião controle os instrumentos e a câmera. A ressecção endoscópica de tumores da base do crânio depende de dois cirurgiões, pois é necessário um assistente para controlar o endoscópio. Além disso, o sistema da Vinci tem uma característica única de eliminar o tremor durante a instrumentação. A cirurgia robótica pode ajudar a superar esse problema, pois a visualização 3D permite que o cirurgião coloque suturas seguras em espaços confinados da base do crânio. | Apesar de um curto período de gestação, o TORS mostrou-se de valor significativo na cirurgia de câncer de cabeça e pescoço. Maiores refinamentos em tecnologia e novos modelos são inevitáveis e prevemos um papel crescente para esta modalidade no futuro |
Decision management in transoral robotic surgery (TORS): indications, individual patient selection, and role in the multidisciplinary treatment of head and neck cancer from a european perspective | Lörincz et al., 2016 | Retrospective study | Após a ressecção robótica transoral de seus primários e esvaziamento cervical apropriado, conforme indicado, o tratamento adjuvante pode ser poupado em 20 pacientes (40%). Outros 5 pacientes recusaram a terapia adjuvante recomendada (dois deles desenvolveram posteriormente doença nodal recorrente, ambos foram salvos com sucesso com quimiorradioterapia). Dezessete pacientes receberam radioterapia adjuvante de 60 Gy e 8 pacientes foram submetidos a quimiorradioterapia adjuvante de 66 Gy. Em 37 pacientes (74%) no total, o tratamento adjuvante pode ser completamente poupado ou o componente quimioterápico pode ser omitido e a radioterapia pode ser reduzida em pelo menos 10 Gy, em comparação com o protocolo padrão de quimiorradiação primária com 70 Gy. Somando os 3 pacientes que recusaram tratamento adjuvante e não desenvolveram recidiva até o momento, esse número sobe para 80%. | Como acontece com qualquer nova terapia, é fundamental que estudos multicêntricos prospectivos randomizados sejam capazes de confirmar a segurança e eficácia da TORS no tratamento de primeira linha de HNSCC. Esses estudos devem ser projetados com base nas vantagens e limitações exclusivas do Sistema Cirúrgico daVinci em TORS; a seleção adequada de pacientes nesses estudos é vital. Acreditamos que as vantagens oferecidas pela TORS em relação às modalidades de tratamento convencionais aplicadas em larga escala resultarão em uma mudança de paradigma nos resultados de qualidade de vida de pacientes com câncer de cabeça e pescoço |
Systematic Review of Validated Quality of Life and Swallow Outcomes after Transoral Robotic Surgery | Castellano et al., 2019 | Systematic review | Quando comparações foram feitas entre aqueles que receberam TORS e aqueles que receberam cirurgia aberta ou CRT, o grupo TORS apresentou escores de qualidade de vida mais altos em várias categorias em vários momentos. Quando aqueles que receberam TORS e aqueles que receberam cirurgia aberta ou CRT foram comparados, vários estudos relataram melhores resultados de deglutição para o grupo TORS. | As evidências disponíveis sugerem que os pacientes submetidos à terapia adjuvante TORS 6 para câncer de cabeça e pescoço apresentam bons resultados de qualidade de vida e deglutição após o tratamento, mas os resultados dependem da função basal, estágio T e status do tratamento adjuvante. Quando comparados com pacientes submetidos a cirurgia aberta ou CRT, os pacientes submetidos a TORS tiveram resultados favoráveis em relação à qualidade de vida e função de deglutição. Mais estudos de alta qualidade sobre este tópico serão benéficos para delinear quais populações de pacientes se beneficiarão mais e terão os melhores resultados do TORS. |
Robot-Assisted Reconstruction in Head and Neck Surgical Oncology: The Evolving Role of the Reconstructive Microsurgeon | Chalmers et al., 2018 | Systematic review | À medida que a experiência melhora, ressecções maiores e mais complexas, incluindo cirurgia de resgate, estão se tornando possíveis com o TORS. A evolução natural desse processo fez com que os cirurgiões reconstrutivos começassem a investigar o papel da reconstrução assistida por robô (RAR) e da cirurgia reconstrutiva robótica transoral (TORRS). A curto prazo, foi relatada uma redução no tempo de operação e tempo de internação, bem como um retorno mais rápido da deglutição. A longo prazo, uma redução na TRC primária e o desescalonamento da TRC pós-operatória através das vias TORS podem reduzir a incidência de osteorradionecrose, que carrega um grande ônus econômico e tem um impacto significativo na qualidade de vida | Com o avanço da cirurgia assistida por robô, a reconstrução assistida por robô (RAR) está evoluindo. Neste artigo, discutimos a evolução do papel da reconstrução em defeitos pós-TORS, bem como o papel do RAR na prática atual. |
Clinical Value of Transoral Robotic Surgery: Nationwide Results From the First 5 Years of Adoption | Li et al., 2018 | A retrospective analysis | A TORS foi associada a uma menor probabilidade de margens positivas quando comparada à cirurgia não robótica, embora não à TLM (cirurgia não robótica: taxa de risco [HR] 1,51, P < 0,001, TLM: HR 1,13, P = 0,582). A TORS foi associada a menor probabilidade de quimiorradioterapia pós-cirúrgica (TLM: HR 2,07, P < 0,001, cirurgia não robótica: 1,65, P < 0,001), mas não apenas radioterapia adjuvante (TLM: HR 1,06, P = 0,569, cirurgia não robótica: 0,96, P = 0,655). Na análise multivariada de Cox da sobrevida global, o uso de TORS não foi associado ao aumento da sobrevida (TLM: HR 1,31, P = 0,233, cirurgia não robótica: HR 1,12, P < 0,303). | As vantagens de TORS para OPSCC em estágio inicial podem ser uma menor probabilidade de margens positivas pós-cirúrgicas e subsequente necessidade de quimiorradioterapia adjuvante. |
Discussão
Indicação da TORS
A TORS apresenta diversos pontos positivos no que tange a ganho de precisão cirúrgica sendo uma ótima opção quando indicada corretamente 16,20,21,22. Deste modo, um estudo realizado por Li et al., 2019 com base na “National Cancer Database” dos Estados Unidos, com o objetivo de avaliar o potencial de queda de risco de margens positivas e necessidade de quimioterapia adjuvante em pacientes submetidos a TORS, TLM e cirurgia não robótica, concluiu que a taxa de sobrevivência foi igual comparando todos os pacientes avaliados, porém os pacientes operados por TORS apresentaram taxas menores de margens operatórias positivas no estudo anatomopatológico e também menores taxas de necessidade de quimiorradioterapia adjuvante (CRT, chemoradiotherapy) 2,13. Já em estudo realizado por Hanna et al., 2020 a respeito da utilização da TORS em tumores de laringe em estágio inicial, foi feita a comparação entre TORS, TLM e cirurgia aberta parcial com base nas taxas de sobrevida, e concluiu-se que não houveram diferenças significativas entre as taxas de margens negativas entre a TORS e a TLM (68.7% e 64.8%, respectivamente), porém ambos os métodos eram superiores às taxas de sobrevida atreladas a cirurgia aberta (59.1%) 14.
A TORS é utilizada em maior escala em pacientes cujo estadiamento está compreendido entre T1 e T2, porém uma minoria dos pacientes entre T3 e T4 também pode se beneficiar de tal abordagem 3,16,20,21,22. Além disso, é mandatório que seja realizado um plano de tratamento se valendo de radioterapia e/ou quimioradioterapia, principalmente naqueles casos de tumores HPV positivos, pois muito ainda se discute a respeito da eficácia oncológica da cirurgia para tais tumores 3.
Desvantagens da TORS
Apesar dos múltiplos benefícios trazidos pela TORS algumas desvantagens podem ser listadas no uso desta técnica. Sendo assim, dentre as limitações da TORS estão a necessidade de expertise por parte do cirurgião o qual necessita de familiarização com sistema robótico, falta de feedback tátil que pode causar estranheza ao cirurgião e período operatório mais longo o qual deve diminuir apenas com o passar do tempo devido à curva de aprendizado 1,2. É possível destacar também a distorção da localização dos tumores profundos, pois quando posicionados os afastadores cirúrgicos, os mesmos geram uma discrepância entre a localização do tumor na RNM e no campo operatório, porém, apesar dessa distorção gerada, a mesma pode ser sanada a partir da utilização de ultrassonografia intraoral no período intraoperatório que permite uma melhor delimitação das margens tumorais mesmo em caso de tumores mais profundos 3.
Apesar do “Da Vinci Surgical System” permitir a realização da TORS, o mesmo não foi projetado para efetuar tal procedimento, sendo inicialmente idealizado para cirurgias intra-abdominais onde se vale de um amplo espaço na cavidade, diferentemente do cenário encontrado na cavidade oral e orofaringe. Deste modo, a desproporção entre os espaços intra abdominal e intraoral pode gerar uma considerável desvantagem em casos de anatomia complexa devido à dimensão dos braços articuláveis e posicionamento da câmera do robô. 16
A TORS demanda um espaço exclusivo para o robô (sala cirúrgica própria), tempo de instalação e alto custo embutido na aquisição e manutenção do maquinário, o que torna necessária a seleção minuciosa dos pacientes a serem submetidos a esta técnica, porém estudos como Borumandi et al., 2018 reforçam a relação custo-benefício da utilização do robô devido ao impacto direto na redução do tempo de internamento e complicações, o que gera uma economia para o sistema de saúde. A TORS como qualquer cirurgia robótica compartilha dos mesmos fatores complicadores presentes em cirurgias tradicionais, porém a mesma apresenta um risco adicional sendo este a possibilidade de falha mecânica do equipamento e o transtorno de conversão para cirurgia tradicional ou suspensão do procedimento 1,7.
Tempos operatórios distintos
Atualmente há um grande debate com relação ao tempo operatório de realização da TORS. A discussão gira em torno da abordagem conjunta da cavidade oral e do pescoço no mesmo ato operatório, ou em etapas separadas de modo que em um tempo operatório seja feito o esvaziamento cervical com abordagem tradicional, e dias após seja realizada a cirurgia robótica dedicando-se exclusivamente à cavidade oral. Sendo assim, a divisão do ato operatório em dois momentos foi sugerida com objetivo de reduzir o número de complicações relacionadas à formação de fístulas entre os espaços cervicais e a cavidade oral 3. Dentre os fatores que influenciam a possibilidade de formação de fístula, o nível de dissecção do pescoço é o mais importante. Dessa forma, algumas equipes cirúrgicas optam por realizar secção dos níveis II a IV do pescoço para pacientes classificados em N1 e N2a, enquanto outras realizam dos níveis I a IV. Deste modo, ao optar-se por realizar o procedimento em tempos distintos é possível reduzir o risco de complicações a partir da maior acurácia na identificação dos ramos da artéria carótida externa a exemplo das artérias lingual, facial e faríngea ascendente como forma de reduzir as taxas de hemorragia no intra e/ou pós-operatório. 3
Efetividade oncológica da TORS
Atualmente, debate-se a respeito do real potencial da TORS, o que acabou por resultar em muitas pesquisas comparando os diversos métodos de tratamento cirúrgico e não cirúrgico. Deste modo, segundo Fu et al., 2016 o qual realizou comparações entre as técnicas cirúrgicas de cirurgia robótica transoral (TORS), microcirurgia transoral à laser (TLM) e tonsilectomia lingual aberta, com base no cenário do diagnóstico primário do carcinoma espinocelular de orofaringe (OPSCC, oropharyngeal squamous cell carcinomas). O estudo concluiu que as taxas de detecção tumoral da TORS e TLM apresentaram-se superiores às taxas da cirurgia aberta (80 vs 72%), além disso, foi possível chegar ao consenso da segurança e eficácia da realização da tonsilectomia por meio da TORS e TLM no rastreamento cirúrgico de tumores primários ocultos, tendo a TORS/TLM localizado o tumor primário em 111 de 139 casos (80%). 2,8
Portanto, além da vantagem nas taxas de detecção tumoral, também é possível perceber uma superioridade na preservação da qualidade de vida e função de deglutição nos pacientes operados por TORS. Sendo assim, segundo Castellano e Sharma et al., 2019 quando comparados os pacientes submetidos a TORS e a cirurgia aberta obteve-se um resultado superior nos pacientes do grupo TORS, quanto aos questionários de qualidade de vida e deglutição. Porém, vale ressaltar que, alguns fatores são determinantes e podem influenciar na qualidade de vida e deglutição como status performance do paciente, estágio T, e status do tratamento adjuvante. Ao considerar o fato de que a grande maioria dos tumores avançados demandam de abordagem aberta mais agressiva, é possível inferir uma notável dificuldade de realizar uma comparação entre ambos os grupos. 2,11
Ademais, alguns estudos têm comprovado a eficácia da TORS comparando sua eficácia com a radioterapia primária. Deste modo, a realização precoce da TORS pode resultar numa redução na necessidade de radioterapia (RT) sendo tal fato de grande relevância, pois altas doses de RT acabam por aumentar a morbidade dos pacientes a curto e longo prazo 3. Apesar dos resultados favoráveis a respeito da eficácia da TORS, vale ressaltar a inexistência de uma base de dados robusta, impossibilitando uma comprovação vigorosa de superioridade 16.
TORS vs. Radioterapia de intensidade modulada (IMRT)
A TORS e a radioterapia de intensidade modulada (IMRT) são as duas terapias de escolha para pacientes com OPSCC (carcinoma espinocelular de orofaringe) em estágios iniciais e muito se discute a respeito da efetividade oncológica de ambos os tratamentos. Deste modo, estudos como Yeh et al., 2015 demonstram taxas de sobrevida favoráveis a TORS, porém tais números encontram-se muito próximos não possuindo diferenças clinicamente significativas com 74-100% e 69-100% para TORS e IMRT, respectivamente. 16,23 No trial ORATOR de Nichols et al., 2019 foi realizada a comparação entre a TORS e IMRT quanto a qualidade de vida e toxicidade das duas modalidades, o estudo resultou numa superioridade no quesito deglutição após um ano de pós-operatório para a IMRT, porém não puderam ser visualizadas diferenças significativas entre os métodos, com uma progressão livre de doença eficaz em ambas as terapias, sendo 88.2% vs. 82.4% para IMRT e TORS, respectivamente 16,24.
Apesar da diferença entre as taxas de sobrevida e progressão livre de doença não apresentarem relevância clínica, alguns pontos podem ser salientados na diferença entre os métodos de tratamento sendo estes julgados como aspectos positivos na escolha da TORS. Deste modo, são pontos positivos a necessidade de estudo radiológico para localização do tumor com intuito da análise de viabilidade do procedimento cirúrgico e seleção criteriosa dos pacientes eleitos para a realização do procedimento cirúrgico. Além disso, devido ao alto custo e critérios precisos de indicação da TORS a mesma acaba por exigir da equipe assistencial um maior planejamento e seleção do paciente o que pode resultar na detecção de precoce de comorbidades que venham a surgir nesse processo e maior cuidado focado e personalizado ao paciente. Ademais, devido às limitações na condução e realização de ensaios clínicos randomizados, torna-se difícil de obter um resultado concreto no que tange a superioridade de alguma das terapêuticas. 16
Complicações da TORS
Devido ao fato da TORS ser um método de tratamento e diagnóstico relativamente recente, muitos cirurgiões ainda apresentam receio de utilizar o método devido a necessidade de cursos preparatórios específicos para atuar com o robô e da dúvida a respeito das taxas de complicações cirúrgicas atreladas ao método. Deste modo, em estudos de revisão sistemática com um universo amostral de 772 pacientes foram obtidas taxas de 2,4% e 2,5% para hemorragia e fístulas, respectivamente 3. Já em estudo realizado por Su et al., 2016 analisando um total 305 pacientes, foram obtidas 7,9% e 0,7% de taxa de complicações e mortalidade, respectivamente, num intervalo de 30 dias, sendo a permanência hospitalar o principal fator de aumento de comorbidade. Além disso, a TORS está associada a baixas taxas de distúrbios de deglutição que na grande maioria dos pacientes cessa em até seis semanas do ato operatório, porém segundo Fu et al., 2016 cerca de 1% dos pacientes não retornam à função normal e necessitam da utilização de sonda nasogástrica durante o tratamento adjuvante. 3,25
Conclusão
Pode-se concluir que a TORS é uma técnica cirúrgica segura e precisa a qual possibilita uma ressecção com margens milimétricas e uma precisão sobre-humana, porém, apesar das diversas vantagens trazidas pela técnica robótica, a mesma ainda conta com diversos empecilhos na atualidade como o alto custo na compra do robô e a necessidade de infraestrutura e fluxogramas específicos de atendimento da instituição. Além disso, a diferença mínima de desfecho oncológico, sem significância clínica entre a TORS e a IMRT associado a dificuldades técnicas na realização dos ensaios clínicos randomizados torna difícil a determinação da superioridade de alguma das técnicas. Sendo assim, percebe-se uma necessidade de mais estudos de metanálise com bases de dados mais robustas para que se possa analisar as lacunas ainda presentes quanto aos resultados da TORS a longo prazo. Ademais, a TORS se apresenta como uma grande aposta para o futuro, pois a mesma atravessa as barreiras impostas pelas limitações humanas e se associa com diversas outras tecnologias a exemplo da realidade aumentada (AR, Augmented Reality) e planejamento cirúrgico virtual (VPS, Virtual Surgical Planning), que quando unidas, os seus potenciais são inimagináveis à visão da medicina moderna.
Agradecimentos
Agradecimentos especiais ao caro Prof. Dr. Carlos Rodolfo que cultivou e instigou a proposta da realização desta revisão, e aos demais colegas otorrinolaringologistas e cirurgiões de cabeça e pescoço pela disponibilidade, orientação e apoio durante a elaboração desse trabalho.